“A
todos os que como nós foram chamados de vagabundos neste pais e em todos os
países e que não se calam diante das
injustiças, porque sabem que não há sequer um centavo da riqueza, uma gota de
mel, um grão de arroz, um doente curado, uma palavra ensinada, um parafuso criado sem o nosso trabalho"
A insistente e
irritante mania dos donos e defensores do sistema de nos chamarem os
trabalhadores rebeldes de vagabundos, não é novidade. Os trabalhadores escravos
negros e indígenas que se rebelavam fugiam das fazendas e minas ou trabalhavam
devagar para suportar o sofrimento e o trabalho pesado e sabotar a produção,
eram chamados de “negros preguiçosos e vagabundos”, os trabalhadores que
protestavam contra a mudança da idade mínima para aposentadoria ouviram de Fernando
Henrique Cardoso em 1998, quando presidente da República, a célebre frase: quem se
aposenta antes dos 50 anos é Vagabundo. Às vésperas da greve geral do dia
28 contra o Desmonte da previdência e o aumento da idade mínima para 65 anos e
49 anos de contribuição para aposentadoria, Dória, hoje prefeito de São Paulo,
que já foi da administração de Mário Covas, empresário, herdeiro de senhores de
escravos, chamou os grevistas do dia 28 de Vagabundos. Depois de fugir dos
manifestantes em um helicóptero.
O NORTE publica
aqui uma conversa tio para sobrinho que é expressão daquilo que pensamos. O
Artigo discute o ditado popular: “Segunda é dia de branco”. Boa leitura e
nos avise se você concorda ou não.
Segunda
Feira é dia de Branco
Meu sobrinho é
negro e chegou em casa depois de um sábado na chácara com nossa família e
amigos com uma pergunta no mínimo curiosa: Tio,
por que os amigos do meu pai disseram que segunda feira é dia de branco? A
pergunta o deixara confuso e intimidado olhando para si mesmo como se houvesse
algo errado com sua cor. Ele não tem idade nem maturidade ainda para discutir
questões étnicas ou raciais, mas sabe que sua cor é sempre “zuada” na escola,
no futebol, no curso de inglês, nos jogos de vídeo game, etc. Ele ouve todos os
dias expressões como, “ a coisa tá preta,
cabelo de inxu, cabelo ruim, pixain,
cabelo duro, macaco, a coisa tá preta, Zulu, negrooo, e ai preto! negão”
O professor de
arte lhe diz que preto é na verdade, ausência de luz, ou que algumas vezes de
forma imprecisa, que é ausência de cor. Esquecendo que preto é a mescla de
vermelho, amarelo e Azul e que qualquer cor só pode ser vista por meio da luz. O professor de história fala em “Black Tuesday”, Terça negra, para marcar o Crash
na bolsa de Nova York, que deu início a crise de 29 e usa a expressão “setembro negro”, da Organização para a
Libertação da Palestina (OLP) para contar sobre a morte dos atletas israelense
na olimpíada de Munique em 1972. Para explicar os milhões de mortos pela peste
bubônica no século XIV, os livros trazem a expressão “peste negra”. Nuvens
negras rondam a economia, ele ouve nos jornais ou vê na internet. Isto é um fato, mas dizer que segunda é dia de branco parece ter
acionado algum mecanismo no seu cérebro que o fez romper o silêncio.
Respondi que não
há nada de errado com nossa cor, existe o ouro negro, O Petróleo também
chamado de ouro negro, a Pérola negra, a mais valiosa das
pérolas, o diamante negro, uma a raridade, e disse mais, que é a noite
escura que permite a gente ver as estrelas em toda a sua beleza e plenitude.
Pego uma folha de sulfite, lhe mostro e pergunto: Você já viu alguém desta cor?
Só morto tio, ele me responde. E olha lá, digo a ele, portanto, não existe
ninguém “branco”, na verdade.
Vou ter que lhe
falar de história para você entender a “zuação” com nossa cor e a expressão,
segunda é dia de branco. Vivíamos livres na África, aliás, foi lá que a
humanidade surgiu, portanto todos somos africanos ou descentes de africanos. Até
os loirinho tio? Me interrompe. Sim, lhe disse, inclusive os alemães, meio
“branquelos”, meio, porque branco branco na verdade não existe, como te expliquei.
O chamados brancos da Europa reinventaram a escravidão e usaram a cor e a força
como meio de decidir quem seria escravo, “escravidão negra”, escravidão dos
africanos e dos indígenas no século XVI, para que nossa gente trabalhasse de
graça pra eles. Os religiosos também “brancos” disseram que a gente não tinha
alma e que estavam fazendo um bem ao nos escravizar e ao nos dar nomes cristãos;
tais como, Samuel, Felipe, David, Elias, Benedita, Maria, José, Francisco,
Isabel, Rita ... depois de um batismo forçado contra a nossa fé lá da África.
Os comerciantes
“brancos” europeus ganharam dinheiro ao caçar, prender e vender homens,
mulheres e crianças que eram livres na África. Depois, na América, fazendeiros
também “brancos” e europeus se enriqueceram nos escravizando, nos obrigando a
arrancar ouro e prata nas minas, plantar cana e produzir o açúcar, cuidar de
suas casas, cozinhar, carregá-los em nossas costas.
Desse modo,
comerciantes europeus, fazendeiros daqui se enriqueceram e se tornaram homens
milionários, donos de dinheiro, empresas e terras, às custas de nosso trabalho
de graça, de sol a sol e do roubo das terras dos índios, por mais de 300 anos.
A saber, de 1550 até 1888 quando houve a abolição ... A nossa gente não fez
nada tio, aceitou de boa o sofrimento e o trabalho em troca de comida e ainda
ruim, que eu sei? Me perguntou contrariado. Não, respondi. Você tem paciência?
Se tiver eu conto. Pode contar tio, jogo meu vídeo game depois. Beleza,
respondi.
Então meu caro
sobrinho, talvez agora você entenda porquê meus amigos, sem saber, acabaram
usando uma frase racista, falsa e mentirosa sobre a segunda feira. Eu duvido
que eles saibam porque falam isto da segunda Feira. Nossa gente trabalhando de
sol a sol, 15 ou 16 horas por dia, sem ganhar um centavo, a não ser a comida,
atacava os capatazes, que eram os guardas e chefes que ficavam olhando e
obrigando a gente trabalhar de graça, com as enxadas e facões que eram nossas
ferramentas de trabalho e fugia, formando Quilombos, territórios onde a nossa gente
era livre e trabalhava pra si mesma e
mandava.
O mais famoso dos
quilombos, foi o de Palmares, em Alagoas, no Nordeste Brasileiro. Ele durou mais
ou menos 100 anos, de 1595 a 1695. Você já ouviu falar de Zumbi? Do Walking
Dead tio? Não meu querido, Zumbi morto-vivo é filme de Hollywood, é televisão,
o nosso Zumbi, o dos Palmares foi um guerreiro, um revolucionário libertador,
lutou contra a escravidão e para que a gente trabalhasse pra gente mesmo e não
para os outros. Era um grande líder negro, igual a Acotirene, Dandara, Ganga
Zumba, Negro Cosme, Anastácia e outros tantos.
Bom, outra maneira
de enfrentar os fazendeiros, além da guerra e da fuga, era trabalhar bem
devagarinho, como se fosse uma tartaruga, e ir bem devagar pro serviço, igual
quando você vai pra escola, entende? Devagarinho e desanimado, eles tinham
razão porque eram escravos, você não, viu, seu.... Ri e ele também riu....
Continuando. Por isto, os negros que trabalhavam devagar, ou se recusavam a
trabalhar e morriam de tristeza ou de cansaço, eram chamados de “ vagabundos e
preguiçosos. Como prefeito de São Paulo tio? Sim, igualzinho o Dória, que
aliás, suas tataravós se enriqueceram com o trabalho dos nossos tataravós,
pois, a família dele era dona de escravos no passado, portanto, parte da riqueza
dele que se diz trabalhador, é na verdade, fruto do trabalho de nossa gente, do
trabalho dos escravos.
Ir para o trabalho
no canavial e nas minas de ouro e prata na segunda feira, depois de uma
folguinha no domingo a tarde, era uma verdadeira tortura, os escravos iam se
arrastando pelos atalhos e caminhos, eles odiavam este dia, em compensação os
fazendeiros e os chefes, capatazes que nada faziam a não ser enriquecer-se do
trabalho de nossa gente ficavam felizes. Verdade tio? Claro! O que você faria
no lugar de nossos irmãos do passado? Eu me mataria tio! Alguns fizeram isto, mas a maioria preferiu
lutar e resistir...
Vou terminar por
aqui sobrinho. Você precisa brincar, este assunto está ficando muito sério. Mas
guarde bem o que vou dizer, os fazendeiros brancos, os comerciantes também
brancos que se enriqueciam com a venda e o trabalho de nossa gente, da gente da
nossa cor, também exploravam os índios, que tiveram sua terra roubada e os
brancos pobres, muitos soldados dos fazendeiros eram negros, ganhavam dinheiros
para nos vigiar e perseguir, portanto, não é a cor que define quem é bom e quem
é mal, quem é rico e quem é pobre, quem é preguiçoso ou trabalhador. Se você
quiser usar bem e mal então use, mas o mau é aquele que nos escraviza, nos
impede de ser livres e que fica se enriquecendo com o nosso trabalho,
independentemente da cor.
Então tio, nesta
história que você me contou, os brancos que se enriqueceram a custa dos negros
e não precisavam trabalhar, disseram que segunda feira é dia de branco pra
entrar na nossa mente e trolá a gente? Sim, caro sobrinho, segunda feira sempre
foi dia de preto trabalhar e produzir riqueza para o branco comerciante e
fazendeiro até o ano de 1888, como escravo, depois como assalariado. Chamar a
segunda de dia de branco é falso, mentiroso e racista. Hoje as segundas feiras,
trabalhadores brancos, negros, amarelos vermelhos, azuis verdes, cor de rosa,
de todas as cores e portanto, independentemente da cor, produzem os lucros e a
riqueza que fazendeiros e empresários de todas a cores usam pra pagar prefeitos
e donos de televisão e Jornais para nos
chamarem de vagabundos, sempre que nos recusamos a trabalhar pra eles. Como nas
greves tio? Sim, como na greve geral do dia 28 de abril por exemplo. Vagabundo
é eles né tio? Não sobrinho, eles são piores, são exploradores.
José Benedito dos
Santos
Brasil, 30 de
abril de 2017, depois do churrasco de sábado com os
amigos vagabundos
de todas as cores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário