Emilio Gennari – Educador Popular
3. Renúncia fiscal: o desconto para o pobre comer vira lucro do rico
No universo do senso comum, reduzir os
impostos garante preços menores de produtos e serviços. Das mesas
de bar aos debates nos meios de comunicação, pessoas simples e
intelectuais repetem que basta encolher a carga tributária para
todos comprarem mais e viverem melhor.
Alheias aos interesses empresariais,
as fórmulas matemáticas dos economistas dão um caráter científico
a esta convicção. A mídia reafirma as projeções por elas criadas
com um bombardeio diário que desencoraja críticas e
questionamentos. E o povo simples, ao verificar nos cupons fiscais as
porcentagens dos tributos embutidos nos preços, acredita ter a prova
irrefutável de que os impostos só aumentam o custo de vida.
O consenso assim produzido leva o
senso comum a crer que qualquer isenção produz uma diminuição dos
preços equivalente à redução dos tributos, sem efeitos colaterais
indesejados para a manutenção das atividades do Estado. A visão
estreita das relações econômicas que a elite alimenta para
resguardar os próprios interesses transforma as aparências em mais
um biombo que, pacientemente, nos preparamos para retirar.
Seguindo a trilha dos estudos
anteriores, analisaremos o que ocorre com os valores dos produtos da
cesta básica
desonerados dos impostos federais em
março de 2013. Ao eliminar a cobrança do
PIS, da COFINS e do IPI,
o
decreto da Presidente Dilma Roussef livra os sabonetes de uma
alíquota total de 16,67%; o creme
dental
de 12,5%; o açúcar de 13,57%; papel higiênico, carnes, café, óleo
e manteiga deixam de ser onerados em 9,25%.1
Ao
anunciar a medida em rede nacional, a Presidente afirma contar com os
empresários para que haja uma redução dos preços na mesma
porcentagem em que os produtos estão sendo desonerados.2
A
intenção do Executivo
pode até ser louvável,
mas a decisão
de concretizá-la está
nas mãos de quem, ao dirigir a produção e a comercialização,
detém o poder de fato.
Em relação aos produtos agrícolas,
a eficácia da desoneração apresenta um elevado grau de incerteza.
Condições climáticas adversas alteram a oferta e se somam aos
custos de produção e do frete, às variações da demanda e dos
preços internacionais, às condições de distribuição e
armazenamento e aos mecanismos pelos quais os empresários limitam a
oferta para elevar os preços. Os caprichos da natureza e dos homens
criam cenários imprevisíveis e complexos nos quais é difícil
avaliar o impacto real do fim dos tributos nos valores cobrados dos
consumidores.
Quanto
ao
creme dental,
sabonete e papel higiênico as dificuldades não são menores. O
lançamento de novos produtos e as alterações de pesos, medidas ou
componentes integram o cardápio de práticas destinadas a maquiar os
aumentos e a dificultar o acompanhamento estatístico pelos
institutos que medem a inflação.
Limitamos nossas reflexões aos
efeitos da redução de impostos da carne bovina, da manteiga, do
café, do açúcar e do óleo de cozinha. Isso porque não
encontramos dados que permitam analisar a evolução dos valores
cobrados pelos itens de higiene pessoal e das carnes de aves e peixes
que também foram objeto de isenção.
Vejamos o que ocorre com a evolução
dos preços desses produtos no primeiro ano de isenção fiscal:
Quadro
I – Variações dos preços entre março de 2013 e de 2014 em 18
capitais
Capital
|
Carne
bov. (%)
|
Manteiga
(%)
|
Café
(%)
|
Açúcar
(%)
|
Óleo
(%)
|
Brasília
|
4,44
|
-2,76
|
-6,17
|
-13,73
|
-13,95
|
Campo
Grande
|
14,78
|
-11,72
|
-3,62
|
11,69
|
-13,50
|
Goiânia
|
13,61
|
2,66
|
-3,19
|
-3,21
|
-16,98
|
Belo
Horizonte
|
9,26
|
8,58
|
1,97
|
-10,20
|
-20,06
|
Rio
de Janeiro
|
12,46
|
4,97
|
-5,80
|
-9,21
|
-13,92
|
São
Paulo
|
12,46
|
3,62
|
-9,21
|
-15,31
|
-15,98
|
Vitória
|
11,61
|
-5,25
|
-19,04
|
-7,14
|
-13,71
|
Curitiba
|
14,41
|
1,25
|
-6,93
|
-12,44
|
-16,21
|
Florianópolis
|
8,49
|
10,64
|
-9,11
|
-15,56
|
12,16
|
Porto
Alegre
|
11,76
|
1,60
|
-7,97
|
-10,31
|
-15,81
|
Belém
|
8,08
|
1,00
|
-1,24
|
-5,58
|
-13,48
|
Manaus
|
-2,01
|
8,03
|
-9,61
|
4,55
|
-17,30
|
Aracajú
|
4,87
|
1,75
|
3,16
|
-9,26
|
-10,98
|
Fortaleza
|
14,39
|
-1,00
|
-3,82
|
-8,25
|
-5,95
|
João
Pessoa
|
8,06
|
6,99
|
-5,15
|
-9,42
|
-9,69
|
Natal
|
15,26
|
-0,25
|
-1,15
|
-9,60
|
1,62
|
Recife
|
15,48
|
-0,05
|
-5,18
|
-1,56
|
-6,96
|
Salvador
|
7,91
|
-1,33
|
-2,37
|
-13,86
|
-19,43
|
Média
|
10,29
|
1,60
|
-5,25
|
-7,69
|
-11,67
|
Fonte:
Elaboração própria a partir dos dados do DIEESE
Vemos
que a carne bovina e a manteiga têm seus preços médios aumentados,
que o café e o açúcar apresentam uma redução pouco superior à
metade do índice de isenção correspondente e que o óleo de
cozinha supera as expectativas ao encerrar os 12 meses com uma queda
média de 11,67%.
Percebemos
também que os valores de cada item revelam comportamentos bastante
diferenciados de uma cidade para outra.
A
carne cai 2,01% em Manaus, mas sobe em todas as demais capitais e
atinge o maior aumento em Recife, com 15,48%.
A
manteiga vê seus preços encolherem em 7 cidades e subirem nas 11
restantes.
O
café apresenta alta apenas em Belo Horizonte e Aracaju.
O
açúcar flutua entre uma deflação de 15,56% em São Paulo e uma
elevação de 11,69% em Campo Grande.
O
óleo de cozinha cai acima de 5% em 16 capitais, mas fica 1,62% mais
caro em Natal e 12,16% em Florianópolis.
Para
trazer alguma luz em relação ao comportamento dos preços, vamos
levantar a disponibilidade de cada produto e o comportamento da
demanda.
Começamos
pela carne bovina que apresenta uma elevação média de 10,29%: 3
Quadro
II - Carne bovina: produção, mercado externo e disponibilidade.
2012
|
2013
|
2014
|
2013/12
|
2014/13
|
|
Rebanho
(1.000
cabeças)
|
211.279,1
|
211.764,3
|
212.342,9
|
0,23%
|
0,27%
|
Cabeças
de gado abatidas (1.000
cabeças)
|
31.118,7
|
34.412,0
|
33.907,7
|
10,58%
|
-
1,46
|
Produção
(1.000t
equiv. carcaça)
|
8.751,7
|
9.601,9
|
9.106,5
|
9,71%
|
-5,16%
|
Importação
(1.000t
equiv. carcaça)
|
60,1
|
57,1
|
76,8
|
-4,99%
|
34,50%
|
Exportação
(1.000t
equiv. carcaça)
|
1.684,4
|
2.007,3
|
2.057,5
|
19,17%
|
2.44%
|
Disponibilidade
Interna (1.000t
equiv. carcaça)
|
7.127,4
|
7.651,7
|
7.125,8
|
7,36%
|
-6,87%
|
População
(milhões
de habitantes)
|
199,24
|
201,03
|
202,77
|
0,90%
|
0,86%
|
Disponibilidade
per capita (Kg/hab/ano)
|
35,8
|
38,1
|
35,1
|
6,42%
|
-7,87%
|
Fonte:
Elaboração própria a partir de dados da CONAB e do IBGE
As
informações do quadro II são bastante reveladoras. Percebemos que,
em 2013 e 2014, o rebanho bovino aumenta em relação ao ano
imediatamente anterior, razão pela qual podemos afirmar que não
falta animal sendo preparado para o abate.
O
problema está, justamente, em quantos bois serão levados ao
matadouro, uma decisão que depende dos pecuaristas diante das
perspectivas de lucro do mercado. Os dados mostram que, em 2013, os
abates crescem 10,58% ante 2012, mas, no ano seguinte, nos deparamos
com uma queda de 1,46%, apesar de as exportações aumentarem 2,44%.
A
redução da oferta de carne num cenário de crescimento da população
e aumento das exportações faz com que a disponibilidade per capita
encolha 7,87% entre 2013 e 2014, com um efeito imediato sobre os
preços internos.
Em
2013, a expansão de quase 20% das exportações contribui para um
aumento real de 0,9% da cotação média da arroba do boi gordo. No
ano seguinte, os criadores mantêm o gado no pasto após atingir o
ponto de abate provocando uma redução da oferta que faz o preço
médio crescer 3,8% acima da inflação.
4
Segundo
a CONAB, o adiamento do abate, em 2014, tem proporções suficientes
para alterar o comportamento sazonal do mercado. Até 2013, os preços
da carne apresentam uma queda real durante o primeiro semestre, e
retomam a trajetória de alta entre julho e novembro, época em que
as más condições das pastagens diminuem a quantidade de animais
disponíveis para o abate. Em 2014, a contenção da oferta faz os
valores se estabilizarem num patamar elevado durante o primeiro
semestre e aumentarem ainda mais no segundo.5
Sendo
assim, como é possível que, em Manaus, o preço da carne de gado
caia 2,01% no período considerado?
A
nosso ver, a resposta guarda relação com os hábitos alimentares da
população. Vejamos o que revela o quadro III: 6
Quadro
III - Preferência pelo tipo de carne nas regiões do Brasil - em
porcentagem
Norte
|
Nordeste
|
Centro-Oeste
|
Sudeste
|
Sul
|
|
Bovinos
|
14,7
|
38,2
|
52,7
|
50,1
|
53,0
|
Aves
|
12,2
|
32,1
|
22,0
|
27,8
|
18,8
|
Peixes
|
70,7
|
24,7
|
18,7
|
15,2
|
22,6
|
Suínos
|
1,2
|
2,5
|
2,2
|
3,0
|
2,1
|
Outros
|
1,2
|
2,5
|
4,4
|
3,9
|
3,5
|
Fonte:
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA)
Conforme
o IPEA,
na região norte, a preferência pela carne bovina, suína e de aves
é bem inferior à das demais áreas do país enquanto o peixe está
mais de três vezes à frente da média apurada nas demais regiões.
Nem o DIEESE, nem o IBGE levantam os preços médios desta carne em
Manaus, mas alguns dados ajudam a intuir o que pode ter ocorrido.
Em
2013, a produção de carne de peixes do Amazonas aumenta 12% ante
2012.
7
A melhora da oferta deve ter colocado o preço do produto num patamar
mais competitivo em relação ao da carne bovina, encolhendo a
demanda e, consequentemente, os valores cobrados nos açougues.
Trata-se, portanto, de uma exceção alicerçada em elementos
peculiares da região amazônica. O fato de a redução média ficar
em apenas 2,01% ante uma desoneração de 9,25% leva a suspeitar que
o montante não arrecadado pode ter servido para sustentar as margens
de lucro do varejo local.
Nas
demais capitais, o aumento médio de 10,29% nos preços dos cortes
bovinos tem como base uma política de redução do abate aliada ao
aumento das exportações. Ao encolher a oferta num cenário de
crescimento da demanda, os recursos que se destinavam a elevar o
poder de compra da população mais pobre são transformados em lucro
privado. O encarecimento do produto com maior participação nos
custos da cesta básica (cerca de 30%, segundo o DIEESE) reduz as
possibilidades de compra deste setor da sociedade.
Trataremos
agora da manteiga que encerra março de 2014 com uma elevação média
de 1,60%. Poderíamos afirmar de antemão que a renúncia fiscal não
surtiu efeito algum à medida que o produto ficou mais caro de um ano
para outro. As coisas se complicam quando verificamos que, no período
considerado, o preço do leite, que é sua principal matéria-prima,
registra um aumento médio ao produtor de 5,94% acima da inflação.8
De
acordo com os estudos disponíveis, sabemos que a participação
desta matéria-prima nos custos de produção varia entre 20% e 22%.9
De consequência, o encarecimento do leite anularia parte do desconto
proporcionado pela isenção fiscal.
Vamos
aos números da produção e do consumo para verificar o que ocorreu:
10
Quadro
IV: Produção, consumo, importação e exportação de manteiga no
Brasil
Ano
|
Produção
(t)
|
Consumo
(t)
|
Importação
(t)
|
Exportação
(t)
|
2012
|
81.000
|
88.000
|
7.058
|
795,8
|
2013
|
83.000
|
87.000
|
4.179
|
778,8
|
2014
|
85.000
|
80.000
|
776,5
|
5.583,7
|
Fonte:
Elaboração própria a partir dos dados do USDA e MAPA
Percebemos
que a produção de manteiga aumenta em 2.000 toneladas/ano no
período considerado, mas, em 2012 e 2013, se mantém abaixo da
demanda, levando as empresas a procurarem no mercado externo o que
falta para atender o consumo nacional. Em 2014, a situação se
inverte, com a oferta excedendo a demanda em 5.000 toneladas.
Por
se tratar de um produto facilmente perecível, a produção acompanha
de perto a procura e os excedentes são rapidamente exportados. Mas,
se os números da balança comercial apenas refletem esta situação,
manter a oferta abaixo da demanda durante dois anos seguidos produz
uma elevação dos preços independente dos valores pagos aos
produtores de leite.
À
medida que, nestes mesmos dois anos, a importação do produto
corresponde, respectivamente, a 8,02% e a 4,80% do consumo interno,
precisamos visualizar o que ocorre fora do Brasil para ponderar a
influência do mercado mundial nos preços cobrados do consumidor
local: 11
Quadro
V: Estoques, produção e consumo de manteiga no mundo.
Ano
|
Produção
(ton)
|
Consumo
(ton)
|
Estoque
final (ton)
|
2012
|
9.011.000
|
8.474.000
|
247.000
|
2013
|
9.254.000
|
8.721.000
|
231.000
|
2014
|
9.651.000
|
9.037.000
|
250.000
|
Fonte:
Elaboração própria a partir dos dados do USDA e MAPA
Os
números indicam que a produção mundial supera o consumo em 5,96%
em 2012; 5,76% em 2013; e 6,36% em 2014. Teoricamente, os níveis da
oferta e dos estoques finais deveriam fazer cair os valores do
produto, mas o preço médio mundial do leite aponta em direção
oposta.
Vamos
verificar o que ocorre no gráfico que segue: 12
Gráfico
I: Evolução dos preços do leite ao produtor no mercado global
Fonte:
International Farm Comparison Network (IFCN),em Lorildo A. Stock, pg.
11
Segundo
o IFCN, no início de 2009, o leite atinge o menor patamar do período
com pouco menos de US$ 20 por 100 kg do produto. A crescente demanda
a partir de meados daquele ano leva os preços médios a ficarem em
torno dos US$ 40 em 2010, a atingirem os US$ 45 em 2011 e a
encerrarem 2012 em US$ 39.
No
ano seguinte, o produto alcança os US$ 55 e uma média pouco
inferior aos US$ 50. No primeiro trimestre de 2014, o preço mundial
ao produtor chega aos US$ 56 e, em seguida, inicia uma trajetória de
queda que fecha o ano em pouco menos de US$ 34.
Esta
variação se reflete nos preços médios de todos os seus derivados:
13
Gráfico
II: Índice de preços de exportação de lácteos: 2007-2014
Fonte:
FAO (2002-2004 = 100 / LPI = Leite em Pó Integral / LPD = Leite em
Pó Desnatado)
De
acordo com o levantamento da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura, no primeiro trimestre de 2013 e de
2014, os preços da manteiga atingem o pico do período que estamos
analisando. Mas, entre abril e dezembro de 2013, os valores estão
num patamar 8% inferior, o que, teoricamente, transforma as
importações num fator de barateamento do produto comercializado no
Brasil.
Para
verificar a procedência destas afirmações, vamos comparar os
preços médios mundiais pagos ao produtor de leite e os que são
praticados no país. Vejamos: 14
Gráfico
III: diferença entre os preços do leite no Brasil e no mundo
Fonte:
International Farm Comparison Network, elaborado por Lorildo A.
Stock, pg. 12
O
gráfico III mostra que, do segundo trimestre de 2008 ao final de
2013, a média dos preços do leite no Brasil se mantém acima do
patamar mundial. No período que estamos estudando, a diferença
entre ambos atinge a menor variação em 2013, e, no primeiro
trimestre de 2014, a média internacional está acima da que é
registrada no país.
A
diminuição de 5,58% do valor pago pelo leite ao produtor brasileiro
entre dezembro de 2013 e março de 2014 deveria se somar à oferta
excessiva levando os preços da manteiga a caírem.15
Mas isso, segundo o DIEESE, ocorre somente em algumas capitais do
país.
Ainda
que não possamos afirmar categoricamente que a isenção dos
impostos federais não teve efeito algum sobre a manteiga, nutrimos a
suspeita de que uma parte da renúncia fiscal tenha sido apropriada
pelos empresários ora para compensar as dificuldades de repassar aos
consumidores o aumento dos custos de produção, ora sustentando os
preços com uma oferta reduzida.
Vamos
tratar do pó de café que apresenta uma queda média de 5,25%, 4
pontos percentuais abaixo do esperado pelo governo.
Fabricado
a partir de diferentes grãos, a evolução entre a oferta e a
procura é registrada nos dados que seguem: 16
Quadro
VI – Produção, exportação, consumo e estoques de café no
Brasil
Ano
|
Produção
(mil
sacas de 60 kg)
|
Exportação
(mil
sacas de 60 kg)
|
Consumo
Interno
(mil
sacas de 60 kg)
|
Estoques
(mil
sacas de 60 kg)
|
2012
|
55.420
|
28.549
|
20.330
|
10.063
|
2013
|
54.698
|
31.662
|
20.085
|
15.868
|
2014
|
52.299
|
36.429
|
20.333
|
17.720
|
Fonte:
elaboração própria a partir dos dados da Organização
Internacional do Café
Enquanto o consumo interno não sofre alterações significativas, a
produção nacional de café cai tanto em 2013, como em 2014.
Por
sua vez, as exportações e os estoques aumentam nesses dois anos e
encerram o período com uma elevação de, respectivamente, 27,60% e
76,09% em relação a 2012.
Para
podermos entender melhor o comportamento dos preços internos,
precisamos levar em consideração o que ocorre no mercado mundial.
Vejamos:
17
Quadro
VII – Produção, re-exportação, consumo e estoques mundiais.
Ano
|
Produção
(mil
sacas de 60 kg)
|
Re-Exportação
(mil
sacas de 60 kg)
|
Consumo
(mil
sacas de 60 kg)
|
Estoques
(mil
sacas de 60 kg)
|
2012
|
151.258
|
36.221
|
143.348
|
18.489
|
2013
|
154.066
|
36.282
|
148.003
|
24.887
|
2014
|
148.559
|
39.242
|
150.339
|
27.132
|
Fonte:
elaboração própria a partir dos dados da Organização
Internacional do Café
À
diferença do que registramos no Brasil, em 2013, a produção
mundial de café cresce 1,85% ante 2012 e, em 2014, cai 3,57% em
relação ao ano anterior.
A
re-exportação retrata o comportamento dos países que não produzem
café, mas adquirem e processam grandes quantidades do produto in
natura
para abastecer o mercado interno e exportar os excedentes. Vemos que
ela se mantém estável nos dois primeiros anos e, em 2014, aumenta a
oferta do café industrializado em 8,16% ante 2013.
Por
sua vez, o consumo mundial cresce 3,24% em 2013 e 1,58% em 2014,
sempre em relação ao ano anterior. Quanto aos estoques nos países
exportadores em dezembro de cada ano, verificamos uma elevação de
34,60%, em 2013, e de 9,02% em 2014.
Antes
de seguirmos na analise dos dados, precisamos esclarecer que, entre
março de 2013 e o mesmo mês de 2014, o café brasileiro representa
cerca de 35% do total mundial.18
Na qualidade de maior produtor mundial, não é de estranhar que
eventos climáticos locais influenciem as cotações internacionais
do café. Do mesmo modo, vale lembrar que, no Brasil, a colheita
ocorre entre os meses de março e outubro, gerando um aumento da
oferta que se reflete nos preços.
Vamos,
então, às variações dos preços médios das principais variedades
de cafés “Robusta” e “Arábica”: 19
Quadro
VIII – Preços médios das principais variedades de café no Brasil
e no mundo entre janeiro de 2013 e março de 2014
Mês
e ano
|
Cafés
“Robusta”
Média
mundial
Cent.
de U$ por Libra
|
Cafés
“Robusta”
Preço
ao produtor brasileiro
R$
por saca de 60 kg
|
Cafés
“Arábica”
Média
mundial
Cent.
de U$ por Libra
|
Cafés
“Arábica”
Preço
ao produtor
Brasileiro
R$
por saca de 60 kg
|
Março
2013
|
106,26
|
130,20
|
133,61
|
145,60
|
Abril
2013
|
101,68
|
127,67
|
132,62
|
141,90
|
Maio
2013
|
99,18
|
122,48
|
130,29
|
139,25
|
Junho
2013
|
90,79
|
113,79
|
120,01
|
128,97
|
Julho
2013
|
95,21
|
108,41
|
119,47
|
120,86
|
Agosto
2013
|
94,01
|
105,23
|
116,81
|
116,09
|
Setembro
2013
|
87,78
|
104,71
|
112,65
|
111,66
|
Outubro
2013
|
83,70
|
102,13
|
109,57
|
106,12
|
Novembro
2013
|
79,71
|
86,16
|
102,57
|
93,71
|
Dezembro
2013
|
87,89
|
92,22
|
107,40
|
96,60
|
Janeiro
2014
|
87,73
|
97,71
|
114,02
|
106,23
|
Fevereiro
2014
|
95,90
|
101,67
|
148,74
|
121,36
|
Março
2014
|
105,37
|
115,41
|
182,97
|
149,27
|
Fonte:
Elaboração própria a partir dos dados da Organização
Internacional do Café
Notamos
que, em função do período de colheita no Brasil, os preços médios
internacionais pagos aos produtores entre março e novembro de 2013
diminuem 24,98% para as variedades de “Robusta” e 23,23% para as
de “Arábica”. No mercado brasileiro, a queda é mais acentuada,
chegando, respectivamente, a 33,82% e 35,64%. 20
Em
março de 2014, às vésperas da nova safra brasileira, a média
internacional para os cafés “robusta” fica levemente abaixo da
que é registrada no mesmo mês de 2013. Por sua vez, os temores que
o calor excessivo e a estiagem nas nações produtoras reduzam a
oferta das variedades de “arábica” fazem com que suas cotações
registrem um aumento médio de 36,94% na mesma base de comparação.
No
Brasil, a saca dos cafés “robusta” encerra o período num
patamar 11,36% abaixo do registrado em março de 2013, ao passo que o
preço médio da saca de “arábica” apresenta uma elevação de
apenas 2,5%. Por se tratar de valores pagos ao produtor, a variação
de preços reflete fundamentalmente as flutuações de oferta e
procura do produto e as especulações relativas às perspectivas
futuras. A evolução desses preços no período considerado permite
afirmar que a redução média de 5,25% no valor pago pelo pó de
café não é fruto da isenção fiscal de 9,25% promovida pelo
governo, mas tão somente do comportamento do mercado.
No
caso do açúcar, o preço médio registrado no Brasil apresenta uma
redução de 7,69%, pouco mais da metade da desoneração de 13,57%
promovida em março de 2013.
Quando
levantamos as cotações diárias do produto, nos deparamos com
grandes diferenças entre uma região e outra do país. No dia 13 de
agosto de 2019, por exemplo, a saca de 50 kg do mesmo tipo de açúcar
custava R$ 59,00 em Uberlândia (MG), R$ 60,47 em São Paulo, R$
74,36 em Maceió (AL) e R$ 77,00 em João Pessoa (PB).21
Esta
realidade se deve a uma combinação de fatores como demanda,
estoques, alíquotas dos impostos estaduais, custos do trabalho, área
plantada, quantidade de cana-de-açúcar processada para este fim,
bem como ao fato de que a colheita no centro-sul do Brasil ocorre
entre abril e novembro, ao passo que nas regiões norte e nordeste
ela é efetuada de setembro a abril.
Os
dados nacionais traçam o cenário que segue: 22
Quadro
IX: produção de cana-de-açúcar, quantidade convertida em açúcar,
exportação do produto e consumo interno.
Safra
|
Cana-de-açúcar
colhida (ton)
|
Cana
Transformada em açúcar (%)
|
Produção
de
Açúcar
(ton)
|
Exportação
de
Açúcar
(ton)
|
Consumo
interno
(ton)
|
2012/2013
|
589.237.141
|
49,5
|
38.357.134
|
24.342.000
|
11.200.000
|
2013/2014
|
658.697.545
|
45,2
|
37.697.512
|
27.154.000
|
11.260.000
|
2014/2015
|
637.714.365
|
43
|
35.603.958
|
24.127.000
|
11.355.000
|
Fonte:
elaboração própria a partir dos dados da CONAB, Ministério da
Agricultura, ÚNICA, SECEX
Apesar
das variações apresentadas, o Quadro VII revela certo equilíbrio
entre oferta e demanda. O excedente de açúcar relativo à safra
2012/2013 é compensado nos períodos seguintes pela diminuição da
porcentagem de cana transformada no produto, enquanto o consumo
interno não sofre alterações significativas e as exportações
crescem durante a safra 2013/2014 para voltarem a um patamar próximo
do inicial na safra 2014/2015.
Para
explicar a queda dos preços internos precisamos levantar a produção
e os estoques mundiais do produto:
23
Quadro
X: produção mundial e volume dos estoques de açúcar em cada safra
Safra
|
Produção
mundial de Açúcar
(em
toneladas)
|
Estoque
mundial
(dias
de consumo)
|
2012/2013
|
177.843.000
|
93,4
|
2013/2014
|
175.886.000
|
98,8
|
2014/2015
|
177.419.000
|
106,1
|
Fonte:
elaboração própria a partir dos dados do USDA e da Secretaria da
Agricultura de MG
Vemos
que, apesar da queda da produção nas safras 2013/2014, o estoque
mundial cresce 5,78% e, com o aumento registrado em 2014/2015, chega
a 106 dias de consumo. Em face desta realidade, os preços assumem o
comportamento que segue:
24
Quadro
XI: preços internacionais e nacionais entre 03/2013 e 03/2014
- Mês e AnoPreço internacional(Cent US$ por Kg)Preço no Brasil(R$ por saca 50 kg)03/20134145,4804/20133943,4005/20133944,4406/20133843,8607/20133744,6008/20133843,2109/20133843,9910/20134149,4211/20133951,5712/20133651,1501/20143450,2302/20143749,7403/20143950,81
Fonte:
elaboração própria a partir dos dados do NYMEX-CME Group e
Agrolink
As
cotações internacionais caem de U$ 0,41 para U$ 0,37 o kg entre
março de 2013 e julho do mesmo ano. Em agosto e setembro se
estabilizam em U$ 0,38 e, em outubro, voltam ao patamar inicial. No
mês de novembro, diminuem e, em janeiro de 2014, atingem o nível
mais baixo com uma redução de 17,07% ante o primeiro mês do
período considerado. Em fevereiro do mesmo ano os preços voltam a
subir e fecham março de 2014 em U$ 0,39, 4,88% a menos em relação
ao mesmo mês de 2013.
No
mercado interno, a menor cotação média é registrada em agosto de
2013, 19,97% a menos ante o mês de março e, em outubro, o preço
local supera em 8,66% o patamar inicial. O estranho é que isso
ocorre no período em que se completa a safra no centro-sul do país
e a das regiões norte e nordeste está em seu segundo mês, ou seja,
num momento em que a oferta de açúcar deveria produzir o
barateamento do preço, não o contrário.
Além
das chuvas que atrapalharam a moagem da cana no sudeste, para o
DIEESE, este fenômeno se deve à retenção da produção e da venda
de açúcar a fim de forçar a alta dos valores cobrados no atacado.25
O
impacto desta medida fez a saca de 50 kg encerrar março de 2014 com
um preço médio 11,72% maior em relação ao mesmo mês de 2013.
As
escolhas empresariais relativas à redução da porcentagem de cana
transformada em açúcar e à retenção da oferta do produto forçam
as cotações locais irem na contramão do que é esperado com o
claro propósito de ampliar as margens de lucro.
Se
houve alguma influência da renúncia fiscal no barateamento do
açúcar, ela ocorreu com base em preços artificialmente elevados
que acabaram inviabilizando grande parte da redução desejada pelo
governo.
Mas
as surpresas não param por aqui. Com o pó de café 5,58% mais
barato e o açúcar valendo 7,69% menos em relação aos 12 meses
anteriores poderíamos esperar uma redução dos preços dos produtos
nos quais servem como matérias-primas. Se assim fosse, em março de
2014, o cafezinho consumido nas lanchonetes e padarias não
registraria uma alta de 17,87% em relação ao mesmo mês de 2013,
conforme apurado pelo IBGE.
Vale
lembrar que, neste intervalo de tempo, o próprio IBGE registra um
aumento médio de apenas 5,61% do gás de cozinha, de 8,73% no valor
de aluguéis e taxas e de 2,38% na conta de energia elétrica.
Sabendo que os salários dos trabalhadores no comércio tiveram
aumentos médios reais de 1,45% em 2013 e de 1,56% nas negociações
do primeiro semestre de 2014, concluímos que o encarecimento do
cafezinho não pode ser justificado pelo aumento dos custos de
produção, mas tão somente pela possibilidade de ampliar os lucros
que a venda do produto oferece. 26
Mais
uma vez, a economia real nega o que o raciocínio lógico dos
especialistas costuma apontar como líquido e certo.
A
redução de 11,67% na média de preços do óleo de cozinha parece
não deixar dúvidas que, neste caso, a desoneração fiscal teve um
papel fundamental. Para verificar se as aparências refletem a
realidade, começamos a nossa análise pelo óleo de soja, o mais
comum entre as famílias brasileiras.
Vamos
aos números: 27
Quadro
XII: Estoque inicial, produção, importação, exportação, consumo
e estoque final de óleo de soja – em toneladas
Ano
|
Estoque
Inicial
(ton)
|
Produção
(ton)
|
Importação
(ton)
|
Exportação
(ton)
|
Consumo
(ton)
|
Estoque
final
(ton)
|
2012
|
391.000
|
7.013.000
|
1.000
|
1.764.000
|
5.328.000
|
314.000
|
2013
|
314.000
|
7.075.000
|
5.000
|
1.383.000
|
5.723.000
|
288.000
|
2014
|
288.000
|
7.443.000
|
0
|
1.295.000
|
6.109.000
|
328.000
|
Fonte:
Abiove (2018) em Boletim analítico do mercado da soja
Percebemos
que, em 2012 e 2013, a soma do volume exportado e do consumo supera o
total produzido no país. A diferença é equilibrada,
fundamentalmente, pelos estoques existentes e, em menor grau, pelas
importações. Por outro lado, em 2014, a produção interna supera a
demanda, zera as importações e aumenta o estoque final em 40.000
toneladas ante o patamar de 2013.
Nestas
condições, deveríamos esperar uma tendência de alta dos preços
em 2013 e uma queda no ano seguinte. Porém, quando verificamos os
valores da soja em grãos e da tonelada de óleo no atacado nos
deparamos com algo insólito. Vejamos:
28
Quadro
XIII: preços médios mensais da saca de soja de 60 kg e da tonelada
de óleo de soja no atacado entre março de 2013 e março de 2014
Mês
e ano
|
Saca
de soja de 60kg em R$
|
Óleo
de soja em R$/Ton
|
03/2013
|
54,24
|
2.478,25
|
04/2013
|
51,26
|
2.386,11
|
05/2013
|
52,75
|
2.267,50
|
06/2013
|
58,29
|
2.263,89
|
07/2013
|
60,08
|
2.214,34
|
08/2013
|
59,05
|
2.197,92
|
09/2013
|
63,17
|
2.197,09
|
10/2013
|
63,44
|
2.117,50
|
11/2013
|
64,85
|
2.147,50
|
12/2013
|
65,19
|
2.187,78
|
01/2014
|
61,89
|
2.105,42
|
02/2014
|
61,31
|
2.115,00
|
03/2014
|
62,83
|
2.169,67
|
Fonte:
elaboração própria a partir dos dados mensais da AGROLINK e da
APROSOJA
Os
números revelam que o preço médio da saca de soja cai até maio de
2013 e, a partir de junho, inicia uma trajetória de alta que encerra
março de 2014 com um encarecimento de 15,84%. Enquanto a
matéria-prima fica mais cara, o óleo dela derivado apresenta uma
queda inesperada de 12,45%.
As
explicações para o comportamento dos preços do óleo começam a
aparecer quando levantamos a produção nacional de girassol. De
acordo com a CONAB, a safra desta oleaginosa passa das 111.000
toneladas em 2012, para 233.000 no ano seguinte e atinge um patamar
intermediário em 2014, com 152.000 toneladas.29
Em
abril de 2013 a Archer Daniels Midland Company lança o óleo de
girassol a preços que convidam a experimentar o novo produto.
30
À medida que um óleo de cozinha pode substituir outro, o
barateamento de um leva os concorrentes a diminuírem os preços a
fim de preservarem sua participação no mercado consumidor.
A
competição se acirra à medida que a oferta mundial de óleos
vegetais leva a uma queda considerável dos valores cobrados no
atacado. Vejamos o que acontece entre março de 2013 e o mesmo mês
de 2014:
31
Quadro
XIV: Preços internacionais dos óleos de soja, palma, girassol,
colza/canola e do azeite de oliva em dólares por tonelada.
Mês/ano
|
Óleo
de
soja
(U$
ton)
|
Óleo
de palma
(U$
ton)
|
Óleo
de girassol
(U$
ton)
|
Óleo
de colza/canola
(U$
ton)
|
Azeite
de
oliva
(U$
ton)
|
Março
2013
|
1.116,00
|
854,00
|
1.221,00
|
1.162,00
|
4.094,76
|
Abril
2013
|
1.095,00
|
842,00
|
1.201,00
|
1.136,00
|
4.005,37
|
Maio
2013
|
1.073,00
|
849,00
|
1.227,00
|
1.116,00
|
3.847,06
|
Junho
2013
|
1.041,00
|
860,00
|
1.228,00
|
1.078,00
|
3.955,85
|
Julho
2013
|
995,00
|
833,00
|
1.178,00
|
1.012,00
|
3.895,24
|
Agosto
2013
|
999,00
|
829,00
|
959,00
|
997,00
|
3.850,83
|
Setembro
2013
|
1.024,00
|
820,00
|
962,00
|
994,00
|
3.827,17
|
Outubro
2013
|
987,00
|
859,00
|
988,00
|
1.011,00
|
3.737,97
|
Novembro
2013
|
996,00
|
920,75
|
997,50
|
1.025,00
|
3.703,16
|
Dezembro
2013
|
989,00
|
912,00
|
982,00
|
1.012,00
|
3.628,63
|
Janeiro
2014
|
943,00
|
865,00
|
920,00
|
953,00
|
3.601,01
|
Fevereiro
2014
|
985,00
|
908,00
|
945,00
|
976,00
|
3.541,05
|
Março
2014
|
1.002,00
|
961,00
|
964,00
|
1.019,00
|
3.586,63
|
Fonte:
elaboração própria a partir dos dados fornecidos pelo site
Indexmundi
O
Quadro XIV mostra que, à exceção do óleo de palma, os preços dos
demais produtos caem no mercado internacional. A diferença dos
valores médios nos extremos do período considerado aponta uma
redução de 10,21% no caso do óleo de soja, de 21,05% no de
girassol, de 12,31% no de colza/canola e de 12,41% no do azeite de
oliva.
Ao
pesquisar o assunto, nos deparamos com notícias que acusam a
importação destas commodities de fazer os preços do óleo de soja
despencarem a ponto de colocar em risco a continuidade da produção
nacional. Entre elas, destacamos a posição da Associação
Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (ABIOVE), divulgada em
janeiro de 2014, para a qual a redução de 30% nos preços do óleo
no atacado ao longo dos últimos 12 meses traz consequências
devastadoras.
De
acordo com a entidade,
“se os preços dos óleos de soja caírem muito mais, ou
continuarem como estão a patamares mais baixos do que já estão, e
o preço [da
soja em grão] continuar
neste nível alto, sendo suportado pela demanda chinesa que continua
muito alta, a atividade de esmagamento no Brasil pode ficar
inviabilizada. Por que? Porque a margem do produtor vai embora se o
preço do óleo ficar muito barato, que é o que vem ocorrendo”.32
Esta
declaração levanta algumas perguntas. Qual era a margem de lucro
antes que os preços do óleo de soja iniciassem a trajetória de
queda? Em que nível estava em janeiro de 2014 quando os valores no
atacado registravam uma redução de 30%? Por que o preço médio do
óleo no varejo ficou apenas 11,67% mais barato? Em que medida a
alíquota não recolhida pelo governo foi usada para recompor os
lucros empresariais corroídos pelo excesso de oferta?
Provavelmente,
nunca teremos uma resposta a estas perguntas. Mas os dados provam que
as condições de mercado, e não a isenção dos impostos federais,
encolheram os preços dos óleos de cozinha.
Diante
do que levantamos nas páginas anteriores, concluímos que parte
considerável dos 5
bilhões e 540 milhões de reais
estimados como renúncia fiscal relativa aos produtos da cesta
desonerados em 2013 foi utilizada pelos empresários a fim de manter
e ampliar as margens de lucro desses produtos.
Em
2014, o valor que o governo deixa de arrecadar sobre os mesmos oito
itens é estimado em 7 bilhões e 387
milhões de reais. Neste ano, sempre com base no levantamento do
DIEESE, o preço da carne bovina registra um aumento médio nacional
de 17,16%; a manteiga fica 1,06% mais cara; o pó de café sobe
7,63%; e os preços do açúcar e do óleo caem, respectivamente,
4,28% e 3,45%.
Em
2015, ante uma renúncia avaliada em
8
bilhões e 300 milhões de reais,
os aumentos dos itens analisados atingem patamares assustadores. A
carne de boi segue o percurso traçado desde o início e fica, em
média, 14,98% mais cara; o café aumenta 10,54%; o açúcar sobe
33,22%; o óleo de cozinha 18,67%; e a manteiga a 9,34%.
33
Mas, a esta altura, todos já esqueceram das expectativas criadas com
a desoneração de 2013 e ninguém se atreve a fazer perguntas
incômodas quanto à sua eficácia real.
No
topo da pirâmide social, os aumentos constatados permitem agitar o
espectro de um descontrole dos preços, caso as isenções fiscais
venham a ser revogadas. Do mesmo modo, à medida que “desonerar”
é sinônimo de “lucrar” com o dinheiro antes destinado aos
tributos, a elite pressiona a administração pública para que novas
reduções dos impostos se tornem peça-chave das políticas
governamentais destinadas a estimular o crescimento econômico.
No
extremo oposto, os setores empobrecidos da população perdem duas
vezes. De um lado, a elevação dos preços encolhe a variedade e a
quantidade de produtos que suas rendas podem comprar. De outro, o
déficit nas contas públicas alimentado por uma arrecadação que
não acompanha os gastos do Estado leva a cortar os recursos
destinados a manter os direitos sociais existentes e a deteriorar os
serviços oferecidos à população.
Enquanto
a isenção soa a lucro para os de cima, os de baixo amargam o efeito
das reformas aprovadas e são chamados a preparar o lombo para os
novos sacrifícios que as emendas constitucionais a serem debatidas
no Congresso Nacional prometem introduzir em suas vidas.
Os
interesses aparentemente comuns de empresários e trabalhadores em
volta das isenções alimentam a cegueira que impede de ver os
mecanismos fiscais pelos quais quem tem mais vai ampliar as suas
riquezas e quem tem pouco terá menos ainda.
Na
próxima etapa do nosso estudo, analisaremos a desoneração da folha
de pagamento. Trata-se de um tema que, de tempos em tempos, volta a
marcar os debates da conjuntura. Por isso, nada melhor do que
resgatar o que já ocorreu para ponderar se as promessas que
envolviam esta medida se materializaram em resultados à altura da
perda de arrecadação do Estado.
1
A
porcentagem total das alíquotas do PIS, COFINS e do IPI de cada
item foi divulgada em:
http://www.mgcontecnica.com.br/portal/index.php/imprensa/comunicados/114-dilma-desoneracao-da-cesta-basica-e-hora-de-chamar-seus-fornecedores-para-negociar
Acessos em 25/05/2019.
2
Trecho
citado em:
https://www.asbra.com.br/noticia/dilma-anuncia-na-tv-desoneracao-de-produtos-da-cesta-basica
Acesso em 27/07/2019.
3
Dados
divulgados em: CONAB, Perspectiva
para a agropecuária,
Vol. 4 – Safra 2016 e 2017, Brasília, 2016.
4
Dados
publicados em:
https://www.scotconsultoria.com.br/noticias/carta/35429/carta-boi---a-oferta-de-carne-bovina-foi-maior-em-2013-e-o--consumo-acompanhou-o-crescimento.htm
Acesso em 26/07/2019
6
Em
Eduardo Pickler Schulter e José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho,
Evolução
da piscicultura no Brasil: diagnóstico e desenvolvimento da cadeia
produtiva da Tilápia,
IPEA, Texto para discussão 2328, Rio de janeiro, Agosto de 2017,
disponível em:
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8043/1/td_2328.pdf
Acesso em 29/07/2019.
7
Os
dados citados estão disponíveis em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cffc/audiencia-publica/2017/19-10-aquicultura/AltemirGregolinAQUICULTURAEPESCA1.pptx
e em:
https://economia.uol.com.br/agronegocio/noticias/redacao/2013/12/16/presenca-de-peixe-na-merenda-escolar-de-manaus-dobra-em-um-ano-e-atinge-85.amp.htm
Aceso em 29/07/2019
8
O
aumento médio real do preço do leite ao produtor foi calculado
pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada
(CEPEA-ESALQ/USP) e divulgado em:
https://www.castrolanda.coop.br/noticia/preco-do-leite-ao-produtor-sobe-pela-primeira-vez-em-4-meses-13687
Acesso em 03/10/2019.
9
As
porcentagens têm como base os preços médios da manteiga
praticados em agroindústrias do PR e do RS e foram extraídas da
tabela 6, pg. 1521, do estudo de PELLINI, T. e STÜLP, V. J.,
Estrutura
de custos da cadeia produtiva do leite na região sul do Brasil.
Em: http://www.iapar.br/arquivos/File/estrut_cust_ad_prod.pdf Acesso
em 3/10/2019
10
Dados
extraídos de: Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento,
Sumário executivo complexo leite – setembro/2019 Em:
http://www.agricultura.gov.br/assuntos/politica-agricola/todas-publicacoes-de-politica-agricola/sumarios-executivos-de-produtos-agricolas/complexo-leite-pdf/@@download/file/Complexo%20Leite%20(PDF).pdf
Acesso em 26/09/2019
12
Gráfico
extraído de Stok, A. L. Custos
do leite no Brasil frente à crise de 2015, Panorama
do Leite,
Intelactus/Embrapa, pg 11, em:
https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1065221/1/Cnpgl2016PanLeite84Custos.pdf
acesso em 07/10/2019
13
Em:
https://www.milkpoint.pt/o-leite-e-a-sociedade/mercado-do-leite/fao-tendencia-de-precos-e-comercio-no-mercado-dos-lacteos-92496n.aspx
Acesso em 03/10/2019
14
Gráfico
extraído de Stok, A. L. Custos
do leite no Brasil frente à crise de 2015, Panorama
do Leite,
Intelactus/Embrapa, pg 12, em:
https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1065221/1/Cnpgl2016PanLeite84Custos.pdf
acesso em 07/10/2019
15
A
redução dos preços do leite ao produtor foi calculada com base
nos dados médios nacionais divulgados pela Agrolink. De acordo com
a entidade, o preço do litro caiu progressivamente de R$ 0,9827 em
novembro de 2013 para R$ 0,9279 em março de 2014. A tabela com os
dados completos encontra-se em:
https://www.agrolink.com.br/cotacoes/diversos/leite Acesso em
07/10/2019.
16
Quando
falamos em exportação e estoques não estamos nos referindo apenas
ao produto in
natura,
mas a todas as formas sob as quais é comercializado ou guardado à
espera de ser vendido tendo como referencial as quantidades de sacas
que deram origem ao produto industrializado. Dados completos no site
da Organização Internacional do Café, em:
http://www.ico.org/new_historical.asp Acesso em 30/07/2019.
19
Os
dados completos das médias mundiais em centavos por libra
encontram-se em: http://www.ico.org/new_historical.asp Acesso em
30/07/2019.
As
médias dos preços ao produtor brasileiro dos cafés “robusta”
foram calculadas com base nas cotações do café Conilon Tipo 6 Pen
13 e do Conilon Tipo 7 BC; para os cafés “arábica” foram
consideradas as cotações do Tipo 6 BC-Duro, do Tipo C Interno 500
Base Varginha-MG e do Tipo 6 Interno 500 Base Vitória-ES. Dados
disponíveis no link:
http://www.consorciopesquisacafe.com.br/index.php/imprensa/noticias/420-aprespdfviiispcb#a
Acesso em 30/07 2019.
20
No
Brasil, a colheita começa entre o final de março e o início de
abril em Rondônia, Espírito Santo e Goiás. Em maio, é a vez de
Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Na Bahia, o café é colhido
entre junho e outubro. Em termos de país, a safra é mais intensa
entre maio e agosto. Em: CONAB, A
cultura do café: análise dos custos de produção e da
rentabilidade nos anos-safra 2008 a 2017,
Compêndio de estudos da CONAB, Vol. 12, 2017.
-
https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/cana/boletim-da-safra-de-cana/item/download/
-
https://www.economiaemdia.com.br/EconomiaEmDia/pdf/infset_acucar_etanol.pdf
-
http://www.agricultura.gov.br/assuntos/sustentabilidade/agroenergia/producao
-
https://www.única.com.br/setor-sucroenergetico/acucar/
Todos
os acesso foram realizados em 10 de agosto de 2019.
23
Em:
http://www.agricultura.mg.gov.br/images/Arq_Relatorios/Perfil/Mundial/perfil_mundial_out_2017.pdf
Acesso em 12/08/2019.
24
Dados
publicados em:
https://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=sugar&months=120
e https://www.agrolink.com.br/cotacoes/diversos/acucar Acessos
efetuados um 12/08/2019
25
Em
DIEESE, Cesta
básica aumenta em 15 cidades,
em Nota à imprensa, São
Paulo, 07 de novembro de 2013. A íntegra do texto está disponível
em:
https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/analiseCestaBasica201310.html
Acesso em 31/07/2019.
26
Em
IBGE, Sistema
Nacional de Índices de Preços ao Consumidor – IPCA/INPC, Março
de 2014, pg 08. Texto completo em:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/236/inpc_ipca_mar.pdf
Acesso em 31/07/2019
Os
dados relativos ao aumento real nos salários dos trabalhadores do
comércio em 2013 e no primeiro semestre de 2014, encontram-se em:
https://www.dieese.org.br/balancodosreajustes//2013/estPesq71BalancoReajustes2013.html
e em
https://www.dieese.org.br/balancodosreajustes/2014/estPesq73balReajustes1sem2014.html
Acesso em 01//10/2019.
28
Em:
https://www.agrolink.com.br/cotacoes/graos/soja e
http://www.aprosoja.com.br/soja-e-milho/historico-cotacao/preco-oleo-de-soja
ambos os acessos ocorreram em 13/08/2019.
A
conversão em dólares estadunidenses dos preços em reais foi feita
usando as cotações mensais do dólar comercial que se encontram
em: http://www.yahii.com.br/dolar.html Acessos em 13/08/2019.
29
Em:
https://portaldeinformacoes.conab.gov.br/index.php/safras/safras-serie-historica
Acesso em 19/08/2019
30
Em:
http://sementescondor.com.br/noticias/item/1138-admilan%C3A7a-%B3leo-de-girassol-em-parceira-com-terasol-campo-novo.html
Acesso em 19/08/2019
31
A
série histórica dos preços dos óleos vegetais em:
https://www.indexmundi.com/commodities/ Acesso em 15/08/2019.
32
Em:
https://canalrural.uol.com.br/noticias/precos-oleo-soja-não-param-cair-pais-24885/
Acesso em 18/08/2019.
33
As
estimativas para 2013, 2014 e 2015, relativas à renúncia fiscal
dos itens desonerados em 8 de março de 2013 foram divulgadas em:
http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2013/03/produtos-da-cesta-basica-serao-desonerados
As médias de preços de 2014 e 2015 foram calculadas a partir das
variações anuais de cada item da cesta básica divulgadas pelo
DIEESE em:
https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/analiseCestaBasica201512.html
e em:
https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/analiseCestaBasica201412.html
Acessos em 25/07/2019.