quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Trump e a volta dos bumerangues




 

As pesquisas mostram que, desenhado em diferentes formatos, o bumerangue era usado pelos aborígenes australianos, pelas tribos da Europa e até pelos faraós do Antigo Egito.[1] Em todos os casos, quando o caçador errava o alvo, a arma retornava ao local de onde havia sido arremessada, exigindo do lançador o cuidado para não ser atingido por ela.

            Passados pouco mais de dez meses desde a sua posse, vários sinais indicam que alguns dos bumerangues lançados pelo Presidente dos EUA, Donald Trump não atingiram o objetivo desejado e, ao voltarem, feriram a sua imagem. As manifestações “No Kings” (Sem Reis) que marcaram presença em várias cidades,[2] os protestos organizados pelos sindicatos no Dia do Trabalho,[3] o aumento de 11 pontos percentuais na desaprovação do seu governo,[4] a vitória dos democratas nas eleições para a prefeitura de Nova Iorque e os governos da Virgínia e Nova Jersey[5] são os hematomas cujas dores acenderam alertas preocupantes no Salão Oval da Casa Branca.

Reconquistar a confiança perdida demanda uma luta contra o tempo, à medida que a continuidade do “jeito Trump” de governar estará ameaçada, caso o Presidente dos EUA não consiga manter a atual maioria nas duas casas do legislativo após as eleições para a renovação parcial da Câmara dos Deputados e do Senado, marcada para novembro de 2026. Uma tarefa nada fácil diante da alta dos preços e dos efeitos da desvalorização do dólar na inflação do país, das pressões do empresariado atingido pelas tarifas sobre os importados e do impacto da nova lei orçamentária no cotidiano dos mais necessitados, das denúncias do caso Epstein e do fracasso das negociações com a Rússia para o cessar-fogo na Ucrânia que mostraram a incompetência de Trump na hora de lidar com uma raposa esperta como Putin.

As reflexões que seguem apontam as razões da volta dos bumerangues e os problemas agravados pelas escolhas de Donald Trump.

 

1.     O que importa para o estadunidense comum.

A economia capitalista é uma máquina complexa. Encontrar o equilíbrio entre crescimento, geração de empregos, aumento da renda e preços baixos demanda uma sintonia fina com a realidade de cada setor, ajustes constantes para que oferta e procura não sofram sobressaltos, financiamentos baratos, intervenções governamentais capazes de esvaziar o conflito social e garantir um ambiente de lucros compensatórios para as empresas. Por isso, baixar os preços não é uma tarefa tão simples quanto Trump fez acreditar para obter os votos que lhe dariam um novo mandato presidencial.

Um ano depois da eleição, as pessoas sentem no bolso que as coisas caminharam na contramão do prometido. Alguns dados ilustram a distância entre as promessas de campanha e o cotidiano de quem se esfola para ganhar o pão de cada dia.

Em agosto de 2024, ao culpar Biden pela alta do custo de vida, o então candidato, Donald Trump, prometia baixar imediatamente os preços das mercadorias que mais pesavam no orçamento doméstico. Alguns exemplos ajudam a visualizar o que aconteceu. Quando assumiu a Presidência, em janeiro deste ano, o preço da dúzia de ovos grandes era de US$ 4,93. No mês de março, a escassez causada pela gripe aviária elevou o valor médio do produto a US$ 6,23. Desde então, graças ao forte aumento das importações livres de restrições e tarifas, os ovos podem ser comprados por US$ 3,49, uma quantia que passa bem longe do US$ 1,00 a dúzia do primeiro mandato de Trump e almejada por seus eleitores.

A redução dos preços da gasolina segue na lista dos desejos. Ainda em agosto de 2024, Trump prometeu que um galão do produto seria vendido a menos de US$ 2,00. De acordo com a Associação Automobilística Americana, em 21 de janeiro de 2025, dia da posse, esta quantidade da gasolina comum custava, em média, US$ 3,12 e, dez meses depois, o preço havia caído apenas para US$ 3,07. Quem estranha o descumprimento desta promessa esquece que uma quantidade considerável do petróleo estadunidense vem da fragmentação das rochas de xisto, um processo de extração bem mais caros em relação aos demais. Sendo assim, não há como esperar que as petrolíferas pratiquem preços que façam seus balanços desconhecerem os lucros que almejam.

A frustração da promessa de reduzir pela metade os preços da energia elétrica fez os estadunidenses desejarem os valores cobrados no governo Biden. De fato, em janeiro de 2025, as famílias pagavam, em média, 15,94 centavos de dólar por quilowatt-hora consumido. Em agosto de 2025, este valor atingiu 17,62 centavos de dólar, sendo que, nas regiões onde estavam sendo implantados novos datacenters, a escassez provocada pela alta demanda de eletricidade aumentou os preços das distribuidoras em até 267,0%. Neste contexto, o corte dos subsídios às energias renováveis, realizado por Trump no início do mandato, e a alta do preço do aço causada pelas tarifas de importação explicam por que, da construção de novas usinas às torres de transmissão, passando pelos materiais que demandam matérias-primas importadas, o custo final da eletricidade só poderia aumentar, algo que passou longe da percepção que a população tinha na hora de votar.

Na lista das queixas, estão também os efeitos do encarecimento de 12,9% da carne moída, o aumento médio de 18,9% do café, as bananas que ficaram 6,9% mais caras e de tudo o que, não sendo produzido nos EUA, passou a ser importado a preços majorados pelas taxas alfandegárias.[6] Para termos uma ideia da distância entre o que o povo esperava e o impacto das políticas governamentais nos gastos domésticos, os novos cálculos do Centro de Pesquisas Orçamentárias da Universidade de Yale revelam que, para manter os hábitos anteriores ao segundo mandato de Trump, cada núcleo familiar terá que gastar, em média, uma soma adicional de US$ 2.400 anuais.[7]

Inicialmente, o Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, havia sugerido que a valorização do dólar reduziria o impacto das tarifas sobre os preços dos importados. Contudo, como veremos mais adiante, as incertezas despertadas na economia mundial pelas escolhas de Trump fizeram com que, entre 21 de janeiro e 14 de novembro de 2025, a moeda estadunidense sofresse uma desvalorização de 11,36% em relação ao Euro, de 3,24% diante do Yuan Chinês, de 7,25% na comparação com a Libra Esterlina do Reino Unido e de 8,86% para o Iene japonês, só para citar algumas das moedas utilizadas no comércio internacional.[8] Concretamente, mesmo sem a aplicação das tarifas sobre as importações, a perda de valor do dólar obrigaria, por si só, a usar uma maior quantidade desta moeda para comprar as mercadorias produzidas no exterior, uma realidade que ficou bem pior com os impostos sobre os importados.

            A guerra de tarifas trouxe prejuízos e preocupações em vários setores produtivos. No agronegócio, a suspensão total das compras de soja pela China deixou de cabelos em pé os fazendeiros que contavam com elas para esvaziar os armazéns. Pequenas e médias empresas que dependiam da importação de componentes amargaram prejuízos mensais em seus balanços na exata medida em que a elevação dos custos de produção forçava a reduzir as margens de lucros e encolhia o mercado consumidor. Nas indústrias de beneficiamento do café, a taxa de 50% sobre a importação do produto brasileiro (que representa 35,0% da sua matéria prima) criou sérios problemas de lucratividade ao impossibilitar que faturassem US$ 43,00 para cada US$ 1,00 de produto importado.[9] E, após as restrições impostas pela China à venda de terras raras essenciais na produção de armamentos, o complexo industrial-militar dos EUA disparou inúmeros alertas quanto às dificuldades que enfrentaria em médio prazo para dar conta da demanda e do desenvolvimento de novos equipamentos.

Por isso, diante das pressões inflacionárias e do aumento do descontentamento, Trump se apressou, por exemplo, a zerar as taxas alfandegárias impostas aos 105 itens exportados pelo Equador e aos produtos alimentícios brasileiros, elevou a importação de carne da Argentina, reduziu as tarifas sobre os medicamentos vindos da Suíça, negociou com a China a redução das taxas recíprocas de importação em troca da compra de soja pelo gigante asiático e da flexibilização nas vendas de terras raras pelo prazo de doze meses.[10]

Longe de reconhecer suas besteiras, cada recuo de Trump foi por ele apresentado como a jogada de uma estratégia calculada. Mas, à medida que a alta dos preços contraria as expectativas da população, não são poucos os que ouvem suas declarações com a desconfiança de quem percebe a tentativa de tampar o sol com a peneira.

            Infelizmente, não encontramos estatísticas que relacionem a alta dos preços de mercadorias e serviços em função das deportações de imigrantes empregados na agricultura, na construção civil e nas tarefas domésticas. Além da indignação causada pela forma como as prisões são efetuadas, pelas condições degradantes dos centros de permanência dos sem documentos e pelo fato de o Estado oferecer recompensas em dinheiro a quem ajuda a localizá-lo, os empregadores estadunidenses não encontram autóctones que aceitem trabalhar em serviços perigosos e desgastantes, durante a mesma quantidade de horas e com os mesmos baixos salários dos migrantes expulsos do país. Na comparação entre junho deste ano e o mesmo mês de 2024, a construção civil, por exemplo, ampliou a oferta de emprego em 64.000 postos de trabalho, um aumento que os analistas atribuem ao buraco deixado pelos deportados e não à elevação das atividades do setor. [11]

            Na tentativa de baratear os ordenados das trabalhadoras domésticas e das cuidadoras, Trump propõe excluir a obrigação de as famílias contratantes pagarem o salário mínimo de US$ 7,25 por hora. Resta saber quantas estadunidenses disputarão as vagas deixadas pelas esposas e filhas de imigrantes que, em 2024, representavam 43,0% dos ocupados nestas tarefas. Vários sinais indicam que, forçadas e escolher entre pagar um ordenado maior e renunciar às empregadas domésticas, as famílias de classe média começam a perceber que não havia problema algum com as estrangeiras que trabalhavam direitinho e não se queixavam de receber uma mixaria pelo fato de terem entrado ilegalmente no país.

            O passar dos meses também mostra que pagará mais pela América Grande alardeada pelo Presidente Republicano. As demissões em massa dos funcionários públicos e o fim do salário mínimo de US$ 17,45 por hora para os contratados nos órgãos federais[12] são apenas o tira-gosto das amarguras que a aprovação do orçamento dos EUA colocou na mesa de muitas famílias.

 

2.     A lei orçamentária de Donald Trump.

Sempre que um governante anuncia que o seu governo criará um futuro melhor para todos, o bom senso convida a verificar como isso se traduz nos gastos do Estado. Analisando a lei orçamentária recém-aprovada,[13] a primeira coisa que salta aos olhos é a redução dos impostos. De acordo com o texto, quem ganha até 500 mil dólares anuais aumentará a dedução dos tributos estaduais e locais dos atuais 10 mil para 40 mil dólares, enquanto as empresas poderão incluir os gastos com pesquisas e investimentos no rol de critérios que encolhem os valores devidos. Os aposentados com mais de 65 anos poderão saborear o gosto de uma lambida nesta rapadura com a dedução de 4 mil dólares, enquanto os assalariados terão a mesma satisfação com o fim do imposto de renda sobre gorjetas e horas-extra.

No quesito aumento dos gastos, destacamos três itens: a defesa, que receberá um aporte adicional de 150 bilhões de dólares; os investimentos na agenda anti-imigração que contarão com 175 bilhões de dólares (para a construção de 1,120 km de muro na fronteira com o México, 2.665 km de diferentes tipos de barreiras, além da contratação de 18.000 pessoas entre funcionários da alfândega, agentes da polícia anti-imigração e da patrulha de fronteira); e a possibilidade de o governo ampliar em 5 trilhões de dólares o endividamento do Estado sem depender da aprovação do Congresso.

A lista dos cortes revela quem pagará a conta. Entre os itens com impactos mais significativos, encontramos a eliminação de 930 bilhões de dólares nas áreas de assistência médica e alimentar para a baixa renda e a inclusão de critérios mais rígidos para ter acesso a estes benefícios. Com isso, cerca de 10 milhões e 900 mil pessoas podem ficar sem seguro saúde e outros 4 milhões de famílias não devem conseguir arcar com o reajuste dos valores do convênio médico. Quanto ao auxílio alimentação, as estimativas apontam uma redução de 3 milhões de pessoas no universo das 42 milhões que tinham direito ao benefício.

Seguindo com os cortes mais expressivos, encontramos a diminuição de 330 bilhões de dólares em empréstimos estudantis ao longo dos próximos dez anos e o fim dos programas de pagamento destas dívidas de acordo com a renda dos estudantes. Concretamente, isso vai reduzir o número de jovens de baixa renda que poderão custear seus estudos e estrangular financeiramente parte significativa dos que já recorreram a eles.

Somando a arrecadação dos 300 bilhões de dólares oriundos das tarifas alfandegárias sobre os importados, os cortes de gastos e as isenções tributárias, o Tesouro dos EUA estima que a dívida pública do país aumentará em 3 trilhões e 300 bilhões de dólares. Com isso, Trump eleva a desconfiança internacional em relação ao dólar.

O avanço desta desconfiança é sinalizado pela forte valorização do ouro. O aumento das compras internacionais do precioso metal prova a existência de certo ceticismo quanto à capacidade de os EUA honrarem seus compromissos e garantirem o valor da sua moeda. Entre 2010 e 2021, por exemplo, os bancos centrais do mundo inteiro compraram, em média, 481 toneladas de ouro ao ano para formar suas reservas de valor. Esta quantidade subiu para mil toneladas desde 2022.[14] Graças a esta mudança, segundo o Fundo Monetário Internacional, a participação do dólar nas reservas internacionais caiu de 71,5%, em 2002, para os atuais 57,8%.[15] Quando focamos o período mais recente, percebemos que deste movimento provocou uma mudança significativa na cotação do ouro. No início de 2024, dos a Onça Troy (31,104 gramas) podia ser comprada por US$ 2.000. Nos primeiro dias de janeiro de 2025, já eram necessários US$ 2.835 e, em 21 de novembro passado, o pregão fechou em US$ 4.079, uma valorização de 43,88% só nos últimos 11 meses.[16]

Dito isso, quem ganha e quem perde com a construção da América Grande? Quando somamos o aumento do desemprego de 4,0% para 4,4% da população economicamente ativa, entre janeiro e setembro deste ano,[17] a elevação do custo de vida em função das tarifas alfandegárias e os cortes orçamentários promovidos por Trump, as projeções disponíveis apontam uma transferência de renda no estilo Robin Hood às avessas. Segundo Michael Roberts, entre 2026 e 2034, os 10% mais pobres da população verão a sua renda encolher 3,1% enquanto os 10% mais ricos registrarão uma elevação de 2,8% na riqueza que atualmente possuem.[18]

À medida que prejudica as faixas de renda mais baixas e favorece as demais, não sabemos qual será o impacto efetivo da aplicação da Lei Orçamentária na desaprovação do Presidente. Sabendo que os mais necessitados constituem um contingente considerável de eleitores e que a queda na popularidade de Trump coloca, desde já, um ponto de interrogação na possibilidade de manter a maioria na Câmara e no Senado, estamos convencidos de que o Presidente dos EUA precisa de algo que, ao mesmo tempo, concentre as atenções do país, faça a população esquecer suas dores e, ao projetá-lo como “vencedor”, traga alguma vantagem à população estadunidense. Algo que vem sendo preparado com a reorganização da antiga base militar estadunidense em Porto Rico e com a presença de uma esquadra naval fortemente armada no Mar do Caribe que, violando o direito internacional, bombardeou supostas embarcações de traficantes e aponta a Venezuela como a vítima que, ao ser sacrificada no altar do Deus Trump, lhe dará o petróleo e o apoio de que precisa para subir nas pesquisas de opinião.

 

3. A desconfiança da Europa e o golpe baixo na sua extrema direita.

A vitória de Trump nas eleições de novembro de 2024 carregava o desejo da extrema direita do Velho Continente de encontrar nele um parceiro à altura de suas necessidades. Parceiro é alguém que age em pé de igualdade, que, ao tecer relações de cumplicidade, ganha fazendo ganhar. Contudo, pouco depois da posse, os neofascistas de todas as cores descobriram que o Presidente dos EUA é daqueles irmãos autoritários que, por serem maiores, não aceitam repreensões e demandam submissão absoluta.

Em março deste ano, com uma simples canetada, Trump elevou as tarifas alfandegárias sobre os produtos vendidos aos EUA pela União Europeia da faixa entre 1,7% a 2,0%, aplicada nos 24 anos anteriores, para 30,0%. Após uma paciente e cuidadosa negociação, os representantes do bloco conseguiram um acordo que reduzia a 15,0% a porcentagem sobre suas exportações.

A ideia de que, no fundo, podia ser um bom negócio durou até a publicação dos termos pactuados. De fato, além de a UE enfrentar uma barreira tarifária sete vezes maior que a anterior, o bloco se comprometia a investir 600 bilhões de dólares nos EUA e a aumentar em 750 bilhões de dólares a compra de hidrocarbonetos estadunidense a fim de reduzir o pouco que restava do suprimento de energia vindo da Rússia.

Concretamente, a percepção pela qual a não redução das tarifas impostas por Trump levaria ao fechamento de empresas que dependem estruturalmente das exportações para os EUA fez com que Bruxelas aceitasse gerar postos de trabalho, renda e riqueza em território estadunidense com recursos que farão falta na hora de sustentar o seu próprio crescimento econômico. Por outro lado, o aumento da compra de hidrocarbonetos a um preço superior ao que estava sendo pago à Rússia vai encarecer os preços da energia, tornando a produção local menos competitiva.

Diante do texto final, Marine Le Pen, líder da extrema direita francesa, denunciou o acordo como “um fiasco político, econômico e moral”.[19] Contudo, a possibilidade de levar a sua crítica verbal para o campo das ações esbarrou tanto no fato de que, sem o acordo, as consequências econômicas seriam mais profundas, como na constatação pela qual foi a extrema direita estadunidense a impor as tarifas sobre as exportações do bloco. Ou seja, o estrago na casa dos europeus estava sendo feito por um “parceiro” que, ao adotar o protecionismo como política de Estado, colocava em maus lençóis os neofascismos locais.

Mas este não seria o único sapo que os países da UE teriam que engolir. Apesar da crescente ameaça russa, do dinheiro e do material bélico com os quais sustentaram a defesa da Ucrânia, em nenhum momento Bruxelas foi sequer consultada a respeito das condições para o cessar-fogo que Trump e Putin estavam negociando. Enquanto os governos do Velho Continente se desgastavam junto a suas populações para equacionar os déficits oriundos da ajuda financeira à Ucrânia, o Presidente dos EUA impunha a Kiev o controle das jazidas de Terras Raras do país a fim de compensar os valores recebidos do governo Biden.

Paralelamente a isso, a diminuição das verbas estadunidenses para manter as bases militares da OTAN na Europa ocorria enquanto Moscou aumentava seus ataques aos territórios ucranianos e sinalizava que seu poder bélico ameaçaria o Velho Continente após o fim das hostilidades na Ucrânia. Para termos uma ideia desta pressão, basta pensar que entre 20 de janeiro e 19 de julho, a Rússia mais que dobrou o número de mísseis e drones lançados contra a Ucrânia em relação aos últimos seis do governo Biden.[20] Em agosto, Moscou anunciou a produção em massa de mísseis hipersónicos com capacidade nuclear,[21] e, em outubro, comunicou ao mundo que havia testado com sucesso o torpedo nuclear Poseidon (capaz de devastar as regiões costeiras com uma espécie de tsunami radiativo) e o novo míssil de cruzeiro movido a energia nuclear Burevestnik.[22]

Diante destes fatores e no período de dez anos, os integrantes da OTAN em território europeu concordaram em aumentar de 2,0% para 5,0% do PIB seus gastos bélicos anuais. A gravidade desta opção em termos de submissão aos EUA vai além dos sacrifícios que continuarão sendo impostos às populações locais. O atraso tecnológico e a incapacidade de produzir em quantidade suficiente o que a Europa precisa para ampliar imediatamente as suas defesas forçam os líderes do Velho Continente a entregar ao complexo industrial-militar estadunidense parte considerável dos 500 bilhões de euros correspondentes às novas porcentagens do PIB destinadas aos armamentos.[23] Em função disso, a Europa diminui ainda mais o seu “peso geopolítico” em relação aos EUA e adia indefinidamente a autonomia com a qual sonhava há décadas.

Mas, a vantagem com a qual Trump conta neste momento pode desgastar os vínculos com os EUA à medida que sua postura atualiza uma pergunta que, na hora de a França optar por um arsenal nuclear próprio, o General e ex-presidente do país, Charles De Gaulle fez ao governo estadunidense: em caso de ataque soviético, os EUA virão defender a Europa?

A União Soviética da Guerra Fria não existe mais, mas a posição da Rússia passa bem longe de ser amigável. A volta da mesma pergunta expressa a incerteza que ganha corpo à medida que os governos europeus começam a ver Washington como um aliado no qual não se pode confiar. Sendo assim, até quando a Europa aceitará uma submissão que mina suas perspectivas de futuro? Em que momento as consequências desta postura farão o bumerangue se voltar contra os EUA?

No momento em que escrevemos, não há respostas para estas perguntas. Diante do peso das ameaças e dos sacrifícios que lhe serão impostos, esperamos apenas que a classe trabalhadora não demore a rejeitar a lógica da acumulação que passeia perigosamente pelos campos da guerra.

Emilio Gennari. Brasil, 30 de novembro de 2025.

 



[1] Em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bumerangue  Acesso realizado em 15/11/2025.

[3] Maiores informações sobre estes protestos podem ser encontradas em:  https://elpais.com/us/2025-09-02/trump-contra-los-trabajadores-despidos-masivos-eliminacion-de-protecciones-y-trabas-a-la-sindicalizacion.html  Acesso realizado em 04/09/2025.

[5] Em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cz7py7z1pyzo  Acesso realizado em 15/11/2025.

[6] Os dados referentes aos aumentos citados no texto foram publicados em: https://www.bbc.com/mundo/articles/c2em41kpwz1o  e em:  https://www.bbc.com/mundo/articles/cly9n5wzjrgo Acessos realizados em 14/11/2025.

[14] Em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cwy9vn2q9ppo  Acesso realizado em 22/11/2025.

[15] Em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cjr1zpnr4gvo  Acesso realizado em 22/11/2025.

[16] Em: https://br.investing.com/commodities/gold-historical-data   Acesso realizado em 23/11/2025.

[18] Extraímos estas porcentagens do gráfico publicado no texto de Michael Roberts, US economy: stagflation now more than a whiff, disponível em: https://thenextrecession.wordpress.com/2025/09/14/us-economy-stagflation-now-more-than-a-whiff/

Acesso realizado em 22/11/2025.

[20] Em: https://www.bbc.com/mundo/articles/c754d0qkx42o  Acesso realizado em 13/09/2025.