terça-feira, 18 de abril de 2017

“O pobre faz o rico mais rico. E o rico faz o pobre mais pobre”. (Ronaldo Nascimento) Por Emilio Gennari




O trabalhador já sabe que há “algo de pobre no reino da Dinamarca”, ele sabe como funciona o sistema, só precisa descobrir a força que tem para mudar o rumo dos acontecimentos: “ o pobre faz o rico mais rico e o rico faz o pobre mais pobre(Ronaldo Nascimento Para a BBC). Confira a realidade mostrada neste artigo de Emílio Gennari, que confirma a percepção de Ronaldo, desempregado no momento. Boa leitura (NORTE)





 “O pobre faz o rico mais rico. E o rico faz o pobre mais pobre”.

                                                                             Emílio Gennari

   

O título da nossa análise de conjuntura é a frase que Ronaldo Nascimento, trabalhador desempregado do Rio de Janeiro, usou ao encerrar uma entrevista à BBC. Sem rodeios, suas palavras desmascaram o sentido das medidas com as quais a elite constrói a imagem enganadora de um Brasil melhor graças à precarização e à perda de direitos.
       

Para que a intuição que nasce da exploração não seja desqualificada por sua simplicidade, vamos sustentar as palavras de Ronaldo com os números da realidade. Começaremos nossa empreitada com uma pérola de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados. No dia 14 de março, ao falar do projeto de reforma da previdência, Maia afirmou que a mesma idade mínima para a aposentadoria de homens e mulheres era um pleito dos movimentos que defendem a igualdade de direitos. Sem dizer quem são estes misteriosos lutadores sociais, o presidente da Câmara ignorou que tratar de forma igual situações desiguais aumenta a desigualdade.
       
À medida que muitas mulheres precisam abrir mão do trabalho profissional para cuidar da família, impor as mesmas condições de acesso à aposentadoria penaliza quem se viu obrigado pela maternidade, pela falta de creches ou pelas próprias exigências do trabalho a deixar o emprego durante anos. Ou seja, a dedicação exclusiva aos filhos e o esforço realizado para suprir as carências de serviços públicos do Estado não só deixariam de ganhar o reconhecimento das políticas oficiais, como seriam punidos com a exigência de um número de contribuições à previdência igual ao dos homens.
       
Se isso não bastasse, de acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), o tempo de trabalho médio semanal da mulher brasileira é maior que o dos homens. Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, colhidos pelo IBGE em 2014, o IPEA mostrou que, pelo acúmulo de horas a mais que a mulher despende em trabalhos domésticos e nos cuidados com os familiares, ao se aposentar com 30 anos de contribuição, ela tem, em média, 35 anos e 5 meses de trabalho realizado.
       
Quando projetamos a mesma base de dados para os 49 anos de contribuição para todos e a idade mínima de 65, previstos na proposta em discussão, percebemos que, nas mesmas condições de idade e manutenção do vínculo empregatício, as mulheres iriam se aposentar tendo trabalhado, em média, 8 anos e 11 meses a mais do que os homens. Onde está a igualdade nesta situação absurdamente desigual é algo que só o Rodrigo Maia pode esclarecer.
       
Mas isso não é tudo. Felizmente, está cada vez mais difícil para o governo sustentar as explicações em relação ao déficit da previdência e a realidade, mais uma vez, dá razão ao Ronaldo. Sem retomar o que apresentamos em análises anteriores, apontamos três reflexões:

No apagar das luzes de 2016, a dívida dos empresários de todos os setores da economia com o INSS, somava nada menos do que R$ 426 bilhões, o que corresponde a quase três vezes o déficit de R$ 149,7 bilhões registrados no mesmo ano, pelas contas do governo.[1] Até o momento, não há nenhum projeto de lei que vise impedir tanto este descalabro como as manobras que o tornam possível. Por envolver quantias cuja sonegação engorda os lucros e prejudicam os trabalhadores, não há ministro que se atreva a propor medidas capazes de levar os empresários a pagarem o que devem.

1.  O forte aumento do déficit em 2016 não se deve apenas aos benefícios concedidos, mas, sobretudo, à recessão. De acordo com o IBGE, o número médio de desempregados passou de 8,6 milhões de pessoas em 2015 para 11,8 milhões no ano passado e o rendimento médio de todos os trabalhos caiu 2,23%, já descontada a inflação. Encolher a base sobre a qual são calculados os valores devidos à previdência ante um número crescente de aposentados, fez com que, em 2016 e pela primeira vez em oito anos, o setor urbano apresentasse uma diferença negativa de R$ 48,6 bilhões entre o que é arrecadado e o montante de benefícios pagos aos seus beneficiários. Ou seja, a política econômica que mergulhou o país numa profunda recessão ao longo dos dois últimos anos jogou um papel fundamental na produção do chamado déficit previdenciário.

2.  Se isso não bastasse, mantido o projeto inicial, a redução dos valores pagos a partir da sua aprovação criará uma situação complexa no próprio mercado de trabalho. De acordo com as estimativas do economista Márcio Pochmann, haverá um volume significativo de pessoas que, depois de se aposentar, permanecerá no mercado de trabalho ou buscará uma ocupação para repor a renda negada pelos novos benefícios. A soma deste contingente com o dos ocupados que deverá trabalhar um número de anos bem maior para ter acesso ao benefício integral levará ao aumento do desemprego e à consequente queda dos salários pagos. Este fenômeno faria a arrecadação previdenciária cair, em média, 9% ao ano e tornaria necessária uma nova reforma da previdência.

Basta isso para entender que o Brasil real é diferente do que aparece nos discursos oficiais e que a economia dá razão a Ronaldo. Mas vamos adiante.
       
Na virada do ano, não faltaram pronunciamentos pelos quais 2017 marcaria o início de uma longa fase de crescimento. Passados três meses, a percepção clara é a de que, graças aos mecanismos colocados em movimento pela crise, os lucros empresariais cresceram, o número de bilionários aumentou e de famílias abaixo do nível da pobreza também.
       
De acordo com os dados de janeiro e fevereiro, a soma do que é arrecadado como Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido aumentou nada menos do que 17,1% em relação aos dois primeiros meses de 2016, e isso apesar da economia não ensaiar nenhuma recuperação consistente. É o trabalhador fazendo o rico mais rico.
       
No mesmo período, o relatório da revista Forbes anunciava que, mundialmente, em 2016, o número de empresários com fortunas acima de um bilhão de dólares havia chegado a 2.043, um aumento de 13% em relação a 2015. No Brasil, que, no ano passado, seguia enfrentando uma dura recessão, os ricaços passavam de 31 para 42, ou seja, 33,3% a mais ante 2015.
       
Do outro lado da moeda, o Banco Mundial estima que, até o final de 2017, o número de pessoas vivendo na pobreza no Brasil terá aumentado entre 2,5 milhões e 3,6 milhões em relação ao ano anterior, confirmando a tendência de 2015 pela qual as famílias com renda per capita de 25% de um salário mínimo haviam aumentado de 8% para 9,2% do total.[2] As engrenagens que alimentam as fortunas dos ricos são as mesmas que tiram do pobre parte do pouco que tem.
       
Sob o peso de uma economia em sérias dificuldades, a perspectiva de, em 2017, ter um crescimento do Produto Interno Bruto acima de 2%, anunciada outubro passado, encolheu para 1,6%...1%...e agora o próprio ministro da fazenda reconhece que, este ano, deve ficar por volta de 0,5%. Para entender este recuo nas projeções que alardeavam o acerto da política econômica governamental, precisamos ter um pouco de paciência a fim de levantar os dados necessários.
       
De acordo com o IBGE, em 2016, a produção da riqueza nacional (PIB) sofreu um recuo de 3,6%. À exceção do superávit da balança comercial, todos os setores que integram este cálculo caíram em relação a 2015: Agropecuária: - 6,6%; Indústria: - 3,8%; Serviços: - 2,1%; Investimentos em capital fixo: - 10,2%; Consumo das famílias: - 4,2%; gastos do governo: - 0,6%.
       
Levando em consideração 2015 e 2016, o PIB encolheu 7,2% e precisa crescer 7,75% para voltar aos níveis de 2014. Este resultado, na melhor das hipóteses, só poderia ser alcançado se a economia crescesse cerca de 2,5% ao ano entre 2017 e 2019, mas não há nada no futuro de curto e médio prazo que justifique uma aposta tão arrojada.
       
Em 2017, pelas projeções do IPEA, o consumo das famílias deve crescer 0,4% e os gastos do governo, excluídos os juros da dívida, remam em sentido oposto ao ficar 0,65 ponto percentual do PIB abaixo das despesas de 2016.
       
Entre os fatores que mais influenciam o resultado final encontramos:

ü O nível de desemprego e endividamento das famílias desencoraja o consumo. De acordo com a maioria das análises, a taxa oficial de desemprego deve crescer até junho e começar a cair a partir do 2º semestre;

ü A queda da inflação melhora o poder de compra dos salários; a supersafra que está sendo esperada vai ajudar a reduzir o preço dos alimentos; o salário mínimo a R$ 937 injeta R$ 38,6 bi na economia e as contas inativas do FGTS outros R$ 43 bi. A soma desses fatores vai reduzir o endividamento das famílias e abrir um pequeno espaço para elevar seus gastos, mas nada que atue como motor de um crescimento sustentado.

O peso da renúncia fiscal e da recessão na arrecadação e o efeito negativo da renegociação da dívida dos estados no balanço da União, apesar das restrições aos gastos públicos depois da aprovação da PEC 55, levaram a reduzir as dotações orçamentárias de 2017 em R$ 42 bi. No primeiro bimestre deste ano, o governo investiu apenas R$ 2,97 bi. As verbas do Programa de Aceleração do Crescimento foram reduzidas em 73,5% em relação ao mesmo período de 2015 e os gastos com o “Minha Casa, Minha Vida” sofreram uma tesourada de 87,8%, sempre na mesma base de comparação. Mas o que prejudica a criação de empregos e as condições de vida da maioria é parte do que permite a investidores e especuladores dormirem sonos tranquilos. O esforço do governo para conter o déficit busca tranquilizar os investidores do mercado financeiro quanto ao compromisso oficial de que, para eles, não faltará um único centavo dos R$ 407 bi em juros e encargos da dívida interna, estimados para 2017. Mais um caminho pelo qual o rico faz o pobre mais pobre.
       
A agropecuária projeta um crescimento de 6%, mas o seu peso no PIB é pequeno quando comparado à indústria e aos serviços que devem ter um comportamento instável e fechar o ano em níveis bem próximos aos de 2016.
       
Em relação ao comércio exterior, 2016 registrou um superávit de U$ 47,59 bi obtido graças a uma queda de 3,5% das exportações e um recuo de 20,1% nas importações. Nos dois primeiros meses de 2017, as exportações cresceram 23,6% e as importações aumentaram 12%, totalizando um superávit de U$ 7,28 bi.[3] Mas o que se apresenta como um excelente resultado para este período do ano esconde elementos que reduzem seu impacto efetivo na capacidade de movimentar a produção nacional.
       
Vejamos. Apesar de a receita com a venda de produtos básicos ter aumentado 41,6% em relação ao 1º bimestre de 2016, o volume embarcado caiu 2%.[4] Esta mágica se deve ao forte aumento dos preços de vários produtos de um ano pra outro, como no caso da soja em grãos (99,9%) e do minério de ferro (124,5%). O volume dos semimanufaturados cresceu 7,3% enquanto os preços se elevaram em 13,2%, ao passo que os manufaturados viram seu volume aumentar 5,6% (sobretudo graças a veículos de carga e óleos combustíveis) e os preços subirem 8%. Ainda que o elevado superávit dos primeiros meses do ano, seja uma boa notícia para os exportadores, o estímulo à produção ficou aquém do que os números deixam supor.
       
Até o momento, o quadro que apresentamos permite dizer que:

1.  Não há nenhum setor que se destaque como motor do crescimento em 2017;

2.  No primeiro bimestre, os investimentos em maquinários e novas empresas, bem como outros setores da economia, continuam em queda em relação ao mesmo período de 2016, apesar do pequeno crescimento ante os meses imediatamente anteriores.


        A inflação de 2016 foi de 6,29% (abaixo do teto da meta, fixado em 6,5%) e a perspectiva de que, em 2017, a alta dos preços fique em torno dos 4% têm levado o governo a mostrar este resultado como prova do acerto da sua política econômica. O problema é que isso só é verdadeiro quando nos limitamos às aparências.

De fato, a redução da inflação não se deve a nenhum ganho de eficiência no campo da produção de bens e serviços, mas tão somente a uma oferta maior do que a procura, apesar da quantidade de empresas fechadas ou que operam com capacidade reduzida. Além dos cortes dos gastos públicos e da queda dos investimentos, esta situação devastadora contou com a ajuda do Banco Central que manteve a taxa de juros em patamares que favoreciam os lucros das operações financeiras à custa da produção e do emprego.

Se a inflação pode ser comparada com a febre da economia e a taxa de juros com a dipirona usada para baixá-la, o Banco Central fez o doente tomar o frasco inteiro no lugar de administrar a dose correta. A febre caiu além do esperado fazendo a economia mergulhar num torpor que dificulta sua reação aos estímulos. Por isso, nas três últimas reuniões do Comitê de Política Monetária, a taxa básica de juros sofreu um corte de dois pontos percentuais e meio na tentativa de provocar alguma reação consistente.
       
Quanto às contas públicas, a arrecadação de 2016 caiu 2,97% ante 2015, já descontada a inflação do período. O estrago só não foi maior devido às multas e impostos sobre repatriação de capitais que proporcionaram uma entrada extra de R$ 46,8 bi.
       
Nos dois primeiros meses de 2017, as receitas aumentaram 0,62% acima da inflação do período. O problema é que, descontados os royalties do petróleo e as receitas extraordinárias[5], todos os itens que tem como base a atividade econômica sofreram uma queda real em relação ao mesmo bimestre de 2016:

ü Imposto sobre Produtos Industrializados: - 3,73%
ü Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (ligada ao faturamento): - 4,85%
ü Arrecadação da Previdência Social: - 1,87%

        Provando que o navio da economia anda fazendo água, a equipe econômica aumentou o déficit esperado para 2018 de R$ 79 bi para R$ 129 bi. Que os pobres preparem o lombo, pois o peso desta realidade será descarregado sobre eles.

No campo da política, a pesquisa da CNT/MDA sobre as próximas eleições presidenciais, realizada em fevereiro deste ano, alertou as elites de que Lula venceria qualquer um dos competidores. Não é de estranhar, portanto, que a mídia, o judiciário e as manobras políticas em curso atuem no sentido de enterrar esta possibilidade e garantir que candidatos de confiança da elite cheguem à disputa de 2018 em condições de vencer o pleito.

O problema para os setores progressistas que não compactuam com esta realidade é um só: unificar discursos e estratégias em torno de propostas concretas que se configurem como alternativa real ao projeto de país que está sendo construído. E aqui não faltam contradições à medida que as prioridades eleitorais consomem a maior parte das energias e a possibilidade de um novo mandato do Lula coloca o próprio PT numa situação intrigante: como montar um governo estável sem uma aliança com partidos considerados golpistas desde o impeachment da Dilma? Sob o peso desta acusação, como costurar com eles um projeto de país diferente?

Da resposta a estas questões depende tanto a governabilidade de um eventual mandato de Lula, como a união dos que rejeitam os projetos da elite, mas não compactuam com a ideia de que a eleição de Lula, por si só, seja um fator de agregação e superação da realidade atual.

No varejo da política, estamos assistindo a uma novela cujos capítulos, além de criar as condições para um pobre mais pobre, perdoam os crimes dos ricos.

O programa de repatriação de capitais de 2016 e sua reedição neste semestre são uma forma desavergonhada de anistiar um crime fiscal que permitiu levar grandes quantias de dinheiro ao exterior sem pagar nenhum imposto. De fato, os recursos são repatriados desembolsando bem menos do que deveriam ter pagado caso tivessem sido submetidos às normas existentes antes de serem levados ao exterior. Para acertar o balanço da sua administração, o governo perdoa as falcatruas de especuladores, empresários, investidores e grandes sonegadores provando que o crime compensa.

Se isso não bastasse, o novo programa de repatriação teve sua estreia cercada por uma ameaça intrigante: por não incluir o dinheiro levado ao exterior pelos familiares dos políticos, estima-se que as possibilidades reais de arrecadação caiam pela metade. A pergunta que não quer calar é simples: qual é o montante expatriado de forma ilegal por laranjas ou parentes dos que administram o país? E...de onde vem este dinheiro?

Por sua vez, as delações dos empresários, divulgadas até o momento, estão colocando a nu tanto os critérios seletivos com os quais são vazadas as denúncias, como o lodaçal do qual todos suspeitavam apesar de não ter provas concretas. As delações sujam figuras influentes da política e jogam a favor da direita mais conservadora e militarista que vem tentando se aproveitar do alvoroço criado fingindo-se alheia aos esquemas de corrupção dos quais sempre participou.[6]

Mas o problema maior está no fato pelo qual as declarações dos réus revelam que, além do Caixa 2 das campanhas eleitorais, parte considerável dos recursos incluídos na prestação de contas entregue ao TSE viria de propinas e subornos. Antiético e criminoso, por representar uma forma de abuso de poder econômico, o “ato ilícito” de Caixa 2 não está previsto no Código Penal e as tentativas de formular uma norma para coibi-lo e puni-lo passam por uma questão central: como permitir que tudo mude para que tudo continue como está?

Se uma nova lei valeria apenas da hora da sua aprovação em diante, deixando passar em branco o que ocorreu no passado, a possibilidade de fraudar a democracia ao fazer com que partidos e candidatos com mais dinheiro tenham condições materiais de ampliar sua representatividade é uma possibilidade em relação à qual a classe política não quer abrir mão. Sabendo disso, a dificuldade principal está em encontrar formas de financiamento que legalizem esta realidade e não sejam objeto de rejeição popular. Por outro lado, todos sabem que as normas legais, por si só, não inviabilizam o fluxo de propinas e cobranças que proporciona a influência do empresariado nas ações do Estado. E não é por acaso à medida que este é justamente um dos caminhos privilegiados para fazer com que a iniciativa privada coloque as mãos no dinheiro público distribuído através dos investimentos e das políticas do governo. Por isso, longe de expressar vergonha e arrependimento pelos subornos e financiamentos de campanha de todos os tipos, os delatores falam destas manobras com a normalidade rotineira de quem não vê nada estranho nisso tudo.

No cenário atual, corrupto e corruptor mudam de lado a cada nova investida e alimentam um processo sem fim no qual é impossível definir, por exemplo, o verdadeiro custo de uma obra paga com dinheiro público, e cujo superfaturamento traz prejuízos aos cofres do Estado e à população. Ao contrário do que se imagina, a corrupção não é um crime sem vítimas. Seus mortos e feridos estão entre os integrantes de uma maioria cujo sofrimento é sufocado pela alegação de que não há dinheiro para investir no social e, portanto, devem se virar com o que têm.

Quando falamos de Estado, não incluímos apenas os atos do governo e do legislativo, mas também os do judiciário. As cordas que sustentam os bonecos da política amarram também os magistrados. A proximidade em nome da qual os membros do judiciário são convidados por empresários a passarem feriados em fazendas da família, viajar em aviões particulares, passear em iates ou descansar em lugares paradisíacos com tudo pago não é de graça e faz com que o juiz chamado a analisar determinado processo seja próximo demais de quem está julgando. Sem entrar em discussões de ética e senso de responsabilidade de cada envolvido, chama a atenção que situações semelhantes se multiplicam dentro e fora do país. Vejamos.

No dia 6 de abril deste ano, por exemplo, o Diário do Comércio e da Indústria divulgou que um seminário promovido em Lisboa, Portugal, pelo instituo de ensino do qual Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, é um dos sócios, teve entre os patrocinadores a Fecomércio RJ e a Itaipu Binacional, ambas com vários processos aguardando julgamento nas instâncias mais altas da justiça brasileira. Diante da repercussão da notícia, Gilmar Mendes se declarou impedido de continuar sendo relator de um dos processos que envolvem os acusados. Mas a lista de participantes do evento incluía também o ministro do Supremo Dias Tóffoli, um ministro do Tribunal de Contas da União (órgão junto ao qual a Fecomércio do RJ responde a dois processos e a Itaipu terá uma avaliação de sua prestação de contas do período de 1994 a 2005), o ministro Mauro Campbell do Supremo Tribunal de Justiça (palestrante em Lisboa e relator de um dos processos que envolve a Fecomércio), os palestrantes Luís Felipe Salomão e Paulo de Tarso Sanseverino (relatores de ações nas quais a Itaipu possui interesse, além de responder a um total de 36 processos no próprio STJ). Deixamos a você decidir se esse tipo de envolvimento não produz efeito algum nos pareceres dos magistrados diante de quem patrocinou algo que estava em seu próprio interesse. Apesar da legislação não prever nenhum tipo de impedimento em casos como este, é difícil acreditar que os “amigos da corte” não consigam um tratamento diferenciado.

No terreno da luta de classes, a aprovação da terceirização nas atividades meio e fim marca a primeira vitória da reforma trabalhista desejada pelos patrões. Considerado “tímido”, o projeto de Temer traz poucos ganhos imediatos a elites que querem usar a crise para legalizar a precarização, enquanto a classe trabalhadora é amedrontada pelo desemprego, domesticada pelos devaneios de afirmação social e incapaz de somar forças nos setores-chave da produção da riqueza.

Sem repetir o que comentamos em análises anteriores, queremos sublinhar que a nova fórmula da terceirização piora o que já era ruim. De fato, a ampliação para qualquer atividade de empresas públicas e privadas levará a uma ulterior redução dos salários pagos, a uma maior degradação das condições de trabalho, ao aumento da rotatividade e ao enfraquecimento dos sindicatos. O avanço da terceirização faz minguar a base da representação sindical, diminui a possibilidade de sustentação financeira das entidades e encolhe o poder de barganha dos trabalhadores. Esta realidade permite ao empresariado apelar a esta forma de contratação para chantagear os sindicatos e levar os funcionários do quadro próprio a abrirem mão de conquistas obtidas no passado como condição para evitar sua substituição por empregados de empreiteiras...pelo menos até que se esgotem os benefícios que podem ser cortados ou se preparem substitutos minimamente preparados para as tarefas que irão desenvolver.

Se isso não bastasse, o texto aprovado não prevê nenhum dispositivo que impeça a chamada “pejotização”, ou seja, a demissão de trabalhadores do quadro próprio para posterior contratação como micro e pequenos empresários, e nem para coibir os calotes no pagamento de salários e direitos trabalhistas, tão frequentes em empresas prestadoras de serviços.

A completar o quadro pelo qual o rico vem fazendo o pobre mais pobre, a responsabilidade da empresa que contrata uma prestadora de serviços só pode ser acionada depois de esgotadas todas as tentativas de processar judicialmente a terceirizada seja qual for o motivo que leva a isso. Em breves palavras, até a possibilidade de restabelecer um mínimo de compensação pelas injustiças sofridas passa a ser algo bem mais remoto em relação ao que vinha ocorrendo.

Mas as investidas empresariais não param aqui. Para engrossar o caldo da reforma trabalhista de Temer, os patrões querem mais ganhos imediatos e pressionam para que o texto final permita:

ü Contratar para trabalho intermitente. Trata-se da possibilidade de admitir trabalhadores com jornadas flexíveis e pagamento limitado às horas trabalhadas. O funcionário seria escalado em horários e dias da semana diferentes conforme a necessidade do empregador numa espécie de “bico legalizado”. Assim, uma rede de comida rápida, por exemplo, poderia contratar pessoas apenas para os horários em que há o maior fluxo de clientes ou para cobrir a folga de um funcionário. Esta modalidade que, informalmente, já vem sendo usada em vários setores, além de remunerar apenas o uso efetivo da força de trabalho e viabilizar abusos de todos os tipos, impede qualquer decisão do sujeito sobre a própria vida devido à imprevisibilidade das demandas do empregador. Nesta forma de contrato, o trabalhador que faz o rico mais rico não iria receber nenhuma hora de descanso remunerado para recompor as energias gastas.
ü O fim do acidente de trajeto como acidente de trabalho. Neste quesito, o Ministério Público do Trabalho parte do princípio pelo qual, se o funcionário saiu de casa para colocar sua força de trabalho a serviço de uma empresa que lucra com isso, em troca de um salário para sustentar a família, ele precisa voltar para casa como saiu, ou seja, saudável. Mas à medida que o registro destas ocorrências como acidentes de trabalho faz com que as empresas gastem mais com as contribuições para a previdência social, a pressão dos patrões é para que o entendimento do MPT seja varrido do mapa.

ü Flexibilizar a NR12 que regulamenta as medidas de proteção do maquinário para evitar acidentes. Não é de hoje que a Confederação Nacional das Indústrias pressiona para que se eliminem as obrigações empresariais que vão além do treinamento puro e simples. De fato, por não proporcionar aumentos da produtividade, os gastos na segurança dos maquinários que proporcionariam a incolumidade dos funcionários encolhem os lucros e, na visão patronal, gera perdas de competitividade. Vale ressaltar que as indústrias tiveram prazo suficiente para se adequar à norma e houve financiamentos do BNDES para compra de novos equipamentos. Uma pequena parte das empresas modernizou o seu parque industrial. A maioria, porém, não gastou um centavo e agora pressiona para continuar usando máquinas inadequadas que matam, amputam e adoecem seus operadores.

        Enfim, em 2017, as perspectivas para os trabalhadores são bastante sombrias. 

        É tempo de somar forças.

        Tempo de avaliar cuidadosamente cada acontecimento.
Tempo de alimentar entre trabalhadores e trabalhadoras a convicção de que não estamos fadados ao fracasso.

Tempo de dar novos passos para impedir que a elite se dedique a fazer com que o pobre torne o rico ainda mais rico enquanto ela engorda seus ganhos ao fazer o pobre mais pobre.


        Brasil. 13 de abril de 2017.






[1] Dados publicados no Diário do Comércio e da Indústria, em 22/02/2017.
[3] No momento em que escrevemos, já foram divulgados os números gerais do comércio exterior de março, mas não os dados relativos às quantidades exportadas, razão pela qual, apesar do superávit acima de qualquer expectativa, não foram incluídos na apresentação deste ponto.
[4] O volume dos itens exportados é medido em bilhões de kg.
[5] Lembramos que, em função do aumento dos preços do barril de petróleo, o pagamento dos royalties aumentou 71,61%. As receitas extraordinárias vieram da compra do controle acionário da CPFL pela chinesa State Grid e da privatização da Companhia Elétrica de Goiás que, somadas, renderam aos cofres públicos R$ 16,37 bi.
[6] Aconselhamos a leitura da entrevista realizada pela BBC Brasil ao historiador Paulo Henrique Campo e divulgada em 16 de dezembro de 2016 sob o título “Pagamento de propinas por empreiteiras se consolidou durante a ditadura, diz historiador”. Você pode ter acesso à reportagem através do link: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38337544

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