"As aparências engam", neste caso a sabedoria popular acerta em 100%. É o que demonstra o artigo que postamos logo a seguir.
Para nós do NORTE a leitura deste texto é fundamental, dada a conjuntura na qual vivemos desde os últimos acontecimentos da vida politica brasileira. Segundo o autor (Emílio Gennari):
"...Cerca de 70% dos juros pagos pelo setor público (uma conta de 151 bilhões e 200 milhões de reais só de janeiro a maio deste ano) é apropriado pelas principais famílias empresariais do país através do mercado financeiro...
" ... A desoneração da folha de pagamento das empresas, em 2015, representou uma perda de arrecadação previdenciária de 25 bilhões e 200 milhões de reais ... tão somente o dinheiro das contribuições de patrões e empregados sobre a folha de pagamento".
Trabalho assalariado sem carteira assinada. Só no setor privado, estima-se uma sonegação de 41,6 bilhões de reais. Quando incluímos as trabalhadoras domésticas que continuam na informalidade, precisamos acrescentar outros 5,7 bilhões de reais. Ou seja, só esta modalidade implica em um desfalque de 47,3 bilhões de reais para a previdência, mais da metade do déficit de 2015 que foi de 85,8 bilhões de reais. (Leia o artigo na integra).
Sacrificar os pobres para engordar os ricos
Por Emílio Gennari
Enquanto a economia afunda sob o peso da
recessão e as denúncias das falcatruas marcam os noticiários, o governo interino
de Michel Temer coloca o país em compasso de espera por medo que as medidas a
serem implementadas despertem a rejeição popular e deem alento à chance, cada
vez mais remota, de um retorno da Dilma à presidência.
Apesar dos esforços para mostrar os supostos
acertos da nova equipe econômica, é difícil esconder que os projetos em pauta vão
piorar o que já é ruim na vida do povo simples. Podemos ver isso na Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) sobre a aplicação de um teto aos gastos públicos e
nas discussões sobre a reforma da Previdência Social.
Veiculada como caminho para salvar as
finanças públicas, a ideia de limitar o reajuste do orçamento à inflação do ano
anterior parte do princípio de que o déficit antes de pagar os juros da dívida
se deve essencialmente ao excesso de gastos da presidente Dilma e que o limite
proposto pela Emenda Constitucional não trará prejuízos à população. O
pressuposto é que, por exemplo, se, em 2016, o orçamento da saúde tiver sido de
100 reais e a inflação anual de 7%, em janeiro de 2017, este setor contaria com
107 reais, o que equivale à mesma quantia do começo de 2016. A possibilidade de
aumentar as verbas acima da inflação dependeria de cortes em outras áreas para
que o orçamento como um todo não extrapole o do ano anterior corrigido pelo
Índice de Preços ao Consumidor Amplo do IBGE.
Do ponto de vista da matemática
financeira, esta operação se apresenta como uma medida saudável e equilibrada,
mas, quando analisada pelas lentes das necessidades sociais, salta aos olhos a
realidade perversa que esboçamos nas considerações que seguem:
1.
Em primeiro lugar, vale a pena
lembrar que o aumento dos gastos acima da inflação não é uma exclusividade dos
governos petistas. Retiradas as Transferências para Estados e Municípios, no
segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, as despesas do governo
aumentaram, em média, 3,9% ao ano acima da inflação. No primeiro mandato do
Lula, o aumento médio foi de 5,2% e, no segundo, a média de gastos anuais se
elevou em 4,9%. Sob o comando da presidente Dilma, o ritmo do crescimento real
das despesas foi reduzido para 4,2% ao ano. Considerando que a população vem
aumentando ano após ano e que, no Brasil, muitas áreas de interesse social e de
investimento em infraestrutura sofrem de uma carência crônica, a ampliação do
gasto público é algo esperado e necessário. O problema é saber se a arrecadação
acompanhará esta evolução e se as demais ações do governo para sustentar o
crescimento econômico não criarão perdas adicionais.
Neste
sentido, é necessário resgatar o fato de que, de 2003 a 2007, a arrecadação do
setor público foi crescendo entre dois e três pontos percentuais acima da
inflação. Entre 2008 e 2010, ela manteve esta trajetória, mas com uma diferença
decrescente em relação ao aumento dos preços à medida que o governo foi abrindo
mão de impostos para diminuir os efeitos da crise econômica mundial sobre o
país.
Diante da
baixa taxa de investimento em novos maquinários e da necessidade de manter o
crescimento do PIB, o governo Dilma aumentou as desonerações. Reduzir impostos
e encargos tinha dois objetivos: promover a redução dos preços (algo que nunca
aconteceu) e estimular os gastos empresariais em inovação tecnológica para
melhorar a competitividade das mercadorias aqui produzidas e ampliar a demanda
de bens e serviços. Isso sustentaria uma nova fase de crescimento econômico
que, por sua vez, se encarregaria de elevar a arrecadação e recompor as perdas
geradas pelas desonerações. Como nada disso aconteceu, as finanças públicas
foram encolhendo até perderem da inflação ao mesmo tempo em que o imposto não
arrecadado era embolsado como lucro pelas empresas.
Para
termos uma ideia do impacto desta realidade na arrecadação de 2016, basta
pensar que as estimativas apontam uma renúncia fiscal de 385 bilhões de reais. Deste
total, 115 bilhões irão para pagar cestas básicas, vale alimentação,
transporte, descontos e isenções para creches e os 270 bilhões de reais
restantes ficarão com o setor privado como incentivos e desonerações. Estes 270
bilhões que os empresários deixarão de enviar aos cofres públicos funcionam
como uma espécie de “Bolsa Empresário”, 1,6 vezes maior do que o déficit público
(de 170,5 bilhões de reais) e equivalente a quase 10 vezes o que é gasto com o
Bolsa Família (28 bilhões de reais).
2.
A proposta de emenda
constitucional deixa intacto o principal motivo do déficit público: os juros e
os mecanismos que permitem rolar as dívidas interna e externa que, nos 12 meses
até maio deste ano, representaram cerca de 90% deste déficit (de 604 bilhões e
550 milhões de reais). Além de elevar o endividamento e estrangular a
capacidade de investimento do Estado, os serviços das dívidas seguem regras bem
pouco transparentes e não faltam setores da sociedade que pedem a realização de
uma auditoria como passo necessário para jogar luz sobre esta engrenagem que,
ano após ano, exige mais dinheiro público. E aqui é necessário dizer que nem o
PT, nem sua antiga base de sustentação parlamentar toparam a ideia de uma
auditoria e que, com maior razão, isso não ocorrerá no governo Temer. Mas, o que quase ninguém diz, é que cerca de 70% dos juros
pagos pelo setor público (uma conta de 151 bilhões e 200 milhões de reais só de
janeiro a maio deste ano) é apropriado pelas principais famílias empresariais
do país através do mercado financeiro. De um lado, a possibilidade de
emprestar dinheiro ao governo a juros altos assegura ganhos consideráveis sem
esforço e sem risco algum, permite ampliar os lucros conseguidos com a venda de
produtos e, o que é mais surpreendente, parte deles é obtida emprestando ao
Estado o mesmo dinheiro que ele deixou de arrecadar na esperança de vê-lo transformado
em investimentos produtivos.
3.
Se o equilíbrio das contas se
limitar ao corte de gastos conforme proposto pela Emenda Constitucional, o primeiro
superávit do governo federal antes de pagar os juros representará cerca de 0,3%
do PIB de 2022. Basta isso para percebermos que reduzir a zero o aumento real
dos gastos públicos não é suficiente para estabilizar as contas do governo e
colocar a dívida pública numa trajetória sustentável. Para isso, o governo
Temer deverá viabilizar medidas que aprofundarão a recessão e deteriorarão as
condições de vida da população, mas isso só depois do afastamento final da
presidente Dilma.
4.
Ao centrarmos as atenções nas
regras da Proposta de Emenda Constitucional, podemos ter uma ideia do estrago
que ela produzirá através de uma simulação elaborada pela Fundação Getúlio
Vargas. Ao aplicar ao orçamento de 2015 a PEC que zera o aumento dos gastos
acima da inflação, os economistas chegaram à conclusão de que o corte das
despesas do ano passado seria de 430,3 bilhões de reais. Ao aplicar a norma que
está no Congresso aos itens do orçamento mais sensíveis à população carente, a
previdência social teria 194,7 bilhões de reais a menos, a educação sofreria
uma redução de 21,6 bilhões, a saúde se veria privada de 21,1 bilhões, a
assistência social cortaria 34,4 bilhões de reais e as demais áreas juntas
amargariam um encolhimento de R$ 158,5 bilhões, numa clara demonstração pela
qual o que já era pouco para responder às necessidades crônicas do país vai
diminuir mais ainda. E, aqui, algumas perguntas se fazem necessárias.
O
que acontecerá com o Plano Nacional de Educação sabendo que, nos cinco anos de
governo Dilma, apesar de receber 54 bilhões de reais além do que a Constituição
manda, cerca de 2,7 milhões de crianças e jovens continuaram fora da escola?
Qual será o tamanho do retrocesso à medida que as verbas federais encolhem e as
regras que definem a redução dos gastos tendem a ser assumidas também por
Estados e Municípios?
Ainda que
as verbas do SUS sejam reajustadas pela inflação do ano anterior, a realidade
da saúde pode inviabilizar a existência do SUS. De acordo com o estudo do
Conselho Federal de Medicina e da ONG Contas Abertas com base nos dados de
2014, a soma dos gastos de Estados, Municípios e União em saúde pública por
habitante foi, em média, de 1.420 reais ao ano. Este total equivale a 3,9% do
PIB, pouco mais da metade em relação ao mínimo de 6,5% do PIB recomendado pela
Organização Mundial da Saúde para países como o Brasil. Isso significa que, apesar
do aumento real dos gastos neste setor nos mandatos petistas, vivemos ainda um
subfinanciamento histórico da saúde que impede de atender às necessidades de
uma população que vem aumentando e que, com a elevação do desemprego, reduzirá
o acesso aos convênios privados. Sendo assim, qual é o tamanho do sacrifício ao
qual serão submetidas as pessoas que têm o SUS como única opção de atendimento?
Ou será que, para mostrar algum resultado positivo, o governo reduzirá as
modalidades de cuidados médicos gratuitos a fim de criar áreas cujo desempenho
confirma o acerto da política oficial?
No campo
da previdência social, o pagamento de benefícios da última década aponta uma
elevação média anual de 2% acima da inflação. Impedir que estas verbas
ultrapassem os limites da inflação acumulada implica em promover um arrocho na
forma de pagamento e de reajuste dos benefícios. Os discursos e as propostas
que estão sendo debatidas apontam que o problema central estaria nos cerca de
70% dos beneficiários que ganham uma aposentadoria atrelada ao salário mínimo e
que, justamente por isso, impõem dispêndios governamentais acima da inflação.
Mais uma vez, os milhões de pobres que recebem benefícios irrisórios figuram
entre os vilões dos gastos públicos, enquanto, por exemplo, os 299.044
militares cujas pensões e aposentadorias são responsáveis pelo déficit de 32,5
bilhões de reais, do total de 72,5 bilhões de reais de déficit dos 925.044
servidores da União, parecem não influir negativamente nos gastos públicos.
No que diz respeito à Previdência
Social, o governo foca nos gastos e “esquece” dos fatores que encolhem a
arrecadação das contribuições previdenciárias. As reflexões que sugerimos procuram
levantar as razões pelas quais as receitas não acompanham a evolução dos gastos
da Previdência Social. Para simplificar o raciocínio,
não levaremos em consideração nem a desoneração da folha de pagamento das
empresas que, em 2015, representou uma perda de arrecadação previdenciária de
25 bilhões e 200 milhões de reais, nem os elementos que, de acordo com a
legislação vigente, compõem o caixa da Seguridade Social, mas tão somente o
dinheiro das contribuições de patrões e empregados sobre a folha de pagamento. [1]
Vários estudos mostram que é possível
ter superávit no balanço da previdência caso se priorize a arrecadação via
combate à sonegação, algo que pode ser feito aplicando as normas já existentes.
Para que você visualize esta possibilidade, resumimos a seguir os dados do
estudo de Vitor Araújo Figueiras e José Dari Krein. Fundamentalmente, os
desfalques se devem a:
1.
Trabalho assalariado
sem carteira assinada. Só no setor privado, estima-se uma sonegação de 41,6
bilhões de reais. Quando incluímos as trabalhadoras domésticas que continuam na
informalidade, precisamos acrescentar outros 5,7 bilhões de reais. Ou seja, só
esta modalidade implica em um desfalque de 47,3 bilhões de reais para a
previdência, mais da metade do déficit de 2015 que foi de 85,8 bilhões de reais.
2.
Há também cerca de 22,6 milhões
de trabalhadores enquadrados como ocupados por conta própria sendo que grande
parte deles é de assalariados contratados através de uma terceirização
irregular. Neste caso, ao lançar mão de micro empreendedores individuais para
exercer funções regulares no interior das empresas, a alíquota de contribuições
previdenciárias cai para apenas 5% do salário mínimo.
3.
Salários não pagos e
pagamentos de salários “por fora”. De acordo com os dados do Ministério do
Trabalho divulgados em 2010, as empresas estariam deixando de pagar cerca de 20
bilhões de reais por ano aos trabalhadores em salários não pagos. Tendo como
base esta estimativa, teríamos uma perda de arrecadação
previdenciária de 5 bilhões de reais por ano. E isso sem contar o número de
empregadores que não pagam o salário integral dos funcionários na folha de
pagamento, estimado em metade do total de empresas oficialmente registradas.
4.
Acidentes e doenças ocupacionais
cadastrados como doenças comuns. Esta fraude busca driblar as regras do Fator
Acidentário de Prevenção (FAP) e dos Riscos Ambientais de Trabalho (RAT) cujas
alíquotas dependem do enquadramento da empresa em um determinado setor da
economia e do número de acidentes e doenças profissionais por ela comunicado. A
aplicação destes fatores aumenta o que é recolhido sobre a folha de pagamento
de acordo com o número de ocorrências e os riscos no ambiente de trabalho. As
contribuições adicionais servem para financiar os benefícios previdenciários
que decorrem da incapacidade laborativa produzida por acidentes ou doença
profissional, mas o valor a ser cobrado depende das informações que a empresa
fornece ao Estado. Quanto maior o número
de acidentes e o grau de risco, maior o fator que vai servir de multiplicador
das contribuições a serem recolhidas pela previdência. Basta isso para
entendermos que subnotificar acidentes de trabalho e doenças ocupacionais funciona
como uma forma de reduzir os valores adicionais que as empresas deveriam pagar
à previdência. Tendo como base os dados de 2013, a pesquisa do IBGE e do
Ministério da Saúde aponta que, naquele ano, 4,9 milhões de pessoas sofreram
acidentes de trabalho, quase 7 vezes mais que o número captado pelo INSS. Tudo
indica que grande parte das vítimas foi enquadrada no auxílio para doenças
comuns o que representou um aumento de 2,3 milhões de benefícios pagos naquele
ano sem nenhuma contrapartida adicional do empregador. Numa perspectiva
conservadora, se apenas metade das empresas que hoje pagam o bônus adicional à
previdência (85% do total) fosse enquadrada no multiplicador 1 em função dos
acidentes ocorridos em suas dependências e não comunicados, dobrando assim a
sua contribuição, cerca de 13 bilhões de reais seriam acrescidos à receita
previdenciária.
5.
A sonegação guarda também uma
relação direta com a defasagem entre o número de auditores do trabalho e o
amento do contingente de trabalhadores. De acordo com a nota técnica número 4
do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas de 2012, no ano 2000, havia 3131
auditores para 65 milhões de trabalhadores, número que, em 2012, havia caído
para 2741 para mais de 90 milhões de trabalhadores. No mesmo estudo, o IPEA
apontava a necessidade de aumentar em 5800 a quantidade de auditores para que
houvesse uma fiscalização real das condições de trabalho no Brasil. Algo que,
obviamente, não ocorreu.
Mas, por que esta reforma da previdência
não ganha os holofotes da mídia e do governo? A resposta é simples. Optar por
este caminho envolve uma opção de classe, ou seja, definir que o dinheiro virá
dos patrões e será transferido aos trabalhadores. Focar nas despesas com a
maioria dos beneficiários, nos moldes que estão sendo discutidos, percorre o
caminho oposto. Ou seja, retira recursos dos trabalhadores ativos e aposentados
a fim de garantir que nada mudará para aqueles que lucram com a situação atual.
Enquanto o impeachment da presidente
Dilma não completa o seu curso e as negociações para garanti-lo não escondem o
caráter fisiológico dos partidos que sustentam o governo Temer, a economia do
país continua em marcha ré. Mas, como a economia é número, vamos verificar por
este caminho alguns indicadores preocupantes.
De janeiro a maio, a queda da atividade
econômica fez a arrecadação federal encolher 7,36% em relação aos primeiros
cinco meses do ano passado, já descontada a inflação, e tudo indica que este
processo ainda vai continuar por um bom tempo.
No mesmo período, foram fechados 448.101
postos de trabalho com carteira assinada e a maior parte das campanhas salariais
dos sindicatos não conseguiu reajustar os salários pela inflação acumulada. De
acordo com os critérios utilizados pela Serasa Experian, a atividade varejista
do primeiro semestre de 2016 caiu 8,3% em relação ao mesmo período de 2015.
È possível ter um exemplo mais concreto
desta realidade nos resultados da pesquisa Seade/Dieese referente à região
metropolitana de São Paulo. Em maio, o desemprego atingiu 17,6% da população
economicamente ativa, 5 pontos percentuais acima do mesmo mês do ano passado.
Em função disso, da não reposição das perdas salariais do ano anterior e dos
efeitos da alta dos preços, o rendimento médio real de todos os ocupados caiu
7,4% e o dos assalariados encolheu 11,2%, sempre em relação a maio de 2015. Com
isso, o poder de compra da população desta região foi reduzido em 24 bilhões e
200 milhões de reais.
Com muita gente consumindo menos no país
inteiro, o uso médio da capacidade instalada da indústria brasileira gira em
torno dos 69%. Com 31% de ociosidade, os empresários alegam que não há como
investir. Este cenário é confirmado pela pesquisa que a Federação das
Indústrias no Estado de São Paulo (FIESP) realiza todos os anos entre meados de
março e abril com 1.120 empresas da indústria de transformação. De acordo com
os dados divulgados, o investimento deste setor em novos equipamentos e
instalações ao longo de 2016 deve ficar em 48,4 bilhões de reais, um recuo de
50,44% em relação ao aplicado em 2015.
A queda no faturamento e o aumento das
possibilidades de as empresas endividadas não pagarem os créditos contraídos
junto aos bancos, fez com que, no 1º trimestre de 2016 a provisão das
instituições financeiras para enfrentar um possível calote crescesse 44%,
ultrapassando os 150 bilhões de reais. Ainda que não ameace seriamente os
lucros dos bancos, esta realidade dificulta a concessão de créditos, servindo
como mais um entrave ao crescimento do PIB.
Até mesmo o superávit de 23 bilhões e
635 milhões de dólares, obtido no comércio exterior entre janeiro e junho deste
ano, não esconde elementos preocupantes. De fato, longe de ter sido obtido
graças a um forte aumento das exportações, este resultado positivo se deve à
diferença entre uma redução de 5,9% das vendas ao exterior e o encolhimento de
28,9% das importações em relação ao primeiro semestre de 2015. Estes números
visualizam tanto as dificuldades de colocar os produtos brasileiros no mercado
mundial (com quedas de 7,9% na exportação de itens básicos, de 1,5% nos semimanufaturados
e de 4% nos manufaturados), como o tamanho da recessão que assola o país.
Pelos dados disponíveis até o momento,
em 2016 o PIB do Brasil deve encolher acima dos 3,5%. A retomada tímida e
frágil do crescimento (algo abaixo de 0,5%) deve se dar entre o quarto
trimestre de 2017 e o primeiro de 2018. O problema em relação a esta expectativa
concentra-se na soma de três fatores que vão agir ao longo dos próximos meses:
1.
O impacto efetivo das medidas amargas
que virão do governo Temer sobre uma economia que vive uma recessão profunda e
duradoura;
2.
A situação real do país em termos
econômicos, políticos e sociais quando a economia tocar o fundo do poço;
3.
A possibilidade de a economia
mundial entrar em crise a partir do segundo semestre de 2017.
Basta isso para percebermos que, além do
que vai ser feito aqui, a retomada do crescimento econômico do Brasil depende
de fatores sobre os quais o governo não exerce o menor controle e que tendem a
esfriar o crescimento da economia mundial no próximo período. Além da
desaceleração do crescimento do comércio internacional, o que já é possível
constatar, aponta para dois sinais preocupantes:
1.
O nível de endividamento mundial
de famílias, governos e empresas fecha o primeiro trimestre de 2016 em 242% do
PIB global ante 221% em 2008, ano em que estourou a crise econômica. Esta
situação, por si só, não deve detonar uma nova crise global à medida que, nas
principais economias do planeta os juros são negativos ou não chegam a 1% ao
ano. O caso dos EUA e do Japão, ilustram bem esta situação. De acordo com as
estimativas do banco central americano, no final de 2016, o endividamento das
famílias, cujo consumo representa cerca de 70% do PIB, deve superar os 12
trilhões e 680 bilhões de dólares que marcavam o auge do crédito estadunidense
no início de 2008, quando a crise começou. À diferença daquela época, é que a
taxa de juros oficial, em janeiro de 2008, era de 3,5%, ao passo que, agora,
flutua entre 0,25% e 0,5%. Além disso, a queda dos preços do petróleo para menos
da metade do que eram em 2008 barateou os combustíveis e o transporte,
colocando em patamar menor tanto o peso dos alimentos como o dos demais itens
de consumo doméstico.
No Japão,
o endividamento total está em 402% do PIB, mas aqui a política de juros negativos
do Banco Central faz com que estes representem apenas 2% do PIB.
As situações
mais críticas são, sem dúvida, a da China e da Itália. Em 2008, as dívidas de
empresas, governo e consumidores chineses estavam na casa de 140% do PIB ao
passo que, agora, chegam a 243% do PIB com os juros representando 12% do PIB.
Na Itália, o endividamento próximo à insolvência de alguns bancos ameaça fazer
desabar o frágil crescimento da terceira maior economia da zona do Euro e
colocar na mesa uma situação ainda mais complexa que a da Grécia.
No curto
prazo, uma crise do setor financeiro que arraste o mundo para uma nova recessão
não está sequer no horizonte do segundo semestre, mas o nível de endividamento revela
que há cada vez menos espaço para sustentar o crescimento pela ampliação do
crédito e que novos fatores podem frear a marcha da economia internacional no
próximo período.
2.
Além da deflação que marca as
preocupações da Europa, do Japão e os preços ao produtor da China, o início de
2016, revela uma desaceleração dos investimentos em capital fixo. Nos EUA, ao
longo do primeiro trimestre, os gastos em máquinas, instalações e equipamentos das
empresas que compõem o índice da Standard & Poors 500 recuaram 4% em
relação ao mesmo período de 2016. No Japão, as encomendas de máquinas para a
indústria vêm caindo ao longo do ano em curso e, em abril, esta redução atingiu
8,2% em relação ao mesmo mês de 2015. Na China, os investimentos em capital
fixo cresceram 9,6% entre janeiro e maio deste ano em relação ao mesmo período
do ano passado. Apesar disso, o governo de Pequim acendeu as luzes de alerta
não só pelo fato de que era esperado um aumento de 10,5%, mas, sobretudo, porque,
na iniciativa privada, a elevação foi de apenas 3,9%. E não é pra menos. Na
China, o investimento privado responde por 60% de todos os investimentos e sua
fragilidade sugere que a elevação do PIB chinês vai depender cada vez mais dos
gastos do governo, cujas dívidas estão num patamar perigosamente alto.
Ainda que
os números apresentados não desenhem um cenário de crise iminente, segurar
investimentos por parte das empresas é uma medida que sinaliza uma redução da
confiança na expansão futura da economia e, ao persistir nos próximos meses,
que o ritmo de expansão dos mercados pode estar próximo do auge. Os dados
futuros dirão se estamos diante de uma tendência que vai se consolidando ou de
algo momentâneo.
O cenário de incerteza pintado por estas considerações ajuda
a entender as reações dos mercados mundiais diante do resultado do referendo
que define a saída do Reino Unido da União Europeia. Na base do voto majoritário
encontramos três fatores que explicam o desencanto dos cidadãos comuns:
1. O medo da
imigração e do seu impacto na sociedade em termos de segurança, identidade
nacional e emprego, sobretudo entre os eleitores de baixa renda. Desde a
abertura das fronteiras, em 1993, aos dias atuais, o número de estrangeiros no
Reino Unido passou de 3,8 milhões para 8,3 milhões de pessoas. Continuar no
bloco deixaria o país sem possibilidades de controlar o fluxo de migrantes
europeus que entram em seu território;
2. O
sentimento pelo qual os problemas das pessoas foram ignorados na integração à
UE. A Europa dos bancos, dos acionistas e dos empresários ganhou disparada da
Europa dos trabalhadores que foram perdendo direitos e assistindo à precarização
do emprego. Após 2008, os salários reais no Reino Unido caíram, em média,
10,7%, um duro golpe na renda familiar que os setores nacionalistas se
apressaram a atribuir à expansão da imigração.
3. A
declaração dos grupos nacionalistas pela qual a saída do bloco e a consequente
redução das obrigações governamentais liberariam até 350 milhões de libras a
mais por semana para aplicar em saúde pública e serviços à população. Apesar de
não resistir a qualquer análise séria do orçamento nacional, esta afirmação foi
amplamente usada pelos marqueteiros da saída da União Europeia e atraiu pessoas
de todas as idades e correntes políticas.
O nervosismo que tomou conta dos mercados após a apuração dos
votos, a nosso ver, não se deve tanto ao fato de que as pesquisas apontavam outro
desfecho e sim porque a saída do Reino Unido acrescenta doses de incerteza à
frágil situação da economia mundial. Vejamos.
O Reino Unido responde por 3,9% do PIB mundial e não tem
porte suficiente para arrastar o mercado global rumo a uma crise de sérias
proporções, mas é suficientemente importante para despertar questões preocupantes
como as que seguem:
a. Quais serão
as características do novo acordo comercial que vai regular as relações com a
União Europeia cujo comércio bilateral movimenta cerca de 575 bilhões de
dólares ao ano? Sob que condições as empresas locais terão acesso ao mercado
comum da UE, avaliado em 13 trilhões e 600 bilhões de dólares, e quanto lhe
custará continuar vendendo aos países onde a entrada dos seus produtos pegou
carona nos acordos comerciais negociados pelo bloco?
b. Com base em
que regras os bancos, as corretoras de valores, as empresas que gerenciam
ativos e as demais instituições financeiras com sede no Reino Unido poderão
fazer negócios com a União Europeia sabendo que a condição essencial para isso é
a de estar presente no território da União Europeia? Atualmente, a City (o
centro financeiro de Londres), movimenta 70% das transações de derivativos em
Euro e 90% da corretagem dos principais fundos europeus. Podemos imaginar
saídas simples, rápidas e sem consequências prejudiciais ao desmonte de parte
das posições de mercado consolidadas até o plebiscito? Ou, justamente pelo
Reino Unido ser o segundo maior centro de gestão de ativos do mundo, depois dos
EUA, devemos esperar novos momentos de forte incerteza nos mercados locais e
globais?
c. De acordo
com alguns especialistas em finanças públicas, a saída da União Europeia deve
provocar um rombo de 30 bilhões de libras nas contas do governo que precisará
ser coberto com mais impostos e cortes nos serviços públicos. Some a isso a
desvalorização da libra esterlina e perceberá que há fortes possibilidades de a
inflação subir e corroer o poder de compra dos salários. A consequente queda do
consumo, de um lado, e o futuro incerto, de outro, devem levar as empresas a
adiarem investimentos e gastos que não sejam estritamente necessários, causando
a retração da economia e o aumento do desemprego.
O grau de incerteza produzido por estes elementos fez com
que, no dia seguinte à confirmação da saída britânica do bloco europeu, as bolsas
de valores do mundo inteiro vissem evaporar 2 trilhões e 100 bilhões de dólares
(mais do que o Produto Interno Bruto do Brasil em 2015) em valor de mercado das
ações. Ao mesmo tempo, a forte procura por dólares e títulos da dívida do
governo estadunidense desvalorizou a libra e o euro à medida que os
investidores se desfaziam das quantias acumuladas nas duas moedas.
Ainda que as próximas semanas conheçam um movimento de
acomodação e recuperação parcial destas perdas, devemos esperar uma desaceleração
do crescimento econômico europeu e uma consequente redução das importações do
bloco.
Apesar das comemorações dos resultados em vários países, é
cedo para dizer quantos seguirão o exemplo do Reino Unido. Neste sentido,
gostaríamos de apontar algumas reflexões:
1. O resultado
do plebiscito não reflete apenas o sentimento dos britânicos, mas, em grande
parte, o das pessoas comuns que vivem na União Europeia ao perceberem que seus
verdadeiros problemas não foram levados em consideração na construção do bloco e
na condução da política econômica. A Europa dos direitos sociais ficou para
trás bem antes que a crise de 2008 aprofundasse a precarização do trabalho e
ampliasse a imigração.
2. A
possibilidade de contagiar outros países europeus depende mais dos sinais de
melhora na vida dos britânicos do que da ação ideológica da direita
nacionalista. Se, de um lado, cada vez mais pessoas não veem na União Europeia
o âmbito onde se oferecem soluções consistentes para a crise da economia, da
segurança e dos refugiados, de outro, dificilmente decidirão se aventurar num
isolamento que reduz o patamar de bem-estar conquistado.
3. O avanço do
nacionalismo e de suas bandeiras preocupa por sua capacidade de cooptar a
classe trabalhadora e levá-la a aventuras que a transformam em carne de canhão
nas mãos das elites. Os acontecimentos anteriores às duas guerras mundiais são
ainda um bom convite à reflexão sobre o papel do nacionalismo a serviço do
sistema capitalista que, para sair das crises econômicas mais profundas,
precisa da guerra como forma de resolver disputas, ampliar o acesso aos
mercados, eliminar as ameaças à ordem existente e organizar um novo patamar de
exploração mundial.
Longe de criar falsos alarmismos em relação às desgraças
futuras, as considerações traçadas nesta análise visam apenas convidar você a
manter os olhos bem abertos sobre o presente a fim de discernir com clareza a
que interesses atendem os acontecimentos que estão sendo alimentados nas
sombras e como o apelo a um suposto bem comum servirá de biombo e justificativa
para projetos que continuam sacrificando os pobres para engordar os ricos.
Emilio
Gennari. 05 de julho de 2016.
Parabéns,Emílio, pela matéria. O artigo é muito esclarecedor, principalmente para uma leiga como eu... Acho que vou xerocar e passar para os meus alunos. Tenho, agora, argumentos para falar com alguns professores...Vc sempre falou isso, com dados, mas eu nunca anotei, Elias.kkkkk
ResponderExcluirO Emílio agradece e está mais feliz por ter contribuído para desvendar os segredos das notícias e para sua formação. Ouça este rapaz (Elias) ele é um de nossos mais fiéis seguidores, por isto está bem informado. kkk
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