Apresentamos abaixo uma análise da guerra entre Ucrânia e Russia, que
desvela os fatos, para além da aparência, das figuras de Putin e Zelensky que
expressam na verdade, interesses que não são os nossos, como demostra o
trecho abaixo:
"Os empresários com ascendência no governo Putin têm interesses em ampliar sua participação no mercado mundial e a ascensão de empresários, com interesse distintos, no governo ucraniano os impedem. Não importa qual seja o passaporte desses empresários! Inclusive, descobrimos que vários desses capitalistas não são nem russos, nem ucranianos, nem estadunidenses, mas sim cidadãos de países que lhes dão vantagens fiscais. O capital e suas personificações não têm bandeira. [...] Apenas quando nós, trabalhadores, tomarmos em nossas mãos as armas poderemos defender os nossos interesses, independente de fronteiras ou bandeiras, e cujas prioridades são a vida, a cultura, a educação, a emancipação humana de todas as opressões e da exploração econômica. Por enquanto, só há um vencedor nessa guerra: o capital! No futuro, partindo desse aprendizado, poderemos vencer a guerra de classes contra todos os nossos algozes."
UMA NOVA GUERRA, UMA VELHA LIÇÃO.
Por Ricardo Scopel Velho
(Para
Palavras de Classe- Afronte)
Para a imensa maioria
dos analistas políticos do mundo, o impensável aconteceu. Uma guerra com
potencial nuclear. A entrada da Rússia em território Ucraniano foi um ato de
defesa da segurança interna, de acordo com Putin, e de ataque a soberania
estatal, segundo o governo Zelensky. As diferentes “narrativas” são parte da
própria guerra. A entrada da Ucrânia da União Europeia (UE) e na Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) são reivindicação dos grupos de poder no
atual governo e entram em choque com outros grupos políticos e econômicos que
tem mais alinhamento com a Rússia. Para entender esse complexo jogo de
interesses é preciso desmistificar alguns pressupostos dados como certos no
senso comum das análises.
Em todos os conflitos
bélicos dos últimos 300 anos, após a construção do que se chama Paz de
Westfália, temos regras para as relações internacionais que se baseiam na
soberania estatal. A conformação de diferentes estados nacionais, com exército
próprio, com normas e leis internas homogêneas e o estabelecimento de
diplomacia permanente foi a tentativa de estabelecer um sistema de equilíbrio
de forças contra hegemônicos nas relações interestatais, sob o princípio da
igualdade derivada do mercado. Sabe-se que a transição do feudalismo para o
capitalismo exigiu a criação de instituições as quais deram fundamentos
jurídicos para a expansão da forma mercadoria. Desde os liberais clássicos,
como Adam Smith, o conceito de “nação” torna-se uma categoria analítica chave.
As noções de “território”, “povo” e “governo” são generalizações da necessidade
premente de normalizar as relações econômicas entre agentes do mercado.
Portanto, o “Estado Nacional” foi determinado historicamente pela expansão do
mercado mundial.
Os conflitos bélicos,
a partir do capitalismo, obedecem a outra lógica societária distinta
dos modos de produção feudal e escravista. Esse artigo apresenta uma
interpretação sobre os limites das interpretações baseadas apenas no Estado
Nacional como o determinante dos conflitos bélicos atuais e aponta para a
possibilidade de um novo período histórico no qual as guerras incorporarão os
atores não estatais nos cenários de conflitos intercapitalistas.
O capitalismo e as guerras
Sob o modo de
produção capitalista a lógica do desenvolvimento tecnológico e político segue a
determinação dos interesses da acumulação de capital, o qual sempre ocorre por
meio do consumo da força de trabalho para produção qualquer outra mercadoria. O
atual modo de produzir a vida é fruto de inúmeras violências, a principal delas
é separação dos produtores de seus meios de produção. As inúmeras guerras acontecidas,
desde o século XV, tem por resultado a acumulação de forças produtivas por quem
vence o conflito. Notem que a afirmação não se fundamenta apenas na vitória
externa, ou seja, de um Estado Nacional contra outro, mas sim de agentes
humanos agrupados em classes sociais, os quais controlam distinto recursos de
poder, inclusive, as instituições jurídicas e políticas. O que inclui,
portanto, as vitórias internas desses grupos de poder. As revoluções operárias
derrotadas, principalmente de 1848 até hoje, tem esse mesmo caráter, pois foram
guerras, entre classes, nas quais os trabalhadores confrontavam o poder e
questionavam a ordem estabelecida. Por esse prisma, as guerras são parte
constituinte de uma das faces mais brutais do sistema de mercado, pois este
cria, por meio da violência, uma grande quantidade de seres humanos que só
possuem o próprio corpo e sua capacidade de produção para vender. A principal
característica do capitalismo, portanto, surge dessa violência organizada no
formato de uma guerra entre as classes.
A outra característica fundamental da relação entre a guerra e o
capitalismo é a
capacidade de
criar e de destruir, quase simultaneamente, forças produtivas em escalas
monumentais. Na deflagração de conflitos, por recursos materiais disponíveis,
as guerras ensejam o domínio territorial, seja da terra, do ar, do mar, do
espaço ou do ciberespaço. Isso implica no desenvolvimento de uma indústria, que
reivindica, em escala crescente, recursos da sociedade para o chamado “esforço
de guerra”. Ora, isso nada mais é do que o aceleramento da própria relação
capitalista, com mais meios de produção consumindo mais força de trabalho para
criar mais mercadorias. Numa guerra essas mercadorias se realizam, quase que
instantaneamente, seja nas linhas amigas na forma de roupas, comida,
equipamentos e armas, seja nas linhas inimigas na forma de bombas, projeteis e
mísseis.
Percebam que a
relação capitalista se alimenta das guerras como a ferrugem do aço.
A produtividade geral do sistema é um ponto chave para as taxas de
acumulação de capital. Um conflito armado é muito importante para que os
equipamentos exigidos por uma guerra alavanquem o desenvolvimento de
tecnologias novas ou aplicações produtivas para as antigas. Esse processo
sempre fez avançar muito a capacidade de produção do sistema capitalista.
Os dados demonstram, que na semana seguinte ao início da Guerra na
Ucrânia, as empresas da área de armamentos tiveram altas nas bolsas
de valores.
Figura 1 Com guerra na
Europa, indústria da defesa cresce nos EUA.
Tais apontamentos
demonstram que a guerra é uma exigência intrínseca ao próprio ser do capital
e não apenas um momento destrutivo de forças produtivas em períodos de crise
cíclica.
As classes sociais e
os Estados
O sistema de estados criado em meados do século XVII conviveu com guerras por expansão de mercados, com invasões, bombardeios, anexações e enfrentamentos diretos, entre nações, que por sua vez, se lançavam como potências imperiais. Assim foi com Espanha e Portugal, depois com Inglaterra, França e Alemanha e mais recentemente, com os Estados Unidos. As duas grandes guerras do século XX nada mais foram do que guerras imperialistas, em que as nações envolvidas pretendiam impor a outras os seus interesses econômicos e políticos. A direção dessas nações se deu por meio de classes burguesas nacionais vinculadas às corporações que se desenvolveram em territórios delimitados pelas fronteiras nacionais. Desta maneira, tais classes burguesas, produziram dirigentes políticos e militares que compunham os estratos gestores daquelas sociedades. Todas as vezes que seus interesses burgueses nacionais foram colocados em risco foi acionado o mecanismo de repressão estatal. Isso vale para ameaças externas, mas também ameaças internas vindas de outras classes adversárias dos interesses burgueses nacionais. Todo o século XIX, com suas revoluções frustradas ou massacradas comprovam essa tese.
Tais classes acumularam riquezas e capital, ininterruptamente, desde seu surgimento, seja em tempos paz, seja em tempos de guerra. Agora, em pleno século XXI, temos uma realidade distinta da vivida até então. As cadeias produtivas globais estão fortemente integradas e qualquer alteração gera um efeito em cascata em escala planetária. Os fenômenos atuais são ricos em mostrar os efeitos dessa integração, por exemplo, as sanções econômicas contra a Rússia, que na verdade, são sanções que restringem o acesso a certos mercados por certas corporações, vejam:
A ExxonMobil anunciou ontem que sairá de uma joint venture na Ilha
Sakhalin, no leste da Rússia, e não investirá em outros empreendimentos no
país. A BP planeja abandonar sua participação de 19,75% na gigante petrolífera
russa Rosneft. A decisão encerra 30 anos de operação no país, um dos maiores produtores
de petróleo do mundo. A Shell também informou que encerrou todas as suas
operações russas, incluindo joint ventures com a estatal de gás Gazprom e uma
grande usina de gás natural liquefeito (GNL). (Disponível em https://forbes.com.br/forbes-money/2022/03/quais-sao-as-sancoes-contra-a-russia-e-seusimpactos-economicos/)
O que está em jogo com tais sanções é a participação dessas empresas nos mercados globais e como suas concorrentes operam para se equilibrar na geopolítica e na geoeconomia do capital. A argumentação desenvolvida até aqui nos leva a seguinte hipótese: os capitalistas que operam algumas empresas influenciam decisões de governos para enfrentar dificuldade de mercados. Os empresários com ascendência no governo Putin têm interesses em ampliar sua participação no mercado mundial e a ascensão de empresários, com interesse distintos, no governo ucraniano os impedem. Não importa qual seja o passaporte desses empresários! Inclusive, descobrimos que vários desses capitalistas não são nem russos, nem ucranianos, nem estadunidenses, mas sim cidadãos de países que lhes dão vantagens fiscais. O capital e suas personificações não têm bandeira.
Já ouvimos a frase que a guerra é a continuação da política por outros meios, mas a política também é a continuação da economia por outros meios. Ora, os atuais governos nacionais nada mais são do que gerentes de interesses econômicos de grandes corporações privadas que visam o lucro. Tanto Putin, como Zelenski, em entrevistas recentes, afirmam uma identidade de CEO’s, ou seja, verdadeiros gerentes de seus países. Por outro lado, alguns capitalistas estão intervindo diretamente no teatro de operações da guerra, como por exemplo, Elon Musk, quem disponibilizou suas plataformas para uso de internet durante o conflito. Vejam a sua frase, no dia 14 de março de 2022:
A Starlink é o único sistema de comunicação não-russo que ainda funciona
em algumas partes da Ucrânia, então a probabilidade de ser alvo é alta. Por
favor, use com cautela. (No Twitter, Elon
Musk desafia Vladimir Putin para um duelo | Tecnologia | G1 (globo.com).
Elon Musk é um novo tipo de ator que surge nos conflitos contemporâneos.
Ele é a
personificação
individual de uma cadeia produtiva que está em concorrência direta com empresas
sediadas em território russo. Assim, como as sanções econômicas não são
operacionalizadas pelos governos, mas sim pelas empresas que definem se é
vantajoso ou prejudicial aos seus negócios. As notícias desse fenômeno apontam
nesse sentido, Ford, Visa, Spotify: as empresas que
deixaram a Rússia após início da guerra | CNN Brasil.
Por outro lado, a corporações alinhadas ao estado russo estão ampliando outros mercados fortalecendo assim uma mega aliança economica viabilizada pelas sanções ocidentais. Por exemplo:
Após sanção alemã ao gasoduto Nord Stream 2, estatal russa Gazprom
assina contrato para construção do gasoduto Soyuz Vostok, que fornecerá gás à
China. Novo gasoduto passará pela Mongólia e conectará sistemas do oeste e
leste russos, podendo redirecionar para a Ásia o gás fornecido à Europa.
Empresa prevê capacidade de 50 bilhões m³ anuais, quase a mesma do Nord Stream
2 (55 bilhões m³). Bloomberg,
28.02.2022
Além disso, a sanção aplicada na esfera da circulação de mercadorias por
meio da suspenção de operações de cartão de crédito VISA e MASTERCARD teve uma
resposta imediata pelos concorrentes. Os capitalistas chineses foram rápidos em
oferecer sua plantaforma de compras para viabilizar as operações financeiras
suspensas pelo ocidente.
O anúncio ocorreu após a decisão das gigantes americanas Visa e
Mastercard de suspender as operações na Rússia. A mudança para a UnionPay foi
anunciada pelo maior banco da Rússia, o Sberbank, além do Alfa Bank e o
Tinkoff, segundo agências de notícias internacionais. A UnionPay é considerada
a maior rede de cartões do mundo. Com mais de 7 bilhões de cartões em
circulação, ela é a mais usada na China e também é aceita internacionalmente,
embora em menor escala. - O que é UnionPay, bandeira de cartão de crédito
chinesa adotada na Rússia após Visa e Mastercard suspenderem operações |
Ucrânia e Rússia | G1 (globo.com).
A revista Isto é Dinheiro está apostando que a aliança faz parte de um
bloco econômico,
a notícia é
clara: A China é o escudo de Putin contra as
sanções financeiras de EUA e aliados - Seu Dinheiro. Vejam que as fronteiras não são mais apenas nacionais, são
fluidas, quem detém o poder sobre esse território exerce o mando. O caso chinês
é emblemático de como a massa humana pode ser um elemento estratégico fundamental
para o desenlace de um conflito bélico. Bilhões de pessoas movimentam muitos
recursos e os empresários ocidentais sabem disso, mas ao mesmo tempo, não podem
simplesmente ignorar as áreas de atrito, como demonstra as guerras latentes na
Coréia, em Taiwan e no mar da china.
Ainda temos que verificar como essas grandes empresas não podem realizar
todas as
ações necessárias
para atacar ou defender suas posições no mercado. Elas ainda precisam do
Estado, como fonte de legitimação e de coerção clássica. Em um momento de
sinceridade possível apenas em momentos ímpares na História, um CEO deixou
claro para o público a posição do empresariado:
Segundo o Svein Tore Holsether, Presidente e CEO da Yara International,
“é crucial que a comunidade internacional se reúna e trabalhe para garantir a
produção mundial de alimentos e reduzir a dependência da Rússia, embora o
número de alternativas hoje seja limitado. Isso constitui um dilema difícil
entre continuar abastecendo-se da Rússia a curto prazo ou cortar a Rússia das
cadeias alimentares internacionais. A última opção pode ter consequências
sociais consideráveis. Essas considerações não devem ser feitas por empresas
individuais, mas precisam ser feitas por autoridades nacionais e
internacionais”. “A urgência agora está em ajudar a Ucrânia e o povo ucraniano.
Ao mesmo tempo, estamos pedindo aos governos noruegueses e internacionais que
se unam e protejam a produção global de alimentos e trabalhem juntos para
diminuir a dependência da Rússia”, resumiu ele. Disponível em https://www.comprerural.com/missil-destroi-mega-navios-de-fertilizantes-egraos/ Consultado em 14 de março de 2022.
A geopolítica dos recursos energeticos
Há um elemento pouco
comentado nas analises sobre o atual conflito na Ucrânia: o que está em
jogo naquele território? Existem teorias clássicas sobre o domínio do
coração da heartland que alguns autores chamam de eixo pivô da grande ilha
eurasiana. Do ponto de vista geopolítico isso tem muito sentido, pois quem
controla o centro do tabuleiro tem vantagens estratégicas. Porém, indo além,
existe uma questão geoeconômica em pauta: os recursos energéticos disponíveis
em território ucraniano e a tecnologia nuclear dominada pelas empresas
alinhadas ao estado russo.
Para argumentar sobre
isso é preciso visualizar o mapa abaixo.
Figura 2
https://suburbanodigital.blogspot.com/2022/02/mapa-da-ucrania-principais-cidades.html
Fica evidente a
existência de minérios importantes na região, além dos gasodutos, agora
em território controlado pelar forças russas, que abastecem a Europa e a
Turquia. Além disso, existem instalações de produção de energia nuclear com
grande capacidade instalada. A cadeia de produção desse tipo de energia exige
tecnologia e materias primas muito específicas cuja expertise é dominada pelos
russos. Notem, a Rússia é líder mundial na construção de
usinas nucleares (ipen.br).
Há muito que os parceiros estrangeiros apreciam as vantagens das usinas
nucleares russas. A "geografia” da cooperação não deixa de surpreender.
Foram assinados contratos de construção de blocos energéticos nucleares com a
Hungria, Bangladesh, China, Vietnã, Finlândia, Cazaquistão e Bielorrússia. Em
breve, será firmado um acordo de construção do terceiro e quarto bloco na
Índia. Duas usinas nucleares serão construídas na província de Bushehr, no Irã,
e uma na Jordânia. (disponível em ipen.br, consultado em 14/03/22).
Ao que parece a
disputa por fontes de energia é peça fundamental do atual tabuleiro do
xadrez global. Os
russos, por meio de suas corporações defendidadas pelo exército estatal e
empresas de segurança privada, como a Wagner Group, competem globalmente pelo
controle dessas fontes de energia. Um ítem básico para qualquer produção
mercantil é a energia eletrica, o gás ou o petroléo. Os empresários associados
ao estado russo tem controle sobre uma quantidade enorme desses recursos e a
Ucrânia, por meio do governo Zelenski, colocava em risco as operações no
mercado europeu e no norte da África. A participação na UE e na OTAN são
vínculos institucionais que alinham aqueles recursos aos interesses das
corporações da UE e dos EUA.
Em contrapartida, os
empresários associados ao estado norte-americano estão atrasados
em relação à legislação de produção da energia nuclear, como indica o
relatório da empresa Energy Post:
Hoje, o mercado internacional de energia nuclear mudou drasticamente à
medida que a cadeia de suprimentos se tornou globalizada. Em julho deste ano,
um grupo bipartidário de ex-comissários do NRC enviou uma carta ao Congresso
(exibida abaixo) exortando-os a modernizar a Lei de Energia Atômica de 1954
(AEA) para melhor permitir que os Estados Unidos trabalhem com seus aliados em
projetos de energia nuclear. A carta insta o Congresso a suspender a restrição
de propriedade, controle ou dominação estrangeira (FOCD) nas seções 103d e 104d
da AEA, que inibiu o investimento de aliados em reatores domésticos no passado.
Como as usinas de energia domésticas nos Estados Unidos hoje dependem da
cooperação com fornecedores estrangeiros de componentes de usinas de energia, a
restrição FOCD apresenta um problema anacrônico para projetos de usinas
nucleares dos EUA. A lei, tal como está atualmente, não leva em conta até que
ponto as corporações se tornaram multinacionais nas últimas décadas; este é
apenas um exemplo de uma área da política nuclear que precisa de uma
atualização. (…) Ao mesmo tempo, é improvável que os Estados Unidos realizem todo
o seu potencial no setor de energia nuclear sem a cooperação internacional com
aliados, especialmente porque a maioria das empresas de energia nuclear são
multinacionais (disponível em U.S. Nuclear: change
the laws that constrain foreign and domestic investment
- Energy Post).
Enquanto isso, os
russos expandem seus negócios. Vejam:
Por exemplo, a Associação Nuclear Mundial considera que sete unidades
estão em construção: uma na China, duas na Bielorrússia, duas na Índia, uma em
Bangladesh – onde a construção de uma segunda unidade também começou – e uma na
Turquia. Além disso, mais 12 unidades foram contratadas e 11 foram
encomendadas.10 Os trabalhos preliminares estão em estágio avançado nos
contratos na Finlândia e na Hungria.11 Contratos de construção de usinas
nucleares adicionais foram assinados com a Armênia, China, Egito, Índia, Irã e
Uzbequistão. Acordos intergovernamentais, também conhecidos como acordos
'quadro', que fornecem uma base legal para negociações e identificam áreas
específicas para cooperação bilateral foram assinados com Argélia, Bolívia,
Camboja, Cuba, Gana, Nigéria, Paraguai, Arábia Saudita, Sudão, Tajiquistão,
Tunísia, Emirados Árabes Unidos (EAU) e Zâmbia. (Disponível em Russia’s
nuclear energy exports: Status, prospects and implications (sipri.org)
Considerações finais
A breve pesquisa
realizada para esse artigo indicou a forte presença de atores não estatais
no conflito e,
portanto, a insuficiência de uma abordagem estatista para compreender o
conflito no território ucraniano. Os dados demonstram que para produzir
conhecimento capaz de analisar o mundo atual é urgente o emprego de elementos
teóricos clássicos, sobre o funcionamento do modo de produção capitalista, em
sintonia com novos conhecimentos sobre os conflitos contemporâneos. É preciso
enfatizar, que estes conflitos ocorrem em um quadro geopolítico no qual as
corporações globais são agentes fundamentais no desenrolar da guerra.
Os inúmeros recursos
energéticos disponíveis em territórios ucraniano, a expertise das
empresas russas em
produção de energia nuclear e o controle do fluxo desses insumos são peçaschave
em qualquer prospecção de cenários políticos e militares vindouros. No entanto,
tais análises só poderão ser feitas, com acuidade, se levarem em consideração
as grandes corporações envolvidas na geopolítica e na geoeconomia do capital
mundial, como agentes realmente operativos no conflito.
Outro elemento aqui
elencado é a vinculação medular da guerra com a economia de tipo
capitalista. Em
outras palavras, isto significa dizer que a relação social de produção
mercadológica tem na guerra sua constituição, seu desenvolvimento e sua
autossuperação. A guerra leva a destruição de vidas humanas e recursos
inimagináveis. No entanto, para o capital, isso nada mais é do que uma forma de
resolver suas contradições intrínsecas e de externalizar excesso de capital,
concomitantemente, ao aumento da produtividade, ao salto tecnológico promovido
pelo conflito e a destruição de forças produtivas obsoletas que baixam as taxas
de lucro. De forma análoga às empresas de cunho militar, cujas cotações
aumentam no mercado financeiro, as empresas dos setores energéticos, que
comercializam, gás, petróleo e energia nuclear estão ganhando com a guerra. Não
há perdedores entre os capitalistas.
O que nos deve
preocupar é a morte de milhares de trabalhadores, a migração de milhões
de trabalhadoras e seus filhos do teatro de guerra. Quem sempre perde é a
classe trabalhadora transformada em “carne de canhão.” A guerra é um momento
importante para que as contradições mais agudas do sistema sejam explicitadas e
para demonstrar o quão desumano é o capital. Devemos apontar para a necessária
organização autônoma dos trabalhadores, a constituição de grupos de apoio, de
cooperação, de estudos e de trabalho que possam criar uma rede independente de
informações e de ação política de caráter proletário.
Apenas quando nós,
trabalhadores, tomarmos em nossas mãos as armas poderemos defender os
nossos interesses, independente de fronteiras ou bandeiras, e cujas prioridades
são a vida, a cultura, a educação, a emancipação humana de todas as opressões e
da exploração econômica. Por enquanto, só há um vencedor nessa guerra: o
capital! No futuro, partindo desse aprendizado, poderemos vencer a guerra de
classes contra todos os nossos algozes.
16 de março de
2022.
Fonte: https://afrontejornalismo.com.br/uma-nova-guerra-uma-velha-licao/
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