domingo, 13 de abril de 2025

Imperialismo: as lições das Guerras do Ópio

 



         Vivemos tempos de angústia. As ameaças bélicas, a pilhagem dos recursos naturais, a violação do direito internacional e a complacência com os abusos dos grupos de poder marcam os passos de um presente que hipoteca o futuro dos povos em nome dos interesses de poucos. “Que mundo é esse?”, pergunta quem sente o cheiro da morte no ar.

Mergulhados numa sensação de impotência, muitos preferem fechar os olhos. Outros explicam o mal apelando a forças sobrenaturais que dispensam as responsabilidades humanas. Alguns buscam definições impactantes, mas sem efeitos práticos. Também não falta quem repete um punhado de chavões para despertar a classe trabalhadora da letargia em que se encontra. Quase inexistentes são aqueles que tecem com os simples um diálogo prático e teórico que transforma a inconformidade com os acontecimentos em resistência coletiva.

Em momentos como estes, resgatar o passado permite ver fragmentos da trajetória percorrida pelo capital e, neles, o que deixamos de levar a sério enquanto agentes da mudança. Olhar para trás não fornece as respostas de que precisamos para as tempestades do futuro, mas ajuda a tomar consciência das miragens que, ao prometer alguma melhora, calaram nossas rebeldias e nos levaram aos atuais estágios de exploração e submissão.

Neste contexto, a palavra “imperialismo” voltou a marcar presença nas análises de conjuntura. Diante da dificuldade de muitos em entender do que se trata, tivemos a ideia de mostrar alguns de seus mecanismos resgatando um momento da história da humanidade. Entre as inúmeras possibilidades, escolhemos as Guerras do Ópio por reunirem um conjunto de elementos cuja clareza dispensa longas explicações. Conhecer as características da época, os acontecimentos que levaram aos conflitos e o esforço de Karl Marx para restabelecer a verdade dos fatos nos mostrará as pegadas de quem, ao conhecer o que significa colocar o lucro acima da vida coletiva, luta para criar um mundo onde haja tudo para todos.

 

1.   China e Inglaterra nos albores de 1800.

No início do século XIX, a China estava no auge da sua grandeza imperial. Com uma economia voltada à autossuficiência e exportando porcelanas, tecidos de seda, chá e especiarias, o PIB do país representava cerca de 30% da riqueza mundial.[1] Administrado pela dinastia Qing, o país atraía as atenções do Ocidente pelas potencialidades do seu mercado consumidor. Mas não era fácil vender na China os manufaturados produzidos fora dela.

Com uma agricultura, atividades artesanais e uma rede de distribuição interna que satisfaziam as necessidades de uma população em crescimento, o país não precisava do que os europeus traziam em seus navios. Além disso, para proteger a economia local do contrabando e dos efeitos deletérios criados por produtos vendidos a preços artificialmente baixos, a dinastia Qing havia limitado o comércio exterior ao porto de Guangzhou onde as trocas eram feitas por intermediários que se reportavam diretamente às autoridades imperiais. Enquanto isso, a crescente demanda por produtos chineses na Europa ampliava os déficits comerciais que, conforme as regras vigentes, eram quitados usando a prata como meio de pagamento.

Com as fábricas produzindo a todo vapor e uma marinha de guerra entre as mais letais da época, a Inglaterra olhava para a China como o destinatário ideal dos excedentes produzidos pelo seu parque industrial. Mas, enquanto as caixas de chá anualmente adquiridas haviam passado de 12.700, em 1720, para 360.000, em 1830, a quantidade de manufaturas exportadas seguia muito abaixo do esperado, elevando assim os déficits comerciais que alimentavam os cofres de Pequim com crescentes volumes de prata.[2] Virar o jogo demandava encontrar algo que a população local desejasse em quantidades cada vez maiores, assim como ocorria em relação ao chá consumido na Inglaterra.

Num cenário de naturalização dos abusos com os quais Londres submetia nações inteiras aos seus interesses, o contrabando do ópio foi se afirmando como um caminho promissor. A urgência de tornar superavitária a balança comercial com a China calava as restrições de ordem ética, religiosa e moral nos mais diferentes setores da sociedade inglesa. Acostumados que estavam a justificar os mais diferentes tipos de violência contra os povos como caminho para o progresso e a civilização, governantes e empresários viam o tráfico deste entorpecente como um mal necessário.

 

2.   Ópio: de remédio a veneno de um império.

Extraído da papoula, o ópio é uma substância narcótica que, no início de 1500, foi introduzida na China por mercadores árabes que conheciam seus usos medicinais. Ao mastiga-lo e engoli-lo, os pacientes aliviavam suas dores, reduziam os reflexos da tosse, sentiam uma sensação de relaxamento e sonolência que auxiliava o tratamento.

O uso do ópio como entorpecente veio do Ocidente que preparava a droga de forma a possibilitar a sua mistura com o tabaco utilizado nos cachimbos. A inalação da fumaça produzida pela combustão provocava sensações de leveza, euforia e um sono relaxante. Quanto mais o uso da droga extrapolava as doses e as formas recomendadas pela medicina, mais a substância causava crises de abstinência costumeiramente vencidas com a utilização de maiores quantidades.

A necessidade de romper este círculo vicioso que destruía a vida dos usuários já era visível no decreto imperial de 1729 que proibia a cultura e o comércio do ópio no país. A medida teve efeitos positivos, mas pouco pôde fazer para evitar que a atração pela droga pusesse fim à sua utilização fora da medicina.

Os problemas causados pelo entorpecente voltaram a aumentar em 1773, quando a Companhia Britânica das Índias Orientais deu os primeiros passos para ampliar a sua comercialização através do contrabando. De acordo com os registros existentes, em 1730, apenas 200 baús de 63 kg de ópio entravam anualmente em Guangzhou. Setenta anos depois, este volume chegava a 4.500 baús. Por isso, em 1796, os efeitos maléficos do ópio entre as classes abastadas forçaram o imperador a proibir novamente o seu comércio.

O que, para Pequim representava uma séria ameaça à saúde pública, para a Inglaterra era uma fonte de lucro capaz de concorrer com o tráfico de escravos da África para as Américas. Os números da época não deixam margem à dúvida. Em 1813, os custos de produção de um baú de ópio na Índia somavam cerca de 240 rúpias. A mesma quantidade da droga era vendida no porto de Guangzhou por um preço correspondente a 2.400 rúpias. Dezoito anos depois, em 1831, a forte demanda chinesa pelas rotas do contrabando elevava este valor a uma quantidade de prata equivalente a 20.000 rúpias.[3]

O ópio traficado na China era produzido na Índia, onde, desde o início de 1800, a Inglaterra havia imposto a substituição dos cultivos de alimentos pelas lavouras de chá e de papoula em amplas extensões do seu território. O crescimento exponencial deste processo trouxe fome e miséria a muitas regiões que dependiam da agricultura de subsistência para alimentar suas populações. Desta forma, a produção do entorpecente que semeava a morte na Índia gerava as condições que levariam a destruir a economia da China quanto bastava para dobrá-la aos interesses da Inglaterra.

Graças aos ganhos oferecidos, a rede de contrabando foi envolvendo mercadores e autoridades locais, funcionários públicos, militares e membros da Corte Imperial. Quanto mais o ópio ganhava terreno, mais famílias mergulhavam na pobreza e maiores eram os desequilíbrios econômicos registrados. De fato, à medida que os camponeses deixavam de investir os recursos destinados à produção das safras para comprar o entorpecente, a produção de alimentos encolhia e a escassez assim provocada fazia os preços subirem.

À medida que a quantidade de ópio vendida na China passava de 4.500 baús anuais, em 1800, para 37.000 baús, em 1836,[4] a prata do império fluía abundantemente para os cofres ingleses. Com uma menor quantidade do precioso metal circulando na economia, as moedas de cobre com as quais os chineses realizavam as compras do dia a dia sofriam uma desvalorização. Para termos uma ideia desta realidade, basta pensar que, entre 1735 e 1799, um tael de prata podia ser comprado por 800 moedas de cobre. Em 1830, a taxa de câmbio registrava a necessidade de ter 1200 moedas de cobre para comprar a mesma quantidade de prata.[5] Desta forma, as condições de vida da população pioravam sob o efeito de quatro problemas simultâneos: a escassez de produtos, a alta dos preços por ela provocada, a desvalorização das moedas de cobre e a necessidade de usar uma maior quantia delas para adquirir a prata com a qual eram pagos os impostos.

Em 1813, o impacto dos problemas econômicos e sociais criados pelo ópio levou o imperador a aumentar drasticamente as sanções pelo uso e a comercialização da droga. Contudo, não havia como o decreto produzir os resultados almejados. Quanto maior o número de membros da própria corte e da estrutura do Estado envolvidos no contrabando, mais difícil se tornava combater esta praga na base das proibições.

Diante da ausência de resultados, em 1838, o soberano chinês entregou a Lin Zexu, governador de duas províncias e firme opositor do tráfico de ópio, a tarefa de banir a droga do território nacional. O comissário agiu em três direções simultâneas. A primeira visava punir os viciados e oferecer o tratamento necessário à sua recuperação. A segunda buscava isolar o tráfico interno dos centros fornecedores para melhor reprimi-lo. E a terceira usava a apreensão das cargas de ópio para provocar prejuízos que inviabilizassem a continuidade da comercialização do entorpecente.

Neste contexto, em 1839, Lin confiscou e queimou em praça pública mais de 20.000 baús de ópio que os comerciantes ingleses haviam armazenado em Guangzhou. A ação enfureceu os proprietários da droga que, ao considera-la uma afronta à Inglaterra, pediram uma intervenção armada contra a China. Por incrível que pareça, uma medida que visava proteger o povo e a economia dos efeitos devastadores do ópio gerava a faísca que ampliaria através das armas a destruição provocada pela droga.

 

3.   1839-1842: a primeira guerra do ópio marca o futuro da China

O clamor levantado pela queima dos estoques não demorou a ser objeto de discussão no Parlamento inglês e na Corte de sua majestade. Diante do aumento das tensões, Lin Zexu escreveu à rainha Vitória I pedindo que erradicasse as plantações de ópio da Índia. Num trecho da sua mensagem, o emissário do imperador apelava à coerência da soberana dizendo: “Não permitis que o vosso próprio povo fume, sob severas penalidades em caso de desobediência, conhecedora que sois da maldição que isso é, e, portanto, proibindo estritamente tal prática. Mas, ainda melhor do que proibir o povo de fumar, não seria proibir a venda e também a preparação do ópio? Não fumarmos, mas termos o despudor de preparar, vender e induzir as massas ignaras do interior a que o façam significa protegermos a nossa própria vida enquanto levamos outros à morte, significa obter lucros enquanto arruinamos e causamos danos irreparáveis a outros”.[6] Lin finalizava a carta ameaçando cortar a exportação de produtos chineses para Londres, algo que, segundo supunha, faria muita falta aos súditos de sua majestade.

A resposta da Inglaterra foi curta, grossa e pelas vias de fato: as ações chinesas de combate ao contrabando do ópio seriam tratadas como atos de pirataria. Por isso, a partir do final de 1839, as canhoneiras da sua marinha de guerra começaram a escoltar os navios que transportavam a droga da Índia para a China. Enquanto isso, em Londres, a guerra continuava sendo defendida como a única medida capaz de proteger o sagrado direito ao livre comércio, pouco importando que a mercadoria em questão fosse o ópio. A necessidade do enfrentamento era sublinhada pelas histórias que apresentavam a China como um país atrasado e dominado por governantes que, com suas políticas retrógradas, impediam a livre troca de mercadorias que tanto beneficiaria o progresso local. Quanto maior a ênfase colocada nestes argumentos, mais a guerra para impor o comércio da droga ganhava um caráter civilizador e era vista como uma questão de justiça.

Neste cenário, em janeiro de 1840, a luta contra o contrabando provocou um breve confronto entre a marinha chinesa e os navios de guerra que escoltavam os cargueiros. Não demorou muito para que as seguidas violações da proibição do comércio de ópio levassem o imperador a fechar os portos do país às embarcações inglesas. Foi o estopim para o início das hostilidades.

Após acalorados debates no Parlamento, o governo de sua majestade enviou 20 navios de guerra com 7.000 soldados. Este contingente foi reforçado com outro ainda mais numeroso de mercenários embarcados na Índia. No início de 1841, a esquadra inglesa iniciava uma série de bombardeios que mostrariam a superioridade do armamento com o qual contava. Enquanto os canhões do império sequer conseguiam atingir os navios próximos da costa, a eficiência da artilharia britânica espalhava morte e destruição em terra firme sem que as embarcações de onde disparava sofressem dano algum. Vencidas as barreiras defensivas, o desembarque dos soldados dava início a uma série de pilhagens, estupros e homicídios que espalhavam o terror nas regiões litorâneas.

Em Hong Kong e em outras cidades, milhares de pessoas pegaram em armas contra os agressores. A resposta do povo renovou o ânimo das tropas imperiais, abatido pelas seguidas derrotas. Em março de 1842, o exército chinês tentou libertar as cidades de Dinghai, Zhenhai e Ningbo. Mas este esforço foi rapidamente derrotado pelos ingleses com o apoio de navios de guerra dos EUA e da França, países que já integravam o contrabando de ópio e queriam aproveitar do conflito para ampliar os seus negócios.

Sabendo que a guerra não demoraria a chegar à capital do império, o mandatário chinês enviou seus representantes para negociar um acordo de paz.

 

4.   1842: a paz que leva a China à pobreza

Em 29 de agosto de 1842, China e Inglaterra assinavam o Tratado de Nanjing. Pelos termos do acordo, Pequim cedia a ilha de Hong Kong e abria os portos de Guangzhou, Xiamen, Fuzhou e Xangai aos navios ingleses. Além destas concessões, o imperador se comprometia a pagar 21 milhões de taeis de prata, sendo que 6 milhões destinavam-se a compensar os baús de ópio sequestrados e queimados, 12 milhões a pagar os gastos bélicos da Inglaterra e 3 milhões a quitar dívidas comerciais pendentes. O tratado também estabelecia a soltura imediata de todos os cidadãos britânicos encarcerados e a anistia incondicional aos chineses detidos por trabalharem em seus empreendimentos. O texto nada dizia em relação ao comércio da droga propriamente dito, mas, ao acabar com a regulamentação do comércio internacional nos portos concedidos e em Hong Kong, facilitava a ampliação do contrabando. Os números registrados pela história não deixam dúvidas em relação a isso. Se o ano de 1836 havia conhecido a venda de 37.000 baús de ópio, em 1850, o volume contrabandeado havia alcançado os 50.000 baús.[7]

Mas isso ainda não oferecia à Inglaterra a liberdade desejada. Por isso, sob a ameaça de uma retomada das ações militares, em outubro de 1843, os emissários do imperador assinaram o tratado de Bogue. Os termos acordados mantinham tudo o que havia sido pactuado um ano antes e acrescentavam 5 pontos fundamentais. O primeiro deles garantia que os cidadãos britânicos que houvessem incorrido em algum crime fossem julgados pelos tribunais e leis do país de origem o que, na prática, oferecia a impunidade a quem viesse a ser preso por participar do tráfico de ópio.

Os quatro itens restantes envolviam o direito de atracar navios de guerra ingleses em todos os portos chineses (mantendo assim uma presença ostensiva no litoral do império); uma tarifa de, no máximo, 5% sobre os produtos manufaturados trazidos de outros países (a mais baixa da época); canais diretos de negociação com o imperador; e a aplicação da cláusula de “nação mais favorecida”, graças à qual os países amigos ou aliados da Inglaterra desfrutariam indiretamente das suas mesmas vantagens comerciais.

A realidade imposta pelos tratados desencadeou uma reação em cadeia que ampliou fortemente a miséria e a concentração de renda na China. De um lado, quanto maior a quantidade da droga vendida nos territórios do império, maiores eram os efeitos devastadores sobre a sua economia e, sobretudo, no empobrecimento da população.

Sem conseguir pagar os impostos e as dívidas contraídas, muitos agricultores cujos recursos haviam sido gastos na compra do entorpecente acabavam perdendo as terras de onde extraíam o sustento. O fato de as mesmas serem compradas por grandes proprietários locais não garantia os cuidados que proporcionariam uma produção de grãos capaz de satisfazer uma população que não parava de crescer. Além disso, para honrar as dívidas de guerra, o imperador aumentou os impostos e reduziu os gastos destinados às necessidades da população.

O descontentamento em relação à Corte crescia a olhos vistos. Com a corda no pescoço, entre 1842 e 1852, os chineses davam vida a mais de uma centena de rebeliões contra o poder central e a ocupação estrangeira do seu território. Entre elas ganhou destaque a revolta de Taipin, liderada por Hong Xiuquam, um professor da área rural cujos escritos convocavam a se opor à opressão e exigiam igualdade social.

Numa China onde a concentração de terras e de renda fazia a felicidade de poucos, Hong proclamava a necessidade de uma distribuição equitativa da riqueza, de proibir o tráfico de ópio e de fazer uma reforma agrária que não discriminasse as mulheres (algo que contrariava frontalmente os costumes da época). O professor, que se autoproclamava Rei do Reino Celestial de Taipin,[8] conseguiu arregimentar um grande número de apoiadores com os quais lançou uma insurreição armada que, em poucos meses, capturou a cidade de Wuhan e entrou em Nanjing.

Longe de combater as forças insurgentes, os ingleses passaram a facilitar suas ações na exata medida em que elas se tornavam mais um elemento que desestabilizava a já combalida ordem interna. Quanto mais caótica a situação, mais o imperador teria dificuldade de controla-la, mais seu poder se enfraqueceria e, portanto, mais fácil seria extrair dele novas concessões. Esta situação tão desejada pelos ingleses ganhou forças em meados de 1856 quando os sucessos momentâneos da revolta de Taipin estimularam outras regiões do país a insurgirem contra o poder central. Os conflitos internos deixaram um rastro considerável de destruição e milhões de mortos na que se apresentava como uma guerra civil de grupos isolados. Com a autoridade do imperador perdendo força, tudo o que os ingleses precisavam era de um motivo para a retomada das hostilidades.

 

5.   Os caminhos da Segunda Guerra do Ópio.

Em 8 de outubro de 1856, oficiais chineses que investigavam o contrabando no Mar da China Meridional invadiram o navio Arrow e prenderam doze tripulantes suspeitos de envolvimento em atividades ilícitas. A princípio, tudo não passava de uma atividade policial rotineira, realizada em águas territoriais chinesas, numa típica embarcação usada no comércio local (lorcha), e que se encerrou com a prisão de três criminosos procurados pela justiça e a soltura dos marinheiros detidos por averiguação.

A gravidade do acontecimento foi levantada pelas autoridades britânicas. Segundo a versão por elas apresentada, os agentes do império teriam retirado a bandeira inglesa do mastro do navio antes de inspecionar a embarcação que era registrada junto às autoridades inglesas de Hong Kong. Com base nesta narrativa, a ação policial foi julgada como uma grave afronta à honra nacional e uma violação do tratado de Nanjing (pelo qual, só os ingleses podiam investigar e julgar os seus cidadãos e as pessoas que os serviam), motivos considerados suficientes para pedir uma ação militar contra a China.

Aprovada a guerra na Corte de sua Majestade, em dezembro de 1857, as canhoneiras inglesas e francesas bombardearam o porto de Guangzhou para abrir caminhos à invasão por terra. Empenhado na luta contra os rebeldes de Taipin e em outras frentes de batalha, o enfraquecido e desmoralizado exército imperial não ofereceu resistência. O povo fez o possível para deter os invasores, mas nem os pobres recursos de que dispunha, nem a greve que paralisou as atividades portuárias podiam deter os bombardeios e a incursão de 16.000 soldados que contavam com o que havia de melhor em termos de armamento.

Dado o recado em Guangzhou, a marinha de guerra seguiu o litoral da China rumo ao norte ignorando os apelos das autoridades locais para uma solução pacífica. Em junho de 1858, ao chegar à cidade de Tianjin, a um passo da capital, a destruição provocada por ingleses e franceses forçou os chineses a um acordo de cessar-fogo. Com ele, o imperador abria mais dez portos ao comércio internacional, reconhecia o direito de todas as embarcações estrangeiras navegarem livremente no rio Yangtze (que dava acesso ao interior do país), permitia que qualquer estrangeiro pudesse viajar pela China, reconhecia à Inglaterra, França, Rússia e Estados Unidos o direito de terem representações diplomáticas em Pequim e se comprometia a pagar seis milhões de taeis de prata igualmente distribuídos entre Inglaterra, França e os mercadores ingleses prejudicados pelas hostilidades.

No ano seguinte, com a recusa da China em permitir o estabelecimento das embaixadas na capital do império, a força naval inglesa bombardeou as fortificações localizadas na foz do rio Hai He para abrir caminho às tropas que marchariam em direção a Pequim. Após vários enfrentamentos, os soldados entraram na capital do império destruindo o que encontravam pelo caminho e matando milhares de pessoas. Nem a principal residência do imperador escapou da fúria dos agressores. Incendiar suas instalações não era apenas um ato de guerra, mas uma demonstração de poder para humilhar a China.

Em 18 de outubro de 1860, era assinada a Convenção de Pequim. Nela, se reconhecia a validade do Tratado de Tianjin e se abria também o porto desta cidade ao comercio internacional. O imperador cedia aos ingleses um distrito de kowloon, compensava Inglaterra e França com 8 milhões de taeis de prata e aceitava a legalização do comércio do ópio.[9]

Atingidos os objetivos almejados, as potências estrangeiras não precisavam mais da desestabilização proporcionada pelos rebeldes de Taipin. Neste novo contexto, a insurreição era algo prejudicial à espoliação da China. Por isso, cessaram de apoiar suas ações. Sem suprimentos e enfrentando as ameaças das tropas invasoras, os grupos rebeldes foram definhando até serem varridos do mapa.

Os motivos, a velocidade, a amplitude e a crueldade das ações bélicas despertaram em alguns a sensação de que a reação desproporcional da Inglaterra escondia algo inconfessável. Afinal, um incidente produzido por uma inspeção policial rotineira poderia ser facilmente esclarecido através de contatos entre os dois países, conforme as autoridades chinesas haviam insistido em fazer.

Por outro lado, não era segredo para ninguém que o comércio de ópio, apesar de continuar proibido, andava de vento em popa. Então, se a prata estava fluindo abundantemente para os cofres de mercadores e contrabandistas, que necessidade teria a Inglaterra de devastar novamente a China? Com Pequim cumprindo os tratados, por que transformar uma ação policial em motivo de tantas mortes e de tamanha destruição?

 

6.   Sob a lupa de Karl Marx.

Entre 1857 e 1860, Marx escreve vários artigos para o Daily Tribune de Nova Iorque. As dificuldades de comunicação e de acesso à informação justificam o atraso entre o momento em que os acontecimentos relativos à Segunda Guerra do Ópio marcam a conjuntura e a análise que desvenda a realidade.

Em janeiro de 1857, a primeira abordagem do tema apresenta o que, de fato, aconteceu na ação policial chinesa: Quanto à própria lorcha, [o governador chinês] refere que, quando os chineses a bordo foram apreendidos, era suposto tratar-se de uma embarcação chinesa, e com razão, porque foi construída por um chinês, e pertencia a um chinês, que havia obtido fraudulentamente a posse da bandeira britânica, ao inscrever seu navio no método colonial britânico de registros - ao que parece, algo habitual, entre os contrabandistas chineses. Quanto à questão do insulto à bandeira, o Governador comenta: «Tem sido regra invariável das lorchas da nação de Vossa Excelência, arriar a bandeira quando lançam âncora e içá-la novamente ao iniciar a viagem. Quando a lorcha foi abordada, para que os prisioneiros pudessem ser apreendidos, foi satisfatoriamente provado que nenhuma bandeira estava hasteada».”[10]

Esta posição é confirmada na matéria publicada em 16 de março, quando Marx cita textualmente parte dos debates parlamentares ocorridos em Londres. Num dos trechos transcritos, lemos: “Em seguida veio Lorde Lyndhurst: «Sir J. Bowring - que é um ilustre humanitário assim como plenipotenciário (risos), ele mesmo admite que o registro é nulo e que a lorcha não tinha o direito de hastear a bandeira inglesa». Agora, observem o que ele diz: «A embarcação não tinha proteção, mas os chineses não sabem disso. Pelo amor de Deus, não sussurrem isso para eles.» Ele também perseverou, pois efetivamente disse: «Nós sabemos que os chineses não foram culpados de nenhuma violação do tratado, mas nós não contaremos isso a eles; nós insistiremos na reparação e na devolução dos homens que eles de uma forma particular apreenderam. Se os homens não forem devolvidos em determinada forma, qual seria o remédio? Ora, para apreender trastes, um traste de guerra. Se isso não for suficiente, que se tome algo mais até que nós os obriguemos a se submeter, embora nós saibamos que eles tinham o direito do lado deles e não tínhamos a justiça do nosso...».

Já houve conduta mais abominável, mais flagrante – eu não direi mais fraudulenta, muito embora se equivalha a fraude em nosso país –, na qual a mais falsa pretensão foi apresentada por um homem público a serviço do governo britânico?”[11]

Desta forma, não só Marx derruba de vez a “questão de honra” e a suposta “violação” dos tratados existentes, como evidencia o caráter doloso da armação que justificou a guerra. Sendo assim, por que a Câmara dos Comuns não inviabilizou a agressão que estava a um passo de ser injustamente perpetrada?

A resposta virá numa matéria publicada no dia 25 de março. Nela, Marx completa as informações da publicação anterior e responde a esta pergunta de forma clara e cristalina: Depois de quatro noites de violentas discussões, os debates chineses finalmente se dissolveram na votação de uma censura aprovada pela Câmara dos Comuns no Ministério de Palmerston. Palmerston reage à censura com uma "dissolução penal". Ele pune os Comuns mandando-os para casa. (...) A administração de Palmerston não era a de um gabinete comum. Era uma ditadura.”[12] Ou seja, entre as pressões para uma ação que submetesse à China a condições ainda mais duras e a não aprovação da guerra pela Câmara dos Comuns em função das evidências apresentadas, o Primeiro-Ministro dissolveu a Câmara dos Comuns a fim de garantir os recursos bélicos e financeiros para a retomada das hostilidades.

Seguindo em seu esforço de jogar luz sobre os acontecimentos, no dia 10 de abril de 1857, o Daily Tribune publica outra matéria de Marx relatando o tipo de argumentos utilizados na defesa da guerra pelo Premier inglês e o contexto em que as decisões foram tomadas: “Lorde Palmerston, o atual Primeiro-Ministro da Inglaterra, e o Conde de Clarendon, Ministro das Relações Exteriores, parecem estar agora numa posição nada invejável. No banquete do falecido Prefeito (Lorde), o Premier disse, em seu discurso, ao tentar justificar as atrocidades cometidas contra os chineses: «Se o Governo tinha, neste caso, aprovado procedimentos injustificáveis, indubitavelmente eles seguiram um rumo que merecia incorrer na censura do Parlamento e do país. Nós estávamos convencidos, porém, pelo contrário, de que esses procedimentos eram necessários e vitais. Nós sentimos que um grande mal havia sido infligido ao nosso país. Nós sentimos que nossos compatriotas em uma parte distante do globo foram expostos a uma série de insultos, ultrajes e atrocidades que não podiam ser ignorados em silêncio (Ovações). Nós sentimos que direitos deste país - estabelecidos em tratados, foram quebrados, e que aqueles localmente encarregados da defesa de nossos interesses naquele canto do mundo não só eram apenas justificados, mas obrigados a ressentir-se desses ultrajes, até onde o poder em suas mãos lhes permitisse fazê-lo. Nós sentimos que deveríamos estar traindo a confiança que os cidadãos do país depositaram em nós se não tivéssemos aprovado os procedimentos que julgávamos corretos, e que nós, se colocados nas mesmas circunstâncias, deveríamos ter considerado nosso dever seguir semelhante exemplo» (Ovações).

Agora, por mais que o povo da Inglaterra e o mundo em geral possam ser enganados por tais declarações plausíveis, Sua Senhoria certamente não acredita que elas sejam verdadeiras, ou se ele acredita, ele revelou uma ignorância voluntária quase tão injustificável quanto o ‘dolo criminal’. Desde que chegou até nós o primeiro relatório sobre as hostilidades inglesas na China, os jornais do governo da Inglaterra e uma parte da imprensa americana têm amontoado denúncias indiscriminadas sobre os chineses - vastas acusações de violação de obrigações do tratado – insultos à bandeira inglesa – degradação de estrangeiros que residem em seu solo e afins; no entanto, nenhuma acusação distinta foi feita ou um único fato apresentado em apoio a essas denúncias, exceto, o caso da lorcha Arrow, e, no tocante a este caso, as circunstâncias foram a tal ponto tão deturpadas e encobertas pela retórica parlamentar justamente para induzir ao erro aqueles que realmente desejam compreender os méritos da questão.[13]

Comprovada a farsa, exposto o ambiente que levou a acreditar nela, denunciado que a Inglaterra estava lançando mão de um pretexto mentiroso para guerrear contra a China, as reflexões de Marx levavam a uma nova pergunta: Se, em função do tráfico de ópio, a prata fluía abundante para os cofres ingleses, que motivos teriam levado a Companhia Britânica das Índias Orientais e o governo de Londres a mais um enfrentamento bélico?

No dia 20 de setembro de 1858, o Daily Tribune publica as hipóteses que Marx introduzia com uma pergunta aos leitores: “Existe alguma probabilidade de que a guerra de 1857-8 leve a resultados mais esplêndidos do que a guerra de 1839-42?

Além de seu resultado negativo, a primeira guerra do ópio conseguiu estimular o comércio de ópio à custa do comércio legítimo, e o mesmo acontecerá com esta segunda guerra do ópio se a Inglaterra não for forçada pela pressão geral do mundo civilizado a abandonar o compulsório cultivo do ópio na Índia e a coercitiva propaganda do ópio na China. (...)

Os chineses não podem levar bens e drogas ao mesmo tempo; nas circunstâncias atuais, a extensão do comércio chinês resulta na extensão do comércio de ópio; o crescimento deste último é incompatível com o desenvolvimento do comércio legítimo - essas proposições foram amplamente admitidas há dois anos. Um Comitê da Câmara dos Comuns, nomeado em 1847 para tratar do estado das relações comerciais britânicas com a China, assim relatou:

Nós lamentamos «que o comércio com aquele país esteja há algum tempo em condições muito insatisfatórias, e que o resultado de nosso extenso intercâmbio não atendeu de modo algum às justas expectativas que naturalmente se baseavam em um acesso mais livre a um mercado tão magnífico… Nós achamos que as dificuldades do comércio não surgem de qualquer falta de demanda na China por artigos de manufatura britânica ou da crescente competição de outras nações.... O pagamento pelo ópio... absorve a prata, para grande inconveniência do comércio geral dos chineses; e chá e seda devem de fato absorver o resto».[14]

Repare que, nesta matéria, Marx constrói o seu raciocínio juntando declarações que, até aquele momento, não haviam sido levadas na devida consideração. O desafio, agora, era o de reunir elementos sobre as vendas das manufaturas inglesas, cujo aumento era o principal objetivo da conquista do mercado chinês.

No dia 03 de dezembro de 1859, o Daily Tribune publicava mais uma matéria dele onde constava parte de um relatório de 1852 encontrado no Livro Azul da Correspondência Relativa às Missões Especiais de Lord Elgin na China, escrito por um agente britânico em Guangzhou: “Nosso Tratado Comercial com este país [China] está agora há quase dez anos em pleno funcionamento, todos os impedimentos presumidos foram removidos, mil milhas de nova costa foram abertas para nós e quatro novos mercados estabelecidos exatamente nos limiares dos distritos produtores e nos melhores pontos possíveis da costa. E, no entanto, qual é o resultado no que diz respeito ao aumento prometido no consumo de nossas manufaturas? Ora, claramente isso: Que ao final de dez anos as tabelas da Junta Comercial nos mostram que Sir Henry Pottinger descobriu um comércio maior quando assinou o Tratado Suplementar em 1843 do que o próprio Tratado nos mostra no final de 1850! — isto é, no que diz respeito às nossas domésticas manufaturas, que são a única questão que estamos considerando agora.”[15]

Mais adiante, no mesmo relatório, o Sr, Mitchel assinalava que as Tabelas da Junta Comercial mostravam que “a exportação de nossos produtos manufaturados para a China foi menor em quase três quartos de milhão de libras esterlinas no fechamento de 1850 comparado ao ano de 1844."[16] Ou seja, contrariando as expectativas de uma expansão das vendas de manufaturados ingleses para a China após a Primeira Guerra do Ópio, os números mostravam que, em determinados anos, as importações do império haviam encolhido significativamente.

Ao apresentar as razões do fraco desempenho das manufaturas inglesas, Marx volta ao relatório do Sr. Mitchel: “Os hábitos dos chineses são tão parcimoniosos e tão hereditários que eles vestem exatamente o que seus pais usavam antes deles; isto é, apenas o suficiente e nada mais, não importa o quão barato possa ser oferecido a eles. Nenhum chinês que trabalha pode se dar ao luxo de vestir um casaco novo que não dure pelo menos três anos e aguente o desgaste do trabalho mais duro durante esse período. Agora, uma roupa com essa descrição deve conter pelo menos três vezes o peso do algodão cru que colocamos nas mercadorias mais pesadas que importamos para a China; isto é, ela deve ser três vezes mais pesada quanto as mais pesadas brocas de artigos domésticos que dispomos para enviar para cá.”[17]

A possibilidade de os tecidos serem fabricados na Inglaterra com as mesmas características locais foi descartada pelo próprio Mitchel que, em 1844, havia enviado algumas amostras aos empresários de Manchester com a sinalização dos preços máximos para o mercado chinês. A negativa recebida não estava baseada na impossibilidade de a indústria inglesa fabricar algo parecido, e sim no fato de seus custos de produção estarem bem acima dos praticados na China.

A descrição do Sr. Mitchel, reproduzida por Marx, explica as razões desta diferença: “Quando a colheita é feita, todos os trabalhadores da casa da fazenda, jovens e velhos juntos, se voltam para cardar, fiar e tecer este algodão; e deste material fiado em casa, um material pesado e durável, adaptado ao manuseio rude pelo qual ele tem que passar por dois ou três anos, que eles se vestem, e o excedente eles carregam para a cidade mais próxima, onde o lojista compra para uso da população das cidades e dos barqueiros nos rios. Com este material feito em casa, nove em cada dez seres humanos neste país são vestidos, a manufatura variando em qualidade desde o macacão mais grosseiro até o mais fino Nanquim, tudo produzido nas fazendas, e custando ao produtor literalmente nada além do valor da matéria-prima, ou melhor, do açúcar - o produto de sua própria lavoura, que ele trocou por ela."[18]

Sendo assim, a única forma de emplacar os tecidos e as roupas exportadas pela Inglaterra no mercado chinês passava pela destruição da forma de produzir descrita no relatório. Para dar consistência a esta hipótese, restava a Marx mostrar que as exportações inglesas para o país andavam mal das pernas também nos anos imediatamente anteriores à retomada das hostilidades. Com este propósito, na mesma matéria, ele apresentava os valores em libras esterlinas dos itens vendidos aos chineses entre 1849 e 1857:

         Diante do total exportado em cada ano, Marx comentava: “Agora, comparando esses números com a demanda chinesa por manufaturas britânicas em 1843, declarada pelo Sr. Mitchell como totalizando £1.750.000, veremos que em cinco dos últimos nove anos as exportações britânicas caíram muito abaixo do nível de 1843, e em 1854 eram apenas 10/17 [57,0%] do que haviam sido em 1843.”[19] Ou seja, ainda que o governo inglês não reconhecesse publicamente as pressões das indústrias têxteis no sentido de forçar a abertura do mercado chinês para desovar os estoques existentes, os números mostravam que este poderia ser o objetivo do novo enfrentamento.

Em outras matérias para o mesmo jornal, Marx encadeou suas reflexões sobre o tema com as relações internacionais entre Inglaterra, França, Rússia e China no esforço de apresentar o tabuleiro no qual se movimentavam os interesses destes países e o papel da guerra contra Pequim na concretização dos mesmos. Que isso custasse mortos, destruição e mais miséria para a maioria dos chineses, não era um problema. Os negócios da Inglaterra na Índia e em outros lugares do mundo haviam seguido um roteiro semelhante...logo...por que na China deveria ser diferente?

         Chama a atenção que, na trajetória da sua análise, Marx não faz discursos altissonantes e nem se vale de declarações bombásticas. Sem dispensar pitadas de ironia, ele foca as atenções nos acontecimentos em si e nas perguntas que nascem a partir deles. É com esta picareta que ele fura a crosta de aparências escondia a realidade.

Em nenhum momento, Marx constrói narrativas que adaptam o real a algum pressuposto teórico e nem apela a formulações genéricas para provar suas posições. Ao contrário, resgata as contradições dos próprios acontecimentos para tornar visível o porquê do por que das coisas. Por isso, a lupa de Marx não procura palavras rebuscadas para um discurso de ocasião, mas fatos que permitem apoiar a reflexão no sólido alicerce do real.

Qual terá sido a reação do leitor do Daily Tribune diante disso tudo?

Bom, nada impede que tenha ignorado os acontecimentos, questionado sua veracidade ou preferido o discurso oficial ao desconforto de uma realidade que contradiz os valores nos quais acredita. Seja como for, o importante, para Marx era coloca-lo diante de um divisor de água que exigia uma tomada de posição e aplanava o terreno para questionar a responsabilidade de sua omissão nos eventos do presente.

As nossas reflexões chegaram ao fim. Esperamos que elas tenham provado que a falta de limites e escrúpulos do imperialismo é algo próprio de um sistema que coloca o lucro acima da vida. Mudar esta realidade demanda encará-la como ela é.

Por isso, o primeiro passo deste processo exige, justamente, o esforço de “colar na realidade” para identificar as contradições e as possibilidades de desenvolvimento que os acontecimentos colocam diante de nós. O segundo deveria, pelo menos, nos fazer caminhar rumo ao compromisso de quem, com palavras e ações, busca tornar inaceitável um cotidiano da história com o qual a maioria, simplesmente, se conforma. Coragem...para todos nós!

Emilio Gennari, março de 2025.

 

 

 Bibliografia

- FABLE Noah, As Guerras do Ópio na China, Edição para Kindle divulgada pela Amazon em 2024.

- GOYOS JR, de Noronha Durval, As Guerras do Ópio na China e os tratados desiguais, Observador, Legal Editora Limitada, São Paulo, 2021.

- KISSINGER Henry, Sobrea a China, Ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 2011.

- SAMPAIO, Tiago Henrique, As considerações de Marx sobre as Guerras do Ópio e suas consequências na sociedade Chinesa (1839-1860). Em: Revista Espaço Acadêmico, Nº 174, Novembro de 2015.



[1] Vale lembrar que, nesta época, os economistas atrelavam o PIB ao tamanho da população de um país, o que dificulta os esforços para transformar a produção de mercadorias em valores monetários correntes. Em Kissinger (2011), pg. 29.

[2] Dados publicados em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/as-guerras-do-opio/  Acesso realizado em 24/02/2025.

[3] Os dados citados constam do estudo de Julia Lovell publicado no livro The opium war, Ed. Picador, Sidney, 2011, disponíveis em: https://es.wikipedia.org/wiki/Primera_Guerra_del_Opio  Acesso realizado em 25/02/2025.

[4] Em Goyos Jr (2021), pg. 96.

[5] Dados publicados em Stephen R. Platt, Imperial twilight : the opium war and the end of China's last golden age, Ed. Vintage Books, Nova Iorque, 2019, reproduzidos em https://es.wikipedia.org/wiki/Primera_Guerra_del_Opio Acesso realizado em 25/02/2025.

[7] Em Goyos Jr (2021), pg. 96.

[8] O termo “celestial” soa estranho para nós, mas, na China, tinha um significado bem preciso. No âmbito do confucionismo, o imperador era considerado o representante supremo da raça humana e, como tal, era também o intermediário simbólico entre céu, terra e humanidade. O caráter de “Filho do Céu” atribuído ao imperador impunha ao soberano uma série de obrigações morais, de condutas, de rituais e até mesmo de punições severas caso se desviasse do caminho da virtude. Ao se proclamar Rei do Reino Celestial de Taipin, Hong se apoiava na base cultural comum para sublinhar que a harmonia universal a ser criada com o advento do seu reino devia incluir profundas relações de igualdade.

[9] Em: https://gl.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_do_Opio  Acesso realizado em 01/03/2025.

[10] Em: New York Daily Tribune, The Case of the Lorcha Arrow, 23 de Janeiro de 1857. Acesso ao texto em inglês em: https://www.marxists.org/archive/marx/works/1853/china/index.htm     Tradução de Anne Nobre.

[11] Em: New York Daily Tribune, Parliamentary Debates on the Chinese Hostilities, 16 de Março de 1857. Acesso ao texto em inglês em: https://www.marxists.org/archive/marx/works/1853/china/index.htm     Tradução de Anne Nobre.

[12] Em: New York Daily Tribune, Defeat of the Palmerston Ministry, 25 de março de 1857. Acesso ao texto em inglês em: https://www.marxists.org/archive/marx/works/1853/china/index.htm     Tradução de Anne Nobre.

[13] Em: New York Daily Tribune, Whose Atrocities?, 10 de abril de 1857. Acesso ao texto em inglês em: https://www.marxists.org/archive/marx/works/1853/china/index.htm     Tradução de Anne Nobre.

[14] Em: New York Daily Tribune, Trade or Opium? 20 de setembro de 1858. Acesso ao texto em inglês em: https://www.marxists.org/archive/marx/works/1853/china/index.htm     Tradução de Anne Nobre.

[15] Em: New York Daily Tribune, Trade with China, 03 de dezembro de 1859. Acesso ao texto em inglês em: https://www.marxists.org/archive/marx/works/1853/china/index.htm     Tradução de Anne Nobre.

[16] Idem.

[17] Idem.

[18] Idem.

[19] Idem.