terça-feira, 26 de abril de 2016

2016: mais um ano amargo: Conjuntura Internacional


            " Decifra-me ou Devoro-te"  ( Esfinge aos caminhantes)


Não temos bola de cristal mas conhecemos alguém que acompanha os acontecimentos e procura montar o quebra cabeças que nos ajuda a atravessar os mares agitados da conjuntura. Trata-se do estudioso e educador popular Emílio Gennari. 

Por ser fundamental saber onde estamos e conhecer aqueles que tecem os acontecimentos, para que possamos nos posicionar sem sermos surpreendidos com o rumo destes acontecimentos, publicamos dois textos seus sobre a conjuntura dos quais este é o primeiro.

Boa Leitura



Emilio Gennari – Educador Popular

E-mail: epcursos@gmail.com

2016: mais um ano amargo


Panorama internacional

            As oscilações nas bolsas de valores nos dois primeiros meses de 2016 indicam uma crescente preocupação com o crescimento frágil e desigual da economia mundial.

            Com pequenas desvalorizações em janeiro e fortes quedas nas duas primeiras semanas de fevereiro, as ações dos bancos estadunidenses perderam 19% do seu valor, no Japão as perdas chegaram a 36% e na Europa a 24%. Para termos uma ideia do que isso representa, basta pensar que o valor de mercado dos bancos europeus encolheu E$ 345 bi (cerca de R$ 1,54 tri).

            Diante do vendaval que sacudiu as bolsas do mundo inteiro, a pergunta de quem acompanha os acontecimentos da economia mundial não pode ser outra: por que instituições financeiras como o Deutsche Bank, o BNP Paribas, o Barclays, o Societe General da França e várias outras mostraram fragilidades aparentemente inesperadas?

A resposta está na confluência de quatro fatores:

  1. À medida que os bancos centrais faziam cair as taxas de juros abaixo da inflação para reanimar a economia, reduziam também os lucros das instituições financeiras.
  2. Os empréstimos dos bancos às empresas petrolíferas cuja disponibilidade de caixa foi duramente atingida pela queda dos preços do petróleo. Em 2015, nos EUA, o endividamento elevado e a diminuição das receitas levaram à falência 41 empresas de médio porte que atuavam na produção de petróleo e gás. Em 2016, as estimativas indicam que outras 150 seguirão o mesmo caminho caso os preços do barril de petróleo se mantenham nos níveis atuais (U$ 33 o barril).
  3. As dúvidas crescentes sobre a existência de créditos que não serão pagos por empresas agrícolas, industriais e de mineração em função do baixo crescimento da economia, da queda dos preços das matérias primas e da valorização do dólar que encareceu as dívidas contraídas nesta moeda. Na Europa, o tamanho do possível calote do setor privado seria da ordem de E$ 360 bi (cerca de R$ 1,6 tri).
  4. O fato de, a partir de 1º de janeiro de 2016, os governos dos países europeus garantirem depósitos e investimentos financeiros até E$ 100.000. Em caso de falência dos bancos, seriam os correntistas e os investidores a saírem com a maior parte do prejuízo, ao contrário do que ocorria antes quando o dinheiro dos contribuintes era empregado sem reservas para cobrir os rombos.

            Este cenário se soma às inquietações com a desaceleração da economia mundial em 2015, apesar das taxas de juro negativas nos 17 países do euro, nos Estados Unidos e no Japão que, juntos, respondem por mais metade da produção da riqueza mundial. Além da situação da China e da valorização do dólar, sobre as quais vamos nos deter mais adiante, há outros fatores que não podem ser esquecidos:

Ø  Em 2015, os investimentos encolheram em relação a 2014, ampliando a distância em relação aos níveis anteriores à crise.
Ø  O ritmo de crescimento do comércio mundial caiu de 4,7% em 2014, para 2,5% em 2015.
Ø  Apesar de ficar aquém do esperado, o aumento do consumo das famílias compensou parte da redução dos investimentos e ocorreu mais pela diminuição dos gastos com combustíveis e transporte do que por aumentos de salário. Vale lembrar que, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, os vínculos empregatícios em 2015 apontam para uma situação assustadora nas relações entre capital e trabalho no período pós-crise com 60,7% da população economicamente ativa na informalidade ou desempregada, 13% com empregos temporários e só 26,3% com contratos permanentes.

            À medida que a economia mundial vem dando sinais de desaceleração, os acionistas buscam proteger seus capitais vendendo ações de bancos e empresas que apresentam riscos maiores para comprar dólar, ouro ou migrar rumo a investimentos considerados mais seguros.

            Neste cenário de incerteza, a China, que responde por 18% da atividade econômica mundial, é o país que desperta as maiores preocupações, tanto em função da redução do crescimento da sua economia, como das dúvidas quanto à veracidade dos dados fornecidos pelo governo. Podemos esboçar a situação deste país nos tópicos que seguem:

Ø  O milagre chinês dá sinais crescentes de esgotamento. A construção civil e os investimentos estrangeiros em empresas de todos os tipos como motores do crescimento criaram uma economia dependente da indústria de transformação e das exportações. Vários sintomas indicam que este ciclo está fazendo água:
ü  A deflação de 5,2% dos preços ao produtor, criada, sobretudo, pela elevação dos estoques, reduziu os lucros e tornou pesada a taxa de juros de 4,35% ao ano (diante da inflação que, em 2015, foi de 1,87%) para as empresas endividadas. O caso das siderúrgicas ajuda a visualizar o impacto deste fator. Em 2015, os lucros do setor registraram uma queda de 68% sobre 2014, o que levou a um plano de cortes na produção da ordem de 100 a 150 milhões de toneladas ao ano durante o próximo quinquênio com a eliminação de 500.000 postos de trabalho. O problema é que não estamos diante de um caso isolado. De fato, entre março e dezembro de 2015, a indústria chinesa acumulou 11 meses de encolhimento da produção, algo que também pode ser visualizado pela redução das importações em 14,1% ao longo do ano passado e que, em janeiro de 2016, apresentou uma queda de 18,8% em relação ao mesmo mês de 2015.
ü  Apesar de, em 2015, as autoridades terem desvalorizado o yuan em 4,8%, as exportações do país sofreram uma queda de 2,8%, o que contribuiu a elevar os estoques, reduzir os lucros das empresas e alimentar as dúvidas em relação à capacidade das companhias endividadas em dólares de honrar seus compromissos (basta pensar que, em julho de 2015, o valor total destas dívidas era estimado em U$ 1,2 tri, cerca de R$ 4,8 tri). Por sua vez, os dados de janeiro de 2016 não são nada animadores, pois apontam uma queda de 11,2% das exportações em relação ao mesmo mês do ano passado.
ü  Sempre em 2015, os temores de novas desvalorizações e de uma maior redução do crescimento da economia levaram a uma forte saída de capitais do país que promete se ampliar ao longo do ano em curso. Para defender a moeda de uma desvalorização que encareceria ainda mais as dívidas em dólares, o banco central da China lançou mão de suas reservas internacionais. O problema é que, mantido o nível atual das saídas de capitais e do uso dos dólares nos cofres do governo registrado em janeiro deste ano, Pequim deve passar dos atuais U$ 3,2 tri em reservas internacionais para U$ 2,1 tri no final de 2016, uma situação que, ao se concretizar, faria soar todos os alarmes dos investidores.
O futuro imediato coloca ao governo chinês três possibilidades nada confortáveis:
1.    Desvalorizar mais a moeda local, o yuan, para aumentar as exportações e elevar o superávit da balança comercial a fim de repor parte das reservas gastas. Esta medida, porém, iria piorar a situação das empresas endividadas em dólares e apressar a fuga de capitais.
2.    Se o yuan for valorizado frente ao dólar a fim de reduzir o peso das dívidas contraídas na moeda estadunidense, o governo acabaria reduzindo a competitividade das exportações, o que elevaria os estoques das empresas, reduziria ainda mais suas margens de lucro e melhoraria as condições de remessa de dinheiro ao exterior, piorando o que está ruim.
3.    Por outro lado, se Pequim restringir os movimentos de capitais ou optar por uma erosão gradual das reservas cambiais iria encolher ainda mais os investimentos estrangeiros que entram no país e teria menos recursos para pilotar os problemas que se avolumam na economia local.
Basta isso para percebermos as dificuldades com as quais a China vem se deparando para manter o país em patamares que proporcionem índices razoáveis de crescimento e conter as tensões sociais vinculadas à redução dos novos postos de trabalho para os cerca de 20 milhões de jovens que ingressam anualmente no mercado de trabalho.
ü  Nos últimos quatro anos, os salários aumentaram acima da inflação para estimular o consumo das famílias que representa apenas 32% do PIB. O problema é que esses aumentos reduziram o lucro das empresas e a competitividade das exportações, levando várias indústrias a se mudarem para os países vizinhos que ofereciam melhores condições de exploração do trabalho. Se, de um lado, a crise de 2008 acelerou a deterioração das bases do milagre econômico chinês, de outro, a tentativa do governo de apressar a transição para um modelo econômico que ofereça um equilíbrio maior entre indústria, serviços, agropecuária e crescimento do mercado interno não acompanhou o ritmo das mudanças em curso. A desconfiança dos investidores em relação ao futuro da economia começou a se materializar nas fortes oscilações das bolsas de valores locais em junho de 2015 que criaram mais um problema para o governo: a desvalorização das ações fez evaporar parte significativa das poupanças das famílias criando um impacto negativo sobre o consumo interno e alimentando o clima de tensão social.

            Como dissemos acima, a situação de incerteza na economia mundial está levando investidores de todos os países a comprarem ouro (que, de 1º de janeiro a 22 de fevereiro deste ano teve uma valorização de 12%) e dólares estadunidenses.

            Mas, a que parece uma medida sem consequências negativas para Washington pode servir de freio ao crescimento econômico do país. Vejamos:
Ø  A alta do dólar pela forte procura dos investidores internacionais encarece as exportações dos EUA, que representam cerca de 10% do seu PIB, e acaba barateando os produtos importados, uma situação que dificulta as vendas ao exterior e eleva o déficit da balança comercial estadunidense.
Ø  O dólar mais caro faz com que as empresas fora dos EUA endividadas nesta moeda tenham mais dificuldades de pagar o que devem. Este cenário eleva as especulações dos investidores em relação a um calote, o que aumenta a procura pelo dólar e, portanto, os riscos da sua valorização.
Ø  No caso da China, além da fuga de capitais, o desaquecimento da economia do país faz com que as autoridades pressionem o mercado mundial rumo a uma diminuição dos preços das matérias primas importadas a fim de reduzir os custos e elevar as margens de lucro das indústrias locais. Mas o resultado benéfico das importações mais baratas para a China eleva as dificuldades dos países produtores que vêm lidando com os problemas internos causados pela queda dos preços destes produtos que, entre junho de 2014 e janeiro de 2016, foi, em média, de 45%. Com menos dinheiro no caixa das empresas e menos dólares nas contas da balança comercial, os países exportadores veem encolher os investimentos locais, o que tende a frear suas economias.

            Diante do cenário que apresentamos, em 2016, o crescimento estimado da economia mundial foi reduzido de 3,1% a 2,5%; o PIB dos EUA deve passar dos 2,4%, em 2015, para 2%, em 2016; os 17 países do euro devem sair de um crescimento de 1,8% no ano passado para 1,5%; e o do Japão ameaça ficar abaixo dos 0,4% registrados em 2015.

            Por esses números podemos concluir que, no ano em curso, a perspectiva de uma nova crise na economia mundial tem pouco espaço para acontecer, à medida que o crescimento de EUA e Europa devem contrabalançar com sobras a situação dos países que enfrentam uma desaceleração ou uma recessão em suas economias. Apesar disso, o aumento das perspectivas de deterioração, em 2016, aponta a possibilidade de uma nova crise em 2017.

            A soar os alarmes não são apenas os dados relativos ao comércio e aos investimentos na economia mundial, mas também o fato de os bancos centrais das principais potências econômicas terem menos instrumentos para frear a marcha de mais uma crise do sistema. E não é pra menos. Passados sete anos do início da última recessão, a taxa de juros dos países centrais se mantém negativa ou em níveis baixos demais para que uma ulterior redução dos juros sirva de estímulo à retomada da economia.

            O fato de possíveis cortes na produção de petróleo e demais commodities vierem a aumentar seus preços vai melhorar os balanços das empresas destes setores, mas, ao elevar os preços finais das mercadorias, tende a reduzir o consumo da sociedade e aumentar os estoques. Vale lembrar que na União Europeia, nos EUA, no Brasil e em várias outras nações o consumo das famílias representa mais da metade do PIB, algo que, num clima de baixos investimentos, ajuda a esfriar a marcha da economia local.

            Amedrontada pelos efeitos da última crise; anestesiada pela crença nas possibilidades de ascensão social; preocupada em perder o pouco que tem em função dos problemas causados pela geopolítica e a expansão econômica do capitalismo mundial (como no caso dos fluxos migratórios para a Europa), a classe trabalhadora chega desorganizada, dividida e sem capacidade de relacionar a origem dos seus problemas e das questões nacionais com os sacrifícios que a acumulação capitalista impõe à sociedade. A cegueira é tamanha que os trabalhadores sequer conseguem ver que, por trás dos sintomas apontados pela elite como causa de seus problemas, se esconde uma profunda exploração. Basta pensar, por exemplo, que, entre 2009 e 2015, na indústria de bens duráveis dos EUA, a produtividade aumentou 25,6% e a produção 39,5%, enquanto os salários reais por hora caíram 1,4%.

            Não sabemos quando a classe acordará para esta realidade, mas a economia mundial aponta para uma piora de suas condições de sobrevivência, um cenário que, por si só, não basta para acordar os trabalhadores da letargia em que se encontram. Novos desafios estão a caminho. Resta saber se ajudarão a classe a levantar e a pensar um projeto de sociedade que coloque as preocupações com os seres humanos, e não com os lucros, no centro da vida coletiva.


            Emilio Gennari. 28 de fevereiro de 2016.

2016: mais um ano amargo: O Brasil na tempestade.

 Decifra-me ou Devoro-te"  ( Esfinge aos caminhantes)


Não temos bola de cristal mas conhecemos alguém que acompanha os acontecimentos e procura montar o quebra cabeças que nos ajuda a atravessar os mares agitados da conjuntura. Trata-se do estudioso e educador popular Emílio Gennari. 

Por ser fundamental saber onde estamos e conhecer aqueles que tecem os acontecimentos, para que possamos nos posicionar sem sermos surpreendidos com o rumo destes acontecimentos, publicamos o segundo de seus dois textos sobre a conjuntura: O Brasil na tempestade.

Boa leitura.


Emilio Gennari – Educador Popular

E-mail: epcursos@gmail.com

2016: mais um ano amargo: O Brasil na tempestade.

            
Diante do panorama que esboçamos na análise da conjuntura internacional, parece lógico refletir de imediato sobre o impacto da freada no comercio mundial na economia brasileira. Fazemos isso para verificar até a que ponto os problemas do país podem ser atribuídos aos movimentos externos e em que medida eles se devem aos desdobramentos de contradições que se avolumam no interior da estrutura econômica local.
            Partindo dos dados oficiais relativos ao fluxo de mercadorias que entra e sai do país constatamos quanto segue:
Ø  Em 2015, as exportações foram de U$ 191.1 bi e as importações registraram U$ 171,4 bi.
Ø  O superávit de U$ 19,7 bilhões veio de uma queda de 24,3% das importações ante uma redução de 14,1% nas exportações quando comparamos o valor de ambas em dólares.
Ø  A redução das importações é apenas mais um sinal da recessão econômica que varreu o Brasil no ano passado, mas não podemos culpar apenas os percalços do comércio mundial para explicar a queda dos valores obtidos com as mercadorias exportadas, apesar dos volumes vendidos ao exterior terem aumentado quase 10%.
Ø  O crescimento das quantidades exportadas se deu, sobretudo, no campo das matérias-primas e produtos semimanufaturados, cujos preços caíram, em média, 22% ao longo de 2015, e não nos manufaturados cujos volumes não ganharam o impulso esperado com a desvalorização do real diante do dólar.
Ø  Mais uma vez, esta realidade nos faz deparar com um velho problema: a falta de inovação tecnológica e de investimentos capazes de elevar a competitividade do país no contexto internacional rumo a um crescimento significativo das exportações dos produtos manufaturados. Os números do IBGE relativos aos investimentos em capital fixo pintam um quadro sombrio: uma queda de 14,1% em 2015 após acumular uma redução de 4,4% em 2014, de 5,6% em 2013 e de 0,4% em 2012. Quatro anos seguidos de retração dos investimentos encolheram tanto a demanda de bens e serviços, como a capacidade de crescimento do Produto Interno Bruto e a competitividade das mercadorias produzidas no país. Ou seja, diante da crescente disputa pelos mercados mundiais, não investir à altura das necessidades é sinônimo de acumular desvantagens na hora de exportar produtos industrializados. Mas a responsabilidade por esta situação não pode ser atribuída ingenuamente às dificuldades do comércio internacional.
Ø  Para termos uma ideia do que isso significa, basta pensar que, em 2015, devido aos equipamentos obsoletos e demais problemas da infraestrutura, a produtividade média do trabalhador brasileiro equivalia a 17,2% da registrada nos Estados Unidos.  
Ø  No mesmo ano, a situação do país se agravou não só pela continuidade da postura empresarial de não usar o dinheiro da renúncia fiscal do governo para modernizar os equipamentos, mas também por outros fatores que ajudaram a esfriar a economia:
ü  A possibilidade de obter boas margens de lucros financeiros graças ao aumento da taxa de juros que elevou os gastos do setor público com este item a R$ 501,8 bi em 2015, quase o dobro em relação aos R$ 277 bi pagos em 2014;
ü  A queda de 56% dos financiamentos do Programa de Sustentação do Investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e de 28% dos seus desembolsos totais.
ü  A redução de 37% nos investimentos dos governos estaduais e os cortes nas obras do Plano de Aceleração do Crescimento do governo federal.
Ø  Nos dois primeiros meses de 2016, a tendência a elevar o superávit da balança comercial se fortalece, sobretudo, com base na desvalorização acumulada pelo real (que torna mais baratos os produtos brasileiros) e na ulterior redução das importações em função do dólar caro e da recessão. Os dados de janeiro e fevereiro de 2016 confirmam esta percepção com um superávit de U$ 3,965 bi obtido graças ao crescimento de 4,7% do total exportado (com grande participação dos semimanufaturados) e à redução de 35,1% das importações. A desvalorização do real ainda não ajudou a aumentar de maneira consistente as exportações de manufaturados cujo volume cresceu apenas 0,5% nos dois primeiros meses de 2016.
Ø  O lado negativo da desvalorização como meio para melhorar as exportações está no fato de que a perda de valor do real frente ao dólar tende a empobrecer o país, à medida que entram menos dólares pela mesma quantidade de mercadorias exportadas, ao mesmo tempo em que leva os empresários a adiarem as intenções de investimento.

            Ninguém duvida que, lá fora, a maré não está pra peixe, mas não é possível responsabilizar a economia mundial pelas tarefas de casa que a elite capitalista local se nega a fazer faz anos, apesar dos incentivos recebidos.
            Desde março de 2015, frisamos que a política econômica do governo, baseada em fortes reajustes dos preços dos combustíveis, das tarifas públicas, nos cortes de investimentos e gastos sociais, na elevação de impostos e na perda de direitos dos trabalhadores, poderia criar uma armadilha da qual seria difícil sair:
Ø  Os aumentos elevariam a inflação e obrigariam a uma alta da taxa de juros para contê-la;
Ø  Com isso, o consumo se reduziria levando consigo um aumento do desemprego e uma redução do poder de compra dos salários;
Ø  Diante da recessão e dos juros elevados, os empresários optariam mais por aplicar o dinheiro disponível no sistema financeiro onde o retorno é garantido pelo Estado;
Ø  O governo registraria perdas na sua arrecadação que procuraria compensar com mais impostos ou cortes de gastos, pressionando os preços, provocando uma ulterior redução do consumo e forçando o Banco Central a manter elevada a taxa de juros que, por sua vez, exigiria um dispêndio cada vez maior do governo só para rolar a dívida e pagar os juros;
Ø  O esforço para equilibrar as contas públicas e fazer o país voltar a crescer seria destinado ao fracasso.

            Infelizmente, os dados comprovam o acerto das perspectivas traçadas:
Ø  A inflação de 2015, inicialmente estimada em 6,5% fechou o ano em 10,67%, pressionada, sobretudo, pelos preços administrados que subiram, em média, 18,08%. Para as famílias com renda até 2,5 salários mínimos, a inflação foi de 11,52%. Em 2016, a inflação deve cair em função de mais uma redução da demanda e do menor nível de reajuste das tarifas públicas, mas, dificilmente, ficará no teto da meta (6,5%) criando assim uma situação na qual a sua recondução às metas estabelecidas passa a ser seguidamente adiada para os anos seguintes, com o consequente desgaste do poder de compra dos salários e demais impactos negativos sobre a economia.
Ø  Pelo Cadastro Geral de Emprego e Desemprego do Ministério do Trabalho, em 2015, foram cortadas 1.542.371 vagas com carteira assinada. Em janeiro de 2016, o país perdeu 99.694 vagas e nada indica que esta tendência venha a ser revertida ao longo do ano.
Ø  De acordo com o IBGE, o Produto Interno Bruto de 2015 caiu 3,8%, a produção da indústria encolheu 6,2%, os serviços tiveram uma queda de 2,7%, o consumo das famílias se retraiu 4% e o do governo encolheu 1%. A agropecuária foi o único setor a registrar crescimento de 1,8%. Em 2016, as projeções atuais indicam mais um ano de recessão com o PIB encolhendo acima de 3%. No campo dos investimentos, as estimativas apontam mais uma redução de 9,8%.
Ø  O poder de compra dos salários foi corroído pela inflação, pela redução dos reajustes e pelo aumento do desemprego. Quando comparamos o salário médio de janeiro de 2016 com o que era pago no mesmo mês de 2015, constatamos uma queda real de 7,4%.
Ø  A arrecadação pública encolheu 5,62%, já descontada a inflação. As transferências para estados e municípios caíram 5,8%. O déficit do setor público antes de pagar os juros da dívida interna passou de R$ 34,54 bi, em 2014, para R$ 111,25 bi em 2015. Em janeiro de 2016, apesar do corte na desoneração da folha de pagamento, a arrecadação total de tributos pelo governo federal teve uma queda real de 6,71% sobre o mesmo mês de 2015. Este resultado visualiza bem a fragilidade da atividade econômica e indica que a meta de superávit nas contas públicas antes do pagamento de juros, estimada em R$ 30,6 bi para todo o ano de 2016, dificilmente será atingida.
Ø  A dívida bruta fechou 2015 em R$ 3,927 tri e vai aumentar ainda mais em 2016. À medida que ela cresce, a arrecadação cai e a taxa de juros (SELIC) se mantém em patamares elevados, cada vez mais recursos públicos são destinados aos pagamentos de juros e demais obrigações financeiras, o que encolhe progressivamente as verbas disponíveis para os investimentos e os gastos sociais.
Ø  A retomada em 2017 dependerá de vários fatores, entre eles o comportamento da economia mundial e o equacionamento das contas públicas, duas frentes nas quais as incertezas tendem a não diminuir.

            Uma observação necessária: ao falar das contas públicas, precisamos resgatar também os aspectos que não são citados pela mídia e apontam o dedo acusador na direção das elites:
Ø  Os benefícios fiscais passaram de R$ 209 bi, em 2011, para R$ 408 bi em 2015. Estes recursos engordaram os caixas e os lucros das empresas, mas não se transformaram em investimentos, conforme era esperado pelo governo.
Ø  A sonegação de impostos de 2015 foi estimada em R$ 545 bi. Com este dinheiro, daria para resolver com sobras os problemas de saneamento básico no país (calculados em R$ 465 bi) ou os do transporte de carga através de uma malha ferroviária eficiente (cujo custo ficaria por volta dos R$ 282 bi). Por outro lado, tamanha sonegação explica também porque a volta da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira soma tantos inimigos entre as elites e os setores médios da sociedade.
Ø  O crescimento da dívida ativa da União. Em 2014, a dívida que as empresas têm com o Estado atingia R$ 1,38 tri e já superava o total de impostos recolhidos naquele ano (R$ 1,18 tri). Em 2015, ela não parou de crescer enquanto a arrecadação caia em termos reais. Entre os devedores, há empresas já falidas como Varig e Vasp, mas também gigantes como a Vale do Rio Doce (que deve R$ 41 bi), a Parmalat (R$ 25 bi) e a Petrobrás (R$ 15,6 bi). Trata-se de dinheiro público usado para investimentos que proporcionam lucros privados e cuja não devolução agrava a situação do governo.

            Olhando agora para a realidade que se projeta em 2016, percebemos, de imediato, que o Ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, dispõe de bem poucos recursos para tentar reanimar a economia e deve alocá-los nos setores que mais geram empregos na tentativa de conter o descontentamento social que se agrava com o aprofundamento da recessão. Por outro lado, porém, ao saber da dificuldade de aumentar impostos, as propostas de reforma e os projetos de cortes dos gastos públicos tendem a prejudicar ainda mais a própria classe trabalhadora na tentativa de costurar acordos que permitam um mínimo de governabilidade. O problema desta postura é que as ações do próprio governo se tornam indefensáveis diante da classe trabalhadora e reduzem ainda mais o apoio social com o qual a presidente Dilma pode realmente contar.

            Atenção: a situação econômica pode ser agravada pela crise política, mas a solução da crise política não resolve a crise econômica cujas raízes vão além das medidas de ajuste fiscal. O governo se depara com uma elite rentista que não quer arriscar o seu capital e aposta num trabalhador barato e superexplorado como base para melhorar a competitividade, os lucros e drenar mais recursos do Estado que hoje estão sendo gastos nas áreas sociais. Quem quer este projeto de país não está apenas na oposição, mas ocupa cargos na aliança na qual Dilma procura a governabilidade, razão pela qual nem ela nem o PT podem espernear publicamente.

            Prova disso, é o programa de governo “Uma ponte para o futuro” encaminhado pelo PMDB à presidente Dilma no final do ano passado e que, ao se distanciar das diretrizes gerais do seu governo, cumpre a tarefa de convidar a elite a ver com bons olhos uma possível condução do PMDB à presidência do país em caso de afastamento da Dilma. Não por acaso, os principais pontos são:
Ø  Fim das despesas constitucionais obrigatórias com saúde e educação. A cada ano, o orçamento definiria os valores de cada área. A aplicação desta medida faria as lutas dos movimentos recuarem mais de uma década.
Ø  Fim de todas as indexações, inclusive para salários e previdência. A cada ano, o Congresso e o executivo definiriam os reajustes a serem concedidos a depender das disponibilidades de caixa do governo.
Ø  Aposentadoria: idade mínima de 65 anos para homens e 60 para mulheres
Ø  Mudar a política externa brasileira negociando acordos com Ásia, EUA e UE com ou sem a participação do Mercosul
Ø  Privatizar o que for necessário para reduzir o tamanho do Estado
Ø  Simplificar e reduzir o número de impostos unificando a legislação do ICMS
Ø  Garantir segurança jurídica para investimentos e criação de empresas aprimorando a concessão de licenciamentos ambientais
Ø  Nas negociações entre patrões e empregados, os acordos coletivos prevaleceriam sobre as normas legais, resguardando os direitos básicos.

            A oposição concorda com a receita pela qual o rigor fiscal para o pagamento dos juros deve se sobrepor aos gastos sociais, mas desconfia do vice-presidente, Michel Temer, como cozinheiro à medida que não demonstra grande capacidade de controlar as tensões internas do partido e, menos ainda, das reações de seus integrantes diante das pressões populares que resultariam da aplicação das medidas sugeridas no programa de governo. Por outro lado, é sempre muito difícil acreditar num partido que é governo em qualquer situação e atua com base no “quem dá mais” para tomar as decisões a favor ou contra a própria aliança da qual participa.

            Quando juntamos as peças do quebra-cabeça, percebemos que, diante de uma realidade cujas contradições trariam à tona a responsabilidade da elite na recessão da economia, as primeiras medidas do governo anunciadas, em novembro de 2014, ajudaram a oposição a ganhar força. A distância entre as promessas de uma campanha eleitoral (em que se prometia a manutenção de todos os direitos dos trabalhadores) e uma realidade que, para sanar as contas públicas, cortava gastos sociais, reduzia o acesso ao seguro desemprego e ao abono anual dos trabalhadores, numa época em que todos sabiam que 2015 seria um ano de recessão, começou a afastar da presidente os setores mais empobrecidos da sociedade que haviam votado nela.
            Ao apostar na separação da Dilma e do PT de sua base de sustentação popular, a oposição apresentava, inicialmente, a ideia de estelionato eleitoral para desgastar e encurralar o governo ao evidenciar as contradições entre o discurso eleitoral e a prática. As denúncias de corrupção jogaram gasolina no fogo e ampliaram as possibilidades reais de afastamento imediato da Dilma e de inviabilização de uma possível candidatura do Lula em 2018. Ao mesmo tempo, a aprovação de medidas que permitiam evitar o fator previdenciário e a luta contra a CPMF invertiam as posições no tabuleiro ao apontar a elite como defensora do povo e o governo petista como carrasco.

            No momento em que escrevemos, o pêndulo se movimenta em direção ao afastamento da presidente. Este cenário continua sendo o melhor para a elite à medida que a indefinição prolongada coloca o país numa situação que torna a recuperação mais difícil. Por outro lado, o novo governo teria todas as condições para apontar os mandatos petistas como principais responsáveis pelos cortes de direitos e as duras medidas de recuperação que serão aplicadas em nome da retomada do crescimento econômico.
            O impulso do pêndulo numa das duas direções depende, a nosso ver, da somatória de três fatores: 1. As mobilizações de rua; 2. As denúncias de corrupção e seus desbodramentos; 3. A recessão econômica e os riscos que representa em termos de desgaste dos partidos que apoiam o governo.

            Com ou sem afastamento, a nosso ver, o mandato de Dilma está comprometido em termos de governabilidade e conta com cada vez menos apoio dos trabalhadores, prejudicados pelas medidas de ajuste das contas públicas, retraídos pelo desenrolar das lutas em 2015, pelo desemprego, pela alta dos preços, pela queda na renda familiar e pelos efeitos dos cortes de verba nas áreas sociais.
            O desgaste da presidente e do Partido dos Trabalhadores deve se ampliar ainda mais em função dos fatores que seguem:
Ø  O apelo à classe trabalhadora e ao apoio dos movimentos como contraponto às investidas da elite rumo ao impeachment é traído no momento seguinte. Afastado o perigo imediato, o governo sinaliza que a saída se dará costurando acordos que negam políticas, posturas e princípios inicialmente defendidos e impõem novos sacrifícios aos trabalhadores. Este jogo, que busca a governabilidade e a saída do isolamento em que se encontra a presidente, tende a se constituir como um suicídio político para ela e o PT.
Ø  Os cortes no orçamento para equilibrar as contas públicas atingem setores sensíveis à população carente. Por exemplo, a terceira etapa do “Minha Casa, Minha Vida” excluiu famílias com renda até R$ 1.800,00, que são as mais necessitadas. Do mesmo modo, o reajuste do programa Bolsa Família em 2016 deve ficar em 1,4%, passando longe de recuperar a inflação, apesar de saber que os benefícios representam, em média, 23% da renda doméstica dos mais necessitados.
Ø  O foco dado às denúncias de corrupção oculta o fato pelo qual a exploração e a injustiça sistematicamente produzidas pelo capitalismo em nosso país podem se dar no perfeito cumprimento da legalidade e da ética dominantes. Há mais de 15 anos, o PT trocou a luta de classe pela parceria com os setores empresariais, teve como bandeira principal a questão da ética na política e as alianças criadas para dar sustentação aos seus mandatos presidenciais impediram que a exploração do trabalho e os baixos salários fossem apontados como causa das contradições frente às quais se faziam necessárias mudanças estruturais profundas.
Este silêncio prolongado em nome das orientações que ajustaram a identidade e a atuação do partido às estratégias eleitorais transforma agora a corrupção (que deve ser sempre apurada, condenada e eliminada) na única explicação de uma realidade que, na verdade, é o resultado da crescente precarização do trabalho e do aprofundamento da exploração.

            Três perguntas para fazer pensar:

Ø  Como dialogar com os trabalhadores sobre os acontecimentos da conjuntura, separando a própria intervenção do desgaste planejado pela elite?
Ø  O agravamento da situação ajudará a classe a abrir os olhos ou a transformará em presa fácil dos poderosos?
Ø  Não está na hora de o movimento sindical avaliar suas apostas eleitorais como caminho privilegiado para mudar o país?
           
            Em 2016, a tempestade que ronda o Brasil se torna cada vez mais ameaçadora. A classe trabalhadora permanece paralisada pelo medo de perder o pouco que conseguiu nos anos anteriores e sonha com a volta de uma realidade cujas bases materiais já não existem. Resta saber quando acordará da anestesia que fez do crédito e das dívidas o caminho que, ao buscar uma vida melhor, submetia seus integrantes a um processo de domesticação às necessidades empresariais capaz de fazer-lhe perder a própria identidade e a capacidade de defender em primeira mão os poucos direitos que lhe restam.


            Emilio Gennari, 11 de março de 2016.

sábado, 16 de abril de 2016

O Secretário, o Bônus, o Sindicato e a Máxima: Dividir para governar


1. ISTO EXPLICA O CONTÍNUO ATAQUE À  ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL



A propaganda e a fantasia do Secretário e do Governador do Estado, os representantes do sistema em São Paulo:  

 “A educação representa a chave para a resolução de todos os problemas brasileiros. De todos, sem exceção” (José Renato Nalini)

A Verdade e a realidade, o que realmente pensam o Secretário e o Governador representantes do sistema em São Paulo:

“Muito ajuda o Estado que não atrapalha. Que permite o desenvolvimento pleno da iniciativa privada. Apenas controlando excessos, garantindo igualdade de oportunidades e só respondendo por missões elementares e básicas. Segurança e Justiça, como emblemáticas. Tudo o mais, deveria ser providenciado pelos particulares.(José Renato Nalini)


2. OS ACONTECIMENTOS


Assim que o Governador Geraldo Alckmin anunciou o “Novo” Secretário da Educação para o Estado de São Paulo, o blog NORTE, solicitou a um colaborador uma pesquisa sobre o pensamento e a História das ações deste senhor, para ver se realmente teríamos uma mudança de postura e posição política em relação ao Secretário da Educação anterior.

Depois da pesquisa, constatou-se que o “novo” Secretário José Renato Nalini, que havia sido presidente do Tribunal de Justiça em São Paulo era uma espécie de “mãos de tesoura”. Gabava-se de ter cortado o número de funcionários do tribunal de 1200 pra 900 sem “prejuízo” dos serviços e defendia a privatização (terceirização) da administração no tribunal de justiça. Leiam o artigo de 4/2/2016 no blog e confiram.

 O que assistimos no mês de fevereiro e março foi didático e mereceu um novo artigo do NORTE sob o título: Alerta Vermelho aos Gestores e trabalhadores da Educação. Neste artigo denunciamos a proibição da contração de funcionários para substituir os aposentados e os contratados temporariamente, e a redução da compra de material de apoio, etc.  Na oportunidade dissemos que o Secretário e o Governador continuariam a prática de jogar os trabalhadores da educação uns contra os outros e de nos culpar pelos resultados ruins de sua política educacional.

Entretanto, além do pequeno alcance de nosso Blog, os trabalhadores da Educação estão tão acostumados ás más notícias e a trabalhar em condições duras e estressantes, que apesar de ficarem revoltados e um pouco mais descontentes, resolveram aguentar mais esta. A gota d´água porém foi o anúncio do Secretário de que não pagaria o bônus deste ano e que a pedido da APEOESP o incorporaria aos salários. O percentual, pasmem: até 2,5%.

O Governador e o Secretário que até então haviam conseguido convencer minimamente os trabalhadores da educação de que estavam passando por uma queda de arrecadação, que o país estava em crise, etc, etc., perderam totalmente o pouco crédito e a pequena confiança que os educadores e funcionários de apoio e gestores haviam dado ele e a seu novo secretário.

O clima de revolta instalou-se na categoria. A maioria absoluta dos funcionários, professores, gestores, revoltou-se e espontaneamente, muitas escolas em toda a rede passaram por processos de paralisação das atividades e protestos. Ao afirmar que estava atendendo uma reivindicação do Sindicato dos Professores (APEOESP), e que tinha o protocolo com o pedido de incorporação do bônus para este ano, o Secretário estimulou a ira de muitos professores contra o Sindicato.

A reação da Diretoria do Sindicato dos Professores foi manter o calendário que havia construído para o ano de 2016, ou seja, manteve a assembleia para o dia 8 de abril e disse que faria um estudo para provar que o limite da concessão de reajuste de apenas 2,5% era uma mentira do Secretário e que esta divisão era um engodo.

O Secretário para jogar mais gasolina na fogueira contra o Sindicato dos professores fez uma enquete na intranet na qual os professores tinham que optar entre o aumento de salário e o bônus.

A diretoria do Sindicato respondeu que a incorporação do bônus sempre foi uma reivindicação do Sindicato dos professores e manteve sua postura em defesa da isonomia na política salarial para a educação. Afirmou ainda que quem decide questões salariais e de vida funcional da categoria são os professores em assembleia e que esta já estava marcada. E reafirmou que faria a pesquisa para provar que o Secretário estava enganando a categoria.

Diante da reação espontânea da categoria e da revolta dos professores provocada pelo cancelamento do pagamento do bônus e do resultado da pesquisa da intranet que segundo ele teria sido favorável ao pagamento do bônus, o Secretário e o Governador anunciaram pelos jornais que pagariam o bônus dia 15 de abril.

No dia 8 de abril a diretoria da APEOESP, decidiu realizar uma nova assembleia para 27 de abril e convenceu esta mesma assembleia a aprovar “estado de greve”. Os trabalhadores da educação, continuam revoltados, porém, o governador neutralizou a principal causa imediata da revolta de todos os trabalhadores da educação. O Estado terá um trabalho maior para convencer que sua política para a educação é a correta como sempre faz, quer mude quer não mude esta política. Haja vista, por exemplo, as discrepâncias na distribuição dos valores do bônus depositados nas contas dos professores e funcionários.

3. ALGUMAS LIÇÕES


“Se conselho fosse bom, os capitalistas já o estariam vendendo há muito tempo”, porém, o NORTE apresenta aqui algumas considerações que acredita serem fundamentais para contribuir com a reflexão sobre o momento em que vivemos:


1.     O secretário confirmou na prática, e de forma didática o que prevíamos: Deixou os gestores sem condições de manter as escolas funcionando adequadamente, por isso, os gestores foram induzidos a sobrecarregar os poucos funcionários existentes com o trabalho a ser feito para a escola funcionar.


2.     Estimulou o conflito dos pais e alunos contra os gestores e professores, na medida em que a piora do atendimento faz pais e alunos reclamarem dos professores e da gestão pelo atendimento e problemas que a escola tem devido a falta de material e de funcionários.


3.     Lançou os professores contra os gestores, pois, estes não têm condições físicas de dar apoio aos professores que acabam tendo que achar um jeito de ir levando os problemas de indisciplina e de falta de material e de falta de tempo para o suporte pedagógico aos docentes, afinal, os gestores estão cobrindo a falta de funcionários muitas vezes até fazendo pagamento por exemplo.


4.     Desviou a raiva dos professores contra o Governo e contra o próprio Secretário em particular para o Sindicato, gerando mais uma desconfiança nos professores ao responsabilizar este mesmo sindicato pelos 2,5% de reajuste e a possível perda do bônus.


5.     Deu um “golpe” no Sindicato, uma rasteira, na medida em que aproveitou esta animosidade para consolidar ou aprofundar o contato direto da Secretaria de Educação e do Governo com os professores sobre temas que devem ser discutidos em assembleia e não pela rede, ao fazer a enquete com a pergunta “casada”: Ou bônus ou aumento.


6.     A direção do Sindicato demonstrando irresponsabilidade e estratégia equivocada de ação, deixou para calcular o impacto do bônus na folha de pagamento e o real percentual de reajuste que ele permitiria depois do índice apresentado pelo secretário.


7.     A Diretoria da APEOESP numa demonstração de que está burocratizada e engessada, ignorou as possibilidades da revolta causada nos professores e funcionários pela declaração do Secretário que não pagaria o bônus e continuou mantendo seu calendário oficial de assembleia para o dia 8 de abril e mandando seus tradicionais “boletins urgentes e carta da presidente.”


Tivemos contato com trabalhadores da educação em quase todo o Estado de São Paulo e percebemos uma reação comum aos representantes oficiais da APEOESP e aos professores que fizeram a greve do ano passado: Uma espécie de revanchismo em relação aos colegas que não entraram em greve ou que retornaram antes do termino da mesma.

Entendemos esta reação nos professores e funcionários que não são militantes, mas não podemos compreender nem aceitar que dirigentes e diretores de nossa categoria se comportem de forma tão pueril e revanchista. Em virtude deste comportamento perdeu-se uma ótima oportunidade de colocar os trabalhadores da educação em movimento, devido ao alto grau de revolta provocado pela atitude do governo.

Do nosso ponto de vista, a diretoria do sindicato e cada militante oficial ou não oficial deveriam ter não só estimulado mas liderado em todo o Estado as paralisações que deixariam de ser espontâneas, realizado atos públicos em todas as cidades do Estado com ou sem paralisação, unindo alunos e pais a todos os trabalhadores da educação, inclusive decretando greve em todo o Estado com um conjunto de reivindicações claro, preciso e fácil de conquistar. A saber, 1. Pagamento integral do bônus deste ano e incorporação imediata para o ano que vem com o percentual mínimo de 19% (2,5 do governo mais os nossos 16,6%), 2. Contratação imediata dos funcionários de apoio que as escolas necessitam para funcionar de forma adequada, 3. Ingresso imediato dos aprovados no último concurso 4. Renovação imediata do contrato com empresa fornecedora das impressoras e compra de material de apoio para as escolas.

A assembleia do dia 8 de abril já seria uma assembleia dos grevistas ou dos trabalhadores da educação em movimento com pais e alunos. Esta assembleia poderia ser combinada com atos concomitantes em todo o Estado de São Paulo. A mobilização teria prazo para terminar, ou seja, assim que o governador liberasse o pagamento do bônus e a contratação dos funcionários e os demais itens, todos voltariam ao trabalho.

Estas reivindicações poderiam ser facilmente conquistadas, já que o dinheiro para o bônus já está disponível todo o ano e a contratação de funcionários e a compra de material não envolveria custos tão elevados. A maior dificuldade ficaria por conta do reajuste. Entretanto, qualquer que fosse a atitude do Estado e do Secretário em relação aos outros itens da pauta, pelo menos o bônus ele teria que pagar como teve que fazer.

O preço que a diretoria do sindicato pagaria já sabemos: pagamento de multa por não avisar o governo com antecedência a respeito da possível greve caso a justiça a julgasse ilegal, e o paradoxo de fazer greve pelo bônus depois de ter exigido a sua incorporação imediata nos salários. Em compensação teria mais de 300 mil trabalhadores da educação a sorrir no estado inteiro dizendo: “Desta vez eles tiveram que nos engolir, tiveram que pagar, vai dizer para todo mundo que pagou porque quis, mas todos sabemos que não” ...  Com certeza sairíamos fortalecidos para a próxima batalha.

Terminado o movimento, a diretoria do Sndicato poderia fazer um intenso trabalho de formação no estado inteiro com todos os seus Res e CRs e com a base demonstrando como a meritocracia é injusta e como o correto é a proposta isonomia salarial do Sindicato. Já que mesmo quando pago, o bônus desagrada a maioria dos que o recebem, além dos que ficam de fora que são mais 35 mil pessoas todo ano. Quanto a multa. Para quem arrecada mais de 30 milhões todo mês ela não é problema. Além disto, a diretoria e toda a militância poderiam aproveitar este momento pra envolver todo mundo na arrecadação de dinheiro pra pagá-la e deixaria claro o papel da justiça no processo que privilegia o sistema e não os trabalhadores. Esta informação concreta seria ainda tão ou mais importante que a solidariedade com o Sindicato.

Porém, o que vimos foi a paralisia da diretoria. Ela preferiu o de sempre: manter o controle sobre seus filiados e representados, o que é próprio da burocracia sindical. Ela tem medo do movimento, medo de perder a direção. Além disso, viveu o mesmo paradoxo da social democracia europeia e da brasileira, personalizada na presidente atual, obviamente, guardadas as devidas proporções, a saber, a social democracia europeia como escreveu Przeworski, ao fazer o pacto com a burguesia monopolista, tendo como base o proletariado, viveu o seguinte paradoxo; “Não podia ser um partido exclusivo dos trabalhadores e nem podia deixar de sê-lo”.

É o mesmo paradoxo vivido pelo partido dos trabalhadores brasileiros que não pode mais ser o partido dos trabalhadores, mas também não pode deixar de sê-lo. É atacado por grande parte da burguesia que fez lucrar como nunca no último período e tratado com indiferença pelo proletariado que em tese deveria defendê-lo, mas não o defende, já que foi vítima do seu partido, ao por exemplo, ver sua idade mínima para aposentar ser prolongada e ter desconto de previdência como aposentado, só para citar um dos presentes que ganhou do seu partido e da presidente. Se deixar claro que defende o capital monopolista perde a base, se disser que é um partido exclusivo dos trabalhadores quebra o pacto que fez com o grande capital.

A diretoria da APEOESP, na sua maioria integrante do partido dos trabalhadores, na sua pequenez viveu este paradoxo: Não podia ser radicalmente contra os 2,5% proposto pelo secretário como percentual para incorporação do bônus, pois, havia protocolado o pedido de incorporação para este ano sem dizer qual era o percentual que queria e nem podia defender radicalmente a mobilização dos professores para o pagamento do bônus este ano por que já tinha protocolado o pedido de incorporação. Burocraticamente e confiante no Estado como mediador de conflito como é a pequena burguesia democrática que nos dirige, as correntes majoritárias da diretoria da APEOESP ficaram quietinhas em relação a revolta dos professores, mantiveram o calendário com assembleia para do dia 8 de abril e “recolheram-se” para fazer contas, culpando, a lá pequena burguesia, “o povo”, por não ter apoiado a mobilização do ano passado como ela quis e pela atitude autoritária e mentirosa do governo do estado.

O Secretário, como prevíamos, de forma precisa, provocou o conflito de todos contra todos na educação: Gestão contra professores, professores contra gestores, escola contra os paris e pais contra a escola e finalmente canalizou a raiva dos professores que deveria ser contra ele para o sindicato. Você está surpreso? Não deveria. O Estado fez o seu papel de sempre para o sistema: dividir para governar.