terça-feira, 11 de agosto de 2020

Marx: O Caça-Fantasmas.

O PROCESSO DE TOMADA DE CONSCIÊNCIA E O NÃO SABER O QUE FAZER COM ISSO!!!!!

Max Diógenes


Tenho uma amiga. Minha amiga chama-se Lucinda. Lucinda, por motivos que eu, e talvez, nem ela mesma consiga explicar, vem dedicando-se ao estudo do marxismo e de outras teorias que explanam as mais ocultas contradições do sistema capitalista em suas mais diversificadas formas; em todas as suas especificidades e variações.

Em certa ocasião, via WhatsApp, Lucinda relata-me:

“gosto de aprender sobre o marxismo, de entender o capital... O modo como enxergo o mundo mudou... Mas... E aí?... O que faço com tudo isso??”.

Creio que tal conflito intelectual/espiritual, tenha tirado o sossego de todos aqueles que, em algum momento da vida, também se empenharam à compreensão do pensamento de Marx e, consequentemente, do modo como giram as engrenagens da mecânica capitalista. De acadêmicos que profundamente se debruçam ao estudo do assunto aos mais variados grupos de militância de esquerda, é provável que, a certa altura do processo, o espírito curioso e revolucionário tenha se arrefecido e dado espaço a algum tipo de descrença ou desilusão – que diferem-se, e muito, de pés-no-chão – pois não conseguimos vislumbrar a curto prazo os resultados da prática, a funcionalidade destas teorias que com tanto esforço nos comprometemos a apreender.

É precisamente acerca desse “don’t know how” existente no entorno do espírito e da tradição do marxismo, que tento realizar algum tipo de reflexão neste artigo.

Se faz ímpar aqui esclarecer que, ao contrário dos muitos leitores e produtores de textos desse blog, não sou expert na compreensão do pensamento e do método de Marx. Meu contato com o marxismo, por longo período, se limitou à sua aplicação ao campo da ciência psicológica – sou psicólogo de formação – em práticas inovadoras que tinham por finalidade democratizar o acesso à Psicologia no Brasil, fazendo com que tal profissão, alcançasse as populações em situação de maior vulnerabilidade social e promovesse a valorização de trabalhos em grupos e de caráter comunitário, como forma de superar os tradicionais atendimentos clínicos, individualizados e feitos apenas para os que poderiam pagar caro por sessão. Estou engatinhando nesse processo de aprofundamento do entendimento do pensamento e da ciência de Marx, logo, peço antecipadamente perdão por possíveis fragilidades referenciais que ajudarão a embasar meu argumento.

A primeira referência da qual lanço mão, foi igualmente a primeira com a qual tive contato enquanto formando em Psicologia, no que diz respeito ao estudo específico da Psicologia Social. Trata-se de um livro intitulado PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA: UMA PERSPECTIVA CRÍTICA EM PSICOLOGIA. Um compilado de artigos com explanações teóricas e relatos de experiências pautadas pela vertente Sócio-Histórica da Psicologia – criada no Brasil, a partir dos preceitos postulados por Marx e Vigotski – organizado por proeminentes nomes da área como Ana Bock, Maria da Graça e Odair Furtado.

No capítulo 6 deste livro, escrito por Maria da Graça e denominado FUNDAMENTOS METODLÓGICOS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA, é produzido uma espécie de levantamento histórico, trazendo à tona a constituição de um processo, levando em conta quatro correntes do pensamento ocidental que buscaram fornecer um método para a compreensão da ontologia do Ser, principal objeto de estudo e de intervenção do psicólogo, enquanto cientista e profissional da saúde.

De Kant e sua dicotomia entre Razão Pura, que permite o entendimento imediato do fenômeno a partir do sensível, e da Razão Prática, que possibilita ainda a compreensão da realidade sem desconsiderar a essência dos fenômenos, portanto, sem abrir mão das abstrações, para o Positivismo. Do Positivismo, que visa unificar/universalizar a técnica cientifica e, consequentemente, que não diferencia os objetos de estudo – homem ou natureza; histórico ou natural – para Hegel. E de Hegel, que formula um método que abrange a compreensão e a utilização da razão e do real, descrevendo o Ser e o entorno do Ser como fenômenos distintos, mas unificados e em constante transformação, em constante Devir, numa relação dialética onde as contradições se sintetizam e se superam, sem propriamente negar as condições anteriores de sua fenomenologia e originando novas condições fenomenais que serão superadas a partir de suas próprias contradições... Para Marx.

E é em Marx que temos o pulo do gato – e quando falo em pulo do GATO, não me refiro à estética do barbudo. Que era genial, mas feio. Tomando como base um esquema montado por Maria Lúcia de Arruda Aranha & Maria Helena Pires Martins, no livro FILOSOFANDO: INTRODUÇÃO À FILOSOFIA, vemos que, para Hegel:

1° há a “ideia pura” => 2° a ideia, “idealiza” o seu oposto, sua antítese, seu exterior: a natureza => 3° das contradições existentes entre a razão (ideia) e o real (natureza) surge o “espírito” => 4° e no espírito (que para Hegel pode ser subjetivo, objetivo ou absoluto) que é a síntese entre as contradições da razão (ideia) com o real (natureza) se forma aquilo que chamamos de consciência e, portanto, compreensão de nós e do mundo, ambos em ininterrupto Devir, ou seja, em ininterrupta transformação.

Percebam que, e aqui, falo a grosso modo, para Hegel, o pensamento (ideia) precede o real (natureza). Em outras palavras, no método de Hegel há uma IDEALIZAÇÃO da realidade para a sua compreensão e formação de uma consciência. O velho Marx inverte a lógica desse pensamento. Para ele, é o mundo material, o modo como se constituem os sistemas produtivos de cada sociedade em cada época, que, a principio, determina a consciência e as formas de se conduzir a vida em sociedade ou individualmente. Tanto quanto em Hegel, Marx não concebe o sujeito como um ser simplesmente apático diante do mundo e conduzido inertemente por forças externas. O mundo material é a força propulsora constitutiva do que chamamos de consciência, mas a partir de então, homem e mundo correlacionam-se em mutua transformação, possibilitando ao homem, inclusive, aperfeiçoar a razão de tal maneira, que este possa, vez ou outra, agir intencionalmente no mundo para alterá-lo de modo a subjugar a natureza, de acordo com as necessidades da espécie – as vezes o tiro pode sair pela culatra, e sem querer, o homem pode se deparar com algum vírus inadequado, ao manipular a natureza.

É com este up de materialidade ao método dialético que desnaturaliza o desenvolvimento humano e das diferentes sociedades constituídas a partir de distintos modos de produção em épocas singulares é que se consolida a “historicização” da compreensão de uma determinada sociedade em determinado momento. A construção do conhecimento finalmente adquiriu traços humanos. E é assim, que Marx, ao longo de toda a sua vida, se propõe a estudar uma forma única, específica, peculiar de sistema produtivo que só pode funcionar do modo como funciona e ter como consequências as consequências que dessa forma se originam, repleto de contradições que variam desde um alucinado e impressionante desenvolvimento tecnológico nunca visto antes e uma criação de riqueza impensável em outros períodos e que se concentrará nas mãos de uns poucos privilegiados, a uma baixa perspectiva de uma existência minimamente decente para a maior parte da população que mal terá acesso a três refeições por dia, ou a saneamento básico, ou à educação gratuita e libertadora, ou à possibilidade de se resguardar de forma segura e tranquila em sua casa enquanto o mundo não controla a disseminação de algum novo vírus.

Marx joga o acaso, o cosmos, o agir puro e simples da natureza, ou mesmo deus – apesar de dele se utilizar em metáforas sarcásticas ao realizar comparações com o capital – para escanteio ao analisar todas as contradições inerentes ao sistema capitalista de produção. Contudo, como o homem em sua relação dialética com seu contexto, não é simplesmente objeto inerte que se deixa levar pelo funcionamento mecânico do sujeito autômato que é o capitalismo, mas se insere nas relações sociais típicas desse modo de produzir sua subsistência como um sujeito autônomo, apesar de não poder controlar a forma de produção capitalista que para que seja o que é tem de funcionar como funciona, pode a partir de sua práxis – movimento que gera consciência e consciência que se converte em novo movimento que gera nova consciência que se converte em novo movimento... – superar tal modo de produção e substitui-lo por outro que apresente desafios e problemáticas que sejam outras que não estas que há mais de três séculos exauri, talvez de forma muito precoce, a vida de milhões de pessoas.

Marx, ao realizar sua análise acerca do capital, abandona o moralismo, desvincula o entendimento da economia vigente de uma suposta maldade humana, pois esclarece que, para que haja funcionalidade no capital, tudo só pode se desenrolar do modo como se desenrola. O fluir do mercado é o objetivo; não o fluir da vida – dos humanos e de outras espécies. Portanto, proletários e burgueses; detentores dos meios de produção, produtores, distribuidores, trocadores e consumidores, nada são além de peões que botam a roda para girar. Cabe ao proletário, tomar consciência acerca do absurdo que é ter de despender energia vital em pró não de si ou da coletividade da qual efetivamente faz parte, mas apenas em benefício de um sistema.

Em texto introdutório de advertência aos leitores de primeira viagem de O Capital, o filósofo marxista Louis Althusser, nos premia com pistas sobre o que vamos encontrar pela frente ao iniciarmos a leitura da obra maior de Marx. Dentre estas dicas, está a de que nos depararemos com um texto produzido com tal rigidez intelectual que, não seria exagero nenhum afirmar que Marx conferiu às ciências humanas, a possibilidade de se estudar fenômenos sociais com critérios tão bem definidos e fidedignos com se faz possível com a Matemática ou com a Física.

Quando nos comprometemos a ler a obra em questão – O Capital – com afinco e concentração e ao complementarmos nossa leitura assistindo aulas de renomados estudiosos – acho balela esse negócio de alto ditada, pelo menos no que diz respeito às ciências sociais – vamos compreendendo que os conceitos descritos por Marx não pairam não ar. Não são divagações metafísicas ou simples hipóteses criadas a partir de análises realizadas com critérios sólidos, porém com resultados dúbios e passiveis de diversificadas interpretações. O fetiche da mercadoria, que oculta toda a funcionalidade de um processo social que abrange não só a forma de produzir riqueza – e exploração – em uma dada sociedade, mas também que ilustra o modo como os agentes sociais se relacionam nessa mesma sociedade é tão verdadeiro quanto a gravidade ou o ar que respiramos. Em Marx, não há invenções; há descobertas.

Muitos acusam o marxismo de ser utópico, não palpável e o denunciam, como a qualquer movimento progressista, de ingênuo e de esperar do homem apenas o melhor, desconsiderando o real – Alexandre Porto, MBL, Ideias Radicais, Instituto Mises e Paulo Guedes que o digam. Estes sim são os inocentes. Creem possuir algum controle do mercado; falam em ética quando debatem economia. Estes sim, são utópicos.

Marx – e agora sou eu interpretando o autor; sem referências – tanto quanto o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, em rumo inverso ao qual os liberais em geral o acusam de seguir, muitas vezes, sem o ler – Alexandre Porto, MBL, Ideias Radicais, Instituto Mises e Paulo Guedes que o digam – e é claro, com métodos e ambições completamente diferentes do próprio Nietzsche – não há relação alguma de complementariedade entre os pensadores; antagônicos em tudo – nos puxa para Terra; nos salva – ? – do paraíso; nos liberta das muletas metafísicas – usando termo de Nietzsche. Em suma, o entendimento do mundo está no mundo; a mudança do mundo, está no mundo.

O filósofo francês Paul Ricoeur descreve o barbudo e o bigodudo – Marx e Nietzsche – e inclui o velho Freud – barbudo, também, em suas fotos de jovem, aparentando ser um atual classe média consumidor de Heineken, frequentador de “barzinhos”, fã da NFL e empreendedor de franquias – como sendo os mestres da suspeita, por ter no âmago de suas produções intelectuais, o questionamento dos mais profundos valores consolidados por séculos na sociedade ocidental. Fosse elucidando o modo se organizar e distribuir a produção e a riqueza de uma sociedade; fosse martelando os conceitos morais petrificados ao longo do tempo pelos homens; fosse por descobrir e ilustrar o inconsciente – não somos tão donos de nós assim –, estes homens viram para além das aparências; leram nas entrelinhas e fizeram ruir as mais sólidas crenças e convicções racionais que o homem havia dado como certas até então.

A partir dessa parafernália toda, podemos concluir que:

1. Não somos apenas fruto das relações sociais. Por elas somos determinados, nelas nos desenvolvemos, contudo, a partir delas podemos nos emancipar. Somos constituídos em uma forma especifica de produção e organização da produção e distribuição da riqueza. Conscientizamo-nos nesse contexto. Portanto, podemos superar essa sociedade que nos “forma”; “nos conforma” – não a nós, divergentes... Certo?;

2. Marx elimina a metafísica da compreensão de uma determinada forma de sociedade; e a desnaturaliza. Nós criamos – apesar de nem sempre poder controlar, como no capitalismo – o modo como organizamos a produção e distribuição de riqueza. Agregando ao que foi dito no item 1, temos nossa subjetividade e nossa objetividade constituída nessa forma social especifica, contudo, podemos destruir nossa criação; modificá-la; melhorá-la;

3. É esta a vida que temos; não podemos crer em paraísos; nada garante que há algo melhor no pós-vida. É essa existência que temos de valorizar; é esta vida que podemos melhorar;

4. A aparência, não nos diz nada... Parafraseando o próprio Marx, se aparência e realidade fossem a mesma coisa, qualquer estudo seria inútil... Estudemos, nos aperfeiçoemos intelectualmente para entender a realidade, para além do que nos é mostrado. Sejamos mestres da suspeita;

A filosofia de modo geral, e em especial, a obra de Marx, “objeto” de nossa análise, não podem ser confundidas ou comparadas, ao conhecimento imediato ao qual recorremos, para nos fortalecer, aperfeiçoando-nos, dentro do contexto e das exigências específicas da sociedade capitalista. A praticidade do marxismo, não é a mesma, por exemplo, a curto ou médio prazo, comparável aos benefícios que, provavelmente, um curso de Gestão da Qualidade pode nos trazer individualmente; ou uma qualificação como Técnico de Segurança Industrial; ou nos formarmos como Mecânicos de Usinagem no SENAI; ou como Psicólogo... “Formado”... “Melhor do que vocês”... – se é que vocês me entendem.

A praticidade da racionalidade marxista é complexa; porque é praticável em longo prazo; em conta gotas; e de forma extremamente coletiva... Há de se existir uma hegemonia de pensamento – que não temos, e que talvez estejamos longe de alcançar; mas que não é, nem de longe, impossível.

E você, leitor, estudante de Marx, leia atentamente os quatro itens que descrevi acima, e, de forma sincera e profunda analise se de fato, o marxismo já não promoveu benefícios práticos em sua vida... Aposto um fardinho de Lokal, com qualquer um que ler essa merda, que a resposta é SIM.

Me despeço deixando um quinto e último item; sem referência bibliográfica para alguma consulta e sem análise pessoal... Se vire... Estude e procure entender... Leia O Capital; tenha dor de cabeça, a partir de uma afirmação MINHA...

Marx, nos mostra, que o capitalismo, é repleto de fantasmas que conduzem nossas vidas... Ele nos faz entender estes fantasmas... E alerta... Não precisamos ter medo deles...

Marx te ensina a não temer os fantasmas...

Quer mais praticidade que isso?????

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