Esta é uma prática antiga
dos opressores, cegar os que lutam. Hoje no Chile como nos tempos antigos de
opressão, cegam os jovens, mas eles continuam enxergando por meio de nossos
olhos que deles também são...
Este artigo que nós do Conselhodaclasse que republicamos é quase um poema, é uma crônica, enfim, é bandeira de humanismo,
do ser humano que podemos ser, apesar dos tiros de sal em nossos olhos dados
por outros seres humanos, até então desumanizados....
Boa leitura.
Os olhos do Chile
Os jovens cegos
enfrentam seus algozes e dizem: “eu posso vê-los, vocês não podem… vocês não
têm olhos que voam”!
Por Mauro Luis Iasi.
“Triste va mi canto ahora,
triste camina también mi pensamiento.
Ya no quiero adornar mi cabello,
ya no quiero cantar cuando el sol
aparezca en la mañana.
triste camina también mi pensamiento.
Ya no quiero adornar mi cabello,
ya no quiero cantar cuando el sol
aparezca en la mañana.
Iré a la montaña a esconderme,
para que nadie me mire,
para que nadie me mire.”
para que nadie me mire,
para que nadie me mire.”
Jaqueline Caniguán
(1974-),poetisa
Mapuche
Em um tempo muito antigo, depois da separação dos continentes, da
fúria dos vulcões, das cordilheiras gigantes e dos montes, o sol aparecia como
uma explosão de cores para nada. O dia e a noite se alternavam, luz e trevas,
sem que as estrelas ou a inclemência do sol pudessem percorrer impulsos
elétricos e nervos, sem que cem milhões de fotorreceptores pudessem transformar
luz e cores, sem que nenhum córtex pudesse captar os impulsos e formar imagens.
Há mais ou menos quarenta mil anos, quando os pés que cruzaram o
mundo chegaram pela primeira vez, é que a explosão de imagens inundou os olhos
amendoados. Eles viram o céu, o mar, a cordilheira, o condor e o puma, o voo do
pássaro e a cor do copihue, eles viram a noite e o dia, batalhas e impérios,
grandeza e decadência, a terra mineral, a dureza da semente e a promessa do
fruto.
Viram quando os conquistadores chegaram e lutaram contra os
impérios por seu ouro, viram a sombra da cruz de madeira ofuscar os deuses, a
tortura e a inequidade, viram a morte e o sangue, os corpos despedaçados, viram
como pode ser profundo o poço da maldade e do ódio. Mas viram também os que
lutavam, os punhos erguidos que buscavam o abraço da cordilheira, viram quando
as lágrimas se fizeram rios que guardavam a vida que foi e a vida que viria.
Viram mais de uma vez a noite derrotar o dia, a escuridão das
catacumbas, as trevas e as estrelas que resistiam como gritos de luz em meio ao
breu do firmamento, e a lua que morria para renascer em seu brilho de prata.
Viram gigantes que andavam sobre a terra. Por três séculos viram a
luta em defesa de Mapuche Wallontu Mapu,
viram com seus olhos a carnificina chamar-se de pacificação, viram Leftraru como criança sendo escravizado pela
infâmia e o viram crescer como Lautaro que olhou seus dominadores para aprender
como enfrentá-los.
Os olhos que se fechavam para dormir, os olhos que despertavam com
o sol viram os mineiros saindo das entranhas da terra e marchando por seus
direitos, viram mães carregando seus filhos, velhos e crianças do salitre
erguerem seu punho forte e viram as tropas da morte cair sobre eles e o
massacrarem em Santa Maria de Iquique.
Olhos que tanto viram anoitecer, também viram a esperança dos
dias, viram auroras avermelhadas e suas bandeiras, libertárias, socialistas,
comunistas. Viram a si mesmos no espelho claro de seus olhos limpos pelas
lágrimas da noite.
E porque viam o passado puderam ver o futuro e ele era de
bandeiras e cantos, de abraços e de encontros, de poetas e trabalhadores. Viram
o presidente com seus óculos que lhes permitia ver o povo e suas esperanças,
ver as crianças, as mulheres e os operários, os mineiros, o camponês e o índio,
cada gota do sangue e das lágrimas feitas em rio, viu a noite e as estrelas que
nunca deixaram de acreditar no amanhecer.
E mais uma vez a noite e suas botas, mais uma vez a morte e seus
cortejos, mais uma vez a infâmia e a tortura, mais uma vez as trevas. Mais uma
vez erguer a cruz e assassinar a Cristo, uma vez mais colocar o deus dinheiro
no altar e a fome no prato do trabalhador, escondendo os olhos do mal atrás de
óculos escuros e uniformes verdes.
Toda noite, por mais longa, encontra seu amanhecer. Mas nem todo
dia nasce por inteiro.
As fogueiras aquecem a revolta das ruas iluminando a insensatez da
noite. Por quanto tempo dormimos? Perguntam os que dormiram. Nenhum segundo,
respondem os que militam na insônia, pois aprenderam a arte de sonhar
despertos. Jovens, palhaços, meninas, cachorros da rua, senhoras e insanos,
professores e alunos, aposentados sem renda e enfermos sem médicos, cantores e
poetas, marcham desafiando a noite com o brilho dos olhos abertos.
Na vanguarda centenas de jovens sem seus olhos, avançam. No oco do
olho arrancado poderia morar a noite, mas habita a luz e denuncia seus
carrascos. Uma velha índia mapuche tira sons ritmados de seu kultrum e entoa uma oração.
Milhões de olhos, então, vêm desde o nascimento da cordilheira, do
coração dos vulcões, das geleiras e dos rios, de todos os combatentes caídos,
das minas e dos desertos, dos náufragos nos mares gelados, das alturas e das
entranhas da noite, das cabeças decepadas dos guerreiros índios, dos calabouços
e câmaras de tortura, dos porões e das avenidas, das fábricas e dos campos, dos
muros sujos de sangue dos fuzilamentos, dos corpos violentados e estuprados,
das gargantas caladas dos que cantavam, dos lábios mortos dos poetas. Milhares
de olhos agora encaram seus carrascos desde o buraco vazio dos olhos
arrancados.
Os jovens cegos enfrentam seus algozes e dizem: “eu posso vê-los,
vocês não podem… vocês não têm olhos que voam”!
***
Mauro Iasi
apresenta o Café Bolchevique da TV
Boitempo! Nesse quadro mensal do canal da Boitempo no YouTube, nosso comunista
de carteirinha apresenta conceitos-chave da tradição marxista a partir de
reflexões sobre acontecimentos da conjuntura política e social recente no
Brasil e no mundo. Se inscreva no canal aqui e venha tomar este café
conosco! Os dois últimos episódios foram sobre Chile, Bolívia e as insurreições
populares na América Latina.
Quero ver o hino se tornar realidade: verás que um verdadeiro filho teu não foge a luta! Que venha 2020
ResponderExcluirIsto mesmo Eliana, nada deve deter o caminho do ser humano para sua autonomia e felicidade. Boas frestas pra vc e pra todos nós. Inconformados e divergentes Educacionais
ExcluirBoas festas, digo.
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