O
conselhodaclasse
tem a alegria de publicar o instigante
Artigo de Ricardo Rodrigues, um Jovem trabalhador psicólogo e amante da
literatura, terreno no qual também inicia suas primeiras investidas. De forma
leve e precisa e com rigor científico, mas sem perder a espontaneidade, Ricardo
Rodrigues, dentre as várias reflexões que sugere, nos propõe em seu texto a paradoxal questão: o Consumo na Sociedade
capitalista é Liberdade ou Patologia?
Boa leitura
A
CULTURA DE CONSUMO COMO HEGEMÔNICA: PODERIA/DEVERIA A EDUCAÇÃO ENQUANTO
MEDIADORA DA EXISTÊNCIA HISTÓRICA MODIFICAR ESSE PANORAMA?
Por
Ricardo Rodrigues.
No segundo semestre de 2019, me inseri em curso de
pós-graduação em Psicopedagogia, em função do bom preço ofertado por instituição
de ensino privada – a mesma de minha graduação. Cumpri uma disciplina por
completo – Métodos de Pesquisa – e abandonei o curso no decorrer da segunda
disciplina. Apesar do preço não salgado do curso, com o salário ínfimo de um
ajudante geral, fica um tanto quanto sufocante manter as mensalidades,
refeições, gastos com transporte e alguma outra despesa que sempre surge com o
andar da carruagem.
Mas para ser
avaliado na única disciplina que cumpri, tive de escrever um artigo
utilizando-me de toda a instrumentação exigida pelo método científico. E o
desafio maior, foi o de associar um trabalho com caráter de levantamento
bibliográfico, ao tema educação. Todas as alunas – eu era o único “macho” do
grupo – partiram para as psicopatologias ou questões voltadas ao fracasso escolar.
Já eu?? Pensei comigo: “pago mensalidade, disponho-me a ficar por aqui das oito
da manhã às cinco da tarde e meus pés doem com estes sapatos apertados que
calço... Vou escrever sobre consumo e, com alguma habilidade retórica, associar
o tema à educação”.
E por que
consumo? Acredito que, algum tipo de revolução, a superação do capitalismo, só
se efetivará, quando a massa consumidora – os proletários – entenderem que não
necessitamos, para uma boa vida, da maioria das tralhas que compramos e que,
por tanto, talvez não tenhamos de nos submeter aos mais vis empregos – ou”
empreendimentos”, do novo homem “livre” – em troca dos mais ridículos salários
ou retornos financeiros para a manutenção de uma vida “teatral”, de ilusório
conforto.
O texto, aqui, será apresentado de modo bem resumido e
e sem a rigidez das exigências técnico-cientificas da academia. A opção por uma
linguagem mais coloquial, entretanto, sem abrir mão do rigor do texto
científico, tem por objetivo tornar a leitura um pouco mais leve e porque não mais
agradável e ainda assim, contribuir para produzir algum tipo de reflexão a você
que chegou até este ponto e a quem mais vier a lê-lo. Não citarei todos os
autores pesquisados, logo, alguns dados – inclusive de caráter estatístico –
ficarão de fora desse resumo. Caso queiram ler o artigo na íntegra e de forma
original, é só deixar seu email em nosso blog, que enviamos o texto pra você na
íntegra. Espero que goste!
Bauman – o polonês do mundo líquido – e outros
cientistas e filósofos, constantemente nos alertam para as consequências que o
hábito de consumir de modo descabido, típico de nossa CULTURA DE CONSUMO, pode
negativamente nos trazer. E aí, não se trata apenas de cuidados com a
biodiversidade do planeta, mas também para com as relações entre humanos, cada
vez mais voláteis e superficiais e menos profundas e refletidas, como o são, os
hábitos na Cultura de Consumo. Partindo desta problemática, questiono-me: Nossa
educação formal colabora com a consolidação da tal Cultura de Consumo ou a
contesta? Vamos às bases filosóficas da montagem do raciocínio.
A consciência, ou o que chamamos de consciência, não
se forma do nada. Não foram as ideias que alteraram o rumo da vida de nossa
espécie ao longo do processo evolutivo. Ideias que se constituem por si, não
existem. O homem, ao longo desse processo de evolução, necessitou intervir na
natureza para prover sua sobrevivência. Para tal, utilizou-se de ferramentas –
instrumentos – para fins de caça, plantio, alimentação, para construir abrigos,
etc. A intervenção foi, possivelmente, forçosa. A natureza, indiferente e
aleatória como sempre, impeliu o homem a agir.
O ambiente impele e o homem age. Ao agir, internaliza
a ação tanto quanto suas consequências. Percebe que seu agir, modificou o meio
no qual vive. Passa então, vez ou outra, a altera-lo intencionalmente;
propositadamente. À medida que interfere
na natureza e a altera, altera-se concomitantemente. Enriquece o intelecto;
aperfeiçoa o ato de pensar. O homem passa a ser o construtor de si e apesar de
ainda depender da natureza, buscando nela recursos para continuar a
constituir-se, passa também, de certo modo, a dominá-la.
Marx e Engels – dois alemães porretas – diriam que
“não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a
consciência” no livro A Ideologia Alemã
e em duas linhas, explicaram de fora mais rebuscada o que escrevi nas dezesseis
linhas que antecedem meu pequeno e seguro mergulho no tema. Eis o Materialismo
Histórico e Dialético. É na práxis, essa via de mão dupla, na qual o homem
transforma o meio e transforma a si ao transformar o meio, é que a humanidade
se constitui; se desenvolve.
Lev Semionovitch Vigotski – um soviético que amava
aprender – utiliza-se desse método para estudar o desenvolvimento humano. De
modo diverso de muitos estudiosos da ciência psicológica que lhe foram
contemporâneos, Vigotski vê na maturação biológica, ou seja, na concepção de
desenvolvimento psicológico do comportamento e da consciência humana,
entendidos como natural e inevitáveis à medida que a base fisiológica do
indivíduo evolui, como algo secundário; obviamente necessário – e
inevitavelmente, indispensável – mas que não muito significará caso o indivíduo
não seja inserido nas relações Histórico-Culturais.
Marx e Engels enfatizam o uso de instrumentos como
mediadores de nossa existência histórica, o elo de nossa relação com a natureza
que permitiu-nos um salto qualitativo na cadeia evolutiva. Vigotski amplia e
traz cientificidade a este conceito ao cunhar o termo Signos para designar uma “nova ferramenta” mediadora de nossas
relações histórico-sociais e de nosso processo de ensino/aprendizagem. Este
novo signo mediador da relação entre homens e destes com o mundo, seria a Linguagem, mais especificamente, a Fala.
É em especial a fala que proporcionará à criança sua
inserção e organização na cultura. A fala será o signo de referência para o
sujeito que, ao apreender a cultura, tendo-a como mediadora, desenvolverá o que
o autor denomina “Funções Psicológicas Superiores”. Com a fala, realizamos mais
um salto qualitativo da habilidade de pensar e isso nos proporciona a
possibilidade de atribuir sentidos e significados aos eventos ditos culturais.
Lembrar, comparar, relatar, escolher; dialeticamente
os humanos desenvolvem-se interagindo com o meio e com outros humanos. Passamos
a ter maior controle em nossa atuação no mundo; vamos distanciando-nos das
demais espécies na cadeia evolutiva. A priori, isso se dá nos contextos de
educação informal: relações do cotidiano como na família, nas comunidades
religiosas, na vizinhança. Posteriormente, na inserção em instituições de
ensino formal que vamos criando, com grade curricular e embasamento científico.
Nossa conscientização agora é promovida de forma
organizada. A conscientização torna-se consciente. São metodificados os
processos de ensino/aprendizagem e a isso damos o nome de educação.
Antônio Joaquim Severino – “um brasileiro do Brasil”– nos
ensinará que aí, há mais um salto qualitativo no exercício do pensar. A
educação passa a ser também mediadora de nossa existência histórica. A educação
de determinada Era será construída e praticada a partir das condições materiais
e econômicas da sociedade e poderá ser divergente ou representativa do modelo
de produção funcional dessa sociedade no período específico. Em tese, a
educação deveria ser promotora de conscientização das contradições sociais e de
autonomia do sujeito, contudo, na sociedade neoliberal, onde impera, entre
outros aspectos, a Cultura de Consumo, a educação também pode conter
características de formação alienante, desumanizadora e despersonalizadora.
“Não há vida se não houver consumo” – Bauman, o
polonês, novamente. Não importa se nossa referência é a antiguidade, a
sociedade medieval, o mundo industrial ou o pós-industrial do qual alguns já
falam. Para que haja vida funcional, tem de haver consumo daquilo que o homem
busca na natureza e transforma para atender suas necessidades e caprichos.
O ponto fora da curva dessa lógica encontra-se
justamente na sociedade do livre mercado. O homem descobre fontes renováveis
ilimitadas de energia que o auxiliam na criação de tecnologias que possibilitam
aperfeiçoar a forma de explorar outras fontes de energia e matéria-prima na
natureza e dinamizar os processos produtivos, utilizando tais fontes
energéticas para por máquinas em funcionamento e ampliar a exploração da força
de trabalho humana. Passa-se então a produzir em grandes escalas e o que é
produzido, precisa ser consumido. Nasce a sociedade de consumo.
O tempo passa,
o capital evolui e suas estratégias de vendas em massa da sua produção em massa,
também. Origina-se aí, a propaganda. Necessidades são criadas e para além do
suprimento destas, amplia-se a possibilidade do individuo consumidor seguir
renovando-se na medida em que renovam-se os produtos, serviços e – atualmente –
as vivências/experiências ofertadas pelo capital.
Publicidades carregadas de apelos emocionais, tanto
quanto de personificação, de singularização para atrair o consumidor. O
consumidor, ávido por estabelecer-se como um ser único e peculiar neste mundo,
internaliza essa singularização; abraça essa personificação. A maioria de nós
ledamente crê que o ato de optar por sanar muitas das nossas supostas
necessidades expostas em propagandas, é um ato livre e condizente com a ação de
um individuo consciente. Contudo, Adorno e Horkheimer – outros dois alemães
porretas – nos ensinam que a possibilidade de escolha alimentada pela
indústria, é meramente ilusória. Mercadorias, serviços, vivências/experiências,
em geral, são demasiadas iguais e nos levam quase que sempre para o mesmo
destino – a fantasia de bem-estar a partir do ato de consumir – apesar de,
oferecer-nos para tal, caminhos suavemente distintos.
Houveram saltos qualitativos no ato de pensar,
primeiramente, a partir do uso de instrumentos – para Marx; “segundamente”, com
o surgimento/aperfeiçoamento da linguagem – para Vigotski; e “terceiramente”,
com a formação consciente da consciência por meio da educação – para “Severa”.
Seriam a propaganda e a publicidade, novas categorias de mediação de nossa
existência histórica na sociedade da Cultura de Consumo? Poderíamos/Deveríamos,
utilizando-nos da educação, superar esta cultura?
Mais uma vez com Bauman – nosso polonês – constatamos
que vivemos em tempos nos quais somos impelidos a consumir, antes mesmo que – e
que uma baita contradição – se consuma como um todo, de fato, aquilo que vamos
descartar. Produtos, serviços e vivências/experiências, aos nosso olhos,
caducam voluvelmente, sem que exauríamos o uso do que viermos a consumir. Tudo
fica velozmente ultrapassado. Tudo já não nos serve, antes mesmo de perder por
completo sua funcionalidade. E então, nesse mundo de intensa fluidez, onde não
há projetos de longo prazo, onde não há acumulo e apego, onde sempre há a
necessidade de “renovação”, por que haveríamos de imaginar que, com a educação,
teria de ser diferente?
Para o “polaco”, o próprio conhecimento, em outras
épocas concebido como aspecto de nossas vidas que poderia ser conservado por longo
tempo e que nos auxiliaria sempre na formação de projetos, já não mais possui a
característica da longevidade. A educação, na sociedade do livre mercado,
também precisa fluir. Há de se atender as demandas dos indivíduos o mais rápido
possível.
As avaliações, os pontos, as notas, o diploma. Tudo
para o aperfeiçoamento do currículo e para a inserção no mercado ou para nele
galgar novos postos, com melhores remunerações. E então, poder consumir
“melhor” e mais.
O consumo volúvel, relações interpessoais volúveis,
conhecimento volúvel “para ontem”. Há como superar a Cultura de Consumo pela
via educacional? As variáveis... Levam a crer que não!!!
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