E Agora José? Digo: e Agora Luis? Vamos respeitar as instituições que não respeitam os princípios mais elementares do Direito burguês ou vamos à desobediência Civil? Compartilhamos um artigo de Mauro Iasi publicado no blog da Boitempo sobre a questão. É leitura obrigatória nesta conjuntura. Decifra-me ou Devoro-te, diria a esfinge.
E agora? É hora de chutar
o tabuleiro!
"Marx disse certa vez que
não se deve brincar com a insurreição se não quiser levá-la até as últimas
consequências. Ao que parece o lulopetismo espera que as massas garantam que
Lula não seja preso e dispute as eleições, mas que depois saiam de cena para
que tudo volte aos trilhos da normalidade para que se possa remendar o pacto
social esgarçado pelo golpe."
Publicado
em 26/01/2018
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Por Mauro Iasi.
A confirmação da condenação de
Lula seguiu o script esperado. Apesar da inconsistência de provas, fatos
e fundamentos jurídicos, era necessário retirar o ex-presidente da disputa
eleitoral de 2018 e seguir com um governo cuja única lealdade é com as
contrarreformas e os interesses do grande capital. O fim da democracia de
cooptação operada pelos governos petistas abriu espaço para a barbárie
explícita e a canalhice que presenciamos, política, jurídica, cultural e
comunicacional.
Os pesados ataques contra os
trabalhadores, em especial a reforma trabalhista e a ameaça da reforma da
previdência, não tiveram a resposta necessária porque o petismo e seus aliados
ainda esperavam a “marcha dos acontecimentos” que desembocaria nas eleições de
2018, ainda que programaticamente isso não garantisse a reversão das medidas
aprovadas até aqui. Com a condenação de Lula a conjuntura muda radicalmente em
dois sentidos.
Primeiro que a aposta nas
eleições se transforma em um desafio aberto a legalidade institucional
estabelecida, uma vez que a manutenção da candidatura do ex-presidente se torna
uma desobediência civil. Segundo que as frágeis aparências de normalidade
institucional podem se esvanecer rapidamente e abrir espaço para medidas
políticas mais duras de parte da classe dominante e do seguimento usurpador no
comando do Estado.
Nesse cenário, a combinação de
espaços institucionais estabelecidos e ações por fora e além da legalidade
ganha relevo para os dois lados envolvidos na disputa. Da parte das classes
dominantes, isso não é uma novidade, porque diferente de certo setor da
esquerda, a classe dominante nunca acreditou na institucionalidade democrática
e sempre a utilizou pragmaticamente segundo seus interesses. O Estado trata a
todos de forma igual perante a lei, mas nada que uma mala de dinheiro e um lobby
eficiente não possam contornar. A burguesia pode operar no terreno da
democracia porque tem os instrumentos de coerção do Estado e do domínio
econômico à sua disposição. Assim, pode alternar formas democráticas e
autoritárias com mais eficiência, o que não se dá com os trabalhadores.
Quando uma força política escolhe
operar nos limites da institucionalidade, fica muito difícil romper e operar
com formas abertamente insurgentes. A única força política que pode criar as
condições para tanto é a disposição das massas em romper a legalidade no
sentido da rebelião. Como todo bom leitor de Lênin sabe, esta é uma condição
objetiva – isto é, não está ao alcance desta ou daquela força política colocar
as massas em movimento, de certa forma elas reagem a uma determinada situação política.
O que a burguesia talvez tenha
feito, inadvertidamente ou não, é dar o pretexto para que as massas entrem em
cena numa dimensão que pode ir além da institucionalidade dada. Entretanto,
neste ponto intervém a intencionalidade política dos sujeitos. Marx disse certa
vez que não se deve brincar com a insurreição se não quiser levá-la até as
últimas consequências. Ao que parece o lulopetismo espera que as massas
garantam que Lula não seja preso e dispute as eleições, mas que depois saiam de
cena para que tudo volte aos trilhos da normalidade para que se possa remendar
o pacto social esgarçado pelo golpe. De certa maneira a rebelião das massas se
converte em um instrumento de chantagem ou ameaça para que os segmentos
burgueses caiam em si e aceitem renegociar os termos do pacto.
Esse é um jogo perigoso. Primeiro
porque não se deve blefar quando se trata de uma política revolucionária que se
pretenda séria. Parece que não se convoca as massas para que a classe
trabalhadora estabeleça as condições de seu próprio poder, mas para que garanta
a correlação de forças para que se recomponha as condições que marcaram a
conciliação de classes que prevaleceu até 2016. O grande problema dessa
alternativa é que o petismo se assusta mais com a rebelião das massas do que a
burguesia: não há lugar para a insurreição na estratégia democrática popular e
o PT não sabe o que fazer quando ela se apresenta, como ficou evidente em 2013.
Por outro lado, a burguesia tem meios jurídicos, políticos e repressivos para
enfrentar um descontrole social – alguns desses instrumentos, aliás,
gentilmente oferecidos pelos governos petistas como a manutenção da Lei de
Segurança Nacional, a Portaria Normativa que estabelece as Operações da
garantia da Lei e da Ordem de dezembro de 2013 e a Lei Antiterrorismo, só para
citar alguns dispositivos –, além, é claro, de um sistema judiciário que se
emancipou da tutela incomoda do Direito e da Justiça.
Portanto, trata-se de definir até
onde as forças políticas estão dispostas a tencionar a legalidade. Estou
convencido de que a burguesia mantém suas apostas, mesmo se for necessário
romper (como tem feito no governo do usurpador) qualquer base legal, política e
institucional. O PT está disposto a fazer o mesmo? Não sei.
Quais são os próximos passos
indicados pelo o segmento dominante? Tentar tocar as eleições sem Lula, diante
do risco da extrema direita e da ausência de uma candidatura que possa retomar
a estabilidade que a burguesia precisa, ou, cancelar as eleições e constituir
alguma espécie de transição, uma junta provisória que prepare as condições
políticas de uma alterativa mais estável nos termos da ordem, como o
semi-presidencialismo, o parlamentarismo ou outra forma qualquer.
Volto a dizer: a burguesia pode
cancelar as eleições de 2018. E pergunto: as forças populares estão dispostas a
colocar o enfrentamento diante das contrarreformas e o arbítrio burguês acima
das eleições, inclusive agindo no sentido de inviabilizá-las?
O ponto obscuro é o próximo passo
do petismo. Será que ele está mesmo disposto a resistir e enfrentar a decisão
judiciária com todos os meios necessários, ou é mais um blefe? A moderada e
elegante presidente nacional do PT afirmou recentemente que a única maneira de
reagir à consolidação de um cenário político no qual Lula vai preso e é
impedido de disputar as eleições é a greve geral. Vejam vocês! A esquerda já
sabia que a única maneira de evitar a consolidação do golpe contra os
trabalhadores, a reforma trabalhista e da previdência é a greve geral, mas o PT
discordava disso, pois acreditava que existia outra possibilidade: a
candidatura de Lula. Agora que essa alternativa saiu de cena… então, vamos à
greve!
Marx e Engels, em um famoso texto
de 1850, diziam que os trabalhadores não podem evitar que a pequena burguesia
aja como o segmento social vacilante que está condenado a ser, mas os
trabalhadores devem, em suas palavras, “agir no sentido de contrapor-se às
dissuasões burguesas” contemporizadoras e “obrigar os democratas a concretizar
o seu fraseado terrorista atual” (“Mensagem do Comitê Central à Liga [dos
comunistas]”, em: Karl Marx e Friedrich Engels, Lutas de classes na Alemanha,
Boitempo, 2010, p. 67). Querem um Greve Geral? Certo, então vamos fazê-la até
que as medidas contra os trabalhadores sejam revogadas e até que o governo
Temer caia. Aí discutiremos o que fazer. Certamente alguns irão propor que tudo
volte ao “normal” e que volte a se convocar eleições “limpas” (como as de 2014,
na qual o financiamento privado jogou R$ 5 bilhões nas mais diferentes
candidaturas, menos nas do PCB, do PSTU e do PCO). Nós manteremos nossa
proposta de estabelecer um Poder Popular Revolucionário fundado em uma nova
forma de governabilidade na classe trabalhadora da cidade e do campo, na
juventude e nas massas urbanas.
Não importa agora que uns se
mobilizem em torno de um líder cujos interesses no fundo, ao nosso juízo, são
contrários aos da classe trabalhadora porque quer recompor o pacto desfeito.
Neste momento se produz uma aproximação interessante na qual o interesse do
lulopetismo em enfrentar a decisão que tira Lula das eleições coincide com o
interesse da esquerda em enfrentar as contrarreformas reacionárias com uma
Greve Geral. Se os interesses forem os mesmos (derrotar o governo Temer e suas
contrarreformas), ótimo! Caso contrário, os caminhos se bifurcarão e nós, como
temos feito, pegaremos a caminho da esquerda.
***
Mauro Iasi é
professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM
(Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê
Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da
consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os
livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações
que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação
humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio.
Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente,
às quartas.
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