quarta-feira, 4 de setembro de 2024

O Dilema de Narciso: o Ser e o Não-ser do Capital. Entre a Superação e a Contemplação.

 O Capital Industrial e o lugar do Proletariado na luta pela Emancipação Humana

 De acordo com o mito grego, em um certo dia Narciso se deparou com seu reflexo no rio onde acabou ficando encantado por sua própria beleza, acorrentando-se a si mesmo e definhando sem poder sair de sua ilusão. Por mais que procurasse tocar seu eu -ilusório- na superfície do rio esse desaparecia no movimento das águas para em seguida reaparecer...

Assim como Narciso, podemos viver em um simples contemplar, emaranhados na estratégia que nos trouxe até aqui, ou fazer o inverso, como insinua a personagem retratada na capa do Livro.

Observando a capa do livro o que talvez nos escape num primeiro olhar é o fato da mulher trans proletária se reconhecer como parte da nossa classe. Ela se olha no espelho e se enxerga em nossa classe, mas não está presa em seu reflexo: é continuadora junto a nós da resistência, transparece e ecoa o proletariado.

Sua resposta é voltar seus olhos para nós, irmãos de classe e luta.

Enquanto no mito da Grécia Antiga resta o esvanecimento curvado de Narciso sobre si mesmo, nossa proletária mantém-se de pé olhando para frente - vendo que o seu ser está em sua classe - e para o lado - indicando que seu futuro está "no nós"-, um singelo convite a fazer-se parte, ao pertencimento; seu passado não aprisiona, na realidade desprende, seu Norte é a Emancipação!

O livro de Elias Moreira, que nós divergentes indicamos, tem esta perspectiva, além de expor o que temos de mais avançado na compreensão do ser do capital e da classe proletária, uma inferência sobre o potencial emancipador da classe Proletária.

O texto que se segue após essa nossa introdução traz algumas ponderações sobre possíveis questionamentos que venham a surgir.

 

Boa leitura!

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A obra que é referência - O Capital - para o livro “O capital Industrial e o lugar do proletariado na luta pela emancipação” traz como aviso que o “[..] começo é difícil; isso vale para qualquer ciência.” Para todos nós trata-se de um recomeço, de reavaliar tanto nossas práticas quanto a teoria que a informou, e que persiste com a Estratégia Democrático Popular (EDP) que dirige a nossa classe.

Os apontamentos que o livro faz, podem nos causar estranhamento, pois é uma superação dos elementos que informam EDP no plano teórico, então, parte de tal dissonância tem como uma de suas causas a luta do nosso ser permeado pela classe contra a essência da velha estratégia, todo reinício tem seus percalços, entretanto se faz necessário para superar e criarmos enquanto classe a emancipação humana.

Felizmente sabemos que essência e aparência não são sinônimos, portanto, a ciência é necessária. Infelizmente nossa teoria e ação enquanto classe, se encontram em um momento de serialidade, o Democrático Popular como um parasita ainda se agarra com força ao corpo da nossa classe deteriorando seu ser.

Por mais doloroso que nos seja, impõe-se a nós a superação prática e teórica dessa situação, é imprescindível o acerto de contas e não podemos nos negar tal tarefa.

Na análise do Capital Industrial e do papel do proletariado na luta contra o capitalismo, a dialética se faz presente não por escolha nossa, mas por ser uma exigência da análise do próprio objeto, esse ser que se valoriza e se movimenta sem amarras por todo o planeta, encarna ora em um determinado objeto ou ser vivo, ora em outro, assim é o seu movimento. Sabemos que o capitalismo se caracteriza não só pela produção de mercadorias, mas também da mais-valia, ou seja, pela produção de Capital.

Ao analisarmos o ser do Capital (essência), pode ser que o seu movimento dialético com sua consequente configuração cause a impressão de que não há constituição física onde o verbo se faria carne, ou melhor, no qual o valor se faz vida.

A compreensão predominante do ser do Capital em nossa época, que é característica da velha estratégia e alguns percalços na leitura da obra O Capital, nada mais são do que esse velho parasita - que lutamos para expulsar do seio da nossa classe - insistindo em permanecer, se debatendo com todas as forças e buscando se enraizar ainda mais em nós.

Façamos um exercício com um exemplo de como seria o movimento do Capital, agora que ele se tornou transnacional:

Antes de mais nada, evidenciamos que a atual compreensão do capital permeada pela EDP se prende tanto ao corpo aparente, que por exemplo, inviabiliza o entendimento de que um professor de escola privada - onde se estabelece a relação social entre este, os alunos, e o burguês da educação - produz valor, mais-valor e a mercadoria consumida por seus alunos no processo de ensino-aprendizagem.

Mas como assim?!

Pela seguinte razão: o fato de a mercadoria (A Aprendizagem), que se dá no processo de trabalho e que é adquirida pelo estudante durante a aula, se materializar em seu cérebro (físico) e não nas suas mãos, nos faz crer que ela (a mercadoria) não tenha materialidade...

E, no entanto, ao final do dia de trabalho produziu-se Capital...

E essa leitura que se prende tanto ao corpo, é aquela em que esquecemos que o Valor encarna em qualquer corpo que expresse tal relação, assim como o demonstra a capa do nosso livro: "aquele ser físico" mulher trans - que ri, chora, festeja e canta - é também negra e proletária, que talvez produza mercadoria aplicativo, software ou jogo eletrônico para a Google, Apple, Uber, Sony ou Microsoft e que encarne talvez no seu celular; e que ainda mais, possivelmente trabalhe um tempo, na China, Alemanha, Japão etc., e que por isso carrega em suas mãos uma maleta e não um capacete - uma determinada proletária como a do exemplo em questão circula pelos quatro cantos do planeta, na verdade ela não é quem de fato circula, mas o valor, ela só pode nesse caso específico estar em outros pontos do planeta pelo simples fato de carregar consigo a relação de produção de mais-valia, onde se relaciona com o capital como a mercadoria que o produz!

E se a proletária ao invés de uma maleta carregasse consigo um capacete e quem sabe produzisse prédios?

Esse prédio estaria “preso” a um país, e seu dono seria um “burguês nacional”?

Ora, o valor desse prédio, percorrerá na verdade os quatro cantos do globo e o fará embora nos pareça estático.

E quem sabe esse “burguês nacional” não caminhe e tenha a liberdade para caminhar e desfrutar em qualquer parte do mundo, possuindo propriedades imobiliárias em outras nações.

E se esse prédio for na realidade agora uma escola, propriedade de outra personificação do Capital? O proprietário dela estabelecerá com seus proletários cativos do vínculo com e para o Capital a mesma relação que a força de trabalho que produz aplicativo ou que viaja pelos recantos do planeta a mando de uma determinada empresa – e que nos aparece como que desvinculada – estabelece com os proprietários destas outras empresas.

O fundamental é entender o ser, a partir dele apreendemos o movimento do real com mais clareza, até porque os corpos físicos se movem de acordo com um determinado espírito social, como acabamos de verificar.

Talvez esse fato seja um dos motivos que tenha levado Marx a escrever ao final da primeira parte de seu livro sobre o fetichismo da mercadoria. Vejamos bem, aquilo que o proletariado produz, a mercadoria, pelo seu duplo caráter (Valor e Valor de uso), cria (na aparência) como que uma inversão na materialidade, aquilo que é criação da classe fundamental para nós termina por domina-la, a mercadoria movimenta-se como um ser vivo, e esse movimento vem não de sua materialidade mercantil (como se praticasse o comércio por si), o que termina por surgir como característica  de um outro ser, manifestando-se como se de fato fosse a quinta-essência da imaterialidade, eis aí o Espírito: o mercado!

Assim essa divindade termina por estar tensa, nervosa, preocupada etc., como os deuses dos antigos gregos que carregavam em si as paixões humanas.

Temos aqui uma belíssima trindade que de santíssima nada possui; onde Pai, Filho e Espírito corresponderiam respectivamente a: Capital, Mercadoria e Mercado.

Todos nós sabemos que quem está nervoso ou tenso no fim das contas não é essa fantasmagoria que elevam ao status divino: “O Deus Mercado”!

As classes em luta, os sismos diários que o proletariado estabelece com seu algoz, o burguês, é onde realmente está a tensão e a agitação que se atribui ao mercado. Ao estabelecer-se a relação de compra e venda da mercadoria força de trabalho, o proprietário desta aos olhos do burguês torna-se nesta relação, mero objeto, uma coisa, valor de uso. Por outro lado, sua criação única - como que milagrosa - é imbuída de valor e mais-valor, é aqui que se estabelece o vínculo, o nó que ata o criador ao “ser coisa”, e o objeto ao status de “ser vivo”, no processo material da produção capitalista, tudo se põe de cabeça para baixo; somente a ciência e o método de abstrair o real na cabeça, afastando o que perturba o fenômeno analisado, permite compreender que é o Valor, que vem do ser dotado de vida (a nossa classe) que o transfere ao produto, e que ao fazer essa transferência como que retira e perde a sua energia vital, é aí que nasce o fetichismo da mercadoria!

E o Valor não é mais o que era – mero Valor -, assim como não o é também mais o produtor de Mais-Valia: Um se torna Capital (valor em processo de valorização perpétua) e o outro mera mercadoria que produz o seu algoz - o Capital - fruto de uma relação socialmente objetiva. Nesse ínterim ambos se metamorfosearam em algo muito mais complexo; e dessa explanação também concluímos que por mais material que algo seja, ou por mais que se apresente descarnado, um não existe sem o outro, e assim o verbo se faz carne, não porque o quis, mas por imposição da própria objetividade do real.

O fato de a preocupação do livro ser desvelar essa compreensão, e estarmos ainda tendo de lidar com a EDP é o que talvez leve a crer que ignoramos o físico, a materialidade, porém reiteramos que não; buscamos na verdade demonstrar um outro patamar de compreensão que permita dar passos rumo a Emancipação Humana.

No prefácio ao livro falamos que a classe pode voar novamente, e dessa vez para a Emancipação de uma vez por todas, o voo não é uma tarefa fácil, no entanto é possível.

Nosso livro pretende ser nada mais, nada menos que uma espécie de “aula de voo” para a luta do Proletariado contra o Capital, para o fim da relação de compra e venda de sua força de trabalho, ou seja, da sua exploração.

Alertamos que para voar, como primeiro passo é preciso erguer a cabeça, deixar de lado o reflexo invertido de nós mesmos e de nossa realidade – fruto da estratégia que aqui nos fez aterrissar - e usar uma nova roupagem capaz de dar conta da situação em que nos encontramos.

Concluímos nossa exposição com as palavras de Mauro Iasi:

 

"O conhecimento

caminha lento feito lagarta.

Primeiro não sabe que sabe

e voraz contenta-se com o cotidiano [...]

Depois pensa que sabe

e se fecha em si mesmo:

faz muralhas[...]

Defendendo o que pensa saber

levanta certezas na forma de muro,

orgulhando-se de seu casulo.

 

Até que maduro

explode em vôos [...]

 

É meta da forma

metamorfose

movimento

fluir do tempo

que tanto cria como arrasa

 

a nos mostrar que para o vôo

é preciso tanto o casulo

como a asa."

 

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