" Decifra-me ou Devoro-te" ( Esfinge aos caminhantes)
Não temos bola de cristal mas conhecemos alguém que acompanha os acontecimentos e procura montar o quebra cabeças que nos ajuda a atravessar os mares agitados da conjuntura. Trata-se do estudioso e educador popular Emílio Gennari.
Por ser fundamental saber onde estamos e conhecer aqueles que tecem os acontecimentos, para que possamos nos posicionar sem sermos surpreendidos com o rumo destes acontecimentos, publicamos dois textos seus sobre a conjuntura dos quais este é o primeiro.
Boa Leitura
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Emilio Gennari – Educador PopularE-mail: epcursos@gmail.com |
2016: mais um ano amargo
Panorama
internacional
As oscilações nas bolsas de valores
nos dois primeiros meses de 2016 indicam uma crescente preocupação com o crescimento
frágil e desigual da economia mundial.
Com pequenas desvalorizações em
janeiro e fortes quedas nas duas primeiras semanas de fevereiro, as ações dos
bancos estadunidenses perderam 19% do seu valor, no Japão as perdas chegaram a
36% e na Europa a 24%. Para termos uma ideia do que isso representa, basta
pensar que o valor de mercado dos bancos europeus encolheu E$ 345 bi (cerca de
R$ 1,54 tri).
Diante do vendaval que sacudiu as
bolsas do mundo inteiro, a pergunta de quem acompanha os acontecimentos da
economia mundial não pode ser outra: por que instituições financeiras como o
Deutsche Bank, o BNP Paribas, o Barclays, o Societe General da França e várias
outras mostraram fragilidades aparentemente inesperadas?
A
resposta está na confluência de quatro fatores:
- À
medida que os bancos centrais faziam cair as taxas de juros abaixo da
inflação para reanimar a economia, reduziam também os lucros das
instituições financeiras.
- Os
empréstimos dos bancos às empresas petrolíferas cuja disponibilidade de caixa
foi duramente atingida pela queda dos preços do petróleo. Em 2015, nos
EUA, o endividamento elevado e a diminuição das receitas levaram à
falência 41 empresas de médio porte que atuavam na produção de petróleo e
gás. Em 2016, as estimativas indicam que outras 150 seguirão o mesmo caminho
caso os preços do barril de petróleo se mantenham nos níveis atuais (U$ 33
o barril).
- As
dúvidas crescentes sobre a existência de créditos que não serão pagos por
empresas agrícolas, industriais e de mineração em função do baixo
crescimento da economia, da queda dos preços das matérias primas e da
valorização do dólar que encareceu as dívidas contraídas nesta moeda. Na
Europa, o tamanho do possível calote do setor privado seria da ordem de E$
360 bi (cerca de R$ 1,6 tri).
- O
fato de, a partir de 1º de janeiro de 2016, os governos dos países
europeus garantirem depósitos e investimentos financeiros até E$ 100.000.
Em caso de falência dos bancos, seriam os correntistas e os investidores a
saírem com a maior parte do prejuízo, ao contrário do que ocorria antes
quando o dinheiro dos contribuintes era empregado sem reservas para cobrir
os rombos.
Este cenário se soma às inquietações
com a desaceleração da economia mundial em 2015, apesar das taxas de juro
negativas nos 17 países do euro, nos Estados Unidos e no Japão que, juntos,
respondem por mais metade da produção da riqueza mundial. Além da situação da
China e da valorização do dólar, sobre as quais vamos nos deter mais adiante, há
outros fatores que não podem ser esquecidos:
Ø Em
2015, os investimentos encolheram em relação a 2014, ampliando a distância em
relação aos níveis anteriores à crise.
Ø O
ritmo de crescimento do comércio mundial caiu de 4,7% em 2014, para 2,5% em
2015.
Ø Apesar
de ficar aquém do esperado, o aumento do consumo das famílias compensou parte
da redução dos investimentos e ocorreu mais pela diminuição dos gastos com combustíveis
e transporte do que por aumentos de salário. Vale lembrar que, de acordo com a Organização Internacional do
Trabalho, os vínculos empregatícios em 2015 apontam para uma situação
assustadora nas relações entre capital e trabalho no período pós-crise com 60,7% da população economicamente ativa na
informalidade ou desempregada, 13% com empregos temporários e só 26,3% com
contratos permanentes.
À medida que a economia mundial vem
dando sinais de desaceleração, os acionistas buscam proteger seus capitais
vendendo ações de bancos e empresas que apresentam riscos maiores para comprar
dólar, ouro ou migrar rumo a investimentos considerados mais seguros.
Neste cenário de incerteza, a China,
que responde por 18% da atividade
econômica mundial, é o país que desperta as maiores preocupações, tanto
em função da redução do crescimento da sua economia, como das dúvidas quanto à
veracidade dos dados fornecidos pelo governo. Podemos esboçar a situação deste
país nos tópicos que seguem:
Ø O milagre chinês dá sinais crescentes de
esgotamento. A construção civil e os investimentos estrangeiros em empresas de
todos os tipos como motores do crescimento criaram uma economia dependente da
indústria de transformação e das exportações. Vários sintomas indicam que este
ciclo está fazendo água:
ü A deflação de 5,2% dos preços ao produtor, criada,
sobretudo, pela elevação dos estoques, reduziu os lucros e tornou pesada a taxa
de juros de 4,35% ao ano (diante da inflação que, em 2015, foi de 1,87%) para
as empresas endividadas. O caso das siderúrgicas ajuda a visualizar o impacto
deste fator. Em 2015, os lucros do setor registraram uma queda de 68% sobre
2014, o que levou a um plano de cortes na produção da ordem de 100 a 150
milhões de toneladas ao ano durante o próximo quinquênio com a eliminação de
500.000 postos de trabalho. O problema é que não estamos diante de um caso
isolado. De fato, entre março e dezembro de 2015, a indústria chinesa acumulou
11 meses de encolhimento da produção, algo que também pode ser visualizado pela
redução das importações em 14,1% ao longo do ano passado e que, em janeiro de
2016, apresentou uma queda de 18,8% em relação ao mesmo mês de 2015.
ü Apesar de, em 2015, as autoridades terem
desvalorizado o yuan em 4,8%, as exportações do país sofreram uma queda de
2,8%, o que contribuiu a elevar os estoques, reduzir os lucros das empresas e
alimentar as dúvidas em relação à capacidade das companhias endividadas em
dólares de honrar seus compromissos (basta pensar que, em julho de 2015, o
valor total destas dívidas era estimado em U$ 1,2 tri, cerca de R$ 4,8 tri).
Por sua vez, os dados de janeiro de 2016 não são nada animadores, pois apontam
uma queda de 11,2% das exportações em relação ao mesmo mês do ano passado.
ü Sempre em 2015, os temores de novas desvalorizações
e de uma maior redução do crescimento da economia levaram a uma forte saída de
capitais do país que promete se ampliar ao longo do ano em curso. Para defender
a moeda de uma desvalorização que encareceria ainda mais as dívidas em dólares,
o banco central da China lançou mão de suas reservas internacionais. O problema
é que, mantido o nível atual das saídas de capitais e do uso dos dólares nos
cofres do governo registrado em janeiro deste ano, Pequim deve passar dos
atuais U$ 3,2 tri em reservas internacionais para U$ 2,1 tri no final de 2016,
uma situação que, ao se concretizar, faria soar todos os alarmes dos
investidores.
O futuro imediato coloca ao governo chinês três
possibilidades nada confortáveis:
1.
Desvalorizar
mais a moeda local, o yuan, para aumentar as exportações e elevar o superávit
da balança comercial a fim de repor parte das reservas gastas. Esta medida,
porém, iria piorar a situação das empresas endividadas em dólares e apressar a
fuga de capitais.
2.
Se o
yuan for valorizado frente ao dólar a fim de reduzir o peso das dívidas
contraídas na moeda estadunidense, o governo acabaria reduzindo a
competitividade das exportações, o que elevaria os estoques das empresas,
reduziria ainda mais suas margens de lucro e melhoraria as condições de remessa
de dinheiro ao exterior, piorando o que está ruim.
3.
Por
outro lado, se Pequim restringir os movimentos de capitais ou optar por uma
erosão gradual das reservas cambiais iria encolher ainda mais os investimentos
estrangeiros que entram no país e teria menos recursos para pilotar os
problemas que se avolumam na economia local.
Basta isso para percebermos as dificuldades com as
quais a China vem se deparando para manter o país em patamares que proporcionem
índices razoáveis de crescimento e conter as tensões sociais vinculadas à redução
dos novos postos de trabalho para os cerca de 20 milhões de jovens que
ingressam anualmente no mercado de trabalho.
ü Nos últimos quatro anos, os salários aumentaram
acima da inflação para estimular o consumo das famílias que representa apenas
32% do PIB. O problema é que esses aumentos reduziram o lucro das empresas e a
competitividade das exportações, levando várias indústrias a se mudarem para os
países vizinhos que ofereciam melhores condições de exploração do trabalho. Se,
de um lado, a crise de 2008 acelerou a deterioração das bases do milagre
econômico chinês, de outro, a tentativa do governo de apressar a transição para
um modelo econômico que ofereça um equilíbrio maior entre indústria, serviços,
agropecuária e crescimento do mercado interno não acompanhou o ritmo das
mudanças em curso. A desconfiança dos investidores em relação ao futuro da
economia começou a se materializar nas fortes oscilações das bolsas de valores
locais em junho de 2015 que criaram mais um problema para o governo: a
desvalorização das ações fez evaporar parte significativa das poupanças das
famílias criando um impacto negativo sobre o consumo interno e alimentando o
clima de tensão social.
Como dissemos acima, a situação de incerteza
na economia mundial está levando investidores de todos os países a comprarem ouro
(que, de 1º de janeiro a 22 de fevereiro deste ano teve uma valorização de 12%)
e dólares estadunidenses.
Mas, a que parece uma medida sem consequências
negativas para Washington pode servir de freio ao crescimento econômico do
país. Vejamos:
Ø A alta do dólar pela forte procura dos investidores
internacionais encarece as exportações dos EUA, que representam cerca de 10% do
seu PIB, e acaba barateando os produtos importados, uma situação que dificulta
as vendas ao exterior e eleva o déficit da balança comercial estadunidense.
Ø O dólar mais caro faz com que as empresas fora dos EUA
endividadas nesta moeda tenham mais dificuldades de pagar o que devem. Este
cenário eleva as especulações dos investidores em relação a um calote, o que
aumenta a procura pelo dólar e, portanto, os riscos da sua valorização.
Ø No
caso da China, além da fuga de capitais, o desaquecimento da economia do país
faz com que as autoridades pressionem o
mercado mundial rumo a uma diminuição dos preços das matérias primas importadas
a fim de reduzir os custos e elevar as margens de lucro das indústrias locais.
Mas o resultado benéfico das importações mais baratas para a China eleva as
dificuldades dos países produtores que vêm lidando com os problemas internos
causados pela queda dos preços destes produtos que, entre junho de 2014 e
janeiro de 2016, foi, em média, de 45%. Com menos dinheiro no caixa das
empresas e menos dólares nas contas da balança comercial, os países exportadores
veem encolher os investimentos locais, o que tende a frear suas economias.
Diante
do cenário que apresentamos, em 2016, o crescimento estimado da economia
mundial foi reduzido de 3,1% a 2,5%; o PIB dos EUA deve passar dos 2,4%, em
2015, para 2%, em 2016; os 17 países do euro devem sair de um crescimento de
1,8% no ano passado para 1,5%; e o do Japão ameaça ficar abaixo dos 0,4%
registrados em 2015.
Por
esses números podemos concluir que, no ano em curso, a perspectiva de uma nova
crise na economia mundial tem pouco espaço para acontecer, à medida que o
crescimento de EUA e Europa devem contrabalançar com sobras a situação dos
países que enfrentam uma desaceleração ou uma recessão em suas economias.
Apesar disso, o aumento das perspectivas de deterioração, em 2016, aponta a
possibilidade de uma nova crise em 2017.
A
soar os alarmes não são apenas os dados relativos ao comércio e aos investimentos
na economia mundial, mas também o fato de os bancos centrais das principais
potências econômicas terem menos instrumentos para frear a marcha de mais uma
crise do sistema. E não é pra menos. Passados sete anos do início da última
recessão, a taxa de juros dos países centrais se mantém negativa ou em níveis
baixos demais para que uma ulterior redução dos juros sirva de estímulo à
retomada da economia.
O fato de possíveis cortes na
produção de petróleo e demais commodities vierem a aumentar seus preços vai
melhorar os balanços das empresas destes setores, mas, ao elevar os preços
finais das mercadorias, tende a reduzir o consumo da sociedade e aumentar os
estoques. Vale lembrar que na União Europeia, nos EUA, no Brasil e em várias
outras nações o consumo das famílias representa mais da metade do PIB, algo
que, num clima de baixos investimentos, ajuda a esfriar a marcha da economia
local.
Amedrontada pelos efeitos da última
crise; anestesiada pela crença nas possibilidades de ascensão social; preocupada
em perder o pouco que tem em função dos problemas causados pela geopolítica e a
expansão econômica do capitalismo mundial (como no caso dos fluxos migratórios
para a Europa), a classe trabalhadora chega desorganizada, dividida e sem
capacidade de relacionar a origem dos seus problemas e das questões nacionais com
os sacrifícios que a acumulação capitalista impõe à sociedade. A cegueira é
tamanha que os trabalhadores sequer conseguem ver que, por trás dos sintomas
apontados pela elite como causa de seus problemas, se esconde uma profunda
exploração. Basta pensar, por exemplo, que, entre 2009 e 2015, na indústria de
bens duráveis dos EUA, a produtividade aumentou 25,6% e a produção 39,5%,
enquanto os salários reais por hora caíram 1,4%.
Não sabemos quando a classe acordará
para esta realidade, mas a economia mundial aponta para uma piora de suas
condições de sobrevivência, um cenário que, por si só, não basta para acordar
os trabalhadores da letargia em que se encontram. Novos desafios estão a caminho.
Resta saber se ajudarão a classe a levantar e a pensar um projeto de sociedade
que coloque as preocupações com os seres humanos, e não com os lucros, no
centro da vida coletiva.
Emilio Gennari. 28 de fevereiro de
2016.