terça-feira, 1 de março de 2016

Quando Cuidar é Adoecer

“A vocês que curam nossas feridas e as de nossos filhos, irmãos e amigos,  enquanto ensinamos e cuidamos dos teus”


É comum encontrarmos pais e mães e muitos ex-alun@s, quando vamos a uma consulta de rotina ou em idas apressadas ao Pronto-Socorro. A demora em receber a medicação muitas vezes nos revolta e quase sempre “nossa primeira vítima é @ enfermeir@ de plantão. Afinal estamos sofrendo ou vendo sofrer as pessoas que amamos.


Entretanto, “as aparências enganam” como nos ensina a sabedoria popular.  É claro que há cuidadores estúpidos e mal educados e muitas vezes despreparados para a função, mas a maioria del@s é preparada, bem intencionada e vive uma dura rotina que “pasmem”, faz adoecer quem cuida de nossa saúde ou ajuda curar nossas feridas.

É o que você descobrirá ao ler o artigo abaixo: “Quando Cuidar é Adoecer” produzido por Emílio Gennari, mesmo autor da publicação que fizemos em fevereiro, Quando ensinar é Adoecer. Fruto de pesquisas, observações empíricas e relatos d@s trabalhador@s da saúde, este artigo, trata da dura realidade dos cuidadores nos hospitais espalhados pelo Brasil afora.

É certo que não podemos nos calar diante do descaso do nosso sistema de saúde, mas o autor sugere que a gente deve ser mais generoso com as pessoas. De nossa parte sabemos que, além de pais, mães e ex-alun@s de nossas escolas, são trabalhador@s que cuidam de nós, apesar do sistema.



Boas leituras!!




Quando cuidar é adoecer – um retrato dos riscos, doenças e acidentes entre os trabalhadores na saúde.


            Ao entrar num hospital, dificilmente conseguimos perceber os riscos de quem trabalha em suas dependências. Uma pequena parte deles é visível aos olhares mais atentos e através das expressões informais dos funcionários. Mas, quando estabelecemos com eles um diálogo franco, problemas, falhas, necessidades e carências inesperadas pintam o cenário no qual o trabalho se mostra em sua complexidade. Nela, é possível visualizar e compreender atitudes e contratempos, sofrimentos que se avolumam sem alívio consistente, situações que marcam uma rotina de angústia e incerteza.
            Corriqueiramente explicados como fruto de uma fatalidade ou de um ato inseguro, adoecimentos e acidentes colocam as vítimas no banco dos réus e não são motivos de uma análise criteriosa do trabalho. Os fatores que condicionaram as escolhas dos atingidos, turvaram sua capacidade de julgar a realidade e prejudicaram o desempenho, são cobertos pelo pesado manto do silêncio. Por outro lado, quem acelerou as engrenagens do risco com cortes de verbas, custos e pessoal de sai de cena, coloca-se acima da realidade, inibe apurações que levantam responsabilidades anteriores e reafirma a segurança com discursos vazios ou medidas paliativas.
            Cientes da gravidade destas posturas, elaboramos um estudo com dois objetivos. O primeiro é o de resgatar parte do trabalho na área hospitalar, com seus aspectos visíveis e invisíveis. O segundo visa esboçar os passos iniciais de uma ação sindical que tenha o trabalhador como sujeito da luta por saúde. Sabemos que não é um percurso fácil. Por isso, convidamos você a caminhar conosco com a paciência que cada etapa exige de quem procura conhecer a realidade para poder mudá-la.

            Hospital: as ameaças de uma realidade complexa.

            Visto de fora, o hospital se apresenta como um prédio estruturado para atender pacientes com problemas de diversas complexidades, razão pela qual é lógico esperar que seu interior tenha sido planejado, construído e preparado a fim de responder a uma variedade de demandas. Esta que deveria ser a regra, em muitos casos, não passa de uma exceção. Basta percorrer as áreas de livre acesso para perceber que as salas foram pensadas com base na economia de espaço e de materiais. A superutilização dos ambientes torna difícil trabalhar sem esbarrar em algo e obriga a movimentar equipamentos pesados com manobras que exigem esforço físico e posturas inadequadas.
            Do mesmo modo, é bastante comum encontrar salas com iluminação insuficiente, sem janelas, com pouca ou nenhuma ventilação, o que dificulta a circulação de ar e a eliminação de odores. Acrescente um sistema de climatização ineficiente ou inexistente, sinais de umidade que denunciam infiltrações e goteiras, pisos soltos ou irregulares, problemas elétricos e vazamentos de gases, banheiros sem barras onde os pacientes possam se apoiar e começará a perceber que não faltam arapucas e ameaças. Se isso gera desconforto em pacientes e acompanhantes, cuja permanência costuma ser breve, imagine o que representa para quem trabalha aí todos os dias.
            Sem entrar em detalhes próprios de cada setor, é comum perceber na estrutura física do hospital fatores desgastantes que condicionam, dificultam e até inviabilizam as tarefas. Realizar um atendimento de emergência num espaço apertado ou superlotado, por exemplo, é ter que correr contra o tempo, desviando de pessoas e equipamentos, enquanto se carregam seringas, frascos de soro, bisturis e outros instrumentos. Socorrer ganha as feições de uma gincana na qual a tensão do momento potencializa as ameaças existentes. Do mesmo modo, quando o calor causa desconforto, a sensação de fadiga aparece, reduz a concentração e deteriora a capacidade de executar os procedimentos. Se errar é humano, trabalhar em condições desfavoráveis é elevar a chance de erro. Com diferenças no tipo e na exposição, conviver com os riscos integra o cotidiano de quem é empregado numa unidade hospitalar.
Não acredita? Então siga os passos que sugerimos.
            Vamos entrar na central de esterilização, um setor desconhecido para quem não está familiarizado com o ambiente hospitalar, mas que tem o papel imprescindível de prover materiais livres de contaminação e prontos para serem utilizados em grande variedade de procedimentos. É aqui que se recebem, expurgam, limpam, esterilizam e acondicionam os instrumentos usados. Tudo o que é manipulado exige cuidados especiais à medida que o risco de contaminação é sempre presente na rotina de trabalho. Os relatos dos profissionais deste setor apontam problemas de espaço, esforço físico para carregar as caixas de materiais, calor e umidade. O ritmo de trabalho costuma ser intenso em função de dois fatores: o número reduzido de funcionários e a necessidade de atender uma demanda imprevisível por excesso de pacientes e escassez de materiais. Apesar de sua importância, o esforço aqui despendido não é visível e costuma ser desprestigiado.
            Na lavanderia, encontramos problemas parecidos. Os auxiliares têm contato diário com materiais biológicos de diferentes naturezas ao lidar com toalhas, lençóis, aventais sujos de sangue, secreções ou escretas e, não poucas vezes, correm o risco de se acidentar com agulhas e bisturis perdidos no meio da roupa. O esforço físico para transportar fardos e carrinhos pesados é intenso e ocorre num ambiente onde calor, barulho e umidade marcam presença diária. O sintoma mais claro da sobrecarga de trabalho e da precariedade dos equipamentos instalados está nos atrasos que marcam a chegada de materiais para a troca de camas e banho dos pacientes, o que gera atritos com a equipe de enfermagem.
            Situação parecida é vivenciada pelo pessoal da limpeza. Os trabalhadores deste setor estão expostos a riscos de contatos com produtos químicos, materiais biológicos, sujeiras de diversas naturezas, lixo hospitalar e a esforço físico em função das tarefas executadas e do número inadequado de pessoas. Sua dedicação é raramente reconhecida e, sempre que ocorre algum atraso, mesmo que involuntário, são submetidos a pressões e situações desrespeitosas por quem atua no local. Se isso não bastasse, quando este efetivo pertence aos quadros de empresas prestadoras de serviços, a precariedade do vínculo empregatício e a rotatividade geram uma situação que impede de resgatar o nexo doença-trabalho e mergulha no silêncio a exposição diária a riscos cujos efeitos se manifestarão com o tempo.
            Realizada em pé, como a maioria das atividades hospitalares, a enfermagem integra enfermeiros profissionais, técnicos e auxiliares numa equipe onde as atribuições raramente respeitam as fronteiras traçadas pelas normas. Todos estão em contato direto com pacientes e familiares, convivem com o sofrimento e a morte, podem se contaminar com sangue e fluidos corporais, lidam com medicamentos e produtos químicos variados, são expostos a radiações ao atender emergências ou cirurgias que demandam uma radiografia sem que o paciente possa ser deslocado à sala apropriada. Viver o inesperado e conviver com situações que alteram rotinas e planos de trabalho é parte de um cotidiano que proporciona baixo prestígio social, salário que não atende às necessidades, situações de conflito, pouco reconhecimento pelos esforços despendidos, mas impõe o dever moral de aguentar sempre.
            No dia-a-dia da equipe, é comum encontrar trabalhadores de enfermagem em situação de risco. Ora porque a falta de equipamentos adequados obriga a utilizar sacos de lixo amarrados nos pés nas ocasiões em que ajudam os pacientes a tomar banho no chuveiro. Ora por transportarem pelos corredores os materiais utilizados na coleta de sangue e outros líquidos contaminantes até que sejam depositados em caixas de descarte longe do local de coleta, com a capacidade esgotada ou substituídas por caixas comuns de papelão. Aparentemente banais, estes momentos se repetem inúmeras vezes por dia e, ao colocar em cheque as normas oficiais, fazem com que ocorrências potencialmente graves estejam sempre à espreita. Sabendo que quase metade dos acidentes com materiais perfuro-cortantes ocorre ao reencapar as agulhas após o uso, recomenda-se à equipe de enfermagem que evite fazer isso ou se fornecem seringas com mecanismos que eliminam esta possibilidade. O problema é que os materiais seguros são mais caros e pouco presentes no cotidiano hospitalar da saúde pública. Quando existem, é comum registrar queixas em relação à sua eficiência e baixa qualidade, a ponto de vários profissionais preferirem as seringas convencionais a fim de evitar contratempos. Basta isso para perceber que as condições de trabalho levam a alguns dilemas. É mais perigoso reencapar agulhas ou deixá-las sem proteção ao carregá-las até o descarte por corredores onde é necessário desviar de pessoas e equipamentos? É melhor ter um material mais seguro e ruim ou uma seringa convencional que permite realizar as tarefas sem dificuldades? Até a que ponto o ritmo acelerado determina as escolhas e coloca a segurança em segundo plano?
            Situações como as que descrevemos, integram a rotina num ambiente onde a falta de pessoal é um problema crônico. Os estudos consultados revelam que entre os postos existentes e os que deveriam ser criados nas equipes de enfermagem para oferecer um atendimento adequado, há uma defasagem média de 15% de enfermeiros e 21% de técnicos e auxiliares. À medida que falta gente e os cuidados dos pacientes não podem ser adiados para o dia seguinte, a sobrecarga de tarefas leva a forçar o ritmo para dar conta da demanda. A produtividade que faz brilhar os olhos dos administradores é a mesma que obriga os empregados a um desgaste adicional, transforma a pressa em inimiga da higiene e cria um terreno fértil ao adoecimento e aos acidentes.
A escassez de verbas destinadas à saúde pública, a redução do efetivo empregado, a terceirização e a precarização dos serviços dão origem a um círculo vicioso e perverso. A sobrecarga de trabalho aumenta o cansaço físico e mental, alimenta atritos e situações de conflito, leva o indivíduo a correr o risco de perder o controle sobre si próprio e a situação, compromete a qualidade do atendimento e aumenta as possibilidades de afastamento por adoecimento ou acidente. O que é ruim quando ninguém falta, torna-se pior na ausência de um único funcionário, pois as tarefas serão executadas com menos gente e, se necessário, através de horas extras.
            Some agora os problemas que descrevemos e perceberá que dores musculares, lesões na coluna vertebral, lombalgias, problemas nas articulações, varizes, distúrbios alimentares e do sono, hipertensão, dores de cabeça frequentes, ansiedade, mudanças de humor e estresse, provocados ou agravados pelo trabalho, revelam no sofrimento do individuo as ameaças que minam a saúde do coletivo.
As situações apresentadas mostram o hospital como uma estrutura complexa na qual se mesclam atividades em escala industrial (como a lavanderia, a cozinha e a central de materiais) e cuidados pessoais específicos, onde o inesperado se mantém à espreita. Os problemas comumente mais visíveis podem ser agrupados da forma que segue:
            Ruído. Nos hospitais, as áreas que apresentam a maior incidência de ruído são as centrais de compressão de ar e geração de vácuo, as oficinas de manutenção, os centros geradores de energia elétrica e água quente. Mas há outros ambientes nos quais este problema se manifesta. Estamos nos referindo, por exemplo, aos alarmes sonoros dos monitores instalados na terapia intensiva, aos barulhos dos aparelhos em uso, do telefone, das enceradeiras utilizadas na limpeza do piso, das pessoas que circulam pelo hospital, etc. A depender do nível de ruído e das situações em que se manifesta, a comunicação entre os profissionais se torna difícil; a concentração é prejudicada; o cansaço, a irritação e o estresse aumentam. Se, de um lado, o silêncio absoluto é impossível, de outro, raramente encontramos medidas apropriadas para reduzir ao máximo a incidência deste problema.
            Esforço físico. Já mostramos que posições inadequadas, trabalhar em pé, carregar fardos e manusear equipamentos pesados são parte do cotidiano de muitos profissionais. Mas há outras situações que contribuem para desgastar o corpo dos funcionários. Estamos nos referindo, por exemplo, à utilização de cadeiras de rodas com defeitos nos rodízios, ao empurrar macas que andam tortas, ao levantar ou realizar procedimentos em pacientes obesos, ao atender portadores de necessidades especiais, ao acionar as manivelas que ajustam as cabeceiras dos leitos ou, ainda, ao atendimento dos internados em terapia intensiva que não têm condição de auxiliar na hora do banho, de trocar os lençóis e assim por diante.
            Além disso, o corpo do trabalhador está submetido a esforços físicos e a impactos durante o atendimento de pacientes agressivos, quando recebe socos e pontapés ao realizar procedimentos que causam dor ou nos casos em que a inconformidade com a demora do atendimento vai pelas vias de fato. O mesmo ocorre quando se faz necessário lidar com pessoas alcoolizadas, drogadas, agitadas ou com portadores de doenças infecciosas que, em função dos seguidos retornos à unidade hospitalar esbravejam, empurram e maltratam por sentirem-se no direito a uma atenção diferenciada. Conter essas pessoas como condição para realizar o próprio trabalho é algo que exige esforços adicionais.
            Radiações. No âmbito hospitalar, encontramos dois tipos de radiações: as que não são ionizantes, (como os raios ultravioletas, infravermelhos, micro-ondas e lasers utilizados nas cirurgias), e as ionizantes (próprias do diagnóstico por imagem e do tratamento de algumas doenças). Raios x, gama, beta, prótons e nêutrons são de casa na radiologia, radioterapia, hemodinâmica, ressonância magnética e manipulação de radioisótopos. Concentrados em áreas específicas, os maquinários que emitem estas radiações, contam com certo nível de proteção. Mas quando um aparelho de raios x é utilizado em situações de emergência ou se realizam determinados procedimentos de combate ao câncer, os profissionais que assistem o paciente acabam expostos às radiações emitidas. Mesmo que se trate de “pequenas doses” em “eventos não frequentes”, a soma final preocupa à medida que a radiação ionizante pode desenvolver no organismo alterações biológicas, somáticas ou hereditárias. A depender da exposição e da intensidade, os efeitos esperados incluem náuseas, vômitos, fraqueza persistente, diarreia, hemorragias, alguns tipos de câncer, abortos e malformações congênitas.
            Os estudos consultados apontam duas situações preocupantes. A primeira diz respeito à manipulação de quimioterápicos por pessoal nem sempre habilitado para o preparo e a administração dessas substâncias, bem como para o descarte adequado do material utilizado. A segunda guarda relação com a recusa do trabalhador em reconhecer a possível existência de um nexo entre sintomas de adoecimento e exposição a radiações. Utilizada como estratégia de defesa, a negação da contaminação atribui os desgastes sofridos a fatores genéticos, ao acaso e, em função do gênero feminino representar a maior parte da categoria, ao fato de ser mulher. O medo da radiação leva o profissional a banalizar os sintomas e a redobrar os esforços de adaptação às reações do organismo.
            Substâncias químicas e biológicas. Trabalhar na saúde é manusear substâncias de várias naturezas e entrar em contato com doenças infecciosas cujo diagnóstico demanda tempo e frente às quais nem sempre é possível adotar uma proteção adequada. O risco de contrair uma infecção através de sangue, fezes, secreções e líquidos corporais, ou ser contagiado por um vírus, em média, é apontado como fonte de preocupação por 86% dos trabalhadores. Entre as possibilidades que mais assustam, estão as hepatites B e C, a AIDS, a tuberculose pulmonar e a rubéola.
            No hospital, encontramos também produtos que vão de quimioterápicos, álcoois e antibióticos a desencrostantes, desinfetantes, detergentes enzimáticos. Entre outros, o glutaraldeído, o formaldeído, os gases anestésicos, o óxido nítrico e a epinefrina se destacam pela possibilidade de desenvolver mutações genéticas, câncer, malformações, problemas musculares e no sistema nervoso. A preocupação de adoecer por lidar com substâncias químicas, em média, está presente em 54% dos profissionais.
            Ao tratar desse risco, os estudos apontam questões preocupantes. Em geral, o nexo trabalho-contaminação é percebido quando o contato com os produtos provoca um desconforto imediato, mas não há exames periódicos para detectar as ameaças cuja ocorrência demanda tempos maiores. Constatado o adoecimento, os agentes agressores da vida moderna e a falta de sorte ocupam o lugar do trabalho na explicação das causas, o que impede de identificar os problemas locais que estão na sua origem.
            A segunda diz respeito à falta de treinamento para o manuseio de resíduos químicos perigosos, ora em função do uso esporádico dos produtos que geram ditos resíduos, ora por não haver processos de descarte apropriados no interior do hospital. Sem orientação, cada um faz o que acha melhor. O resultado não pode ser outro: utilização de equipamentos de proteção inadequados e situações em que a imperícia, a imprudência e a negligência delatam práticas institucionais irresponsáveis.
            Fatores estressantes. Aqui a lista é longa. No topo, encontramos os momentos críticos no estado clínico do paciente. Quanto maior a gravidade da doença e quanto menor a sua idade, mais é difícil lidar com o sofrimento e a morte. Assistir jovens e crianças com tumores incuráveis ou em fase terminal, vítimas de acidentes graves ou de doenças degenerativas é algo que desestabiliza o equilíbrio emocional dos cuidadores. Pessoas em estado crítico ou à beira da morte também contribuem a aumentar o estresse à medida que se faz necessário comunicar o fato aos familiares ao mesmo tempo em que se tenta convencê-los a efetuar a doação de órgãos, quando existe esta possibilidade. Geralmente, é nessas ocasiões que os parentes tomam consciência de que a morte é inevitável e suas reações acrescentam boas doses de sofrimento às que marcam presença entre os membros das equipes.
            Mas as situações críticas não estão vinculadas apenas ao exercício da profissão propriamente dita. Momentos de tensão e angústia despontam diante de agressões verbais e ameaças com facas ou armas de fogo em função da demora no atendimento, em situações de assédio moral, abuso de poder e perseguição por parte da chefia. A violência psíquica produz ressentimento, medo, raiva, vergonha e humilhação. À medida que a ansiedade se mantém por períodos prolongados, começam a aparecer sinais de apatia, desinteresse, desânimo, tristeza, fadiga, insegurança, irritabilidade e diminuição da concentração que abrem caminho para distúrbios de maior gravidade.
            No segundo lugar da lista, encontramos as relações no interior da equipe de enfermagem e desta com os médicos e demais profissionais. Os conflitos mais comuns apontam como causa a falta de reconhecimento pelo trabalho realizado. Não há dúvidas que, numa unidade de saúde, o médico é a figura mais valorizada, ao passo que os profissionais da enfermagem não passam de escudeiros e carregadores de piano chamados a executar ordens tão desordenadas quanto exigentes. Técnicos e auxiliares, por exemplo, devem acatar as orientações de enfermeiros, médicos, residentes e do pessoal da fisioterapia. Todos atuam de acordo com uma programação específica, razão pela qual podem pedir sem fazer cerimônias que determinado paciente seja preparado a fim de prestarem o atendimento para o qual foram enviados. Corriqueira, a sobreposição de ordens levanta dúvidas e incertezas nos servidores de nível médio, gera reprovações das chefias imediatas pelos atrasos no cumprimento de sua programação e acaba produzindo sentimentos de incompetência, injustiça e insegurança.
            Do mesmo modo, são raras as situações em que a palavra dos profissionais de enfermagem é aceita ou consultada pelos médicos. É como se o exercício da profissão e o convívio com o paciente não trouxessem contribuições na hora de prescrever o que se destina ao processo de cura. As coisas só pioram um pouco quando lembramos que a enfermagem é uma profissão predominantemente feminina, razão pela qual as mulheres precisam lutar o tempo todo para provar sua competência, defender o grupo de trabalho e abrir espaços para expor ideias e projetos.
            Ver um médico reconhecer as próprias falhas, então, é algo raro. Há ocasiões em que estes profissionais não deixam prescrições claras, escrevem de forma incompreensível, esquecem de especificar a concentração ou a dosagem de um medicamento ou despertam dúvidas em relação à via pela qual deve ser ministrado. Agora, imagine um enfermeiro procurando obter esclarecimentos em meio à correria do cotidiano. Some a reação de um médico que olha de cima e diz em tom de reprovação que, no fundo, como profissional, ele já deveria saber. Acrescente uma brincadeira de mau gosto sobre o ocorrido e verá que a irritação vai aparecer para estragar o dia. Aparentemente fácil de contornar, o desgaste nas relações interpessoais é um elemento insidioso que machuca feridas abertas e eleva o risco de erro.
            O não poder confiar nos membros da equipe ocupa o terceiro lugar entre as causas de estresse. Além dos momentos em que o desempenho dos médicos revela falhas ou incapacidades de realizar determinados procedimentos, deixando quem os assiste sem saber o que fazer, há três situações que ajudam a exemplificar quanto acabamos de afirmar. A primeira ocorre quando, na ausência de alguns profissionais, o setor recebe funcionários de outra área que não conhecem a rotina do ambiente para o qual estão sendo remanejados. O problema, aqui, não é exatamente a falta de capacitação profissional e sim a não familiaridade com o trabalho na unidade. Inserir alguém num cotidiano em que o ritmo acelerado é de casa faz com que seja impossível ensinar onde está cada equipamento, repassar tarefas e acompanhar a realização de procedimentos incomuns no setor de proveniência. Situação parecida é registrada quando da contratação de um novato de quem não se conhecem a preparação, a experiência e a habilidade profissional, ainda mais quando as falhas na estrutura hospitalar demandam jogo de cintura e capacidade de improvisar. No caso de um hospital-escola, a presença de alunos costuma elevar o nível de alerta de quem supervisiona o seu desempenho. Erros na dosagem e administração de medicamentos, falta de habilidade na preparação e acondicionamento posterior do material utilizado, insegurança e dificuldades de relacionamento devem ser supridos por quem já anda sobrecarregado e com pressa.
            O quarto fator estressante em ordem de importância é o fato de sentir-se só na hora de tomar decisões. Isso se deve não apenas à escassez de pessoal, mas também à ausência de um espírito de equipe quando é preciso lidar com situações complexas. A falta de cooperação e de disponibilidade a partilhar responsabilidades faz com que a distância entre o trabalho prescrito e as condições em que se desenvolve seja assumida só por quem está com o abacaxi na mão. O individualismo agrava o sofrimento psíquico de quem é chamado a encurtar as distâncias entre a teoria e a prática em escolhas sobre as quais não há referências nos livros estudados. Para entender esta tensão, procure responder às perguntas que seguem. Até a que ponto os riscos de uma improvisação serão apresentados e assumidos pela equipe caso a saúde do paciente venha a se agravar? Alguém pode se aproveitar disso para acusar de irresponsabilidade quem executou um procedimento que foge aos padrões, apesar de saber que não havia alternativas? Como se sente um profissional chamado a tomar uma decisão que coloca em risco sua posição, mas que, apesar de parecer inusitada, é a única possível para sair de uma situação crítica? Bom, acho que já entendeu. A condição para que um sofrimento desse tipo seja suportável é ter uma equipe que atua como um coral de vozes, e não como um ajuntamento de solistas que lutam para se destacar.
            Em quinta posição encontramos os problemas salariais que obrigam a fazer horas extras ou a assumir outros vínculos empregatícios. Além de deteriorar a resistência física, elevar a angústia, a insatisfação e a frustração, ganhar pouco inviabiliza o descanso necessário e o lazer. Na correria diária, a falta de tempo para si próprios e para o autocuidado torna-se parte da rotina. Sem ter como se recuperar das pressões sofridas, o trabalhador na saúde assiste ao desgaste de suas capacidades, fica insatisfeito com o próprio desempenho e vê a relação com os demais se deteriorar.
            Em sexto lugar, encontramos o trabalho noturno. Sabemos que um hospital não pode parar de atender os pacientes, razão pela qual deve funcionar 24 horas por dia. Os estudos são unânimes em mostrar que o turno da noite altera o ritmo biológico do corpo, interfere nos relacionamentos, restringe as atividades sociais das quais é possível participar, dificulta planos de estudo e desenvolvimento pessoal. As manifestações físicas desse desgaste incluem insônia, irritabilidade, sonolência, sensação de ressaca, mau funcionamento do aparelho digestivo. O risco de errar aumenta à medida que a impossibilidade de ter um sono restaurador durante o dia faz com que vários profissionais sejam propensos a cair no sono durante o expediente. Submetidos à fadiga crônica, podem não estar consciente do seu estado e conviver perigosamente com a diminuição da capacidade de vigilância, concentração e julgamento da situação.
            Entre os aspectos preocupantes da lista que apresentamos está o fato de que os problemas do trabalho são vistos como algo normal, próprio da profissão escolhida ou do ambiente hospitalar, razão pela qual não resta outra coisa a fazer a não ser se conformar. Sem perceber, o servidor da saúde acaba priorizando o trabalho em detrimento de si próprio, aceita os riscos com perigosa naturalidade e anestesia sua indignação diante do que, inicialmente, era tido como errado. O silêncio coletivo produz uma inércia insidiosa onde as marcas de sofrimento que a profissão semeia no indivíduo são vistas como um desafio que exige novos esforços de adaptação e não uma luta por mudanças.

            O sofrimento em alguns setores do atendimento à saúde.

            Desde a sua criação, o hospital carrega o ônus da dor, da doença, da morte. O encontro diário com esta realidade não permite que os trabalhadores na saúde permaneçam insensíveis. Sem desmerecer nenhuma função ou setor, optamos por focar algumas situações cujo cotidiano evidencia riscos nem sempre visíveis e o impacto do sofrimento no equilíbrio emocional dos cuidadores.
            Iniciamos nossa reflexão com as pessoas que trabalham no Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU). Sem um vínculo direto com determinada unidade hospitalar, suas equipes prestam o primeiro suporte de vida às vítimas para as quais se solicita a sua intervenção. Composto por diferentes profissionais, o pequeno grupo a caminho de um atendimento eleva seu estado de alerta a partir do momento em que recebe o chamado. A tensão aumenta à medida que fatores como a distância do lugar da ocorrência e o trânsito impedem que o percurso seja completado em tempos breves. E o tempo é sempre um fator determinante para salvar uma vida ou reduzir os agravos sofridos pelas vítimas. Por isso, correr não é uma opção e sim uma obrigação.
            Contudo, trafegar por ruas movimentadas com a sirene ligada, luzes de alerta e sinais evidentes de que se trata de uma emergência não garante o respeito dos demais motoristas. Assim, os riscos de um acidente de trânsito se somam à angústia de não saber as condições reais em que se encontra a pessoa a ser socorrida. Bastam estas breves considerações para começarmos a perceber os reflexos do trabalho numa equipe cujo dia-a-dia é moldado pelo inesperado, por pacientes em estado grave, mortes e situações limite cujo desgaste psíquico aumenta à medida que se reduz a idade dos atendidos. Tudo isso numa realidade onde o salário força a ter um duplo vínculo empregatício e o número reduzido de ambulâncias para cidades em expansão amplia o estresse diário.
            À diferença do hospital onde há um espaço próprio para os pacientes, o atendimento de emergência é cercado por condições adversas. Resgatar alguém que sofreu um infarto no próprio apartamento implica, às vezes, em ter que transportar o paciente por escadas apertadas, o que exige esforço físico considerável e aumenta as chances de queda e contusão dos socorristas. Quando a rua é o ambiente de trabalho, o atendimento deve ser realizado faça chuva ou faça sol, em dias de frio ou calor intenso, sob condições desfavoráveis de iluminação e higiene, em vias movimentadas pela presença de transeuntes ou tráfico de veículos, com animais circulando nas proximidades e, não poucas vezes, tendo que corrigir os efeitos de um socorro errado prestado pelas pessoas em volta. Enfim, um trabalho onde é rotina encontrar situações que demandam capacidade de julgamento rápido, improvisação, autocontrole e um aperfeiçoamento do saber com a prática diária e o estudo, este último nem sempre possível.
            O tipo de atendimento a ser prestado faz com que a equipe reduza o autocuidado. Com a vida das vítimas em primeiro lugar, a maioria dos seus membros só utiliza as luvas como equipamento de proteção à medida que as outras barreiras apresentam um efeito reduzido ou atrapalham a execução dos procedimentos necessários. Além da rapidez da intervenção, o resgate pode exigir a respiração boca a boca ou um contato físico que expõe os profissionais ao sangue e aos líquidos corporais da pessoa socorrida. As características da ocorrência condicionam o comportamento da equipe e fazem da exposição ao risco o elemento crucial para salvar uma vida. Por isso, a confirmação de uma doença contagiosa, após a internação hospitalar, desencadeia uma espera angustiante que perdura enquanto os exames clínicos não descartam a contaminação dos socorristas.
Por si só, a carga emocional e as exigências físicas elevam a sensação de fadiga, estresse, cansaço mental, tiram a disposição para o lazer e provocam insônia, enxaquecas, distúrbios digestivos e alterações na vida sexual. Mas isso não é tudo. É comum que os quadros do SAMU apresentem uma relação com o trabalho complexa e contraditória à medida que as características do atendimento proporcionam uma mescla de sentimentos contrastantes. Por exemplo, realizar bem o próprio trabalho pode ser coroado por uma sensação de triunfo ao salvar uma vida ou por uma frustração ao perdê-la; de reconhecimento pelo resgate realizado ou por sentimentos de culpa quando do falecimento ou do agravamento da vítima, como se tudo dependesse apenas dos profissionais envolvidos. Os estudos revelam que a vivência diária do alternar-se de situações contrastantes desenvolve sentimentos negativos na vida pessoal e na atuação dos membros das equipes à medida que momentos de desequilíbrio emocional e traumas se acumulam em curtos espaços de tempo e permanecem sem respostas.
            Vamos sair agora da ambulância para entrar no Pronto Socorro (PS), cujos problemas foram parcialmente citados nas páginas anteriores. Neste ambiente, encontramos uma confluência de situações que obrigam a lidar tanto com o insólito e o inesperado, quanto com casos rotineiros.
            Considerado castigo, por alguns, e inferno por outros, é comum encontrar no PS um número de pacientes acima de sua capacidade e, de consequência, da média de pessoas a cargo de cada profissional. Isso ocorre porque, à exceção das unidades onde a internação é interrompida quando não há mais leitos disponíveis, o Pronto Socorro deve acomodar e atender todos os pacientes ainda que isso implique em improvisar espaços para os cuidados necessários.
            Além do estado de alerta permanente em que vivem os trabalhadores do setor, suas habilidades são diariamente testadas pelos motivos mais diversos. De um lado, temos o estresse, a ansiedade e o sofrimento do paciente à espera do médico, as pressões e ameaças para acelerar o atendimento, etc. De outro, a falta de materiais, as carências da unidade e a situação do paciente podem demandar uma capacidade de improvisar que não consta dos manuais estudados. Tudo isso requer paciência, tato, jogo de cintura, segurança em realizar os procedimentos, criatividade e disponibilidade a correr riscos por problemas que não são do indivíduo, mas da estrutura de saúde. As coisas pioram quando a presença de presidiários no Pronto Socorro acrescenta tensões e pressões a quem já está no limite. De fato, a escolta chega fortemente armada e sua movimentação causa apreensão à equipe de plantão e aos pacientes.
            Mas isso não é tudo. O pessoal do PS revela que há também um desgaste diário fruto da distância entre teoria e prática em matéria de humanização do atendimento. A formação recebida aponta o paciente como pessoa cujo processo de cura envolve diálogo, apoio humano e atenção às expressões de sofrimento físico e psíquico. Mas o número insuficiente de funcionários, e a consequente falta de tempo, fazem com que os cuidados sejam automatizados. Os doentes deixam de ser pessoas que procuram ajuda para se tornarem o fulano que torceu o tornozelo, a senhora da trombose, o menino do braço quebrado e assim por diante. A pressa faz com que o foco se desloque do ser humano para a sua doença a ponto de não ouvir o que fala e realizar as prescrições pensando no próximo caso.
Ao se tornarem “máquinas de aplicar procedimentos”, os trabalhadores do PS veem diminuir o conteúdo significativo das tarefas para as quais se prepararam, tendem a perder o sentido das atividades realizadas e ficam sem tempo até para efetuar os registros necessários. Além de elevar as chances de erro, o esvaziamento do trabalho proporciona uma sensação de não cumprimento do dever, de culpa e impotência frente a uma realidade que se sobrepõe à vontade do cuidador. O desgaste sofrido aumenta à medida que a atuação profissional é considerada desumanizada por pacientes e superiores hierárquicos. É como se os funcionários fossem os únicos responsáveis pela situação, enquanto chefes e administradores, cujas escolhas originaram a deterioração do atendimento, pousam de bonzinhos.
            Do mesmo modo, os membros da enfermagem revelam certo grau de revolta quando se deparam com atitudes de reprovação das chefia sempre que avisam de que faltarão em função de alguma doença ou mal-estar. E não é pra menos. A preocupação de quem manda raramente é com a ausência de um ser humano que tem no trabalho o principal fator de adoecimento, e sim com uma engrenagem da máquina hospitalar chamada “funcionário” cujo não comparecimento criará problemas indesejados. É como se adoecer e faltar fossem atos irresponsáveis de quem nega o compromisso com a profissão e não o produto de uma realidade onde sobram problemas e faltam investimentos para necessidades que pedem socorro.
            A ausência de reconhecimento pelos esforços despendidos dificulta também a cooperação da equipe, alimenta divisões, semeia desentendimentos, dá vida a situações em que os indivíduos projetam suas frustrações e amarguras nos colegas. Castigo ou inferno, a soma das cargas sofridas transforma o plantão no PS em peso difícil de carregar, a ponto de as pesquisas registrarem que, em média, a depressão marca presença em 21% dos funcionários do setor. E não é pra menos. O reconhecimento do trabalho não é um aspecto secundário e nem desperta apenas sentimentos de valorização profissional. È um dos pilares que sustenta a identidade do indivíduo e o aço que forja a armadura da sua saúde mental.
A retribuição moral e simbólica constitui parte essencial da compensação pela contribuição oferecida ao esforço coletivo nas condições em que este se realiza. Atuar como enfermeiro, auxiliar, técnico, médico, etc., num hospital militar próximo às frentes de batalha, numa unidade do SUS ou de uma rede privada de referência não é a mesma coisa e as formas esperadas de reconhecimento variam muito de caso a caso. O que é comum a todas elas, porém, é o fato de que quando o profissional envolvido vê o seu trabalho valorizado, também os esforços e os momentos de tensão, angústia, dúvida ou desânimo adquirem sentido. A percepção de que o sofrimento não foi em vão renova a motivação e permite enfrentar com maior segurança a incerteza dos próximos acontecimentos.
            Em sentido oposto, a desvalorização, a desqualificação, o não perceber a importância da ação do ser humano no trabalho leva a uma perda de identidade e faz com que o sofrimento vire castigo e punição. Algo cujo sentido se perde nos problemas do cotidiano e que, a depender da situação, pode representar o empurrão que faltava para deixar a profissão ou mergulhar em distúrbios psíquicos graves.
            Encerrando, queremos esclarecer uma atitude bastante comum no PS quando as pessoas que aí trabalham vivenciam situações traumáticas ou são submetidas a pressões que as colocam à beira de um ataque de nervos. Passado o momento crítico, os trabalhadores costumam rir de sua condição, fazem chacotas ou brincadeiras como sentar para calcular a velocidade com a qual um suicida atingiu o solo ao se jogar do último andar do hospital. Contrariando o que pode parecer, não estão banalizando ou menosprezando o sofrimento dos atingidos, mas apenas praticando uma forma de defesa indispensável num ambiente onde não costumam contar com apoio psicológico adequado. Rir na e da desgraça é parte do esforço para anestesiar e cercar a consciência do sofrimento que pode inviabilizar a continuidade do trabalho. Longe de ser uma maldade, falta de respeito ou de sensibilidade, o humor é um dos mecanismos que permitem superar o impacto do que foi vivenciado e resistir ao que ameaça se tornar insuportável.
            Bom, vamos tratar agora do pessoal de enfermagem encarregado dos pacientes em terapia intensiva e na unidade de queimados. De acordo com os estudos consultados, trabalhar na UTI exige aprender a lidar com a incerteza, a instabilidade e a necessidade de intervenções imediatas e precisas em pacientes totalmente dependentes de cuidados alheios. Isso obriga o profissional a um estado de alerta permanente, a ser capaz de interpretar simultaneamente um grande número de informações, de visualizar a gravidade das ocorrências, de tomar decisões rápidas e de gerenciar momentos críticos sabendo que não lhe é permitida nenhuma margem de erro.
            Conviver diariamente com situações na fronteira entre a vida e a morte implica em entrar em choque com princípios pessoais, exige atenção permanente e forte disposição a absorver sofrimentos que produzem sentimentos contraditórios em relação ao próprio trabalho. E não é pra menos. A evolução do quadro clínico das pessoas sob os próprios cuidados pode levar a sensações de onipotência, prazer, satisfação, ou de frustração, culpa e fracasso em caso de piora. A alternância e a imprevisibilidade na evolução dos pacientes se somam à falta de envolvimento por parte dos médicos nas discussões dos casos, às atitudes humilhantes ou desrespeitosas diante do trabalho realizado, à dúvida que nasce do constatar que as prescrições podem conter erros, à sobrecarga que transforma profissionais em tarefeiros, à insegurança gerada pelos colegas escalados para “tampar um buraco” e a momentos de incompreensão que deixam marcas profundas numa sensibilidade quase sempre à flor da pele.
            O desgaste emocional que se produz no cotidiano desse trabalho pode levar seus integrantes a vivenciarem a profissão como algo que, ao mesmo tempo, é sempre gratificante e penoso, incentivador e limitante, capaz de elevar a sensibilidade e a insensibilidade, realizador e frustrante, fonte de alegria e desmotivação, estímulo a se profissionalizar e incentivo a largar tudo, algo que ajuda a enxergar a vida com olhos diferentes ou que a influencia negativamente a ponto de torná-la insuportável. Nada mais do que o resultado esperado da carga de insatisfação em relação às expectativas pessoais, da tensão, do estresse e do receio constante de estar deixando algo para trás, da exaustão própria de quem está no limite e não desliga ao encerrar o turno. A falta de energia física, mental e emocional leva a usar as folgas unicamente para descansar, resolver problemas pessoais, dormir quanto basta para enfrentar uma nova semana e impede um convívio ativo com a família. Some a isso os problemas salariais e os impactos experimentados quando do óbito de pacientes com os quais havia uma ligação afetiva e entenderá porque na UTI não encontramos apenas o humor como instrumento para aliviar o sofrimento, mas também o uso de medicamentos psicoativos. Os depoimentos dos profissionais apontam os antidepressivos e os ansiolíticos como uma espécie de suporte ao qual recorrer para equilibrar estados de ansiedade e tristeza profunda, ainda que os efeitos colaterais, via indução do sono, relaxamento e redução do estado de alerta, possam prejudicar o desempenho e elevar os riscos de acidentes. Filha legítima da sobrecarga e do esforço de adaptação, a automedicação torna-se o paliativo necessário para recuperar o controle emocional sem que o uso desses fármacos venha a depor contra o profissional.
            Igualmente delicado e complexo, o tratamento de pacientes queimados guarda uma relação direta com a área do corpo que foi atingida, o agente, a profundidade e a presença de lesões internas provocadas por inalação. A perda da barreira que separa o corpo do ambiente circunstante expõe o organismo a bactérias e pode comprometer parte do sistema imunológico. Considerando que as infecções são as causas de morte mais comuns entre os que sofreram queimaduras, a equipe do setor empreende todos os esforços para minimizar a transmissão de germes e bactérias. Medidas simples como lavar as mãos entre um atendimento e outro são parte da luta que tem como principal inimigo o elevado número de pacientes por profissional, a falta de meios adequados e, não poucas vezes, uma formação que não está à altura das necessidades técnicas e humanas.
Os procedimentos realizados na unidade costumam ser demorados e dolorosos, principalmente na fase mais aguda. O sofrimento dos pacientes depende tanto da localização e da extensão da área queimada, como da tolerância à dor, do estado emocional, das experiências de adoecimento vivenciadas, da cultura local e da idade. Seja qual for o caso, o tratamento causa dor e desgasta emocionalmente pacientes e cuidadores. A intensidade do sofrimento faz com que os queimados cheguem a pedir a não realização das prescrições e com que a equipe hospitalar corra o risco de não executar o trabalho ao pé da letra devido às reações do paciente ou ao prognóstico ruim em sua evolução clínica. Conviver com o fato de que cuidar não é aliviar e sim acentuar a dor não é fácil, mas não é o único desafio a ser superado.
A depender da situação, sobreviver a uma queimadura grave é apenas parte de uma recuperação cheia de percalços. Enfrentar as alterações da própria imagem corporal, a ansiedade, o estresse pós-traumático, os momentos de desânimo, solidão, tristeza profunda ou depressão que acompanham a internação demanda muita força, capacidade de resistência e exige dos cuidadores competência técnica, sensibilidade, tato e habilidade para lidar com os desequilíbrios emocionais dos internados.
Às vezes, as queixas de dor são uma forma de pedir atenção, cuidados humanizados, momentos de conforto, presença, escuta e compreensão. Nada disso é desconhecido ou desconsiderado pela equipe do setor que aceita como bem-vindo qualquer elemento que contribua com a melhora do quadro clínico. Contudo, o necessário envolvimento com o paciente entra em choque com problemas estruturais do trabalho que não dependem da vontade do profissional e elevam seu desgaste emocional. Conviver com os sofrimentos dos queimados, assumir que a responsabilidade de suas vidas está em suas mãos, se manter atentos às suas necessidades e saber reavivar a esperança de cura em si mesmo e nos atendidos demanda profissionalismo e uma estrutura psíquica à altura dos desafios. Reunir estas condições não é fácil até mesmo quando há um número adequado de funcionários, a equipe não conhece conflitos interpessoais, a estrutura da unidade garante a execução dos procedimentos sem sofrimentos adicionais, há certo grau de satisfação com o trabalho e um suporte psicológico adequado. Do contrário, o desafio de manter o equilíbrio emocional é por conta e risco de cada trabalhador.
A esta altura, podemos ser erroneamente levados a crer que os problemas descritos são típicos do ambiente hospitalar em função da concentração de pacientes e da complexidade de sua estrutura. Na verdade, não é assim. Como vimos ao tratar do atendimento móvel de urgência, o trabalho externo proporciona em graus diferenciados riscos que são próprios da profissão ao lado de outros que têm origens peculiares. O caso do programa Estratégia da Saúde da Família (ESF) não é diferente. Por isso, vamos abrir um parêntese para mostrar como a origem dos problemas considerados fontes de estresse, angústia, ansiedade, acidentes típicos, etc., deita raízes numa realidade específica que precisa ser detectada para que se encontrem respostas apropriadas.
Em geral, as equipes da ESF são compostas por um enfermeiro, um médico, um auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde[1], atuam em áreas onde a população enfrenta maiores riscos de adoecer e nas quais o acesso ao atendimento básico é precário. Nas entrevistas que constam dos estudos consultados, encontramos problemas conhecidos tais como: baixo salário, sobrecarga de trabalho, falta de equipamentos básicos, instalações precárias (à medida que as construções onde funcionam as unidades de saúde são antigas, improvisadas, apresentam infiltrações, problemas de saneamento básico, má iluminação, climatização e uma divisão inadequada do espaço disponível), conflitos na equipe e com os gestores do programa. Sob este ângulo, podemos dizer que não há nada tão novo.
Os trabalhadores, porém, revelam situações específicas. A relação com o administrador público local, por exemplo, é apontada como uma das principais fontes de tensão por dois fatores: o vínculo empregatício e o conflito de interesses entre os levantamentos dos profissionais e as relações de poder presentes no município. Em muitos casos, a forma da contratação deixa o membro da ESF na corda bamba e possibilita sua demissão a qualquer momento. Além de impedir que as pessoas planejem suas vidas a partir de certa estabilidade econômica, esta insegurança contamina o programa e transforma seus membros em reféns das pressões que permeiam a vida econômica e política da região.
O que ocorre nas áreas de grandes lavouras de soja, onde a pulverização de agrotóxicos é realizada por aviões, é um bom exemplo para entendermos o que acabamos de afirmar. É comum encontrar nelas relatos de “deriva”, um fenômeno que ocorre quando os ventos levam parte dos produtos disseminados pelas aeronaves até os centros habitados. Um dos casos mais gritantes e documentados ocorreu no dia 1º de março de 2006, em Lucas do Rio Verde, MT. O que salta aos olhos na análise deste evento é que, pelas declarações do secretário de saúde do município na época dos acontecimentos, o fato de bairros inteiros serem involuntariamente pulverizados por agentes químicos nocivos era tratado como “natural” ou, no máximo, como um incômodo momentâneo raramente registrado pela mídia.
A investigação jornalística apontava uma realidade assombrosa: devido à frequência das derivas, seria considerada preocupante uma ocorrência que gerasse mortes imediatas de pessoas e animais; os habitantes não sabiam como e pra quem denunciar os efeitos constatados nos seus corpos, plantas e bichos; a análise bacteriológica da água consumida pela população era imprópria para constatar a presença dos venenos agrícolas no abastecimento; os médicos e as equipes da ESF diagnosticavam sistematicamente os sintomas apresentados como típicos da dengue; e não havia no município nenhum registro ou estatística sobre casos de intoxicação por agrotóxicos, cânceres ou doenças que pudessem ser vinculados aos compostos químicos utilizados nas lavouras. A resistência em responder perguntas, o clima de medo e as pressões dos fazendeiros contra a investigação realizada pela Radiobrás deixam supor que erros de diagnóstico não ocorriam por incompetência e sim porque as relações de poder impediam aos profissionais de vincularem os sintomas apresentados pela população aos venenos agrícolas[2].
Situações parecidas se manifestam em outros lugares sob formas e condições semelhantes. Em Antonio Prado, RS, há uma porcentagem assustadora de pessoas que tomam antidepressivos. Alguns estudos já constataram que a presença deste distúrbio no município guarda relação direta com o contato que a população tem com os agrotóxicos. Segundo a Professora Maria da Graça Jaques, a relação doença-trabalho em Antonio Prado levou mais de uma década para ser identificada em função das pressões locais e do entendimento pelo qual os venenos utilizados eram vistos pelos camponeses como “remédios” para as lavouras, razão pela qual sua utilização não acarretaria problemas de saúde[3].
            Mas as pressões sobre a equipe não são fruto apenas dos interesses econômicos e políticos. Frequentemente, elas têm como objeto o trabalho cotidiano dos agentes de saúde que atuam em regiões onde é comum encontrar situações de violência, prostituição, alcoolismo e tráfico de drogas. A obrigatoriedade de morarem na área de atuação faz com que eles vivam o dia-a-dia do bairro com maior intensidade e tenham que lidar com ameaças sempre presentes. A pressão a que estão submetidos torna-os mais sensíveis aos fatores de estresse, tende a gerar um estado de preocupação excessiva,  dificuldades para relaxar e desligar do trabalho, além de despertar dúvidas constantes em relação ao seu desempenho. Estes elementos costumam originar atritos no interior da equipe, atrasam o processo de conhecimento, adaptação e resposta às peculiaridades do ambiente e levam à imobilidade sempre que ameaças de diversa natureza atingem os agentes e seus familiares.
            Se isso não bastasse, a imposição de metas é mais um fator de desgaste. Criadas pela alcançar determinados indicadores pela realização de um número pré-fixado de atendimentos, as normas que medem o desempenho regulam também os valores da gratificação. À medida que há sempre uma discrepância entre os objetivos e as condições do trabalho real, gera-se uma permanente sobrecarga de tarefas. Cumprir as metas implica em aumentar o tempo dedicado ao trabalho, em vivenciar situações de policiamento, competitividade e cobrança no interior da equipe e em participar de infindáveis discussões sobre a disparidade de valor a que tem direito cada membro pela função desempenhada.
            Estas breves reflexões são suficientes para percebermos que, por trás das marcas de sofrimento deixadas pelo trabalho, existe uma realidade complexa e, às vezes, invisível. As situações apresentadas podem nos levar à conclusão de que a palavra “estresse” resume a contento tudo o que dissemos. Esta constatação não deixa de ser verídica, mas, ao mesmo tempo em que reúne numa expressão comum a particularidade das situações que lhe dão origem, esconde uma realidade complexa que, se não for resgatada, impede de organizar os elementos necessários a uma luta por mudanças. Daí a importância de levantar com os trabalhadores cada etapa, fonte de tensão, pressão e relação que caracterizam o trabalho diário e que, em maior ou menor grau, condicionam escolhas e comportamentos. Do contrário, há uma grande possibilidade de a análise trocar vaga-lumes por faróis de milha.
            Não acredita? Então só resta convidar você a acompanhar o próximo passo.

            Equipamentos de proteção individual e subnotificação de acidentes.

Acidentes com materiais perfuro-cortantes e por contato com sangue ou líquidos corporais são típicos do ambiente hospitalar. Devido à possibilidade de se infectar e contaminar, essas ocorrências são consideradas graves por suas consequências físicas e pelo desgaste psíquico a que submetem os atingidos.
Se nos deixamos guiar pelos cartazes, comunicados e atividades sobre prevenção de acidentes, percebemos que a capacidade de o trabalhador prestar atenção assume um papel de primeira ordem na hora de se defender dos agentes agressivos. A relação que se cria é simples e direta: à medida que o funcionário sabe dos perigos que o cercam, cabe a ele a tarefa primordial de tomar cuidado. Trabalhar, portanto, é caminhar num campo minado usando equipamentos de proteção que não impedem o pior e tendo como referência o mapa que indica o lugar onde os explosivos estão enterrados. Se for pelos ares, é porque o sujeito errou ao pisar onde não devia. Simples, não é?
Aparentemente lógico, o ato inseguro culpa a vítima pelas ocorrências, impede que as análises furem o bloqueio das aparências e limita a prevenção a ações paliativas que não resolvem os problemas do trabalho. Ao impossibilitar a busca dos aspectos que condicionam atitudes e comportamentos diários, as interpretações baseadas na falta de atenção, cuidado e consciência do perigo fazem esquecer que os processos de adoecimento e acidente costumam ser simples em suas dinâmicas, mas complexos quanto ao contexto em que se desenvolvem.
Os estudos analisados revelam um fator preocupante: os profissionais de saúde ingressam no mercado sem conhecer adequadamente as rotinas e os cuidados para evitar a exposição aos riscos hospitalares. Após a admissão, também é comum que a introdução ao setor de atuação ocorra sem treinamento em relação aos agentes agressivos da área e às precauções a serem tomadas. Esta falha costuma ser suprida pela imitação dos colegas ou por orientações de última hora. Do mesmo modo, o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) depende de fatores que podem derrotar a vontade do sujeito. Alguns exemplos ajudam a visualizar o contexto a que estamos nos referindo.
Não é comum ver profissionais de enfermagem utilizar luvas de látex durante procedimentos de punção venosa. Este equipamento não impede acidentes com agulhas, mas apenas reduz a quantidade de sangue com a qual se entra em contato quando de uma perfuração. A resistência ao uso se deve ao fato de que as luvas reduzem a sensibilidade ao toque da mão e dificultam o procedimento. Encontrar a veia pode exigir mais de uma tentativa, provocar sofrimentos adicionais no paciente e submeter o profissional ao constrangimento de repetir a ação. A utilização das luvas costuma ser maior se a punção é realizada em portadores de alguma doença veiculada pelo sangue ou quando de uma cobrança sistemática pelos responsáveis do setor. Há casos em que as luvas são dispensadas devido à confiança na capacidade de realizar um procedimento repetido inúmeras vezes ao longo do turno ou quando a contenção de gastos dificulta o acesso a esse material. Acrescente agora espaços com problemas de climatização, sobrecarga de trabalho e cobranças por eventuais atrasos e verá que a recomendação de “tomar cuidado” ganha inimigos poderosos.
O uso dos óculos de proteção também apresenta problemas que, frequentemente, independem dos funcionários. De acordo com os relatos, na grande maioria dos casos, isso se deve ora á falta propriamente dita, ora à disponibilidade em número insuficiente, à dificuldade de acesso ao material, ao mau estado de conservação, ao fato de não poderem ser utilizados por quem usa óculos de grau ou, ainda, por se tratar de um modelo inadequado. Aqui não só é evidente a distância entre quem executa as tarefas e quem compra os materiais, como a suposta “falta de hábito” alegada pelas chefias ganha explicações que lhes devolvem a principal responsabilidade.
Desde o início do estudo, destacamos o calor, a falta de espaço, ventilação e climatização dos ambientes como elementos que dificultam os procedimentos e desgastam quem trabalha. Estes mesmos problemas são apontados como determinantes para aumentar a resistência ao uso de aventais de isolamento e outros equipamentos que contribuem para elevar o desconforto de quem faz o atendimento. Entre fazer as coisas pingando de suor ou em meio a uma sensação de mal-estar, e controlar a exposição ao risco pela redução dos fatores que turvam a concentração, a opção parece óbvia, sobretudo em situações críticas. Até porque, em caso de erro, será a competência profissional a ser colocada em cheque e não os problemas de estrutura que prejudicaram a realização do trabalho.
Vimos nas páginas anteriores que a improvisação é parte constitutiva da rotina a ponto de tornar-se regra e deixar cair em segundo plano o “deveria ser” previsto pelas normas de segurança. Vários acontecimentos relativos ao uso das máscaras N95 são emblemáticos em hospitais públicos que abrigam portadores de doenças contagiosas cuja transmissão se dá pelas vias respiratórias, como é o caso da tuberculose, de alguns tipos de meningite e pneumonia, da rubéola, varíola, sarampo entre outras. Construída para proporcionar um grau de filtragem elevado, esta máscara reduz significativamente a exposição a contaminantes levados ao ar através da respiração, da fala, da tosse ou de um simples espirro. Trata-se, obviamente, de um equipamento mais caro e seu custo aumenta à medida que a doença do paciente demanda filtros adicionais ou a utilização de um suprimento de ar independente.
As normas oficiais orientam quanto aos cuidados necessários na hora de colocar e retirar a máscara e pedem que seja imediatamente substituída quando de uma contaminação por sangue ou, por exemplo, pelo espirro de um paciente durante a realização de um procedimento. Além disso, recomenda-se que a N95 seja inutilizada no final do expediente ou, em casos de uso reduzido (como para passar pelos corredores da unidade), que seja guardada em saquinhos plásticos apropriados para sua reutilização no dia seguinte. Mas, apesar dos riscos, a realidade nega as regras e coloca o trabalhador no fogo. É fato que, em muitas unidades onde este equipamento se faz necessário, ninguém ensina os procedimentos de colocação e retirada, deixando que cada um aja conforme lhe parece correto ou, quando são acessíveis, siga as instruções impressas na caixa de onde é retirada. Ajustes efetuados com base no “acho que” ou dicas impressas não costumam assegurar o máximo aproveitamento dos elementos filtrantes.
Psicólogos e profissionais de enfermagem em contato com pacientes de tuberculose relatam situações gritantes. Encontramos casos em que a chefia do setor oferece uma única máscara por semana, mediante assinatura de um recibo sem data. No final do expediente, o funcionário guarda a N95 no bolso do avental para a reutilização no dia seguinte, independentemente do grau de contaminação a que pode ter sido submetida e do que terá chance de transmitir através do avental. Ao contrair a doença, o recibo comprova a entrega do equipamento e aponta o descuido do funcionário como causa principal. Há casos em que, as dificuldades de acesso levam os cuidadores a comprar do seu bolso uma de reserva ou, na maioria dos casos, a improvisar uma N95 forrando uma máscara comum com compressas de gazes.
A sobrecarga de trabalho e o compromisso com os pacientes induzem os profissionais a garantirem a execução dos procedimentos em detrimento da própria proteção. As equipes que atuam entre portadores de doenças infecciosas sabem que recusar o trabalho pela ausência de equipamentos adequados levaria a iniciar um processo de discussão e mudança. Contudo, o medo da demissão ou de uma repreensão, a falta de união, o não estarem familiarizados com os riscos do setor, a responsabilidade ética da profissão, a sensação compensatória do dever cumprido, o hábito de improvisar soluções e jeitinhos, a distância entre quem administra e quem está na linha de frente são elementos que agem sistematicamente no sentido de estimular a adaptação às condições adversas.
Por outro lado, a exposição ao risco pode ganhar fatores adicionais de resistência ao uso de EPIs. É comum que as pessoas façam um balanço dos custos e benefícios que envolvem sua utilização. Se, de um lado, a suscetibilidade de contrair uma doença grave assusta pelas consequências previsíveis, de outro, a pressão do trabalho produz respostas em sentido contrário. Quando o cotidiano no hospital é fonte de insegurança e angústia, uma das saídas para enfrentar este dilema é recorrer a formas de defesa que sustentam a confiança no não adoecimento. Frases como “estou nas mãos de Deus”, “meu santo é forte” ou “tenho o corpo fechado”, revelam que sentimentos de autoconfiança buscam compensar o medo desprezando o risco. Estas elaborações pessoais podem se somar a convicções plantadas pelas chefias a fim de tranqüilizar as pessoas diante dos perigos reais. Expressões como “aqui ninguém adoeceu por reutilizar as máscaras” ou “você vai contrair tuberculose só se estiver se alimentando mal e com baixa imunidade” levam funcionários despreparados a elevar desnecessariamente sua exposição.
Quando aos elementos subjetivos acrescentamos a falta de pessoal, a sobrecarga de tarefas, problemas com a estrutura física do hospital, ausência ou inacessibilidade de equipamentos de proteção, falta de treinamento, rotatividade, avaliações de desempenho, etc., vemos que o não uso ou a utilização inadequada de EPIs tem raízes mais profundas das que são apresentadas pelos administradores. Mas há outro elemento que passa despercebido. Veja: o hospital, ou uma instância superior, definiu e divulgou as normas, tornando-as marcos de atuação no trabalho; a realidade inviabiliza o seu cumprimento; diante das ocorrências, ter violado as regras é usado como álibi da instituição contra as vítimas; e o sentimento de culpa gerado pelo suposto ato inseguro oculta o nexo que une adoecimentos e acidentes às políticas que deterioraram os elos da segurança. Simples, não é?
Nesta altura, seria lógico esperar um aumento considerável nos registros de ocorrências. Os estudos, porém, não confirmam esta tendência por razões preocupantes. Como nenhuma doença é exclusiva do ambiente hospitalar, o problema está justamente em provar que há uma relação direta entre trabalho e adoecimento. Afinal, vírus, fungos, bacilos e bactérias não são exclusivos de um hospital e nem possuem códigos para rastrear a sua origem. Ainda que admitamos a possibilidade de o trabalho não guardar relação com a doença contraída, há fatores intrigantes que expressamos com algumas perguntas:
Ø  Por que, apesar de um profissional passar horas num ambiente potencialmente infectante e contagioso, os riscos deste ambiente não constituem a principal suspeita a ser investigada?
Ø  Trabalhar em setores lotados de pacientes oferece o mesmo grau de risco do freqüentar locais onde circulam pessoas, como bares, ônibus, trens, repartições públicas?
Ø  Como é possível, por exemplo, que, ao apresentar tosse persistente e perda de peso, uma enfermeira que atua entre pacientes com tuberculose não desperte nos médicos do mesmo hospital a necessidade de analisar se ela contraiu a doença?
Ø  Que elementos interferem no diagnóstico? A impossibilidade de ficar com um funcionário a menos diante de um efetivo reduzido? A correria? As pressões pelas quais reconhecer o adoecimento é admitir condições de trabalho inseguras? A necessidade de limpar as estatísticas e manter as políticas gerenciais? O fato de os médicos banalizarem os sintomas ou não terem sido treinados para resgatar a relação doença-trabalho?
Ø  Ao reafirmar que a culpa é do trabalhador, procura-se fortalecer nele os sentimentos de vergonha e incompetência que o impedem de cobrar judicialmente os próprios direitos?
São apenas perguntas. Mas acredito que você também tem as respostas.
No que diz respeito à notificação de acidentes, nos deparamos, fundamentalmente, com duas realidades. A primeira é caracterizada pelos infortúnios que acarretam a impossibilidade de continuar o trabalho. Dores de coluna advindas do lidar com equipamentos pesados, segurar um paciente para que não caia ou movimentá-lo no leito são exemplos de situações em que o acidente não pode ser negado à medida que a recuperação implica no afastamento imediato do funcionário. O mesmo não acontece quando de perfurações e contatos com materiais biológicos. Devido à sua freqüência, costuma-se apontar a desconsideração da gravidade do acidente como explicação da subnotificação. Os estudos, porém, revelam aspectos bem diferentes.
Quando a vítima não registra a ocorrência por menosprezar a possibilidade de contaminação não o faz por negligência ou falta de conhecimento e sim para ativar uma forma de defesa psíquica. Negar o contágio é um elemento essencial para manter o equilíbrio emocional numa situação em que a angústia tende a ganhar o jogo diante das consequências que podem advir. Por isso, expulsar da cabeça o que faz pensar no ocorrido é uma muleta que alivia o sofrimento e ajuda a conviver com a espera desgastante que só é amenizada quando os exames clínicos do paciente não apontam a presença de doenças contagiosas.
O silêncio de quem sofreu uma possível contaminação guarda também uma relação direta com a presença de situações constrangedoras quando da comunicação do ocorrido. Ora os momentos de tensão vividos pela vítima são tratados com descaso e falta de respeito pela hierarquia; ora ganham tons de intimidação que a apontam como descuidada, incompetente ou ruim de serviço; ora viram objeto de chacotas e brincadeiras de mau gosto em relação a possíveis ausências futuras.
Entre as razões de subnotificação, encontramos as dificuldades que a administração impõe à emissão da CAT[4], uma vez que esta implica quase sempre em certo custo financeiro e compromisso social com o acidentado. Concretamente, os trabalhadores da saúde apontam a burocracia e a desinformação do pessoal de recursos humanos como fator desestimulante. Em vários casos, mesmo que o funcionário deseje, não consegue saber o que fazer e a quem se dirigir. Se isso não bastasse, enquanto perambula de um lugar pra outro, a vítima continua sendo cobrada pelas tarefas que lhe cabem. De fato, a depender do tipo de ocorrência, não haverá afastamento do trabalho e nem será eximida das tarefas já confiadas. Quando somamos esta realidade aos entraves para a emissão da CAT, encontramos as razões que explicam a “falta de tempo” alegada pelas vítimas. Os empecilhos com os quais se deparam fortalecem a tentação de “deixar pra lá” em prejuízo da notificação.
O quadro se completa ao lembrarmos que, em função dos baixos salários, muitos profissionais trabalham em mais de um emprego. Nestes casos, as dificuldades criadas por exames e consultas fora do horário de trabalho, bem como os possíveis efeitos colaterais dos medicamentos receitados, convencem a vítima de que não vale a pena registrar o acidente.
Os elementos que apresentamos até o momento criam uma rotina na qual situações que não deveriam acontecer passam a ser vistas como “normais”. Diante delas, as saídas mais fáceis são as que estão ao alcance da capacidade de se adaptar e enfrentar o que, de início, é considerado errado, mas que o tempo torna natural e corriqueiro, a ponto de ninguém ligar. Este equilíbrio precário se mantém até que uma ocorrência grave rompe o silêncio, põe o dedo nas feridas, atrai a mídia e demanda mudanças urgentes. Longe deste momento, a subnotificação de acidentes e adoecimentos no trabalho gera uma realidade surreal. Tudo parece correr bem à medida que não há nada inviabilizando o trabalho diário. Enquanto isso, o cotidiano silenciado coloca todos à beira do abismo.

Absenteísmo: quando o invisível fala mais alto.

Antes de entrarmos nas questões deste capitulo, precisamos fazer um esclarecimento sobre o uso da palavra absenteísmo.
Historicamente, era definido absenteísta um proprietário de terras que entregava a administração de suas posses a um intermediário e se mudava para a cidade. Fruto de um ato voluntário, esta escolha fazia com que as riquezas obtidas pela exploração dos camponeses locais levasse o dono a desfrutar do que o ambiente urbano podia oferecer sem se preocupar diretamente com a produção.
Na sociedade industrial, o termo virou sinônimo de não assiduidade ao trabalho, ganhando quase sempre um tom que expressa negligência e falta de compromisso. Na administração de recursos humanos, o absenteísmo define qualquer ausência do funcionário. Para a maioria, esta palavra inclui as faltas por adoecimento e acidentes de trabalho, férias e licenças previstas no contrato, o descanso semanal remunerado, as horas abonadas em função de núpcias, morte de familiares e consultas médicas, bem como idas ao banheiro, atrasos e o que é popularmente conhecido como “dar o cano”. Assim, o conjunto de elementos usados para definir a taxa de absenteísmo não distingue as responsabilidades que ocasionam as faltas, mas se vale do resultado obtido para indicar um encarecimento do trabalho como se tudo dependesse apenas da vontade dos empregados.
Neste contexto, a apresentação de atestados pelos funcionários costuma ser fonte de desconfiança. No setor público, então, a imagem estereotipada do servidor como fraudador de licenças médicas oculta os processos de adoecimento, leva administradores a negarem melhorias no ambiente de trabalho e atribui a deterioração da saúde a dificuldades de adaptação ou a ausência de práticas de vida saudáveis. É como se o afastamento por doença trouxesse à tona o comportamento de um indivíduo que não se importa consigo mesmo e nada faz para garantir a assiduidade ao trabalho. Desta forma, quem manda se exime de suas responsabilidades frente aos efeitos nefastos do próprio trabalho e aprova normas para coibir o acesso aos benefícios pautando-se quase sempre nas exceções.
Dois exemplos ajudam a entender melhor este mecanismo. Não é raro ouvir as chefias atribuir ao segundo vínculo empregatício do empregado a razão de ser do seu adoecimento. Além de encobrir a realidade produzida pelos baixos salários, esta postura coloca em segundo plano o fato de que a ampla maioria dos afastamentos por doença vê como sujeito o trabalhador que tem um único emprego. Uma pesquisa sobre absenteísmo realizada no Hospital Universitário da USP, em São Paulo, revela que 83,1% dos que entregaram atestados têm apenas um vínculo empregatício e que o maior número de licenças médicas ocorre em setores onde é comum a prática de horas extras por falta de pessoal.[5] Ou seja, basta trabalhar em um único lugar, em meio aos riscos e às condições inadequadas que fomos apontando para que a saúde dos empregados sofra desgastes que elevam sua exposição às doenças.
O segundo deita raízes numa realidade aparentemente inquestionável. Sempre que alguém falta, o serviço dos que compareceram aumenta, e o desgaste adicional provoca novos afastamentos. Claro, não é? O problema desta argumentação é muito simples: desloca-se para o funcionário uma responsabilidade que é do administrador. Quando as políticas gerenciais cortam gastos em meio a uma demanda crescente, qualquer ausência coloca os demais no sufoco. Mas isso não se deve aos “absenteístas” e sim à inexistência de profissionais destinados a cobrir faltas e amenizar picos de demanda. Num hospital, o Índice de Segurança Técnica que permite absorver sem sobressaltos estas situações varia de 30 a 37% do efetivo a depender dos setores. Os estudos, porém, apontam escassez de pessoal não só para cobrir os atestados, mas para oferecer um atendimento humano nos dias em que todos estão presentes.
Pelo que dissemos, já deve ter ficado claro que rejeitamos o entendimento do absenteísmo próprio dos administradores pelo fato de este esconder as causas das ausências nas aparências de uma realidade auto-explicável. Mas isso não basta. Nossa reflexão vai levantar agora o que permanece invisível nos casos de faltas que, embora amparados por atestados médicos, não estão ligados a doenças e sim a manifestações de descontentamento e desmotivação dos funcionários.
O ponto de partida é dado pela imagem que os trabalhadores projetam ao falar do hospital em que atuam. Nela, não se refletem apenas os problemas que minam a execução do trabalho e ameaçam a integridade física, mas também as aspirações, frustrações, esperanças e sofrimentos cujo encadeamento leva a compensar a angústia, a falta de reconhecimento e a sensação de injustiça através de uma ausência que permite dar um tempo, digerir eventos desestabilizadores e se reequilibrar para poder continuar.
A decisão de comparecer ao serviço não depende apenas do senso de responsabilidade em relação ao trabalho, mas também da sensação de vazio, descaso, vergonha ou raiva experimentada diante de atitudes dos superiores hierárquicos. Estamos nos referindo, por exemplo, às situações em que se nega uma licença-prêmio; à troca de equipe sem explicação ou às humilhações sofridas no interior dela; ao favorecimento de funcionários que os demais julgam não merecer; às repreensões por procedimentos não realizados ou concluídos em atraso sem ouvir as explicações dos envolvidos; à discriminação ou à falta de oportunidade quando de uma promoção; à ineficácia dos canais destinados à apresentação de problemas e busca de soluções; enfim, ao acúmulo de situações desgastantes que permanecem sem resposta. Nestes casos, simular doenças é uma forma de defesa que permite fugir de uma situação de sofrimento e tem a clara intenção de atingir a chefia.
E aqui nos deparamos com um dado intrigante. Os estudos consultados apontam que, em vários hospitais públicos, chefes e administradores não estão preocupados com as faltas e nem mesmo se estas guardam relação com o adoecimento real dos funcionários. Longe de ser uma expressão de descaso ou da dificuldade em reunir dados, o desinteresse guarda uma relação direta com a complexidade do fenômeno e a política de recursos humanos vigente. Uma apuração séria faria aparecer uma realidade que é melhor ocultar. Ou seja, a hierarquia conhece o problema, compreende informalmente as situações que lhe dão origem, ma se nega a encará-lo à medida que os escassos recursos financeiros e as pressões governamentais preferem silenciar o que faria emergir situações prejudiciais à sua imagem pública.
Por sua vez, a desmotivação demanda uma reflexão capaz de resgatar os elementos que levam o trabalhador na saúde a perder o sentido que encontrava no exercício da profissão a ponto de esta se tornar algo que o esmaga, esvazia e sufoca.
As entrevistas com médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem apontam para vários motivos de escolha e permanência na profissão. Do conhecer pessoas interessantes e integrar equipes que permitem adquirir novas competências e saberes, ao contato humano com quem precisa de ajuda e em função do qual se assumem responsabilidades decisivas, o que predomina nas falas é a dedicação aos pacientes como opção de vida. Cuidar dos demais define o sujeito, orienta estudos, relações, escolhas que realizam o sentir-se útil no restabelecimento da saúde alheia.
Viver a solidariedade, a empatia, a busca da confiança e do respeito é o caminho para que o trabalho incorpore as necessidades físicas, psicológicas e sócio-culturais das pessoas atendidas e aprimore a sensibilidade e a sabedoria para tocar, olhar, captar terapeuticamente suas emoções e demandas. Concretizar um atendimento é dar um passo rumo à realização pessoal e promessa de que o fazer bem o próprio trabalho irá gerar a motivação necessária para viver plenamente a profissão. O grau de idealização pode variar de um profissional para outro, mas a convicção de que se escolheu uma missão, e não um trabalho qualquer, está na base das expectativas e da formação recebida.
O imaginário de cada profissional alimenta-se também dos debates em torno do conceito de saúde. Em 1986, a 1ª Conferência Nacional sobre o tema, abandonou a ausência de doenças para definir a ideia de saúde. Esta passou a ser vista como “a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, posse de terra e acesso aos serviços de saúde”. Desde então, as relações entre as formas de organização social e a inserção em determinado ambiente das pessoas são apontadas como elementos que se articulam em diferentes dimensões para delinear o processo saúde-doença a que estão submetidas. Diagnosticar os males e promover a saúde implica em detectar fatores de risco e contaminação presentes no espaço em que o indivíduo se movimenta, em compreender os modos de vida que precisarão ser reorientados depois da cura, em identificar até a que ponto as escolhas pessoais têm origem em elementos culturais, práticas sociais ou situações próprias do trabalho desenvolvido.
Esta dimensão amplia a idéia do trabalho como “missão” à medida que exige um contato com a realidade que levou ao adoecimento e não apenas a descoberta da causa imediata da doença. Além de uma equipe interdisciplinar afinada com a complexidade da tarefa, proporcionar a cura e oferecer as orientações para manter a qualidade de vida demanda a construção de formas de escuta e vínculos de confiança que levam tempo para se concretizar. Algo impraticável numa unidade onde a sobrecarga de tarefas e os problemas do ambiente reduzem o trabalho à aplicação mecânica de procedimentos.  
O encontro do imaginário de quem se prepara para atuar na saúde com as teorias baseadas na integralidade e humanização do atendimento eleva as expectativas em relação ao trabalho e à realização pessoal na profissão. O acerto entre as visões assim cultivadas e a realidade dos hospitais públicos produz choques marcados por seguidas frustrações. Quanto maior a idealização do trabalho e o esforço para concretizá-la, maior é a necessidade e a expectativa de que a dedicação seja reconhecida e valorizada. De conseqüência, mais violento é o tombo sofrido ao perceber que as compensações reais e simbólicas passam longe do esperado. A insatisfação e a desmotivação que resultam do confronto entre o sujeito e a realidade ferem as idealizações e colocam o trabalhador diante de uma verdade indesejada: o mínimo que se quer dele é o máximo que pode dar sem esperar receber o que compensa os desgastes sofridos.
Para que tenhamos uma ideia desse processo e de suas consequências vamos comentar uma situação aparentemente insignificante. Em vários hospitais, as chefias consideram descabido o pedido dos subordinados para que haja um ambiente adequado para fazerem uma pausa, um lanche, descansarem nos momentos de trégua, guardarem os próprios pertences e que tenha sanitários privativos. Pequenas atenções como esta contribuiriam para aliviar as cargas psíquicas dos trabalhadores ao criar espaços onde é possível se recuperar, desabafar e descarregar minimamente as tensões antes de voltar às tarefas diárias. Longe de ser um fator secundário, a falta de ambientes para uma assimilação coletiva das frustrações e angústias experimentadas condena o indivíduo a viver solitariamente as consequências do esgotamento e da desestruturação a que é submetido pelo trabalho.
Ao ver negado um pedido tão simples, quem esperava reconhecimento e valorização não consegue sequer um lugar para guardar a maçã trazida de casa, um espaço para tomar um café, desabafar com um colega ou fazer suas necessidades em paz. O contraste é grande. No balanço final, a soma de pequenas e grandes decepções vai deteriorando os estímulos que sustentavam a motivação e corroendo a visão que os trabalhadores na saúde tinham da profissão. Não por acaso, passados alguns anos, costumam se definir como “esquisitos” para si próprios e para as pessoas mais próximas. Um adjetivo que mescla sensações conflitantes e sem resposta, que deixa entrever sentimentos de culpa, impotência, decepção, impossibilidade de viver o cotidiano comum aos demais sem receber as compensações esperadas, ao mesmo tempo em que busca proteger a fragilidade do indivíduo de eventuais questionamentos alheios.
O desgaste produzido pela confrontação diária entre a visão idealizada da profissão e o ambiente de trabalho sobre o qual o indivíduo não tem possibilidade de exercer qualquer controle, faz com que o atestado seja visto como uma bóia salva-vida para sobreviver na profissão. Algo imprescindível para retomar o fôlego, aliviar o sofrimento e possibilitar uma fuga momentânea, mas incapaz de livrar o profissional das ameaças que o cercam. O que permite não afundar pode se transformar em chumbo que arrasta para o abismo à medida que reafirma a adaptação ao sofrimento como caminho único e permanente, e não a construção do que pode derrotá-lo.
 A realidade prova que tirar um atestado sem estar doente (ainda que, a bem da verdade, haja um processo de esgotamento em andamento) não é a primeira forma de defesa individual diante das agressões do trabalho, mas apenas parte das atitudes próprias de quem precisa resistir às adversidades. Além dos psicotrópicos e dos atestados, é comum ouvir profissionais de saúde lembrarem de situações críticas pelas quais já passaram. A memória do indivíduo utiliza o seu passado para tranquilizá-lo, protegê-lo da angústia, impregná-lo com as imagens do que poderia ocorrer caso resolva largar o emprego, e assegurar-lhe que não faltarão forças para aguentar as investidas do presente.
Do mesmo modo, há profissionais que limitam o contato com os pacientes à estrita realização das prescrições como forma de não criar vínculos afetivos cuja ruptura, por alta médica, óbito ou não reconhecimento dos esforços, geraria um desgaste adicional. Como fator de proteção, a relação impessoal permite negar a visão idealizada da profissão e as características individuais do paciente. Ao considerá-lo mero portador de uma doença cuja cura depende do que vem a ser receitado, a execução das tarefas não espera compensações simbólicas, mas se baseia numa prestação de serviços fria e impassível que visa poupar o trabalhador de novas frustrações.
Cabe ressaltar que chefias, gerências e direções das unidades de saúde também contam com estratégias de defesa. Além das ausências, sem que seja necessário apresentar atestados, os estudos registram vários esforços para anestesiar a percepção negativa de suas atuações. Compras de materiais inferiores, medidas que reduzem funcionários, intensificam o ritmo, terceirizam atividades, etc. geram sentimentos de culpa pelos efeitos negativos que produzem. Para se prevenir do sofrimento de ver os outros padecerem por própria causa, é comum que a hierarquia superestime a própria função, justifique suas ações com base em cortes orçamentários, exigências do mercado ou na necessidade de produzir um “choque de gestão” para a uma melhor utilização dos recursos disponíveis. Venham dos funcionários ou das chefias, as estratégias de defesa são fatores de adaptação, não de resiliência. Ao concentrar neles as melhores energias, o profissional perde a capacidade de elaborar intervenções e projetos que derrotem o sofrimento, convence-se de que resistir é a única saída e se torna avesso a qualquer mudança que, para fazer o novo nascer, acaba elevando momentaneamente a insegurança e a angústia.
Quando os mecanismos de resistência não visam preparar os enfrentamentos necessários para derrotar o sofrimento, mas proporcionam apenas a adequação às demandas que lhe dão origem, o resultado final não é um sentimento de realização, mas sim de fragilidade e derrota. A humanização e a integralidade do atendimento na saúde não virão de um esforço de motivação e conscientização dos profissionais e sim de uma mudança profunda das condições em que o trabalho se realiza. São elas que produzem as agruras e os comportamentos que descrevemos e projetam um futuro sombrio em quem apostou a vida em cuidar dos doentes.

Por que os trabalhadores não reagem?

Uma resposta exaustiva a esta pergunta envolve uma análise dos elementos culturais, econômicos e sociais que extrapolam os objetivos do estudo. Por isso, optamos por focar a análise nos fatores que proporcionam a construção do conformismo no ambiente de trabalho.
Ninguém duvida que o candidato a uma vaga traz em si uma mescla desordenada de tensões que incluem a necessidade de garantir a sobrevivência, as pressões e os estímulos da família, os sonhos de consumo e ascensão social, a busca de estabilidade e realização pessoal. Seja qual for o núcleo de convicções, valores e vivências que molda sua visão de mundo, o primeiro dia de trabalho conhece uma mescla de incerteza e entusiasmo diante do novo. A inserção no desconhecido é marcada pela busca de referências que permitam dar os primeiros passos num ambiente onde a aceitação dos colegas e a adaptação às tarefas são elementos imprescindíveis.
Conformar-se é a condição que transforma o estranho em familiar e possibilita almejar metas mais consistentes. Nada mais lógico, portanto, que este esforço silencie críticas e observações incômodas, elimine atitudes que não estão em sintonia com o trabalho e proporcione doses adicionais de paciência como condição para vir a integrar o quadro de funcionários. Ainda que a inserção inicial ocorra em tempos breves, adaptar-se ao que é seguidamente exigido é sinônimo de trilhar o caminho pelo qual o próprio valor vai ser reconhecido, de estabelecer laços de conveniência entre os desejos pessoais e as possibilidades que a realidade oferece, de se sentir parte do grupo e experimentar a sensação tranquilizadora do dever cumprido. Moldar-se para agir de acordo com o ambiente passa a ser algo natural e inquestionável, tão mecânico e imperceptível quanto o ato de respirar. Tudo parece aceitável e promissor, caminho para superar os próprios limites e crescer na profissão. Logo, algo frente ao qual não há porque acreditar que possa ou deva ser diferente.
Mas há uma questão delicada. Acostumar com o ambiente reduz o sofrimento e a sensação de incerteza, ao mesmo tempo em que a adaptação impede ao sujeito de perceber o que desgasta sua saúde física e mental. É parecido ao que ocorre quando alguém sai de um povoado do interior, onde não há poluição, para morar em São Paulo. De início, o ar parece carregado e com cheiro estranho, mas, com o tempo, o organismo diminui suas reações e acostuma a ponto de não se incomodar com a poluição. Contudo, o que se tornou imperceptível continua produzindo um desgaste progressivo e silencioso.
Do mesmo modo, a adaptação ao trabalho faz com que o sacrifício para se conformar seja visto como superado e sem maiores efeitos sempre que o corpo reduz os sinais imediatos de sofrimento, apesar de os mesmos fatores continuarem minando a saúde física e mental. A esta altura, nem os acidentes e adoecimentos que atingem os colegas são vistos como alertas de que há algo errado. A naturalidade que marca a conformação ao ambiente faz com que estes eventos sejam interpretados como uma sina, falta de sorte ou de cuidado, fruto de fragilidades pessoais e não como manifestações individuais de uma ameaça que pende sobre todos. Algo, portanto, que não questiona as próprias atitudes em relação ao trabalho, que afasta a possibilidade de ser a próxima vítima ou a faz parecer distante quanto basta para perceber o perigo a tempo de evitar o pior.
Este processo suga silenciosamente as melhores energias e impede ao trabalhador de expressar o que sente para não se tornar uma voz destoante. Discordar, criticar, pôr o dedo nas feridas, desafinar o coral dos obedientes é ser identificado como “do contra”, desmancha prazeres, chato, semeador de confusão e conflitos em meio a quem deseja crescer com o próprio esforço. Colocar em dúvida o que é visto como natural e justo proporciona inúmeras dores de cabeça e faz com que o preço da liberdade pareça exorbitante diante do sossego e da aprovação oferecidos pelos sacrifícios do conformismo.
Quanto maior, acrítica, permanente e voluntária tiver sido a adaptação ao trabalho, mais imperceptível é o processo de esquecimento dos riscos que ameaçam a integridade física e psíquica. O esforço para se conformar às demandas da profissão leva a aceitar qualquer justificativa plausível, ora em nome da possibilidade de pertencer ao grupo dos vencedores, ora da segurança própria de quem assume o comportamento da maioria como critério de verdade para as próprias escolhas. O cotidiano assim vivido faz sentido até que um evento traumático, na forma de acidente ou doença profissional, derrete sonhos e devaneios, coloca o indivíduo diante da possível exclusão do grupo e o aponta como elo fraco da corrente do trabalho. O que parecia sólido e duradouro vira fumaça em tempo recorde. O que sempre foi apontado e vivenciado como “o certo” é algo que agora não se sustenta e condena. A nova realidade dá as boas-vindas a um pesadelo que não desaparece ao abrir os olhos e ameaça qualquer perspectiva de futuro.
Entre as possibilidades que restam a alguém que passa por tamanha decepção, bater na porta do sindicato não está entre as improváveis. Além do sofrimento físico, este homem ou mulher traz em si um turbilhão de sentimentos e percepções contrastantes. O que podemos esperar é uma mescla que inclui:
1.      Uma arraigada sensação de culpa pelo que ocorreu. É comum que as pessoas absorvam e reproduzam a lógica pela qual se algo afetou a sua incolumidade é porque elas não tomaram os devidos cuidados. Afinal,  os riscos eram conhecidos e sistematicamente relembrados pelos mapas e cartazes pendurados nas paredes ou nos eventos sobre prevenção e segurança organizados pelo empregador. Portanto, na cabeça das vítimas, já está arraigada a percepção pela qual se algo errado atingiu a vida no trabalho é porque elas não prestaram atenção, vacilaram, desafiaram o perigo, não se concentraram, enfim, foram displicentes diante de ameaças conhecidas.
A sensação de culpa pelo ocorrido só não predomina quando de um acidente de grandes proporções onde não há uma relação direta entre a função exercida pela vítima e os elementos que deram origem à ocorrência. Aqui, é comum que o atingido expresse a convicção de que tudo não passou de uma fatalidade ou falta de sorte. Comum a ambos os casos, é a idéia pela qual é inútil procurar responsabilidades e o melhor a fazer é esquecer como condição para recomeçar.
Culpar a vítima, o destino ou a vontade de Deus é o caminho que leva a encobrir as causas reais das ocorrências e inviabiliza a erradicação dos riscos, ainda mais quando estes são impulsionados por escolhas gerenciais que promovem a precarização do trabalho e da segurança. Sobrecarga de tarefas, constrangimentos e situações de assédio, falta de confiança na equipe, tensões emocionais e ansiedade, responsabilidades excessivas, falta de reconhecimento, etc. não constam de nenhum mapa de risco, são invisíveis ao olhar de uma fiscalização que ignora o dia-a-dia do setor, mas contribuem para desestabilizar os trabalhadores. Parte do cotidiano, estas realidades dificultam a concentração do empregado, restringem a percepção do que está em volta dele, alteram o conteúdo do seu pensamento, obstaculizam o controle das emoções, reduzem a auto-estima, provocam um declínio do sentimento de competência e favorecem a hesitação na hora de tomar decisões. O que induz ao erro, condiciona comportamentos e atitudes, desgasta o equilíbrio emocional desaparece atrás do biombo do ato inseguro, da fatalidade ou da falta de sorte. O esforço de esclarecer os acontecimentos precisa de um diálogo que resgate o que as aparências encobrem e a repetição cotidiana torna habitual.
2.      A falência das fantasias protetoras. Sempre que o trabalho implica conviver com o risco, é comum encontrarmos empregados que alimentam crenças cuja única função é a de transmitir a sensação de que o perigo foi exorcizado. Imagens de santos na carteira, medalhas e rosários no pescoço, amuletos, se benzer no início do trabalho, “rezas fortes”, ou, mais simplesmente, a convicção de que nada ruim irá acontecer, o pensamento positivo, a certeza de “ter o corpo fechado”, a idéia pela qual “sempre deu certo” etc. estão entre as tentativas mais comuns de dominar o medo e a incerteza. Filhas do pensamento mágico e do auto-engano, as fantasias protetoras desempenham um papel ambíguo e contraditório. De um lado, sentir-se protegido impede que a consciência do risco turve a realização das tarefas ou tenha um efeito paralisante e faz com que o empregado enfrente os desafios do trabalho com maior autocontrole e concentração. De outro, as fantasias protetoras contribuem para elevar a exposição aos agentes agressivos à medida que a crença na própria imunidade tende a reduzir o grau de proteção e inibe a viabilização de ações coletivas para as mudanças necessárias. A certeza de ser poupado do que pode vitimar os demais faz com que a participação e o envolvimento nas lutas sejam vistos como desnecessários. Mas, depois que o pior aconteceu, o desmoronamento das crenças deixa o indivíduo desprotegido, sem chão, sem saber no que acreditar e no que ainda pode dar certo.
3.      A incapacidade de sair do círculo vicioso dos pensamentos. E não é pra menos. O trauma coloca o mundo da vítima à beira do precipício. Na maior parte dos casos, esta situação gera pensamentos negativos e sentimentos que incluem: o sentir-se sozinho diante de um problema que impede de viver a normalidade anterior; a mistura de raiva e culpa por ter se exposto ao risco além do necessário; a frustração diante das atitudes e do julgamento da hierarquia e dos colegas após o ocorrido; a busca de um culpado ou bode expiatório para anestesiar o sofrimento; o ressentimento que nasce de um trabalho que já não faz sentido e paralisa o desejo de agir;  a angústia de se ver num beco sem saída; e a procura de experiências passadas às quais se agarrar para tentar reagir, sem perceber que a gravidade do acidente ou do adoecimento criou uma realidade cujas respostas não estão no passado e sim no presente. A sensação de perda e solidão torna insuportável esta mescla desordenada de percepções. O esforço de não pensar para silenciar os efeitos que o trauma produziu na memória é uma forma de defesa que exige demais do indivíduo, não desencadeia sua capacidade de reagir positivamente e prende seu pensamento numa cela cada vez mais apertada e angustiante. Não por acaso, muitas vítimas incluem em seus relatos expressões tais como: “tem horas que acho que vou pirar” ou “procuro não pensar, mas, quando lembro, fica pior”.
É claro que o peso das percepções listadas guarda uma relação direta com a gravidade do acontecimento que desencadeou o trauma, com o apoio recebido da família e dos colegas, com a história da pessoa e as marcas que esta deixou nela ao ensinar possibilidades de reação. Mas é fato que a busca de apoio junto ao sindicato tem um papel importante no esforço que a vítima faz para reorganizar a vida.
Desde já, queremos deixar claro que não se trata de transformar o dirigente sindical em psicólogo de ocasião e, muito menos, de a entidade virar clínica para esse tipo de atendimento. O papel que o sindicato pode, e a nosso ver deve, desempenhar é o de criar as bases para uma intervenção coletiva capaz de questionar a realidade que deu origem ao ocorrido e produzir mudanças que evitem sua repetição. Mas, para isso, é necessário resgatar o cotidiano que movimentou as engrenagens do risco tanto através do depoimento de colegas e familiares da vítima, como, sobretudo, pelo envolvimento da pessoa que sofreu o trauma. Destes relatos emergem detalhes preciosos em relação à dinâmica do acontecimento e às relações de trabalho no qual se desenvolveu. Algumas dicas podem ajudar neste diálogo:
1.      Num contexto de sofrimento agudo, qualquer sinal de humanidade pode fazer nascer uma centelha de esperança que ilumina novas possibilidades. Uma acolhida que deixa a pessoa à vontade, o fato de desligar o celular e pedir para que não sejam repassadas ligações ou haja eventos que interrompem a conversa mostram à vitima que ela está no centro das atenções. Pequenos gestos como estes ajudam a reduzir as distâncias e criam um ambiente favorável para transformar em palavras o que produziu a situação atual. Guardadas as devidas proporções, os exemplos citados têm o mesmo papel do tapinha nas costas acompanhado pelo “você não merecia isso”, pronunciado para um colega que acaba de sofrer uma situação de assédio. Apesar de não reverter o sofrimento experimentado, o apoio simbólico faz com que o assediado se sinta compreendido, aliviado, amparado em suas posturas e pense mais serenamente nos próximos passos. É pouco... Parece nada... Mas guarda em si a possibilidade de produzir uma reação positiva.
2.      Ainda que o dirigente sindical conheça o ambiente onde a vítima atuava como a palma da própria mão, ele não está aí para discursar ou mostrar quanto está por dentro do assunto, e sim para perguntar e ouvir. Quem adoeceu ou se acidentou não precisa de sermões, de alguém que esbanje conhecimentos ou mostre que o sindicato vinha denunciando os problemas do setor, mas de um ouvido atento e de uma ajuda a relatar os fatos com perguntas que permitem resgatar detalhes, às vezes, considerados insignificantes. O trabalhador, e não a representação sindical, é que deve se sentir no papel principal.
3.      Começar um diálogo com alguém desconhecido não é fácil e até pequenas atitudes involuntárias podem ferir a sensibilidade. Seja como for, o pior começo de conversa é quando perguntamos “por que” você se machucou ou adoeceu. As respostas tendem a sublinhar as aparências e a esperar o veredicto do sindicato como um réu diante do júri. O melhor caminho após o clássico “o que aconteceu?” é dirigir a conversa tendo como eixo uma questão-chave: “como é o seu trabalho de todos os dias?”. Além de fazer com que a vítima se sinta à vontade por falar de algo que conhece, esta orientação visa iluminar elementos que passariam despercebidos a quem não convive com aquela realidade e aos quais a própria vítima pode não atribuir a importância devida por se tratar de algo corriqueiro, tido como natural. Para isso, é importante que na cabeça do sindicalista haja uma sequência de temas que fazem emergir o cotidiano do trabalho. Concretamente, pode-se organizar a conversa em torno dos pontos que seguem:
ü  Identificar o setor, o objeto do trabalho próprio daquele ambiente, características gerais do processo;
ü  Material e equipamentos utilizados;
ü  Tarefas a serem executadas e como é organizada a divisão do trabalho;
ü  Profissionais que devem estar sempre presentes; quantos são; se o treinamento é suficiente para dar conta da rotina e para enfrentar os imprevistos em condições de segurança;
ü  Tempos de execução das tarefas, ritmo de trabalho, como é um “dia de cão”, como se sente ao encerrar um turno desgastante;
ü  A relação entre novatos e experientes;
ü  Regras oficiais e o que costuma acontecer para que o trabalho seja executado; até a que ponto, e porque, o “jeitinho” é tolerado pela chefia imediata ou é visto como natural;
ü  Como são as relações entre a chefia e os subordinados;
ü  Que pressões externas ao ambiente de trabalho influenciam as escolhas da gerência.
Nada impede que, ao longo da conversa, haja perguntas do tipo: no trabalho, o que te estressa e faz perder as estribeiras? O que te dá medo ao realizar as tarefas? O que ajuda a retomar o controle depois de enfrentar momentos de tensão? Já houve outros acidentes ou adoecimentos? Como as chefias e os colegas reagem diante de uma ocorrência ou de um quase acidente?
Você já deve ter percebido que o diálogo exige tempo e paciência. Resgatar a rotina do trabalho é o caminho para conhecer o que o olhar dos trabalhadores consegue detectar, o que é visto como problema e que elementos são considerados normais apesar de violarem as regras. Junto às informações que descrevem a atividade, os critérios com os quais as pessoas interpretam a execução das tarefas, os sentimentos, medos e fontes de satisfação ou desmotivação que aparecem nas respostas são aspectos essenciais para visualizar o cotidiano que originou a ocorrência em questão. Resgatar o trabalho na voz do trabalhador é percorrer o caminho que vai do esquecimento produzido pela adaptação à memória do que condiciona suas escolhas e eleva os riscos a que está submetido, às vezes sem se dar conta disso. Por outro lado, o diálogo é o primeiro envolvimento da vítima nas ações que elevam as chances de uma ação coletiva por mudanças.
4.      Parece claro que o sindicalista deve evitar comentários infelizes. Por via das dúvidas, alertamos em relação a algumas situações que costumam se repetir e apontamos uma saída possível:
a.       A idéia de que poderia ter sido pior como forma de consolar as pessoas. Dizer a alguém que teve o braço arrancado pela centrífuga de roupas na lavanderia do hospital que teve sorte por não ter perdido os dois, é menosprezar o sofrimento da amputação e não ajuda a fazer com que a pessoa olhe para o futuro a partir de sua condição atual.
b.      Um discurso baseado no “não foi nada”, “isso acontece com todo mundo”, “vai passar”, “é preciso erguer a cabeça e seguir em frente”, “pensamento positivo”, deixa o seu interlocutor decepcionado e com raiva. Diga isso a alguém que espetou o dedo com o material de uma punção venosa realizada num paciente soro-positivo e o acidentado terá o meu apoio incondicional na busca dos palavrões que traduzam a sua indignação frente à indiferença de quem acaba de ouvi-lo.
c.       Expressões como “não tem mais jeito”, “naquele hospital todo mundo vai adoecer”, “cansei de tanta gente vir aqui pra se queixar”; ou as que apontam para algo distante e improvável como “até fulano ser chefe, é como dar murro em ponta de faca”, “com esse governo estamos perdidos” ou, ainda, “se todos se juntassem pra lutar, aí sim seria diferente” levam as vítimas a se sentir num beco sem saída. Lutar pela melhora das condições de trabalho nunca foi fácil, ainda mais em tempos de individualismo extremado e pressões gerenciais de todos os tipos. Mobilizar a base não é pra já, a não ser em caso de eventos catastróficos ou que provocam perdas substanciais e inesperadas. E, até provar o contrário, colocar a base em movimento é uma tarefa própria do sindicato a ser realizada nas condições em que atua e não nas que gostaria de ter.
Sugerimos que, no final da conversa, se expliquem da maneira mais concreta possível quais são as ações em nível institucional que podem ser imediatamente empreendidas; as possibilidades reais de suporte que auxiliam a vítima a lidar melhor com a situação em que se encontra; que se apresente a ideia de o caso servir de estímulo à reflexão dos colegas com a publicação de uma entrevista-testemunho no informativo da entidade; a confecção de banners e faixas que busquem romper o silêncio, despertar a indignação e vencer a inércia própria da adaptação ao trabalho. É claro que não estamos pretendendo um plano de ação pronto e acabado diante de um diálogo que pode ocorrer de maneira inesperada, mas é necessário ter algumas referências que representem um possível começo. Por isso, não prometa mundos e fundos e nem se limite a veicular uma denúncia sem apontar intervenções concretas. O vazio de ação eleva na base a percepção de que é impossível mudar a realidade e a convence de que o melhor a fazer é se virar para cuidar de si. A partir do ocorrido, a intervenção deve sugerir passos de acordo com o tamanho das pernas e que envolvam a base na reflexão e em alguma ação.
A necessidade de construir um sentimento de coletividade é o último aspecto que gostaríamos de tratar. Já é parte do senso comum que o individualismo marca as relações a ponto de sugerir que tudo depende da vontade e capacidade do sujeito, razão pela qual não há lugar para uma causa comum. Anestesiada a indignação, o colega não é alguém com quem estabelecer relações para caminhar rumo à solução dos problemas do trabalho, e sim um concorrente que aproveitará de qualquer oportunidade para nos derrotar. O espaço da labuta diária deixa de ser o âmbito onde se partilham ideias, valores, macetes, vivências, formas de enfrentar o novo no caminho que leva a uma identidade coletiva que dá sentido aos acontecimentos para ser o local onde o acaso juntou indivíduos que buscam sua se afirmar numa luta de todos contra todos.
O que agride a saúde do grupo não é parte de problemas considerados “nossos”, mas apenas “meus”, “seus”. O isolamento e a falta de cumplicidade positiva geram uma sensação de alívio ao reduzir a “minha” responsabilidade em relação ao “outro”; mas o “cada um por si” leva o sujeito a enfrentar o trabalho com a sensação de desamparo própria de um trapezista que salta sem rede de proteção. Ninguém nega que seja um ótimo profissional e aguente por um tempo sem maiores problemas. Mas o não se sentir parte de um coletivo cujas posturas e relações servem de bússola e de cimento para questionar novas demandas, leva cada um a se sentir impotente diante de uma realidade que faz da adaptação a única escolha plausível. Então, o desafio não pode ser outro: transformar o sofrimento no trabalho em reflexão coletiva, questionamento e estímulo a se envolver numa causa comum, tendo o próprio trabalho como base para o diálogo e a ação. Se a adaptação destrói a capacidade de agir para mudar, aprofunda o isolamento e esmaga sob o peso das formas de resistência, as agressões à saúde apresentam-se como caminho promissor para romper o silêncio, plantar dúvidas e refletir sobre as mudanças necessárias.
Resumindo, as situações que afligem o indivíduo no setor onde atua precisam despertar sua indignação e construir a capacidade de dizer NÃO a fim de derrotar o que conta com um esforço incondicional de adaptação. Não se trata de um processo fácil, nem é possível dizer em que momento seus passos levarão a um salto na compreensão e na ação do coletivo. Mas é fato que a presença de momentos, situações e ações de recusa questiona a indiferença, desnuda os interesses que se ocultam na roupagem das explicações mais aceitas e obriga a tomar posição.
Entre os exemplos que a história coloca ao nosso alcance, há o do gueto de Varsóvia, durante a segunda guerra mundial. Criado pelo exército nazista em 1940, este espaço chegou a reunir cerca de 450.000 judeus poloneses. Dois anos depois, 380.000 deles haviam sido levados aos campos de extermínio. A hipótese de uma revolta que enfrentasse soldados armados até os dentes e prontos a matar indiscriminadamente parecia absurda e inconcebível diante da certeza de resultados desastrosos.
Entre o final de 1942 e o início de 1943, pequenos grupos de moradores do gueto espalham apelos a desafiar as ordens alemãs que impunham aos judeus de se apresentarem para a deportação. Em seguida, contando com bem pouco apoio externo, reúnem um punhado de granadas e uma centena de armas entre fuzis e revólveres, cavam alguns túneis e preparam barreiras que sirvam de trincheira. Diante da superioridade dos nazistas, a derrota é dada como líquida e certa a ponto de a resistência ter como base o direito de morrer como seres humanos.
O levante e os enfrentamentos decisivos se dão entre 19 de abril e 16 de maio de 1943, quando a revolta é sufocada no sangue de um massacre. O resultado apenas confirma o que todos sabiam e, aparentemente, comprovava a ideia pela qual se conformar era a condição para ter chance de sobreviver. Mas o simples fato de um grupo, em extrema inferioridade, ter mostrado que era possível enfrentar os soldados de Hitler transforma o sacrifício dos insurgentes num dos sinais que, a partir de 1944, dão vida a um pipocar de núcleos de resistência armada contra o exército alemão que se espalha pela Europa.
Diante de uma organização do trabalho que reafirma a adaptação como caminho seguro para a realização pessoal e o sucesso na profissão, os adoecimentos e os acidentes negam esta possibilidade e apontam o conformismo como força que esvazia o indivíduo e o torna incapaz de reagir diante do que o agride. A história de centenas de homens e mulheres, dentro e fora dos locais de trabalho, anônimos em sua maioria, prova que dá pra virar o jogo a partir da capacidade de dizer NÃO e da construção cotidiana de ações que transformem em prática coletiva a mudança que hoje não passa de um desejo.

            Emilio Gennari.
            Março de 2015.
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[1] Nas equipes ampliadas, encontramos também um dentista, um auxiliar de consultório dentário e um técnico de higiene bucal.
[2] O relato detalhado dos acontecimentos e do processo pelo qual a realidade é silenciada encontra-se no livro de Paulo Machado, Um avião contorna o pé de jatobá e uma nuvem de agrotóxicos pousa na cidade, Ed. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasília, 2008.
[3] O conteúdo da palestra foi publicado no caderno do 1º Seminário de Saúde do Trabalhador, organizado pelo Sindicato dos Previdenciários de Santa Catarina, em maio de 2010.
[4] CAT: Comunicação de Acidente de Trabalho.
[5] Os dados encontram-se em SANCINETTI, T. R. Absenteísmo por doença na equipe de enfermagem: taxa, diagnóstico médico e perfil dos profissionais. Tese de Doutorado apresentada à Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, 2009.

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