Max
Diógenes.
1- PERSONALIDADE
Ao dar um
rápido Google, a fim de pesquisar a etimologia da palavra personalidade,
constataremos que sua origem é grega; derivada do termo persona, que pode
significar, literalmente, máscara. Diz respeito aquilo que em nós é externo;
público. Em suma, ao que é, para os demais, aparente, em relação ao nosso modo
de ser no mundo.
Na
Psicologia experimental, apenas no fim da década de 1.930, o estudo da
personalidade fora formalizado, nos Estados Unidos – o exacerbado pragmatismo
americano – e, desde então, psicólogos de inúmeras correntes, no mundo todo,
que fizeram da personalidade seu objeto de pesquisa, defendem a tese de que, ao
falar do processo de desenvolvimento e constituição da personalidade, a coisa,
em hipótese alguma – apesar da etimologia do termo – pode se resumir ao que é
aparente; externo; público.
Entretanto,
somos seres constituídos, na sociedade regida pela troca de mercadorias. E a
troca constante, sistemática, funcional, dessas mercadorias, entre os seus
diversos portadores, gera, óptica e, consequentemente, psicologicamente, a
percepção de uma sociedade naturalmente organizada; e não política e
historicamente desenvolvida. Tudo, em nossa vida, está dado; desde sempre; e
nada pode ser modificado. Guy Debord, pensador francês, tendo o marxismo como
base para a produção de sua obra, descreve tal sociedade, como sendo a
“sociedade do espetáculo”. Nessa sociedade, pelo caráter fetichista da
mercadoria, que se apresenta a nós, como se tivesse vida própria, nos tornamos
meros espectadores dos acontecimentos. Não nos reconhecemos como produtores
ativos da história; nossas relações, conduzidas apenas pelas sensações mais
imediatamente detectadas, acabam por serem norteadas, nem mais pelo ser e,
tampouco, pelo ter, mas pelo parecer. Poderia, numa sociedade assim formada, o
pragmatismo da psicologia experimental, superar a camada da aparência, ao
estudar a tal da personalidade?
*
Os
estudiosos do tema creem que sim. E, para justificar tal possibilidade, muitos
deles, não se constrangem em subverter os sentidos originais do termo
“personalidade”, estendendo o estudo e as explicações para as
“particularidades”; para o “íntimo”; para o subjetivo.
Óbvio, há as
correntes que pretendem entender a personalidade, a partir da tal da óptica
bio-psico-social, levando em conta os aspectos naturais, psicológicos e,
sobretudo, o “contexto” sociocultural no qual se constitui cada uma das
subjetividades. E “contexto” é aqui escrito entre aspas, mesmo, pois, essa
contextualização, considera, geralmente, apenas o específico de cada caso, ou
seja, via de regra, não há a pretensão de se compreender a constituição da
personalidade, a partir daquilo que é universal, por ser hegemônico: a base
material da sociedade.
Ao estudar a
personalidade, a ciência burguesa, busca compreender a formação dos aspectos
predominantes de uma subjetividade, ou pela ação autônoma do indivíduo no mundo
ou pela relação desse indivíduo com um mundo muito particular; mas não com o
mundo histórico e político. A ciência da burguesia, não consegue subverter a
ideologia da burguesia.
2- INTELIGÊNCIA
Se ao
estudar a personalidade, a ciência burguesa não consegue romper com os limites
impostos pela ideologia, por que, no estudo da inteligência, a coisa seria
diferente? Pois, como você, leitor inteligente, bem pôde deduzir, não é.
Quando o
estudo universaliza as questões da inteligência, o faz apenas para naturalizar
a condição do indivíduo; e quando contextualiza, contextualiza apenas o que é
muito específico do sujeito. Não há história e nem política na produção dos
estudos.
Ou,
reformulando a afirmação e ampliando o seu sentido, há sim, história e
política; são intrínsecas aos estudos e, raramente, percebidas por quem os
realizam: há a reprodução do espírito dominante, constituído na, e mantenedor
da base material da sociedade.
*
3-
DISSERTEMOS
Há um estudo
específico com o qual tive contato e que me motivou a escrever esse breve
texto.
Encontrei,
sem querer, a notícia sobre o referido estudo, no site do MSN. A chamada para a
matéria dizia: “Crianças nascidas na pandemia têm Q.I. menor, aponta estudo”.
Sou
psicólogo de formação; bacharel, desde 2.014; nunca consegui levar a sério
essas quantificações ou mensurações, normalmente, pautadas por testes que
seguem os rigorosos padrões, exigidos pelo método científico. Sempre tive a
sensação de que essas qualificações, promovidas por tais testagens – sei que o
objetivo dos testes, aplicados como parte de uma bateria de ações do psicólogo
em determinado atendimento, não é o de qualificação; mas essa consequência, dessa
prática, acaba por ser inevitável – acabam por tornar aos profissionais
envolvidos no trabalho, tudo mais fácil, “palpável”, afinal, serão os números,
os resultados “empíricos” que trarão determinada referência para um possível
diagnóstico e para o planejamento da sequência do atendimento.
Enfim...
Os
pesquisadores são da Brow University, Estados Unidos – de novo –, do
departamento de pediatria. Segue, uma citação da matéria:
“As análises
afirmam que os primeiros anos de vida de uma criança são essencialmente
importantes para o desenvolvimento cognitivo. Entretanto, com o fechamento de
creches, colégios, parques e outros ambientes infantis, as crianças deixam de
ter interações interpessoais e estímulos em casa. – quê? Com fechamento de
espaços públicos, a criança deixa de ter estímulos em casa? – Durante a
pandemia, muitas empresas adotaram o estilo home office, e os pais estão
precisando se adaptar não só com o emprego à distância, como também, com filhos
pequenos por perto o dia inteiro, elevando o nível de estresse”.
Incrível,
não? – e aqui, eu começo a deixar de lado o tom empolado da academia, para
gozar com a ironia; meu forte literário.
*
O professor
Mauro Iasi, em seu artigo OS INTELECTUAIS E A DECADÊNCIA IDEOLÓGICA, publicado
no blog da Boitempo, nos ensina que...
“Marx estava
convencido de que existe um nexo entre as ideias dominantes e as relações
sociais dominantes – ou, mais precisamente, as relações ‘que fazem de uma
classe a classe dominante’. O movimento histórico, no entanto, caminha por
contradições de forma que as relações sociais dentro das quais as forças
produtivas se desenvolveram podem se converter em obstáculos. No momento em que
isso ocorre, estabelece-se uma contradição e as ideias que antes correspondiam
se tornam inautênticas, não correspondentes”.
Façamos,
então, a partir desse ensinamento do professor, uma análise da análise feita
pela equipe da reportagem, em relação ao artigo que “comprova” o baixo Q.I. de
crianças nascidas na pandemia. Elucidemos as contradições.
*
Provavelmente,
qualquer um que esteja lendo esse texto, conhece uma criança, nascida entre
fevereiro de 2020 e o presente momento, certo? E é possível que, inclusive,
essa criança que você conheça, por milhões de motivos, mas, sobretudo, por não
ter idade nem para saber respirar direito – obviamente, uma brincadeira
exagerada – não frequente uma creche e que, portanto, não receba estímulos para
além daqueles que são emitidos por seus entes mais próximos. Por incrível que
pareça, muitos pais, ainda se sentem receosos em deixar um filho na tenra
idade, em mãos de desconhecidos, mesmo que tais desconhecidos sejam
profissionais. E aí perguntamos: tal realidade era imensamente diferente dessa,
antes da pandemia? Quantos de vocês, adultos leitores, ficaram em creches, com
um ano e meio de idade, para que papai e mamãe pudessem trabalhar? Creio que o
número de frequentadores de escolinhas, com um ano e meio de idade, aqui entre
nós, se aproxime do zero.
“Ah, mas a
matéria e o artigo deixam claro que não se trata só de creches, mas também de
praças, parques, shoppings, etc. Nesse período a socialização da criança se
tornou mais difícil, pois a maior parte dos locais que, normalmente, estão abertos
ao público, não estavam em funcionamento... Oh...”.
Oh... E
tanto nos States, quanto no Brasil e em quase todos os outros países, o cidadão
médio, em sua maioria, se esforçou por se isolar por completo, né?
Mas não
sejamos hipócritas. É sim, possível, que todos nós conheçamos pessoas que
sejam, por inúmeros determinantes, capazes de deixarem seus frágeis filhinhos,
sob os cuidados de desconhecidos, por muitas horas em um dia. Muitos
trabalhadores/trabalhadoras têm tal necessidade; mas, raramente, encontram
vagas em creches e pagar pelo serviço, não é algo barato e, portanto, simples.
Em geral, apelam para vizinhos, amigos e parentes, ou seja, para conhecidos. A
que classe pertencem essas pessoas que você conhece e que conseguem deixar o
filho em uma creche? De qual realidade – americana ou brasileira, não importa –
o estudo, de fato fala? De uma maioria?
“...e os
pais estão precisando se adaptar não só com o emprego à distância, como também,
com filhos pequenos por perto o dia inteiro, elevando o nível de estresse”.
Insisto: de
qual realidade – americana ou brasileira, não importa – o estudo, de fato fala?
De uma maioria?
E olha que
somos uma sociedade conservadora, que valoriza a constituição da família; rs...
Na aparência...
4-
FINALIZEMOS
Ao esmiuçar
o principal item analisado pela matéria em relação ao estudo, podemos constatar
facilmente, que a realidade caga para o controle do método e para o recorte
feito pelos pesquisadores.
Tanto para
os pesquisadores, quanto para os leitores e analistas da pesquisa, o que vale,
é um padrão de vida, no qual haja home-office, creches acessíveis, obediência
geral às políticas de isolamento, “inevitável” falta de estímulos caseiros...
Os números
foram obtidos por meio de testes e, como a realidade por si, não justifica os
números, eles criam uma realidade que possa ser condizente com as mensurações
apresentadas pelos testes.
É como o
professor Iasi, utilizando-se de Marx, Engels e a Ideologia Alemã, diz e nos
ajuda no complemento do raciocínio: o desmentir dos conceitos, pelo mundo real,
em nada abala as convicções da consciência burguesa.
Os
cientistas dessa história continuarão a estudar a personalidade partindo do
movimento autônomo do indivíduo e das especificidades de sua microssociedade;
continuarão a querer mensurar a inteligência de bebês de um ano e meio;
continuarão a produzirem mundos que justifiquem os resultados obtidos por sua
ciência e que permitam a continuidade da reprodução do espírito dominante...
Em suma...
Continuarão
brincando de serem cientistas... Ou... De PARECEREM cientistas...
https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/crian%c3%a7as-nascidas-na-pandemia-t%c3%aam-qi-menor-aponta-estudo/ar-AANyjLa?ocid=mailsignout&li=AAggXC1&fbclid=IwAR0SgqwURz8PZGCHA8CXJpUdg21n798M3b_XHCLgZlkaJJZpgIJ8kWtVVpE
https://blogdaboitempo.com.br/2020/09/14/os-intelectuais-e-a-decadencia-ideologica/
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