sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

"Olhos que voam": Os Olhos do Chile






Esta é uma prática antiga dos opressores, cegar os que lutam. Hoje no Chile como nos tempos antigos de opressão, cegam os jovens, mas eles continuam enxergando por meio de nossos olhos que deles também são...

Este artigo que nós do Conselhodaclasse que republicamos é quase um poema, é uma crônica, enfim, é bandeira de humanismo, do ser humano que podemos ser, apesar dos tiros de sal em nossos olhos dados por outros seres humanos, até então desumanizados....

Boa leitura.



Os olhos do Chile


Os jovens cegos enfrentam seus algozes e dizem: “eu posso vê-los, vocês não podem… vocês não têm olhos que voam”!



Por Mauro Luis Iasi.

Triste va mi canto ahora,
triste camina también mi pensamiento.
Ya no quiero adornar mi cabello,
ya no quiero cantar cuando el sol
aparezca en la mañana.
Iré a la montaña a esconderme,
para que nadie me mire,
para que nadie me mire.”

Jaqueline Caniguán
 (1974-),poetisa Mapuche


Em um tempo muito antigo, depois da separação dos continentes, da fúria dos vulcões, das cordilheiras gigantes e dos montes, o sol aparecia como uma explosão de cores para nada. O dia e a noite se alternavam, luz e trevas, sem que as estrelas ou a inclemência do sol pudessem percorrer impulsos elétricos e nervos, sem que cem milhões de fotorreceptores pudessem transformar luz e cores, sem que nenhum córtex pudesse captar os impulsos e formar imagens.
Há mais ou menos quarenta mil anos, quando os pés que cruzaram o mundo chegaram pela primeira vez, é que a explosão de imagens inundou os olhos amendoados. Eles viram o céu, o mar, a cordilheira, o condor e o puma, o voo do pássaro e a cor do copihue, eles viram a noite e o dia, batalhas e impérios, grandeza e decadência, a terra mineral, a dureza da semente e a promessa do fruto.
Viram quando os conquistadores chegaram e lutaram contra os impérios por seu ouro, viram a sombra da cruz de madeira ofuscar os deuses, a tortura e a inequidade, viram a morte e o sangue, os corpos despedaçados, viram como pode ser profundo o poço da maldade e do ódio. Mas viram também os que lutavam, os punhos erguidos que buscavam o abraço da cordilheira, viram quando as lágrimas se fizeram rios que guardavam a vida que foi e a vida que viria.
Viram mais de uma vez a noite derrotar o dia, a escuridão das catacumbas, as trevas e as estrelas que resistiam como gritos de luz em meio ao breu do firmamento, e a lua que morria para renascer em seu brilho de prata.
Viram gigantes que andavam sobre a terra. Por três séculos viram a luta em defesa de Mapuche Wallontu Mapu, viram com seus olhos a carnificina chamar-se de pacificação, viram Leftraru como criança sendo escravizado pela infâmia e o viram crescer como Lautaro que olhou seus dominadores para aprender como enfrentá-los.
Os olhos que se fechavam para dormir, os olhos que despertavam com o sol viram os mineiros saindo das entranhas da terra e marchando por seus direitos, viram mães carregando seus filhos, velhos e crianças do salitre erguerem seu punho forte e viram as tropas da morte cair sobre eles e o massacrarem em Santa Maria de Iquique.
Olhos que tanto viram anoitecer, também viram a esperança dos dias, viram auroras avermelhadas e suas bandeiras, libertárias, socialistas, comunistas. Viram a si mesmos no espelho claro de seus olhos limpos pelas lágrimas da noite.
E porque viam o passado puderam ver o futuro e ele era de bandeiras e cantos, de abraços e de encontros, de poetas e trabalhadores. Viram o presidente com seus óculos que lhes permitia ver o povo e suas esperanças, ver as crianças, as mulheres e os operários, os mineiros, o camponês e o índio, cada gota do sangue e das lágrimas feitas em rio, viu a noite e as estrelas que nunca deixaram de acreditar no amanhecer.
E mais uma vez a noite e suas botas, mais uma vez a morte e seus cortejos, mais uma vez a infâmia e a tortura, mais uma vez as trevas. Mais uma vez erguer a cruz e assassinar a Cristo, uma vez mais colocar o deus dinheiro no altar e a fome no prato do trabalhador, escondendo os olhos do mal atrás de óculos escuros e uniformes verdes.
Toda noite, por mais longa, encontra seu amanhecer. Mas nem todo dia nasce por inteiro.
As fogueiras aquecem a revolta das ruas iluminando a insensatez da noite. Por quanto tempo dormimos? Perguntam os que dormiram. Nenhum segundo, respondem os que militam na insônia, pois aprenderam a arte de sonhar despertos. Jovens, palhaços, meninas, cachorros da rua, senhoras e insanos, professores e alunos, aposentados sem renda e enfermos sem médicos, cantores e poetas, marcham desafiando a noite com o brilho dos olhos abertos.
Na vanguarda centenas de jovens sem seus olhos, avançam. No oco do olho arrancado poderia morar a noite, mas habita a luz e denuncia seus carrascos. Uma velha índia mapuche tira sons ritmados de seu kultrum e entoa uma oração.
Milhões de olhos, então, vêm desde o nascimento da cordilheira, do coração dos vulcões, das geleiras e dos rios, de todos os combatentes caídos, das minas e dos desertos, dos náufragos nos mares gelados, das alturas e das entranhas da noite, das cabeças decepadas dos guerreiros índios, dos calabouços e câmaras de tortura, dos porões e das avenidas, das fábricas e dos campos, dos muros sujos de sangue dos fuzilamentos, dos corpos violentados e estuprados, das gargantas caladas dos que cantavam, dos lábios mortos dos poetas. Milhares de olhos agora encaram seus carrascos desde o buraco vazio dos olhos arrancados.
Os jovens cegos enfrentam seus algozes e dizem: “eu posso vê-los, vocês não podem… vocês não têm olhos que voam”!

***

Mauro Iasi apresenta o Café Bolchevique da TV Boitempo! Nesse quadro mensal do canal da Boitempo no YouTube, nosso comunista de carteirinha apresenta conceitos-chave da tradição marxista a partir de reflexões sobre acontecimentos da conjuntura política e social recente no Brasil e no mundo. Se inscreva no canal aqui e venha tomar este café conosco! Os dois últimos episódios foram sobre Chile, Bolívia e as insurreições populares na América Latina.



quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Consumo na Sociedade Capitalista: Liberdade ou patologia?









O conselhodaclasse tem a alegria de publicar o instigante Artigo de Ricardo Rodrigues, um Jovem trabalhador psicólogo e amante da literatura, terreno no qual também inicia suas primeiras investidas. De forma leve e precisa e com rigor científico, mas sem perder a espontaneidade, Ricardo Rodrigues, dentre as várias reflexões que sugere, nos propõe em seu texto a paradoxal questão: o Consumo na Sociedade capitalista é Liberdade ou Patologia?


Boa leitura





A CULTURA DE CONSUMO COMO HEGEMÔNICA: PODERIA/DEVERIA A EDUCAÇÃO ENQUANTO MEDIADORA DA EXISTÊNCIA HISTÓRICA MODIFICAR ESSE PANORAMA?


                                                                     Por Ricardo Rodrigues.



No segundo semestre de 2019, me inseri em curso de pós-graduação em Psicopedagogia, em função do bom preço ofertado por instituição de ensino privada – a mesma de minha graduação. Cumpri uma disciplina por completo – Métodos de Pesquisa – e abandonei o curso no decorrer da segunda disciplina. Apesar do preço não salgado do curso, com o salário ínfimo de um ajudante geral, fica um tanto quanto sufocante manter as mensalidades, refeições, gastos com transporte e alguma outra despesa que sempre surge com o andar da carruagem.
 Mas para ser avaliado na única disciplina que cumpri, tive de escrever um artigo utilizando-me de toda a instrumentação exigida pelo método científico. E o desafio maior, foi o de associar um trabalho com caráter de levantamento bibliográfico, ao tema educação. Todas as alunas – eu era o único “macho” do grupo – partiram para as psicopatologias ou questões voltadas ao fracasso escolar. Já eu?? Pensei comigo: “pago mensalidade, disponho-me a ficar por aqui das oito da manhã às cinco da tarde e meus pés doem com estes sapatos apertados que calço... Vou escrever sobre consumo e, com alguma habilidade retórica, associar o tema à educação”.
 E por que consumo? Acredito que, algum tipo de revolução, a superação do capitalismo, só se efetivará, quando a massa consumidora – os proletários – entenderem que não necessitamos, para uma boa vida, da maioria das tralhas que compramos e que, por tanto, talvez não tenhamos de nos submeter aos mais vis empregos – ou” empreendimentos”, do novo homem “livre” – em troca dos mais ridículos salários ou retornos financeiros para a manutenção de uma vida “teatral”, de ilusório conforto.
O texto, aqui, será apresentado de modo bem resumido e e sem a rigidez das exigências técnico-cientificas da academia. A opção por uma linguagem mais coloquial, entretanto, sem abrir mão do rigor do texto científico, tem por objetivo tornar a leitura um pouco mais leve e porque não mais agradável e ainda assim, contribuir para produzir algum tipo de reflexão a você que chegou até este ponto e a quem mais vier a lê-lo. Não citarei todos os autores pesquisados, logo, alguns dados – inclusive de caráter estatístico – ficarão de fora desse resumo. Caso queiram ler o artigo na íntegra e de forma original, é só deixar seu email em nosso blog, que enviamos o texto pra você na íntegra. Espero que goste!

Bauman – o polonês do mundo líquido – e outros cientistas e filósofos, constantemente nos alertam para as consequências que o hábito de consumir de modo descabido, típico de nossa CULTURA DE CONSUMO, pode negativamente nos trazer. E aí, não se trata apenas de cuidados com a biodiversidade do planeta, mas também para com as relações entre humanos, cada vez mais voláteis e superficiais e menos profundas e refletidas, como o são, os hábitos na Cultura de Consumo. Partindo desta problemática, questiono-me: Nossa educação formal colabora com a consolidação da tal Cultura de Consumo ou a contesta? Vamos às bases filosóficas da montagem do raciocínio.
A consciência, ou o que chamamos de consciência, não se forma do nada. Não foram as ideias que alteraram o rumo da vida de nossa espécie ao longo do processo evolutivo. Ideias que se constituem por si, não existem. O homem, ao longo desse processo de evolução, necessitou intervir na natureza para prover sua sobrevivência. Para tal, utilizou-se de ferramentas – instrumentos – para fins de caça, plantio, alimentação, para construir abrigos, etc. A intervenção foi, possivelmente, forçosa. A natureza, indiferente e aleatória como sempre, impeliu o homem a agir.
O ambiente impele e o homem age. Ao agir, internaliza a ação tanto quanto suas consequências. Percebe que seu agir, modificou o meio no qual vive. Passa então, vez ou outra, a altera-lo intencionalmente; propositadamente.  À medida que interfere na natureza e a altera, altera-se concomitantemente. Enriquece o intelecto; aperfeiçoa o ato de pensar. O homem passa a ser o construtor de si e apesar de ainda depender da natureza, buscando nela recursos para continuar a constituir-se, passa também, de certo modo, a dominá-la.
Marx e Engels – dois alemães porretas – diriam que “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência” no livro A Ideologia Alemã e em duas linhas, explicaram de fora mais rebuscada o que escrevi nas dezesseis linhas que antecedem meu pequeno e seguro mergulho no tema. Eis o Materialismo Histórico e Dialético. É na práxis, essa via de mão dupla, na qual o homem transforma o meio e transforma a si ao transformar o meio, é que a humanidade se constitui; se desenvolve.
Lev Semionovitch Vigotski – um soviético que amava aprender – utiliza-se desse método para estudar o desenvolvimento humano. De modo diverso de muitos estudiosos da ciência psicológica que lhe foram contemporâneos, Vigotski vê na maturação biológica, ou seja, na concepção de desenvolvimento psicológico do comportamento e da consciência humana, entendidos como natural e inevitáveis à medida que a base fisiológica do indivíduo evolui, como algo secundário; obviamente necessário – e inevitavelmente, indispensável – mas que não muito significará caso o indivíduo não seja inserido nas relações Histórico-Culturais.
Marx e Engels enfatizam o uso de instrumentos como mediadores de nossa existência histórica, o elo de nossa relação com a natureza que permitiu-nos um salto qualitativo na cadeia evolutiva. Vigotski amplia e traz cientificidade a este conceito ao cunhar o termo Signos para designar uma “nova ferramenta” mediadora de nossas relações histórico-sociais e de nosso processo de ensino/aprendizagem. Este novo signo mediador da relação entre homens e destes com o mundo, seria a Linguagem, mais especificamente, a Fala.
É em especial a fala que proporcionará à criança sua inserção e organização na cultura. A fala será o signo de referência para o sujeito que, ao apreender a cultura, tendo-a como mediadora, desenvolverá o que o autor denomina “Funções Psicológicas Superiores”. Com a fala, realizamos mais um salto qualitativo da habilidade de pensar e isso nos proporciona a possibilidade de atribuir sentidos e significados aos eventos ditos culturais.
Lembrar, comparar, relatar, escolher; dialeticamente os humanos desenvolvem-se interagindo com o meio e com outros humanos. Passamos a ter maior controle em nossa atuação no mundo; vamos distanciando-nos das demais espécies na cadeia evolutiva. A priori, isso se dá nos contextos de educação informal: relações do cotidiano como na família, nas comunidades religiosas, na vizinhança. Posteriormente, na inserção em instituições de ensino formal que vamos criando, com grade curricular e embasamento científico.
Nossa conscientização agora é promovida de forma organizada. A conscientização torna-se consciente. São metodificados os processos de ensino/aprendizagem e a isso damos o nome de educação.
Antônio Joaquim Severino – “um brasileiro do Brasil”– nos ensinará que aí, há mais um salto qualitativo no exercício do pensar. A educação passa a ser também mediadora de nossa existência histórica. A educação de determinada Era será construída e praticada a partir das condições materiais e econômicas da sociedade e poderá ser divergente ou representativa do modelo de produção funcional dessa sociedade no período específico. Em tese, a educação deveria ser promotora de conscientização das contradições sociais e de autonomia do sujeito, contudo, na sociedade neoliberal, onde impera, entre outros aspectos, a Cultura de Consumo, a educação também pode conter características de formação alienante, desumanizadora e despersonalizadora.

“Não há vida se não houver consumo” – Bauman, o polonês, novamente. Não importa se nossa referência é a antiguidade, a sociedade medieval, o mundo industrial ou o pós-industrial do qual alguns já falam. Para que haja vida funcional, tem de haver consumo daquilo que o homem busca na natureza e transforma para atender suas necessidades e caprichos.
O ponto fora da curva dessa lógica encontra-se justamente na sociedade do livre mercado. O homem descobre fontes renováveis ilimitadas de energia que o auxiliam na criação de tecnologias que possibilitam aperfeiçoar a forma de explorar outras fontes de energia e matéria-prima na natureza e dinamizar os processos produtivos, utilizando tais fontes energéticas para por máquinas em funcionamento e ampliar a exploração da força de trabalho humana. Passa-se então a produzir em grandes escalas e o que é produzido, precisa ser consumido. Nasce a sociedade de consumo.
 O tempo passa, o capital evolui e suas estratégias de vendas em massa da sua produção em massa, também. Origina-se aí, a propaganda. Necessidades são criadas e para além do suprimento destas, amplia-se a possibilidade do individuo consumidor seguir renovando-se na medida em que renovam-se os produtos, serviços e – atualmente – as vivências/experiências ofertadas pelo capital.
Publicidades carregadas de apelos emocionais, tanto quanto de personificação, de singularização para atrair o consumidor. O consumidor, ávido por estabelecer-se como um ser único e peculiar neste mundo, internaliza essa singularização; abraça essa personificação. A maioria de nós ledamente crê que o ato de optar por sanar muitas das nossas supostas necessidades expostas em propagandas, é um ato livre e condizente com a ação de um individuo consciente. Contudo, Adorno e Horkheimer – outros dois alemães porretas – nos ensinam que a possibilidade de escolha alimentada pela indústria, é meramente ilusória. Mercadorias, serviços, vivências/experiências, em geral, são demasiadas iguais e nos levam quase que sempre para o mesmo destino – a fantasia de bem-estar a partir do ato de consumir – apesar de, oferecer-nos para tal, caminhos suavemente distintos.
Houveram saltos qualitativos no ato de pensar, primeiramente, a partir do uso de instrumentos – para Marx; “segundamente”, com o surgimento/aperfeiçoamento da linguagem – para Vigotski; e “terceiramente”, com a formação consciente da consciência por meio da educação – para “Severa”. Seriam a propaganda e a publicidade, novas categorias de mediação de nossa existência histórica na sociedade da Cultura de Consumo? Poderíamos/Deveríamos, utilizando-nos da educação, superar esta cultura?
Mais uma vez com Bauman – nosso polonês – constatamos que vivemos em tempos nos quais somos impelidos a consumir, antes mesmo que – e que uma baita contradição – se consuma como um todo, de fato, aquilo que vamos descartar. Produtos, serviços e vivências/experiências, aos nosso olhos, caducam voluvelmente, sem que exauríamos o uso do que viermos a consumir. Tudo fica velozmente ultrapassado. Tudo já não nos serve, antes mesmo de perder por completo sua funcionalidade. E então, nesse mundo de intensa fluidez, onde não há projetos de longo prazo, onde não há acumulo e apego, onde sempre há a necessidade de “renovação”, por que haveríamos de imaginar que, com a educação, teria de ser diferente?
Para o “polaco”, o próprio conhecimento, em outras épocas concebido como aspecto de nossas vidas que poderia ser conservado por longo tempo e que nos auxiliaria sempre na formação de projetos, já não mais possui a característica da longevidade. A educação, na sociedade do livre mercado, também precisa fluir. Há de se atender as demandas dos indivíduos o mais rápido possível.
As avaliações, os pontos, as notas, o diploma. Tudo para o aperfeiçoamento do currículo e para a inserção no mercado ou para nele galgar novos postos, com melhores remunerações. E então, poder consumir “melhor” e mais.
O consumo volúvel, relações interpessoais volúveis, conhecimento volúvel “para ontem”. Há como superar a Cultura de Consumo pela via educacional? As variáveis... Levam a crer que não!!!



segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Pra que serve um bilionário?









Ela é incrível, se você ainda não a ouviu nem viu, nós, do 

conselhodaclasse, a apresentamos: Rita Von Hunty no explicando 

para que serve um bilionário e como se fica bilionário.  Imperdível.



 


Fonte: Carta Capital

disponível em https://www.youtube.com/watch?v=f50GsBvU_bY



sábado, 23 de novembro de 2019

O BRASIL É UM PAÍS PACÍFICO SEM GUERRAS ...SÓ QUE NÃO!







"Se fosse Você parava tudo que está fazendo pra ver esta Série" 



Guerras do Brasil.Doc

Por Bruna

Gostei muito e recomendo que assistam a série documental Guerras do Brasil.Doc, com 5 episódios curtos, de aproximadamente 25 minutos, disponível no NetFlix.
Comecei a assistir e não consegui parar enquanto não acabaram todos os episódios! São apresentados fatos e diferentes versões de alguns conflitos armados da história do país, com narrativa costuradas pelos depoimentos dados por quem conhece a História. Fiquei impressionada em como ouvimos que o Brasil é um país pacífico, sem guerras e temos algumas acontecendo até hoje!
Por exemplo, o primeiro episódio mostra como a guerra da conquista ainda não acabou! Vemos como, ao longo da história, a população indígena foi dizimada e segue sua luta, até os dias de hoje, pela demarcação de terras, luta essa que tem se intensificado no último governo do país (iniciado em 2019) sob discursos progressistas e argumentos econômicos. Quem tiver a curiosidade aguçada, pode conferir lá no Guerras do Brasil.doc que essa guerra é constante e esse discurso velado existe dede a época da invasão do Brasil (quanto mais estudo, mais fico assustada em como ainda é usada a palavra “descobrimento” para tratar da época em que se iniciou a ocupação de terras da América por Europeus)!
No episódio "A guerra dos Palmares" é escancarado um período que deixou marcas no país até hoje, desenvolvendo uma sociedade racista, preconceituosa e ignorante em termos de história e cultura relativas a esse povo que também povoou e construiu o Brasil. Essa Guerra também podemos perceber até a atualidade, aliada à atual violência, que assume diversas formas, em relação aos descentes de seres humanos negros escravizados!!
Só mais um episódio: é chocante pensarmos que a Guerra do Paraguai teve como protagonistas desse maior conflito armado da América do Sul líderes com perfis de início muito jovens na política, sob indicação de familiares, quais sejam D. Pedro II no Brasil e Solano Lopez no Paraguai. Afinal, D Pedro I abdicou do trono por um filho de quatro anos e D Pedro II foi coroado imperador com 15 anos; Solano Lopez com 18 anos foi nomeado como general no Paraguai, sendo descendente de uma linhagem de ditadores. Qualquer semelhança com nepotismo e exaltação de família na política é mera coincidência!!
Ainda, garanto que ficarão impressionados com os episódios sobre “A Revolução de 1930” e “A Guerra do Tráfico", que relata a falência do sistema prisional brasileiro e apresenta um pouco da estrutura do crime organizado no país, super atual!!!
Brasil: um país com várias guerras “ocultas” e “veladas” ocorrendo!



quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Lula Preso, Lula Livre? Lula Solto, Lula Preso?





Nosso Blog, O Conselho da Classe, púbica um instigante artigo de Fábio Francisco sobre o paradoxo da soltura do Lula, a saber: Lula preso é lula livre e Lula Solto é lula preso? Vale a pena ler de novo, visto que, há uma publicação deste mesmo texto adaptada aos limites do Facebook.

Boa leitura



Lula Livre, mas por quê?

(Se a própria prisão não tinha bases legais, porque os mesmos que o prenderam o soltam neste momento?)

Em certa medida Lula é um dos nossos, retirante, nordestino, metalúrgico, pouco alfabetizado (na educação formal e em tempo comum), um peão, um militante, combatente do desemprego, da fome, da miséria, em resumo, da desigualdade social. Uma liderança histórica, produto de 40 anos de luta de nossa história. O “Homem-síntese” da trajetória do PT, a terceira direção da classe operária no Brasil – são elas: A) os Anarquistas, início da industrialização até meados dos anos 20; B) os Comunistas, dos anos 20, até 1964; e C) o Petismo – que é resultado do caldo de cultura das mais diversas frentes de luta contra a ditadura, direção de 1980 até os nossos dias, afinal, mesmo evidenciado os limites de seu projeto (democrático-popular), está longe de ser substituído por “receitas de Boulos para o Brasil” ou pelas “CIROulas do coronel liberal”.
A “base alimentar”, o arroz e feijão plantados, colhidos e temperados pela classe em 40 anos, não pode ser facilmente substituída por um doce de festa. Como que dizendo que são tempos sombrios, onde “O velho está morto e o novo ainda não nasceu”!
Lula é inocente dos crimes que lhe acusam, o sítio e o apartamento, apenas refletem o desespero do capital, das burguesias nacional e estrangeira e de nossa classe média reacionária que pegou carona nessa onda, a burguesia necessitava afastar Lula para realizar mudanças radicais (medidas macroeconômicas) na economia brasileira e latino-americana, já a pequena burguesia cumpre seu papel na esperança de retomar seus pequenos privilégios, exercitar seus pequenos subornos, sonegações, ampliação dos pequenos lucros e isenção de seus crimes comuns, como setor privilegiado dos “fudidos” (planos microeconômicos).
Ainda que o sítio e o apartamento fossem dele, ninguém questiona o mega apartamento de FHC no metro quadrado mais caro do mundo (Na Champs Elyseés, em Paris), por exemplo (O que jamais se poderia obter com salário de professor na USP, ou de presidente), ninguém questiona a fortuna dos generais presidentes, e de nenhum outro presidente anterior.
Lula é inocente dos crimes que lhe acusam, assim, Lula é um preso político, neste sentido não pode restar dúvida - Lula Livre! Viva a libertação de Lula!
Entretanto, Lula só é “um dos nossos” em certa medida, afinal, seu projeto, que gostamos de chamar de “social democracia - versão brasileira Herbert Richers”, esse tem como marca o pacto social, através do qual os trabalhadores são socialmente cooptados e apassivados, através do emprego abundante e aumento da capacidade de consumo, confundem consumo com qualidade de vida e enquanto as crises cíclicas do capital não estragam a festa, os trabalhadores consomem linha branca, minha casa minha dívida, tênis Nike, Gol 1.0 em 70 prestações, vão à universidade, ao nordeste, ao teatro e ninguém luta. Deste modo, o ciclo se fecha com o capital batendo todos os recordes de produção, extração de mais valia e taxas de lucro jamais vistas, como podemos ver melhor no artigo de Mauro Iasi “Democracia de cooptação e apassivamento da classe trabalhadora”.
Infelizmente o capital é cíclico, nele nada dura indeterminadamente (muito menos a estabilidade econômica de países em desenvolvimento), nele, tudo o que é sólido se desmancha no ar, e nesse momento histórico de crise cíclica global, a “social democracia brasileira” (ainda que longe do “welfare state”, em sua versão brasileira com dublagem ruim) precisava ser destruída.
Para entender o porquê da possível soltura de Luiz Inácio nesse momento, é necessário entender o verdadeiro porquê de sua prisão. Poucas organizações na esquerda parecem compreender o que exatamente representaram Lula no Brasil e a onda da social democracia (rebaixada) na América-Latina.

Destruindo o “mito do comunismo”

Essa questão tem veias abertas em nossa história de dominação, de colônia portuguesa, e com endividamentos portugueses, de certo modo, passamos à “colônia inglesa” e desde de a primeira grande guerra, os EUA, a nova potência mundial lança seus tentáculos, criando as bases de seu domínio sobre nossa América. Logo após a segunda guerra, ao chegarmos aos anos 50 do século passado seu domínio era total, através de suas indústrias e empréstimos, de suas campanhas de distribuição de alimentos aos pobres (alimentos para a paz), a américa latina havia se convertido no quintal dos fundos, o grande celeiro dos EUA para o mundo. Eles exerciam na época a total hegemonia política e econômica em nossas terras, numa espécie de “neo-colonialismo”.
Entretanto, ter a hegemonia do capital na américa latina, não significava ter a hegemonia dos trabalhadores, o mundo estava bipolarizado, e cada vez mais as massas trabalhadoras em miséria e luta se aproximavam das teorias socialistas, por conseguinte do bloco soviético. Dessa forma, por um lado, o poder Neocolonial, necessitava quebrar a espinha dorsal do movimento operário, isso era vital para consolidar sua hegemonia em nosso continente, por outro lado, para o EUA, manter e ampliar a hegemonia na América Latina, evitando a expansão do bloco socialista, e através de seu controle político e econômico, mantendo o continente como seu território produtor de valor e mais valor, contratante de empréstimos, endividamentos e pagamentos a juros, era vital para seu rápido enriquecimento e consolidação de seu poder mundial. Em resumo, o total controle de nosso continente e suas riquezas, por parte das potências capitalistas, era vital para vencer a guerra fria.
É nesse ínterim que Jânio renuncia e o populista Jango assume a presidência, completamente isolado, esse, aposta todas as suas fichas nos movimentos de trabalhadores do campo (ligas camponesas) e das cidades (em grande medida organizadas pelo PCB e demais partidos socialistas). para além do anúncio das reformas de base, Jango defendia no plano econômico o “não partidarismo na guerra fria”, e assim, passar a comercializar livremente com a URSS, a China e demais países socialistas, tanto quanto com os EUA e potências europeias. Tal posição representava não a possibilidade do socialismo no Brasil, mas sua autonomia relativa em relação aos EUA, por conseguinte, isso representava para os EUA, a perda do absoluto controle político-econômico na América Latina, o que para eles, era quase a mesma coisa.
Assim, nunca houve uma ameaça comunista nos anos 60 no Brasil, o que houve foi a possibilidade de uma autonomia relativa em relação aos EUA, o que colocava em xeque o controle geopolítico dos EUA e os rumos da guerra fria. Para evitar a perda da hegemonia latino-americana e vencer a guerra fria, os EUA gastaram através da “Operação Condor”, passando pelo financiamento das “Marchas da família com Deus pela liberdade e contra o comunismo” e todos os golpes militares em nosso continente, assim como suas extensas e sangrentas ditaduras, a maior fortuna de todo os tempos, maior até mesmo que suas guerras oficiais, pois afinal tratava-se da disputa mundial e de um investimento, afinal, financiaram nossas mortes com uma parcela ínfima das riquezas extorquidas de nosso continente, para continuar a sugá-las por muito e muito tempo.
Mas, o que o Lula e a onda social democrata têm com isso? Pois bem, embora a “Operação Condor” tenha sido um sucesso de público e crítica (burguesia mundial), ele, apesar de exorcizar o dito “fantasma do comunismo”, apenas adiou o verdadeiro problema.
É com a chegada ao poder, das forças progressistas de luta contra as ditaduras em nosso continente – com Lula no Brasil, Kirchner’s na Argentina, Evo na Bolívia, Lagos e Bachelet no Chile, Funes em El Salvador, Correa no Equador, Zelaya em Honduras, Ortega na Nicarágua, Lugo no Paraguai, Humala no Peru, Fernández na República Dominicana, Mujica e Vázquez no Uruguai, Chaves na Venezuela e Fidel e Raul em Cuba (lembrando que estes são comunistas e não social-democratas e já estavam nessa luta desde 1959) – que o velho sonho de autonomia relativa latino-americana volta a vida, com um vigor inédito, apesar do predomínio da concepção social democrata.
Liderados por Lula, graças não apenas a sua habilidade, mas ao fato de o Brasil ser a maior potência econômica continental, estes países passam a dialogar e negociar entre si, implementando não apenas suas relações comerciais, via MERCOSUL, políticas e acordos bi e multilaterais entre si, como chegam em alguns casos até a planejar sua participação no comércio mundial em bloco. É como líder destes países que o Brasil adentra aos BRICS (Bloco que reúne os países em desenvolvimento Brasil, Rússia, China e África do Sul), assim os EUA perdem sua posição de “senhor das colônias latino-americanas”, passando gradualmente a ser, ainda que o mais potente e poderoso, mais um país em suas transações comerciais. Enterrando de vez o sonho Norte-americano de constituir oficialmente uma área de livre comércio das Américas, sob seu comando e controle.

Alguns fantasmas se reapresentam

Considerando dois elementos, por um lado o que podemos chamar de “nova guerra fria” entre EUA e China (e Rússia), que disputam a liderança do capitalismo mundial (imperialismo), cenário no qual os EUA necessitava retomar a hegemonia da América Latina, e por outro lado, mas não menos grave, a atual crise global (na qual o capital se arrasta já a algum tempo), que não se trata de uma crise de superprodução de mercadorias (quando se produz mais mercadorias do se consegue realizar), mas sim algo muito mais grave, uma crise de superacumulação de capitais (quando a capacidade produtiva mundial é muito superior à capacidade de consumo mundial) e as altas proporções de tecnologia (produtividade), causando agravamento da queda tendencial da taxa de lucro. Nessas condições o capitalismo de modo geral e o imperialismo norte-americano, precisavam quebrar as legislações, os direitos e todos os pequenos avanços conquistados pela “social democracia” latino-americana e ir além, desregulando e desmontando completamente suas economias, retomando seu total controle.
Para acabar com a autonomia relativa de nosso continente os governos progressistas precisavam sair de cena, para tal, na Argentina financiaram Macri, no Chile Piñera, no Paraguai financiaram um golpe institucional em Lugo, na Venezuela as tentativas de golpe institucional e militar alternadamente (sem sucesso), já no Brasil o simples golpe institucional não foi suficiente, para que Lula (peça central do jogo continental, e por isso global - BRICS) estivesse fora do caminho precisaram prendê-lo (e financiar, inclusive via tecnologia Israelense em redes sociais, a eleição dos milicianos estúpidos e milicos subservientes).
Assim chegamos ao motivo da prisão de Lula, o verdadeiro motivo do “capital social total” – bancos, indústrias e corporações globais (que é quem realmente manda nas burguesias e pequenas burguesias nacionais) – para prender Lula, foi seu papel estratégico no projeto de autonomia relativa da América Latina e o fato de representar um entrave, não para o livre exercício do capital, não para a exploração do trabalho, extração de valor e mais valia, mas sim, para um rápido e brutal desmonte de todos os direitos trabalhistas, dos organismos de representação dos trabalhadores, e igualmente brutal sucateamento e privatização dos serviços públicos e empresas estatais, entrega total das riquezas e patrimônios nacionais, de petróleo às terras indígenas, do SUS à educação pública federal, a livre exploração das corporações capitalistas.
Lula não representa um entrave para o capital, embora representasse um entrave para esse momento particular do movimento do capital, e os interesses dos EUA.
Entretanto, por que Lula foi solto neste exato momento? Essa parece ser a grande questão.
Neste momento, vários pontos do mundo sofrem convulsões ou espasmos, os trabalhadores explodem por diversos motivos aparentes, derrubar uma praça para fazer um shopping, foi a aparência na Turquia há alguns anos, 30 centavos de aumento do ônibus foi o motivo aparente em São Paulo no mesmo período... Agora, a renovação do acordo com o FMI, retirada de direitos e aumento do combustível, aparece como motivo no Equador, envolvimento do presidente com corrupção e narcotráfico é o motivo aparente dos trabalhadores no Haiti, 30 Pesos de aumento no metrô no Chile é a motivação aparente das revoltas, e etc… Em verdade tudo isso não passam de aparências, as aparências não são mentiras, são apenas fragmentos de um real que oculta-se por detrás delas. Vemos apenas a última imagem do filme, mas cinema é 24 fotografias por segundo, os povos vão acumulando desaforos, perdas de direitos, perdas de benefícios, perdas salariais, perdas da capacidade de consumo, perdas dos serviços básicos, perdas e mais perdas, acumulam num murmurinho, quase passivamente, mas tudo isso vai se acumulando, em dado momento a vida se converte em impossibilidade, e quando a vida se torna uma impossibilidade, qualquer pequena gota d'água basta para transbordar uma represa de insatisfações humanas, neste momento os trabalhadores perdem a paciência, ação espontânea das massas, insurreição.
Embora, insurreição seja um dos elementos componentes de uma revolução, ela sozinha tem pouco vínculo com isso, na falta de organizações operárias revolucionárias, credenciadas junto aos trabalhadores, capazes de canalizar o rio da revolta para o curso do socialismo, depois de grandes batalhas ela tende a arrefecer e não raramente, de tão efêmeras acabam como surgiram, repactuando a dominação, reforçando o modo capitalista de produção e validando sua forma político-jurídica, o Estado democrático de direito e os valores classistas da república. Contudo, não é um processo tranquilo, quando as massas trabalhadoras insurgem há sempre um risco para o capital, e a certeza de grandes prejuízos, seja pela quebradeira, mas, sobretudo, pelas paralisações na produção, assim, elas devem a todo custo ser evitadas. Pois, além dos riscos que representam, contê-las resulta em muitas prisões e mortes, tendo um certo custo para a imagem da sociedade, deixando claro por exemplo que as forças armadas existem para proteger a propriedade privada (as coisas dos capitalistas e não as pessoas).
Um outro aspecto importante das rebeliões e insurreições de nosso tempo, é que, como as organizações comunistas e socialistas andam “meio” descredenciadas perante as massas trabalhadoras, isso torna tudo muito mais difícil em termos de contenção/repressão. Por exemplo: quando os EUA financiaram o Golpe de 1973 no Chile, era só prender, torturar e matar os dirigentes, militantes e membros das organizações comunistas, socialistas, e seus próximos – o inimigo era conhecido, assim como suas direções, constituídas em anos de lutas cotidianas; tal qual nos anos após o golpe de 64 no Brasil. Entretanto, as “novas insurreições” não tem dirigentes constituídos, ou partidos e sindicatos, como feiticeiros que “invocam estes poderes”, são nesse caso “poderes autônomos”, e portanto, “sem controle” (para o bem e para o mal), não basta “caçar os vermelhos”, trata-se dos trabalhadores em seu anonimato, sem nomes ou endereços, todos agora são o inimigo, ele não tem rosto. O inimigo sem rosto é um dos piores pesadelos dos proprietários privados de meios de produção.
Nestes tempos, o Brasil das promessas não cumpridas pelos reacionários, da acelerada perda de estabilidade, de capacidade de consumo, de direitos, de serviços básicos, de salários, emprego e em muitos casos, perda do próprio pão, além das provocações e chacotas cotidianas de uma quadrilha criminosa no poder, está na rota das insurreições e com o rastilho de pólvora aceso, e a simples ideia de isso acontecer na maior economia da América Latina, num país de dimensões continentais, na 8ª maior economia mundial, e atual paraíso dos crimes e desmontes, desespera o capital.
A revolta precisa ser evitada, e se ocorrer, necessita ter um rosto, um nome, uma pauta de reivindicações “compreensível e aceitável”, um interlocutor…
Aí, entra em cena o nosso herói, reconhecido mundialmente por sua capacidade de conciliação, única liderança inconteste dos trabalhadores num Brasil de esquerda débil e fragmentada... Ele, primeiro de seu nome, quebrador de correntes, líder das greves dos anos 1980, conciliador dos conciliadores, libertador do poder de compra dos trabalhadores e da mais valia relativa do capital, “O cara”, Luiz Inácio Lula da Silva da casa PT. O único homem capaz de arrefecer as contradições, criar esperanças e talvez até evitar o levante no Brasil, e claro, caso não consiga evitar, é seguramente o homem capaz de arrefecer seu alcance, duração e brutalidade, convocando setores significativos dos trabalhadores organizados a uma resistência pacífica, oposição política e luta democrática, rumo a 2022.
Não estou aqui, em hipótese nenhuma, dizendo que esse “acordo”, ou qualquer outro foi feito com o Lula, é mais simples que isso. Ao ser libertado, como não poderia ser diferente, Lula vai fazer o que é inerente ao seu ser social, um hábil sindicalista de esquerda, conciliador de classes, dirigente, representante e, ao mesmo tempo, figura maior que o partido e central sindical que representa. Vai rodar o país em caravana, nadando nos braços de um povo abandonado e sem esperanças, não apenas resgatando sua popularidade, mas convocando toda a esquerda à uma sagrada aliança, à uma santa cruzada (como em 1989), contra os milicianos e as forças da reação e um certo “capitalismo selvagem” (das selvas dos EUA).
Lula é o único capaz de unificar grandes setores dos trabalhadores, e da esquerda fragmentada, costurando uma grande colcha eleitoral e levar aos vários setores, como os novos movimentos sociais, a esperança perdida.
Ao passo que mantê-lo na prisão, além de perde-lo como interlocutor e líder dos trabalhadores, ainda fomentaria com seu cárcere político a tensão insurrecional.
Isso também não significa que Lula e o PT voltarão a presidência em 2022, a depender da crise do capital, do ritmo de desmonte nacional, da reeleição de Trump, dos rumos do governo brasileiro, da família quadrilha e seu ministério militar, talvez ele nem dispute, podendo até ser preso novamente, porém, é também verdade que, se tudo já estiver arranjado até lá, ele bem pode ser a cara da nova rodada do capital, mas, seguro é que nesse momento ele tem um importante papel a cumprir.
Ele é o homem certo a entrar em campo, canalizar as esperanças, organizar significativos setores dos trabalhadores e da esquerda, e voltar a negociar sua moeda de troca (nossa passividade) com o capital.
Antes que a caracterização de Lula e do PT como “conciliadores de classe” e responsáveis por evitar a radicalização da lutas no Brasil seja contestada, vale recuperar a entrevista de Tarso Genro, o então ministro da educação e presidente do PT, em 2005 para a Folha de São Paulo, onde Tarso diz:
Se as classes populares não tiverem um mediador democrático dentro do Estado de Direito, como o PT, que transforme suas demandas em lutas com qualidade dentro da legalidade, o Brasil pode entrar numa situação de anomia semelhante à da Colômbia. A destruição ou a diluição do partido pode levar para uma desesperança radical e aguçar de maneira irracional os conflitos de classe do Brasil, uma radicalização dos confrontos de classe. As pessoas que eventualmente queiram destruir o PT devem pensar muito bem quais as consequências disso para a história do país. (links abaixo).
Na época Tarso declarava que se não fosse o PT e seu projeto de pacto social, os trabalhadores estariam falando em revolução e haveria no Brasil, guerrilhas como na Colômbia.
Lula cumprirá um papel de “oposto complementar” de Bolsonaro, criando a esperança democrática e a resistência sem luta como um elemento necessário ao equilíbrio da ordem social, pacífica e democrática... Algo como Coringa X Batman, Superman X Lex Luthor…
OBS: E claro, para os milicianos e reacionários, que preferiam a própria morte que a libertação de Lula, valeu como moeda de troca a liberdade, pois sabemos que se tudo caminhar razoavelmente bem, muito em breve, Jair, filhos, esposa, parentes e amigos milicianos estarão processados em segunda instância.

Fábio Francisco
Círculo Comunista Marco de Estrada

Links divulgados no texto:

“Democracia de cooptação e apassivamento da classe trabalhadora”, Mauro Iasi:

Sobre as declarações de Tarso Genro:


sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Carta do Chefe Seatle ou porque o capitalismo não deu certo IV








Como podeis comprar ou vender o céu, a tepidez do chão? A ideia não tem sentido para nós.
“Se não possuímos o frescor do ar ou o brilho da água, como podeis querer comprá-los?
“Qualquer parte desta terra é sagrada para meu povo. Qualquer folha de pinheiro, qualquer praia, a neblina dos bosques sombrios, o brilhante e zumbidor inseto, tudo é sagrado na memória e na experiência de meu povo. A seiva que percorre o interior das árvores leva em si as memórias do homem vermelho.
“Os mortos do homem branco esquecem a terra de seu nascimento quando vão pervagar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta terra maravilhosa, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumosas são nossas irmãs; os gamos, os cavalos, a majestosa águia, todos são nossos irmãos. Os picos rochosos, a fragrância dos bosques, a energia vital do pônei e o homem, tudo pertence a uma só família.
“Assim, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossas terras, ele está pedindo muito de nós. O Grande Chefe manda dizer que nos reservará um sítio onde possamos viver confortavelmente por nós mesmos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Se é assim, vamos considerar a sua proposta sobre a compra de nossa terra. Mas tal compra não será fácil, já que esta terra é sagrada para nós.
“A límpida água que percorre os regatos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos ancestrais. Se vos vendermos a terra, tereis de vos lembrar que ela é sagrada, e deveis lembrar a vossos filhos que ela é sagrada, e que qualquer reflexo espectral sobre a superfície dos lagos evoca eventos e fases da vida de meu povo. O marulhar das águas é a voz dos nossos ancestrais. Os rios são nossos irmãos, eles nos saciam a sede. Levam as nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se vendermos nossa terra a vós, deveis vos lembrar e ensinar a vossas crianças que os rios são nossos irmãos, vossos irmãos também, e deveis a partir de então dispensar aos rios a mesma espécie de afeição que dispensais a um irmão.
g“Nós sabemos que o homem branco não entende o nosso modo de ser. Para ele um pedaço de terra não se distingue de outro qualquer, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga; depois que a submete a si, que a conquista, ele vai embora, à procura de outro lugar. Deixa atrás de si a sepultura de seus pais e não se importa. Sequestra os filhos da terra e não se importa. A cova de seus pais e a herança de seus filhos, ele as esquece. Trata a sua mãe, a terra, e a seu irmão, o céu, como coisas a serem compradas ou roubadas, como se fossem peles de carneiro ou brilhantes contas sem valor. Seu apetite vai exaurir a terra, deixando atrás de si só desertos. 
“Isso eu não compreendo. Nosso modo de ser é completamente diferente do vosso. A visão de vossas cidades faz doer aos olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e como tal nada possa compreender.
“Nas cidades do homem branco não há um só lugar onde haja silêncio, paz. Um só lugar onde ouvir o farfalhar das folhas na primavera, o zunir das asas de um inseto. Talvez seja porque sou um selvagem e não possa compreender.
“O barulho serve apenas para insultar os ouvidos. E que vida é essa onde o homem não pode ouvir o pio solitário da coruja ou o coaxar das rãs à margem dos charcos à noite? O índio prefere o suave sussurrar do vento esfrolando a superfície das águas do lago, ou a fragrância da brisa, purificada pela chuva do meio-dia ou aromatizada pelo perfume das pinhas.
“O ar é precioso para o homem vermelho, pois dele todos se alimentam. Os animais, as árvores, o homem, todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece não se importar com o ar que respira. Como um cadáver em decomposição, ele é insensível ao mau cheiro. Mas, se vos vendermos nossa terra, deveis vos lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar insufla seu espírito em todas as coisas que dele vivem. O ar que nossos avós inspiraram ao primeiro vagido foi o mesmo que lhes recebeu o último suspiro.
“Se vendermos nossa terra a vós, deveis conservá-la à parte, como sagrada, como um lugar onde mesmo um homem branco possa ir sorver a brisa aromatizada pelas flores dos bosques.
“Assim consideraremos vossa proposta de comprar nossa terra. Se nos decidirmos a aceitá-la, imporei uma condição: o homem branco terá de tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.
“Sou um selvagem e não compreendo de outro modo. Tenho visto milhares de búfalos a apodrecerem nas pradarias, deixados pelo homem branco que neles atira de um trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante que o búfalo, que nós caçamos apenas para nos manter vivos.
“Que será do homem sem os animais? Se todos os animais desaparecessem, o homem morreria de solidão espiritual. Porque tudo que aconteça aos animais pode afetar os homens. Tudo está relacionado.
“Deveis ensinar a vossos filhos que o chão onde pisam simboliza as cinzas de nossos ancestrais. Para que eles respeitem a terra, ensinai a eles que ela é rica pela vida dos seres de todas as espécies. Ensinai a eles o que ensinamos aos nossos: que a terra é a nossa mãe. Quando o homem cospe sobre a terra, está cuspindo sobre si mesmo.
"De uma coisa temos certeza: a terra não pertence ao homem branco; o homem branco é que pertence à terra. Disso temos certeza. Todas as coisas estão relacionadas como o sangue que une uma família. Tudo está associado.
“O que fere a terra fere também os filhos da terra. O homem não tece a teia da vida; é antes um de seus fios. O que quer que faça a essa teia, faz a si próprio.
“Mesmo o homem branco, a quem Deus acompanha, e com quem conversa como amigo, não pode fugir a esse destino comum. Talvez, apesar de tudo, sejamos todos irmãos. Nós o veremos. De uma coisa sabemos — e que talvez o homem branco venha a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Podeis pensar hoje que somente vós O possuís, como desejais possuir a terra, mas não podeis. Ele é o Deus do homem e Sua compaixão é igual tanto para o homem branco quanto para o homem vermelho. Esta terra é querida Dele, e ofender a terra é insultar o seu Criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo do que todas as outras tribos. Contaminai a vossa cama, e vos sufocareis numa noite no meio de vossos próprios excrementos.
“Mas no vosso parecer, brilhareis alto, iluminados pela força do Deus que vos trouxe a esta terra e por algum favor especial vos outorgou domínio sobre ela e sobre o homem vermelho. Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos como será no dia em que o último búfalo for dizimado, os cavalos selvagens domesticados, os secretos recantos das florestas invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão das brilhantes colinas bloqueadas por fios falantes. Onde está o matagal? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. O fim do viver e o início do sobreviver”.


"Tradução do texto considerado autêntico da Carta do Chefe Seattle, que, em 1855, respondeu à proposta dos Estados Unidos da América de comprar a terra dos índios. O texto procede do UNEP — Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente"


https://www.paivanetto.com/pt/desenvolvimento-sustentavel/carta-do-chefe-seattle acesso outubro de 2019