terça-feira, 26 de abril de 2016

2016: mais um ano amargo: Conjuntura Internacional


            " Decifra-me ou Devoro-te"  ( Esfinge aos caminhantes)


Não temos bola de cristal mas conhecemos alguém que acompanha os acontecimentos e procura montar o quebra cabeças que nos ajuda a atravessar os mares agitados da conjuntura. Trata-se do estudioso e educador popular Emílio Gennari. 

Por ser fundamental saber onde estamos e conhecer aqueles que tecem os acontecimentos, para que possamos nos posicionar sem sermos surpreendidos com o rumo destes acontecimentos, publicamos dois textos seus sobre a conjuntura dos quais este é o primeiro.

Boa Leitura



Emilio Gennari – Educador Popular

E-mail: epcursos@gmail.com

2016: mais um ano amargo


Panorama internacional

            As oscilações nas bolsas de valores nos dois primeiros meses de 2016 indicam uma crescente preocupação com o crescimento frágil e desigual da economia mundial.

            Com pequenas desvalorizações em janeiro e fortes quedas nas duas primeiras semanas de fevereiro, as ações dos bancos estadunidenses perderam 19% do seu valor, no Japão as perdas chegaram a 36% e na Europa a 24%. Para termos uma ideia do que isso representa, basta pensar que o valor de mercado dos bancos europeus encolheu E$ 345 bi (cerca de R$ 1,54 tri).

            Diante do vendaval que sacudiu as bolsas do mundo inteiro, a pergunta de quem acompanha os acontecimentos da economia mundial não pode ser outra: por que instituições financeiras como o Deutsche Bank, o BNP Paribas, o Barclays, o Societe General da França e várias outras mostraram fragilidades aparentemente inesperadas?

A resposta está na confluência de quatro fatores:

  1. À medida que os bancos centrais faziam cair as taxas de juros abaixo da inflação para reanimar a economia, reduziam também os lucros das instituições financeiras.
  2. Os empréstimos dos bancos às empresas petrolíferas cuja disponibilidade de caixa foi duramente atingida pela queda dos preços do petróleo. Em 2015, nos EUA, o endividamento elevado e a diminuição das receitas levaram à falência 41 empresas de médio porte que atuavam na produção de petróleo e gás. Em 2016, as estimativas indicam que outras 150 seguirão o mesmo caminho caso os preços do barril de petróleo se mantenham nos níveis atuais (U$ 33 o barril).
  3. As dúvidas crescentes sobre a existência de créditos que não serão pagos por empresas agrícolas, industriais e de mineração em função do baixo crescimento da economia, da queda dos preços das matérias primas e da valorização do dólar que encareceu as dívidas contraídas nesta moeda. Na Europa, o tamanho do possível calote do setor privado seria da ordem de E$ 360 bi (cerca de R$ 1,6 tri).
  4. O fato de, a partir de 1º de janeiro de 2016, os governos dos países europeus garantirem depósitos e investimentos financeiros até E$ 100.000. Em caso de falência dos bancos, seriam os correntistas e os investidores a saírem com a maior parte do prejuízo, ao contrário do que ocorria antes quando o dinheiro dos contribuintes era empregado sem reservas para cobrir os rombos.

            Este cenário se soma às inquietações com a desaceleração da economia mundial em 2015, apesar das taxas de juro negativas nos 17 países do euro, nos Estados Unidos e no Japão que, juntos, respondem por mais metade da produção da riqueza mundial. Além da situação da China e da valorização do dólar, sobre as quais vamos nos deter mais adiante, há outros fatores que não podem ser esquecidos:

Ø  Em 2015, os investimentos encolheram em relação a 2014, ampliando a distância em relação aos níveis anteriores à crise.
Ø  O ritmo de crescimento do comércio mundial caiu de 4,7% em 2014, para 2,5% em 2015.
Ø  Apesar de ficar aquém do esperado, o aumento do consumo das famílias compensou parte da redução dos investimentos e ocorreu mais pela diminuição dos gastos com combustíveis e transporte do que por aumentos de salário. Vale lembrar que, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, os vínculos empregatícios em 2015 apontam para uma situação assustadora nas relações entre capital e trabalho no período pós-crise com 60,7% da população economicamente ativa na informalidade ou desempregada, 13% com empregos temporários e só 26,3% com contratos permanentes.

            À medida que a economia mundial vem dando sinais de desaceleração, os acionistas buscam proteger seus capitais vendendo ações de bancos e empresas que apresentam riscos maiores para comprar dólar, ouro ou migrar rumo a investimentos considerados mais seguros.

            Neste cenário de incerteza, a China, que responde por 18% da atividade econômica mundial, é o país que desperta as maiores preocupações, tanto em função da redução do crescimento da sua economia, como das dúvidas quanto à veracidade dos dados fornecidos pelo governo. Podemos esboçar a situação deste país nos tópicos que seguem:

Ø  O milagre chinês dá sinais crescentes de esgotamento. A construção civil e os investimentos estrangeiros em empresas de todos os tipos como motores do crescimento criaram uma economia dependente da indústria de transformação e das exportações. Vários sintomas indicam que este ciclo está fazendo água:
ü  A deflação de 5,2% dos preços ao produtor, criada, sobretudo, pela elevação dos estoques, reduziu os lucros e tornou pesada a taxa de juros de 4,35% ao ano (diante da inflação que, em 2015, foi de 1,87%) para as empresas endividadas. O caso das siderúrgicas ajuda a visualizar o impacto deste fator. Em 2015, os lucros do setor registraram uma queda de 68% sobre 2014, o que levou a um plano de cortes na produção da ordem de 100 a 150 milhões de toneladas ao ano durante o próximo quinquênio com a eliminação de 500.000 postos de trabalho. O problema é que não estamos diante de um caso isolado. De fato, entre março e dezembro de 2015, a indústria chinesa acumulou 11 meses de encolhimento da produção, algo que também pode ser visualizado pela redução das importações em 14,1% ao longo do ano passado e que, em janeiro de 2016, apresentou uma queda de 18,8% em relação ao mesmo mês de 2015.
ü  Apesar de, em 2015, as autoridades terem desvalorizado o yuan em 4,8%, as exportações do país sofreram uma queda de 2,8%, o que contribuiu a elevar os estoques, reduzir os lucros das empresas e alimentar as dúvidas em relação à capacidade das companhias endividadas em dólares de honrar seus compromissos (basta pensar que, em julho de 2015, o valor total destas dívidas era estimado em U$ 1,2 tri, cerca de R$ 4,8 tri). Por sua vez, os dados de janeiro de 2016 não são nada animadores, pois apontam uma queda de 11,2% das exportações em relação ao mesmo mês do ano passado.
ü  Sempre em 2015, os temores de novas desvalorizações e de uma maior redução do crescimento da economia levaram a uma forte saída de capitais do país que promete se ampliar ao longo do ano em curso. Para defender a moeda de uma desvalorização que encareceria ainda mais as dívidas em dólares, o banco central da China lançou mão de suas reservas internacionais. O problema é que, mantido o nível atual das saídas de capitais e do uso dos dólares nos cofres do governo registrado em janeiro deste ano, Pequim deve passar dos atuais U$ 3,2 tri em reservas internacionais para U$ 2,1 tri no final de 2016, uma situação que, ao se concretizar, faria soar todos os alarmes dos investidores.
O futuro imediato coloca ao governo chinês três possibilidades nada confortáveis:
1.    Desvalorizar mais a moeda local, o yuan, para aumentar as exportações e elevar o superávit da balança comercial a fim de repor parte das reservas gastas. Esta medida, porém, iria piorar a situação das empresas endividadas em dólares e apressar a fuga de capitais.
2.    Se o yuan for valorizado frente ao dólar a fim de reduzir o peso das dívidas contraídas na moeda estadunidense, o governo acabaria reduzindo a competitividade das exportações, o que elevaria os estoques das empresas, reduziria ainda mais suas margens de lucro e melhoraria as condições de remessa de dinheiro ao exterior, piorando o que está ruim.
3.    Por outro lado, se Pequim restringir os movimentos de capitais ou optar por uma erosão gradual das reservas cambiais iria encolher ainda mais os investimentos estrangeiros que entram no país e teria menos recursos para pilotar os problemas que se avolumam na economia local.
Basta isso para percebermos as dificuldades com as quais a China vem se deparando para manter o país em patamares que proporcionem índices razoáveis de crescimento e conter as tensões sociais vinculadas à redução dos novos postos de trabalho para os cerca de 20 milhões de jovens que ingressam anualmente no mercado de trabalho.
ü  Nos últimos quatro anos, os salários aumentaram acima da inflação para estimular o consumo das famílias que representa apenas 32% do PIB. O problema é que esses aumentos reduziram o lucro das empresas e a competitividade das exportações, levando várias indústrias a se mudarem para os países vizinhos que ofereciam melhores condições de exploração do trabalho. Se, de um lado, a crise de 2008 acelerou a deterioração das bases do milagre econômico chinês, de outro, a tentativa do governo de apressar a transição para um modelo econômico que ofereça um equilíbrio maior entre indústria, serviços, agropecuária e crescimento do mercado interno não acompanhou o ritmo das mudanças em curso. A desconfiança dos investidores em relação ao futuro da economia começou a se materializar nas fortes oscilações das bolsas de valores locais em junho de 2015 que criaram mais um problema para o governo: a desvalorização das ações fez evaporar parte significativa das poupanças das famílias criando um impacto negativo sobre o consumo interno e alimentando o clima de tensão social.

            Como dissemos acima, a situação de incerteza na economia mundial está levando investidores de todos os países a comprarem ouro (que, de 1º de janeiro a 22 de fevereiro deste ano teve uma valorização de 12%) e dólares estadunidenses.

            Mas, a que parece uma medida sem consequências negativas para Washington pode servir de freio ao crescimento econômico do país. Vejamos:
Ø  A alta do dólar pela forte procura dos investidores internacionais encarece as exportações dos EUA, que representam cerca de 10% do seu PIB, e acaba barateando os produtos importados, uma situação que dificulta as vendas ao exterior e eleva o déficit da balança comercial estadunidense.
Ø  O dólar mais caro faz com que as empresas fora dos EUA endividadas nesta moeda tenham mais dificuldades de pagar o que devem. Este cenário eleva as especulações dos investidores em relação a um calote, o que aumenta a procura pelo dólar e, portanto, os riscos da sua valorização.
Ø  No caso da China, além da fuga de capitais, o desaquecimento da economia do país faz com que as autoridades pressionem o mercado mundial rumo a uma diminuição dos preços das matérias primas importadas a fim de reduzir os custos e elevar as margens de lucro das indústrias locais. Mas o resultado benéfico das importações mais baratas para a China eleva as dificuldades dos países produtores que vêm lidando com os problemas internos causados pela queda dos preços destes produtos que, entre junho de 2014 e janeiro de 2016, foi, em média, de 45%. Com menos dinheiro no caixa das empresas e menos dólares nas contas da balança comercial, os países exportadores veem encolher os investimentos locais, o que tende a frear suas economias.

            Diante do cenário que apresentamos, em 2016, o crescimento estimado da economia mundial foi reduzido de 3,1% a 2,5%; o PIB dos EUA deve passar dos 2,4%, em 2015, para 2%, em 2016; os 17 países do euro devem sair de um crescimento de 1,8% no ano passado para 1,5%; e o do Japão ameaça ficar abaixo dos 0,4% registrados em 2015.

            Por esses números podemos concluir que, no ano em curso, a perspectiva de uma nova crise na economia mundial tem pouco espaço para acontecer, à medida que o crescimento de EUA e Europa devem contrabalançar com sobras a situação dos países que enfrentam uma desaceleração ou uma recessão em suas economias. Apesar disso, o aumento das perspectivas de deterioração, em 2016, aponta a possibilidade de uma nova crise em 2017.

            A soar os alarmes não são apenas os dados relativos ao comércio e aos investimentos na economia mundial, mas também o fato de os bancos centrais das principais potências econômicas terem menos instrumentos para frear a marcha de mais uma crise do sistema. E não é pra menos. Passados sete anos do início da última recessão, a taxa de juros dos países centrais se mantém negativa ou em níveis baixos demais para que uma ulterior redução dos juros sirva de estímulo à retomada da economia.

            O fato de possíveis cortes na produção de petróleo e demais commodities vierem a aumentar seus preços vai melhorar os balanços das empresas destes setores, mas, ao elevar os preços finais das mercadorias, tende a reduzir o consumo da sociedade e aumentar os estoques. Vale lembrar que na União Europeia, nos EUA, no Brasil e em várias outras nações o consumo das famílias representa mais da metade do PIB, algo que, num clima de baixos investimentos, ajuda a esfriar a marcha da economia local.

            Amedrontada pelos efeitos da última crise; anestesiada pela crença nas possibilidades de ascensão social; preocupada em perder o pouco que tem em função dos problemas causados pela geopolítica e a expansão econômica do capitalismo mundial (como no caso dos fluxos migratórios para a Europa), a classe trabalhadora chega desorganizada, dividida e sem capacidade de relacionar a origem dos seus problemas e das questões nacionais com os sacrifícios que a acumulação capitalista impõe à sociedade. A cegueira é tamanha que os trabalhadores sequer conseguem ver que, por trás dos sintomas apontados pela elite como causa de seus problemas, se esconde uma profunda exploração. Basta pensar, por exemplo, que, entre 2009 e 2015, na indústria de bens duráveis dos EUA, a produtividade aumentou 25,6% e a produção 39,5%, enquanto os salários reais por hora caíram 1,4%.

            Não sabemos quando a classe acordará para esta realidade, mas a economia mundial aponta para uma piora de suas condições de sobrevivência, um cenário que, por si só, não basta para acordar os trabalhadores da letargia em que se encontram. Novos desafios estão a caminho. Resta saber se ajudarão a classe a levantar e a pensar um projeto de sociedade que coloque as preocupações com os seres humanos, e não com os lucros, no centro da vida coletiva.


            Emilio Gennari. 28 de fevereiro de 2016.

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