“Eu estive decidida a arrumar a nuvem acima da minha cabeça. Não queria ser pássaro, queria ser uma aranha com um pouco de conforto, para quando tudo estiver desmoronando fora da minha nuvem, da minha bolha, para quando tudo estiver um pouco mais difícil que o normal, eu consiga entrar novamente na minha situação particular e dormir seca, sem nenhuma inconveniência caindo sobre meu corpo frágil. Não preciso de muito para conseguir sobreviver e viver sobre algo simples é tudo que eu mais gostaria. E minha decisão estava tomada...”
(Vi Noronha)
Domingo
é morto. Um dia café com leite gelado, pão duro que virou torrada, dor de
cabeça e tristeza por ter que acordar cedo novamente. Quando chove é ainda
pior. A aranha no canto da parede é muito difícil de tirar, por isso, eu a
deixo ficar lá. Acordo cedo todos os dias para limpar casas que não sejam a
minha. Gasto meu corpo e minhas mãos, gasto meu tempo e felicidade, para ficar
todos os dias limpando e apenas um dia na semana para pensar nas aranhas da
minha parede. A aranha está no teto e o quadro está no mesmo lugar. Passo a
vassoura, caem as traças. A teia da aranha é quase invisível e o que quase
ninguém vê, a ninguém incomoda e coração nenhum vai sentir. Então não me importo em deixar lá naquele ângulo apertado que não cabe nenhum
móvel. Eu prefiro se for escuro, porque assim existe a desculpa de não precisar
olhar com riqueza de detalhes. Além disso, minha visão já não funciona mais, já
não consigo subir as escadas daqui, igual subia com a rapidez de quem quer ir
para o céu. A casa é a mesma de muito tempo, não houve mudanças para mim, mas
existem as mudanças em mim e para eles. Assim eu limpo a casa. Tiro tudo das
paredes, junto os bichos no meio do pó e dos fios de cabelo caídos, paro para
pensar na minha vida e nas pessoas próximas a mim que estão conseguindo sair do
canto da parede e assim eu volto ao normal com o bolo de sujeira. Ninguém lava
a louça. Eu fico aqui todos os dias, mas ninguém lava a louça. Já estou
acostumada com o canto da parede no qual eu me alimento, não sento a mesa.
Trabalho para poder enfrentar minha vida, porque ela sempre será a mesma.
Varri, pego tudo para passar o pano, a casa é enorme. Demoro cerca de doze
horas para limpar e a sujeira continua aparecendo. Os banheiros são mais
difíceis. O cheiro de comida diferente machuca meu nariz, mas eu não me importo
porque minha comida é muito boa. Dizem que confiam no meu trabalho, sim, há
muito tempo. Não confiam na minha existência. Não pensam o que eu penso, não
fazem ideia de onde eu vim e do que eu sei. Esse é realmente um trabalho muito
interessante.
Acordo
com a cama molhada e com uma goteira caindo no meu braço. Minha casa, que é
antiga e eu não faço ideia de quando vou sair dela, está cheia de goteiras
espalhadas pelo seu teto. É preciso andar como se eu estivesse em um campo
minado, em um labirinto. É horrível quando chove, aperto a mim própria e fico
triste com a situação. Eu queria ser, literalmente, a aranha na parede, porque
se eu tiver sorte ninguém vai me ver e ninguém vai destruir a minha casa. Não
seria preciso eu sair da minha casa, me dedicaria somente a ela. Não precisaria
chegar e limpar o chão molhado de goteiras que as telhas já não aguentam mais e
acabam espirrando no meu chão. Minha casa é muito pequena, é apenas para mim.
Não tenho mais ninguém, sou velha. Trabalho para minha existência se esgotar
logo. E deixo as goteiras caírem na minha testa, não como uma tortura, mas como
uma forma de mostrar que já não é tão importante ter que me importar com
algumas coisas. Não fico na casa. Só entro para descansar e comer minha comida
que mata a fome. Trabalho, limpo aquela
casa que não tem nenhum defeito, nenhum problema em seu concreto e altura,
nenhum erro em seu décimo andar, está tudo perfeito. O chão consegue refletir
meu rosto sujo e meu corpo cansado. E o teto quase é invisível com os lustres e
seus sóis iluminando os quatro cantos de tudo aquilo. Qual é o tipo de
preocupação dessas pessoas? O que aflige seus corações? Será que eles possuem
uma goteira na testa, como eu, que não os deixa dormir? Acho que quando se tem
um teto como esse, é impossível ter goteiras caindo pela sua cabeça, ainda que
sejam goteiras com água limpa. Não consigo imaginar goteiras aqui, em suas
cabeças. Eu vou ter um teto como esse.
Aqui
são dois adultos e uma criança. A criança com certeza não tem goteiras, deve
ter apenas nuvens, as nuvens de seus pais sobre ela. Colocando isso e aquilo em
seus horários que eu quase não consigo bater com os dela. O homem trabalha não
sei com o que e nem a mulher, mas também não ficam na casa. Eu fico lá sozinha,
limpando. Trabalho em outras casa também, mas é recente. Algumas pessoas já são
acostumadas com meu serviço. Eu vi a menininha nascer, vi seu rostinho e ouvi seu
choro por bastante tempo. Continuo lá. Vi seu quartinho ser formado, vi sua mãe
cansada de cuidar dela, vejo isso até hoje. São todos distantes. Cada um tem um
espaço específico na parede, para cada aranha. Eu faço questão de deixar
algumas, não porque eu seja uma funcionária ruim, eu sei que não sou. Mas faço
isso para poder deixar alguma vida na casa, já que não encontro nenhuma ou
raramente encontro. Não ouço conversas, nem discussões. Não discutem comigo e
nem me atropelam palavras. Não nos cruzamos pelo caminho. E eu prefiro assim,
porque não gosto que me atrapalhem no serviço. E assim meus dias estão indo,
com sol e chuva, muita chuva. Estamos em um mês difícil, mas quente. É mais
fácil usar guarda chuvas em casa do que na rua. Quando você chega de uma
tempestade e só quer descansar na sua casa aconchegante, deitar o guarda-chuva
com sua cabeça encostada no chão, para que ele pare de chorar e você guarde ele
no outro dia, mas no meu caso não é possível porque preciso me preocupar com a
chuva de dentro da minha casa. Meu aluguel não é difícil de pagar, minha casa
não é ruim. Seu teto me incomoda, apenas. Eu não tenho mais baldes nem panelas
para aguentar a chuva que cai sobre meu chão. Eu mereço mais que isso, sim. Eu
sei. Mas não sei se é necessário. Sou velha e acho que consigo conviver com
alguns problemas, logo eu vou me embora daqui e não precisarei mais de nada
disso. Mas mesmo assim, eu preciso dar um jeito nas goteiras porque elas estão
se tornando um instrumento de tortura para minha vida. Já não basta ela
própria, que tem que aguentar meu peso sujo limpando o espaço por onde ando,
pegando toda a sujeira do lugar para mim e colocando em algum canto, para no
final do dia ganhar um dinheiro suado que vai me ajudar a tirar a água e a
umidade que estão dentro da minha casa.
Eu
penso muito, mas muito nas aranhas dos cantos. E nas traças. Tenho tanta
inveja, na minha casa não tem nenhuma teia de aranha, nenhuma aranha. Porque
cria um ar de miséria no espaço, no meu espaço miserável. Eu sou miserável e as
aranhas daqui são diferentes. É preciso ter cuidado, caso contrário elas me
expulsam da minha própria casa. E eu as vejo em outras casas, falo com elas e
mantenho suas engenharias e sua arte, para ninguém destruí-las, eu mudo os
móveis de lugar. Faço isso na minha casa também, mas não é pelo mesmo motivo,
você sabe quais são meus motivos. O que não posso ter na minha casa, eu deixo
nos outros espaços e cuido daquilo. E o que o espaço deles não pode ter é bom
pra eles, porque por aqui não tem nada de bom. Eu sempre penso que viro parte
da traça, aos poucos, aos poucos as goteiras não vão mais me incomodar. Mas se
você parar para pensar em algum canto da sua casa, vai perceber que o mundo tem
um espaço muito grande, mas não cabe todo o mundo, assim a gente tira suas
engenharias e tira suas vidas, com muita facilidade, para que o espaço
permaneça ali, caso eu precise, mas também não tento resolver de outra forma.
Entende o que quero dizer? Passo minhas horas pensando no sol. Mas também penso
nas outras pessoas no sol. Penso no José que está construindo e sentindo a água
do seu corpo sair de tanto calor e almoçando sua comida gelada que, mesmo que o
dia esteja muito quente, não vai deixar sua fome passar. Eu ainda consigo
esquentar minha marmita. Mas eu penso também que o tempo não tem culpa, porque
da mesma forma com a chuva, seu trabalho acaba sendo difícil. Enfim, acredito
que esteja me entendendo. Um dia eu tenho certeza de que não vamos conseguir ir
ao trabalho, porque estaremos metamorfoseando dentro de nossas casas com
goteiras, nos transformando em algum bicho pior do que já somos. E assim vão
ficar nos ligando, ligando para os nossos, nos procurando para saber porque
diabos não fomos construir e não fomos limpar. E não vamos conseguir responder
porque não teremos mais nossas bocas bem feitas que cospem palavras ruins e
palavras erradas o tempo todo, nem sequer conseguiremos atender os telefonemas
porque nossas mãos rasgadas vão estar se desfazendo junto com nossos braços e
pernas. Queria muito que esse dia chegasse de fato. Um dia que eu acordasse
afogada numa goteira, acordasse de súbito, assustada e pensando em como o
espaço ficou maior, mas na verdade eu que diminuí, a cada dia que passava e eu
só não estava percebendo minha insignificância no mundo. E vou diminuir feliz,
me sentir maravilhosa com meu tamanho e o espaço pequeno de que eu necessito. E
vai ficar mais fácil de fugir da água, porque agora ficou muito difícil de me
encontrar, só vou precisar de um canto. Me deixe num canto e nada farei. Pode limpar
porque eu não sou suja e não estou aqui para atrapalhar sua convivência com as
outras pessoas. Não quero atrapalhar a chuva caindo nem o sol queimando. Só
quero ficar num canto específico de algum lugar qualquer, um canto que dê para
ver tudo, para saber se morrerei hoje ou amanhã, ou talvez eu demore mais um
mês ou mais um ano, mas você só precisa me deixar no canto.
Não
foi hoje que eu diminuí, mas eu ainda tenho as esperanças. Parou de chover, mas
a goteira ainda não parou. É normal em casa assim, velha. Ela vai cair em cima
de mim. A umidade está atrapalhando tudo por aqui. Vou sair para trabalhar e
quando voltar vou ver do que se trata o rio dentro dessas paredes. Então eu
chego na casa com aranhas e teias. Começo a limpar a louça e lustrá-las. E são
lindos copos e pratos. Talheres muito diferentes que nunca vi, são muito
estranhos e perigosos. Eu não sei porque fazem tudo isso. Então, vou para a
parte que mais gosto, que é encontrar as criaturas no meio de algum lugar ou
dentro de algum móvel. Pego o lustra móveis e como uma boa atriz, eu finjo que
estou limpando e matando todas as aranhas e as traças que estavam escondidas
lá. Mas elas me olham e dizem “oi, minha querida. Como foi seu dia? Você está
radiante hoje, passe por aqui mais tarde para uma visita. ” E apenas deixo um
perfume amadeirado perto de suas construções. Dou risada sozinha, olho para
cima para ver o sol que o lustre está criando sobre minha cabeça, olho o espaço
e suspiro para sentir o cheiro maravilhoso que deixei para os bichinhos. Saio
feliz, pensando que elas não têm nenhuma goteira para atrapalhar suas vidas e
isso é muito bom. Tento imaginar seus diálogos comigo e realmente rio sozinha.
Tudo seria mais fácil. Mas eu não sei quem precisa mais do que. Se eu preciso
disso e das traças e aranhas, ou se essas pessoas precisam de mim, precisam que
eu saia do meu espaço e do meu mundo pequeno, corra até aqui, suba seus andares
até chegar nos seus espaços e resolva seus pequenos problemas, suas sujeiras
discretas e suas louças fáceis que na maioria das vezes não dão tanto trabalho.
É muito silêncio e muito trabalho, embora tudo isso seja fácil para mim, embora
eu não precise de nenhuma interação, apenas um pouco de troca, de trocados para
poder continuar a vir até aqui e cuidar dos pobres bichos.
Estava
se tornando um mês bem quente e isso me deixava muito feliz. Tudo ficava mais
fácil para mim, embora o mundo não girasse em torno de minha vida e minha casa
chuvosa e nublada, mas tudo estava indo bem. Eu tive, finalmente, a coragem e a
ideia de arrumar meu telhado, agora com o sol, fica mais fácil de tomar
vitamina e sobreviver, acordar cedo e cuidar de tudo que eu sou paga para cuidar,
para depois enfim voltar a minha casa e não precisar tomar banho de goteira
para tirar minha sujeira, mas tomar banho, de fato, daqueles que tomamos no
banheiro, debaixo do chuveiro e quando saímos não precisamos ficar pisando em
círculos para fugir da água que acabamos de deixar cair pelo nosso corpo. Eu
estive decidida a arrumar a nuvem acima da minha cabeça. Não queria ser
pássaro, queria ser uma aranha com um pouco de conforto, para quando tudo
estiver desmoronando fora da minha nuvem, da minha bolha, para quando tudo
estiver um pouco mais difícil que o normal, eu consiga entrar novamente na
minha situação particular e dormir seca, sem nenhuma inconveniência caindo
sobre meu corpo frágil. Não preciso de muito para conseguir sobreviver e viver
sobre algo simples é tudo que eu mais gostaria. E minha decisão estava tomada,
pode parecer que foi difícil chegar a essa conclusão, mas todos esperávamos por
isso em algum momento, talvez. Pode não parecer, mas eu também achei uma
decisão muito complicada, sim. Porque, pensando bem, eu posso morrer amanhã. Eu
sempre penso que somos como aqueles bichos escondidos, que a morte escolhe
aleatoriamente e acaba acontecendo assim. Mas então eu pensei, se eu morrer vai
estar tudo melhor para mim, então talvez eu mereça algo de simples e bom
enquanto eu infelizmente estou aqui. Falei com José sobre o serviço, morávamos
no mesmo morro e éramos grandes amigos. Decidiu fazer o trabalho para mim, só
precisava correr atrás dos materiais para ser criada a nova nuvem sobre minha
cabeça. E o sol amanhecia cada vez mais quente e mais delicioso, me motivava a
cada minuto, a cada segundo eu pensava em mudar alguma coisa na minha vida,
começando por aquela nuvem velha, mas eu conseguiria fazer uma coisa de cada
vez, como quem faz uma teia muito bem trabalhada e paciente – as aranhas me
fascinam – e com essa inspiração, eu ia de encontro a casa alta dos milhões de
andares que eu tinha que subir para limpar, eventualmente via nos vidros os
homens passando aqueles rodos e não se preocupando com seus próprios vidros e
casas, pendurados sobre uma corda forte que confiavam bastante, como uma aranha
criando sua teia e confiando no seu próprio trabalho. Nós, todos os homens,
somos grandes animais insignificantes mesmo. A qualquer momento poderia ser
pisado por deus ou perder a importância para aquela corda, que facilmente somos
substituídos, raramente reutilizáveis, nunca deixados dentro de zoológicos e
também nunca guardados dentro de caixas de vidros e alimentados todos os dias –
seria realmente bom – mas estamos aqui servindo e recebendo os trocos, voltando
para os cantos das paredes e fazendo tudo de novo e de novo.
O
dia para a troca da minha nuvem e céu nublado estava marcado. Eu estava
realmente muito satisfeita, nada estava me abalando. Falei com José e, como
minha casa era pequena, eu lhe perguntei se conseguiria resolver em um dia, eu
fazia questão de pagar pelo seu tempo, por tudo que fosse fazer. Ele conseguia
tranquilamente. Assim, falei com os meus próximos, disse sobre a felicidade que
caia sobre minha cabeça, eu realmente estava me preocupando com a minha
existência, estava me sentindo importante para mim mesma. E viva, como nunca
antes. Como era boba, devia ter pensado isso muito mais cedo, se soubesse que
essa sensação poderia chegar a mim, já teria feito isso. E tudo perdia o
sentido em outros lugares. Eu chegava para limpar, achava o lustre enorme e
estranho, achava os tetos exagerados e pensava se aquilo era realmente
necessário para aquelas pessoas, se apenas não tomar a chuva já não era
suficiente. Pois eles gostavam muito de chuva, mas nunca encontrei os
guarda-chuvas em suas casas, porque eles não precisavam. Não precisavam de
chuva também. Mas sempre os ouvia falar sobre como era tão bom o tempo mudar,
como era confortável e via as vezes suas roupas elegantes e quentes como
cobertores e achava tudo realmente muito bonito. Afinal, não é culpa do tempo,
não é culpa da água da chuva, não é culpa do sol, tudo que eu sinto e tudo que
reclamo. Não tem problema nenhum em gostar de um clima assim ou daquele jeito,
mesmo que as pessoas estejam morrendo nas ruas de frio, ou não consigam matar
sua sede no calor. É tudo muito mais profundo, o céu nublado dessa questão é
muito mais pesado, sua nuvem logo cairá sobre a cabeça de todo mundo, ainda bem
que meu teto vai estar novo.
Acordei
no próximo dia sabendo da mudança, sabendo que o mundo podia acabar, que meu
teto seria consertado e nunca mais choveria na minha cabeça e nem no meu sono.
José chegou cedo para arrumar, estávamos muito felizes, até mesmo ele. Amigos e
a felicidade sempre compartilhada, era muito bom. Fui trabalhar como quem acha
que o dia vai ser perfeito e realmente foi. Aquele dia eu tinha certeza que não
morreria, não seria como outros dias, seria um dia no qual a morte me daria
folga, se eu estivesse em sua lista de mortes do dia, ela riscaria meu nome e
diria para quem quer que fosse, quem quer que auxiliasse em seu serviço “hoje
não é possível inserir dona fulana na sua miséria de morte, porque ela tem um
compromisso muito importante que em nosso protocolo ela pode cumprir. Então,
adiaremos o luto de seus poucos amigos e vamos deixa-la viver mais uns meses ou
anos ou depende de como ela vai se comportar daqui em diante. ” Aí você insere
na fala da morte como acha que eu deveria morrer. A ansiedade tomou meu corpo,
parei para pensar se as aranhas se sentem assim e com certeza a resposta é não.
Eu nunca tive tanta certeza em querer algo na minha vida. Fui em outra casa
fazer o serviço que faço – a mesma casa, o mesmo serviço – olhava tudo de uma
forma estranha, achando tudo estranho e limpando tudo, tirando as casas das
aranhas que eu não estava mais me importando, não sei o porquê disso, mas acho
que agora que estava finalmente feliz com algo relacionado a mim, não estava me
importando em deixar tudo realmente limpo, de fato. Não estava me importando
com os bichos menores que eu, porque eu achava que era o menor e mais
insignificante bicho que já passou por aqui, o mais frágil. Eu não sei o que
tinha na água da última chuva que tomei dentro da nuvem da minha casa, mas eu
estava me sentindo diferente, uma outra pessoa, parecia que tinha subido na
vida, mas com um céu limpo que agora não fazia diferença se ia chover ou fazer
muito sol. Já chegaria em minha casa como uma nova pessoa, como se estivesse me
mudado, como se realmente tivesse feito algo de significante para mim. Falei
com José e ele realmente não quis nada além de ver minha felicidade. Eu resolvi
comprar uma bebida para comemorar a minha nova vida de pessoa em situação de
novo teto. Mesmo ambiente, mesmo clima e agora não via a hora do tempo fechar,
o céu ficar escuro e poder sentir as lágrimas caindo e fazendo um barulho
enorme sobre minha cabeça, mas sem me tocar. Eu poderia morrer naquele momento,
porque pelo menos, até aquela hora eu tinha experimentado duas horas de
conforto no teto novo. E pensava em tanta coisa que podia fazer a partir de
agora, que eu tinha o mínimo de conforto. Além de sentir felicidade, satisfação
e de não deixar qualquer coisa me abalar como antes. Como era fácil ser feliz,
ou viver com pouco. Será mesmo? Será que nunca tive nada de realmente
importante? Por enquanto, eu experimentei uma verdadeira felicidade com tudo
aquilo.
Chegou
novamente um tempo em que o céu fica nervoso e se fecha. Não quer conversa e
fica escuro, franze a cara nublada e chora. Um dia de trabalho cheio que eu
tomaria muita chuva, que eu queria tomar muita chuva, se não estivesse tão
cansada de tudo e de todas aquelas horas cheias de bolo de sujeira e teia e
traças, todos escondidos e esperando para serem encontrados. E agora as aranhas
me olhavam, cheiravam o lustra móveis pensando “o que houve? Por que está
fazendo isso conosco? Você não era assim! ” E se elas tivessem um deus, deus
das aranhas ou das traças, elas pediriam a ele para guardar suas casas e lhes
dar muita proteção, porque eram frágeis e tinham construções frágeis, se
perguntariam o que fizeram de errado para passar por aquilo e enquanto rezavam
– seria isso que fariam para seu deus que talvez não exista? – enquanto
estivessem naquele momento, eu passaria minhas mãos sobre elas, com o produto
da limpeza deslizando sobre o local ocupado por elas por tanto tempo e assim
elas iriam embora para o céu ou inferno das aranhas e céu ou inferno das traças
embora elas se encontrem em lugares totalmente diferentes espalhados pela casa.
E com a felicidade de quem vai ao parque ou de quem acorda num dia de folga, eu
fui embora aquele dia. E o céu gritava demais, estava realmente nervoso e
chorava com muita vontade, quanto mais ele chorava, mais eu sentia
felicidade. Não sei se isso se torna um
certo egoísmo da minha parte, uma certa insensibilidade, mas eu acredito que
não, tenho quase certeza de que não tinha nenhum problema nisso, porque na
verdade eu estava fazendo as pazes, levantando meu guarda-chuva branco para o
céu e mostrando minha felicidade ao vê-lo daquela forma, então estava tudo
quitado entre nós dois. E além disso, eu precisaria de muito mais para deixar
os céus, de fato, tristes. Estou pensando muito em deixar de querer me tornar
uma aranha ou uma traça. Acho que a chuva realmente afetou minha cabeça.
A
forma como a cidade é posicionada – seria essa a palavra? – não dá vasão para o
choro, para a sujeira do céu, que na verdade não cai dele, só cai água e acaba
se misturando com a cidade, mas não existe espaço, é tão grande e não existe
espaço, tudo fica apertado, o trânsito fica mais barulhento que o normal, eu
tinha até me esquecido disso porque não fazia diferença pra mim, quando eu já
tinha a infelicidade de ter a chuva dentro de casa, o trânsito não me
incomodava muito, incomodava pouco. Eu conseguia deixar passar aquilo que me
irritava, conseguia deixar porque eu sabia que tinha algo maior me esperando,
algo pior. Quanto mais eu ficasse no transporte, mais eu demoraria para
resolver a situação do meu labirinto ou campo minado que eu teria que passar.
Então, quando isso acontece, eu e todos que precisam passar pelas rodovias e
por debaixo da terra naquela minhoca tecnológica, todas essas pessoas com o
famoso pico no horário, precisam ter o mínimo de paciência para não chorar
junto com o céu, para aguardar o momento em que ele consiga respirar e deixar o
trânsito correr, deixar a gente chegar em nossas casas, depois de, no mínimo,
duas horas no meio da rua, no meio do inferno da rua com a chuva e a sujeira.
Ainda andar um pouco para poder chegar, de fato em casa, porque o transporte
não nos deixa na porta – na maioria das vezes – e então, nós subimos um pequeno
morro, depois de passar por um trânsito demorado, chorão e barulhento. E subo,
sozinha e com o pouco de felicidade que ainda me resta, percebo a movimentação
que só a chuva consegue causar na cidade e nas pessoas, as pessoas que estão
todos os dias apressadas e sérias. E quando não conseguem se apressar, ficam
nervosas porque já se acostumaram com seus ritmos e seus climas, se esbarram e
não dizem nada, resmungam. Correm para procurar espaço no ônibus e o ônibus se
enfia no meio do asfalto e o resto você já sabe.
Quase
chegando em casa e a movimentação que é normal, subindo e sentindo a
movimentação aumentar, pensando no pior, sempre. A felicidade vai saindo do meu
corpo como quem sempre espera pelo ruim que vai acontecer, como quem já está
acostumada. Quase chegando ao meu destino, meu destino que agora é tão
aconchegante, quase chegando como se eu não quisesse de fato chegar, com medo
de que algo estivesse fora do lugar, com medo de achar tudo errado novamente.
Eu sinto que a chuva realmente está bem forte e o céu chora com muita força.
Sabe a chuva passageira? Aquela chuva que cai com muita força e depois de
alguns minutos de gritaria desnecessária, ela para. Aconteceu mais ou menos
assim aquele dia. Só que, durou mais de duas horas. A semelhança que eu estou
tentando colocar entre essa chuva e a chuva passageira é que, ela desce como
quem vai causar destruição e subitamente para de cair, pensa que exagerou e só
para. Quando eu quase estou virando a rua do morro da minha casa, a chuva parou
e eu comecei a reparar no chão marrom, com a cor de terra, a cor de terra, do
barranco que dorme e acorda assustado com esse tipo de situação. Acontece o que
a gente menos espera e a vida – ou a morte – prega peças que nem deus, nem
aquele deus da aranha ou da traça, conseguem explicar. Depois de pouco tempo
com meu novo teto protetor de cabeça, mais especificamente, depois de um mês
colocado sobre mim, essa chuva resolveu aparecer e eu tive o entusiasmo de uma
criança com o doce que o pai ou a mãe guardou para ela. E achei que,
conseguiria aproveitar essa minha casa nova que na verdade tem o mesmo corpo
mas uma outra cabeça, só que era uma cabeça muito oca e foi destruída pelo
barro cheiroso atrás da minha casa. Eu ri, como quem segura o choro e não
acredita em nada do que vê. E do que acabou de passar. Começo a pensar e me
perguntar se fiz algo de errado, pensando ser inocente, puxando na memória se
fiz algo ruim para que aquilo fosse acontecer comigo, justamente comigo. Podia
acontecer em um outro momento, mas talvez eu esteja sempre reclamando e
reclamando demais. A ficha não caiu de que tudo o que eu tinha estava destruído
e não parei para pensar que seria melhor a morte ter colocado a minha vida em
risco naquele dia, deixado meu nome na lista de vida que podiam ser perdidas.
Acredito que acabei de me tornar uma aranha sem sua engenhosa teia, uma aranha
ou uma traça que, com um vento fraco, acabam perdendo a razão e sentidos e
morrem sem nem sentir ou simplesmente perdem tudo, como foi meu caso em que
tive que pensar rápido na minha situação. José estava na mesma situação que eu.
Quanta coisa pode acontecer em um dia, em um mês, em um minuto. Quanta
felicidade acaba sendo reduzida a raiva e tristeza em apenas uma hora. Eu só
ri, porque parecia uma verdadeira brincadeira dos céus contra mim, eu pensava
em olhar para ele e dizer que eu sentia muito por ter tirado e destruído as
casas das aranhas, parecia que tudo aconteceu justamente porque cometi esse
crime.
Agora eu estava ali, com José, vendo
o sereno cair sobre a rua, estávamos embaixo de algo na rua, nos protegendo da
água, mas não do frio. E assim eu acabei realmente percebendo que era uma
aranha e que agora eu precisava reconstruir tudo novamente, precisava achar
outro canto na parede desse mundo. Dormimos na rua como quem está nessa
situação, como quem vê luzes nas casas e não pode desfrutar delas, nem precisa
ter lustre, porque eles são feios, mas apenas uma luz sobre a cabeça para
lembrar-nos que há um teto segurando a lâmpada. Eu dormi, depois de um mês com
meu novo teto – que agora não existe mais – dormi só pensando em descansar e
não querendo mais nada, agora havia uma goteira do meu lado, não na minha
cabeça, mas estava do meu lado, no teto escuro de algum estabelecimento que
achei um bom refúgio, parei para pensar no sono que eu teria essa noite e
chorei mais que o céu naquele dia. Voltei para a mesma situação que eu estava,
mas agora a goteira estava localizada em outro espaço, um pouco mais longe de
mim, mas não deixando de me incomodar. Dormi pensando no próximo dia, pensando
que o céu podia cair naquele momento, porque não faria diferença nenhuma, devia
ter mesmo caído sobre tudo. A goteira deve ser meu castigo até o fim de meus
dias.
Vi Noronha
Nossa tão profundo e real, consegui me ver nessa história e visualizar toda situação! Excelente trabalho!
ResponderExcluirUauuuu que viagem fiz agora. Parece que em algum momento da vida passei por tudo isso
ResponderExcluirSenti a goteira, o cheiro, a sujeira, as aranhas, suas teias, a chuva... Parabéns!!!!
ResponderExcluirBuy titanium bmx frame | titaniumarts
ResponderExcluirSteelSeries - Titanium Blade is the world's first microtouch solo titanium steel titanium cookware frame, with the distinction titanium nipple jewelry of 나비효과 Titanium Blade was first manufactured in 2017 snow peak titanium flask at the Beijing