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By Emilio Gennari – Educador PopularE-mail: epcursos@gmail.com |
Em abril, o
isolamento social para enfrentar a pandemia paralisou parte considerável da
indústria, do varejo e do setor de serviços, desencadeou uma onda de demissões
e impediu o comércio informal deixando sem renda milhões de trabalhadores. A
recessão atingiu marcas históricas que despertaram sérios temores em relação a
quando e como seria possível enveredar pelo caminho da recuperação.
Maio e junho apresentaram uma
melhora dos indicadores em algumas atividades econômicas. Os dados levantados
pelos órgãos do governo e pelos diferentes institutos de pesquisa apontavam a presença de sinais vitais até nos setores mais duramente
atingidos pela crise.
Julho
e agosto mantiveram o ritmo vagaroso pelo qual o país busca sair do atoleiro em
que mergulhou e as estimativas semanais do Banco Central vêm confirmando o
caminhar lento e incerto rumo a uma queda do PIB anual menor do que a esperada
no início da pandemia.[1]
Então,
podemos dizer que o pior já passou?
Assim
como uma família cujo ente querido foi internado em estado grave vê nas
pequenas melhoras a proximidade do momento em que passará da terapia intensiva
para a enfermaria, a evolução das atividades econômicas alimenta a esperança de os sofrimentos causados pelo desemprego
serem amenizados pela recuperação em curso.
Ao medir o pulso da
realidade precisamos ter o olhar do médico que, feliz com os sinais que
retratam a recuperação do paciente, se mantém atento aos indicadores da sua
evolução a fim de não ser surpreendido por recaídas e situações inesperadas.
O otimismo trazido pela
melhora não deve ocultar os problemas que ainda permanecem e nem os efeitos colaterais das medidas
adotadas pelo governo.
Com base nos dados disponíveis, faremos um balanço das atividades dos principais setores da
economia ao longo do segundo trimestre a fim de entender o que seus indicadores
revelam em relação ao período e as projeções para o futuro imediato.
1.
Comércio, indústria, serviços e agropecuária: a realidade de cada setor.
Os números do IBGE
referentes ao desempenho do segundo semestre não surpreenderam quem vinha
medindo o pulso da economia.
De acordo com o
Instituto, entre abril e junho de 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) do país
caiu 9,7% em relação ao trimestre anterior e 11,4% ante os mesmos meses de
2019. A indústria sofreu um tombo de
12,3%, os serviços de 9,7%, os investimentos em capital fixo despencaram 15,4%,
o consumo das famílias encolheu 12,5% e os gastos governamentais se retraíram
em 8,8%. Só a agropecuária apresentou um crescimento de 0,4%.[2]
Os dados que apresentam
uma economia devastada deixam a impressão de que todas as empresas passaram
pelo pior dos mundos e escondem realidades que, se não forem resgatadas, será
impossível entendermos o que de fato ocorreu no país.
Do mesmo modo, a
evolução mensal do desempenho de cada setor, apresentada pelo IBGE, demanda uma
atenção redobrada.
À medida que, em abril,
a recessão provocada pelo coronavírus reduziu quase todas as atividades
econômicas a patamares extremamente baixos, qualquer sinal de recuperação nos
meses seguintes apresenta porcentagens elevadas, apesar de a produção real se
manter muito distante dos níveis atingidos nos mesmos períodos de 2019.
Um indício claro de que
alguns choram os efeitos da pandemia, enquanto outros aproveitam estas lágrimas
para vender lenços vem da Pesquisa Pulso Empresa, do IBGE, divulgada no dia 2
de setembro.
Tendo como base a
segunda quinzena de julho, o Instituto revela que, entre as cerca de 3 milhões
de empresas em funcionamento no país, 37,5% sentiam os efeitos negativos da
pandemia no desempenho da sua atividade, ante 44,8% na quinzena anterior; para
36,3% o impacto foi pequeno ou inexistente; e outras 26,1% aproveitaram das
oportunidades que a pandemia proporcionou aos seus negócios. [3]
Iniciaremos nossas
reflexões a partir do comércio, utilizando como parâmetro os valores médios das
vendas diárias em reais registradas pela receita federal entre março e junho
deste ano. Apesar de excluírem as atividades informais computadas nas pesquisas
do IBGE, é através dos documentos fiscais emitidos pelas empresas que
conseguimos ter uma avaliação concreta do que aconteceu com o comércio formal.
Vejamos o que dizem os
números: [4]
Quadro 1: Variação das vendas diárias do comércio registrada pela Receita Federal entre março e junho de 2020.
Mês |
Venda
diária média 2020 (R$
bi) |
Variação ante o mês anterior |
Variação ante o mesmo mês de 2019 |
Variação
do comércio eletrônico 2020 x 2019 |
Março |
23,1 |
0,0% |
7,3% |
20,6% |
Abril |
19,0 |
- 17,75% |
-14,8% |
17,5% |
Maio |
20,7 |
8,95% |
-16,8% |
37,4% |
Junho |
23,9 |
15,44% |
10,3% |
73,0% |
Fonte: elaboração própria a partir dos
dados da Receita Federal
O quadro 1 mostra que, apesar do
isolamento social começar na segunda metade de março e fechar as lojas de rua,
o aumento acima de 20% do comércio eletrônico e a corrida aos mercados,
alimentada pelos temores do desabastecimento, fizeram com que o nível diário de
vendas se mantivesse no patamar registrado no mês anterior e crescesse mais de
7% em relação a março de 2019.
A média diária de abril
retrata o impacto profundo da pandemia neste setor da economia com uma queda de
17,75% em relação a março e de 14,8% ante o mesmo mês de 2019. Se a
impossibilidade de conseguir recursos para a sobrevivência diária fez muitas
famílias mergulharem numa situação de penúria, a disponibilidade de dinheiro
nas classes sociais mais elevadas encontrou nas lojas fechadas um obstáculo
que, aos poucos, foi superado com a utilização das compras pela internet.
As
perdas registradas em abril colocaram o faturamento do comércio em um patamar
extremamente baixo e o pagamento do auxilio emergencial a partir da segunda
metade do mesmo mês elevou a demanda de produtos básicos entre as famílias de
menor renda. Apesar de não contar com as vendas do dia das mães, considerado
uma espécie de “segundo Natal” pelos lojistas, a soma destes elementos fez com
que, em maio, o faturamento registrasse um aumento de 8,95% na comparação com
abril e uma perda de 16,8% ante maio de 2019.
O
panorama mudou radicalmente em junho, quando a abertura parcial das lojas uma
semana antes do dia dos namorados, somada ao crescimento de 73% do comércio
eletrônico em relação ao mesmo mês de 2019, fez o faturamento crescer 15,44% em
relação a maio e 10,3% ante junho de 2019.
Isso
significa que no segundo semestre os resultados irão igualar aos de 2019?
Nas
condições atuais de emprego e renda, acreditamos que esta possibilidade seja
improvável. Tudo indica que o desempenho registrado em junho foi um evento
extraordinário, à medida que o fechamento das lojas e dos shoppings centers nos
dois meses anteriores acabou represando as vendas que encontraram no último mês
do segundo trimestre caminho livre para se realizarem.
Na
contramão do consumo, as mudanças de comportamento introduzidas pelo isolamento
social e o receio das pessoas diante do futuro, levaram muita gente a guardar
algumas economias. Segundo o Banco Central, entre março e junho, os depósitos
em caderneta de poupança superaram os saques em 100 bilhões e 300 milhões de
reais, ao mesmo tempo em que o estoque de Certificados de Depósitos Bancários
(CDBs) aumentou 37,7% em relação ao patamar anterior à pandemia.[5] Guardar
dinheiro como forma de precaução é um comportamento corriqueiro em períodos de
recessão, mas, caso se generalize, acaba freando a retomada das atividades
econômicas.
Do
comércio para a indústria, as notícias aparentemente
ficam ainda melhores.
Afinal, quem não ficaria
impressionado ao saber que, de acordo com o IBGE, a necessidade de a produção
industrial se antecipar à demanda do comércio fez com que o PIB do setor
crescesse 7% em maio e 8,9% em junho na comparação com o mês imediatamente
anterior? [6] Contudo, o entusiasmo despertado por
esses números começa a se dissipar quando o próprio IBGE mostra que, apesar das
imponentes taxas de crescimento, em maio e em junho, o desempenho da indústria
foi, respectivamente, 21,9% e 9% inferior ao registrado nos mesmos meses de
2019.
Para ilustrar melhor
este jogo de porcentagens, vamos usar como exemplo a produção de autoveículos
divulgada pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores
(ANFAVEA): [7]
Quadro
2: produção de automóveis, caminhões e ônibus março-junho de 2020 e de 2019.
Mês |
2020 |
Variação ante o mês anterior |
2019 |
Variação 2020 ante 2019 |
Março |
189.958 |
- 6,97% |
240.763 |
- 21,10% |
Abril |
1.847 |
- 99,03% |
267.561 |
- 99,31% |
Maio |
43.080 |
2.232,43% |
275.747 |
- 84,38% |
Junho |
98.708 |
129,13% |
233.150 |
- 57,66% |
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da ANFAVEA.
O quadro 2 revela que, em março, quando o isolamento
social foi decretado, a produção de caminhões, automóveis e ônibus caiu 6,97%
em relação a fevereiro e 21,10% ante março de 2019. Em abril, a indústria
automotiva atingiu o fundo do poço ao registrar a saída de apenas 1.847
veículos de suas linhas de montagem.
À
medida que, em maio, o número de carros, ônibus e caminhões somou 43.080
unidades tivemos um aumento percentual de 2.232,43% em relação ao mês anterior.
Contudo, este número altissonante perde todo o seu brilho quando comparamos a
quantidade produzida em maio de 2020 com a que ocorreu no mesmo mês de 2019 e,
em relação à qual, registrou uma diminuição de mais de 84%.
Finalmente, em junho, as
montadoras produziram mais que o dobro dos veículos de maio, mas, apesar desse
bom resultado, de suas linhas de montagem saíram menos da metade dos carros,
caminhões e ônibus de um ano antes.
Vemos
assim que há uma grande chance de nos deixarmos entusiasmar por porcentagens
que, apesar de reais, são frutos de um crescimento mensurado sobre bases
extremamente baixas dos períodos imediatamente anteriores. Apesar da
importância deste registro, a marcha da produção só pode ser verificada quando
comparamos o desempenho de um período de 2020 com os patamares atingidos um ano
antes.
Com base nas estimativas
do IBGE, podemos dizer que, em maio e junho, a indústria começou a tirar o pé
do atoleiro em que havia mergulhado em abril, mas o caminho da recuperação é
ainda longo e cheio de perigos.
O
panorama do setor de serviço é ainda mais incerto. Ainda segundo o IBGE, o
isolamento social fez o setor cair 11,9% em abril em relação a março e, em
maio, o PIB dos serviços encolheu mais 0,5%. O primeiro dado positivo veio em
junho, com um crescimento de 5% em relação ao baixíssimo patamar de maio.[8]
Para quem estava no fundo
do poço, subir alguns degraus é sem dúvida uma boa notícia, mas os desafios que
as atividades do setor precisam superar se revela na distância entre os
resultados de junho deste ano e do mesmo mês de 2019. Vejamos o que dizem os
números apurados pelo IBGE na relação entre junho e maio de 2020 e entre junho
deste ano e o mesmo mês do ano passado: [9]
Quadro
3: IBGE – evolução das atividades do setor de serviços em maio de 2020.
Atividades |
Junho
2020 x maio 2020 |
Junho
2020 x junho 2019 |
Volume total de
serviços |
5,0% |
-
12,1% |
Serviços prestados às famílias |
14,2% |
-
57,5% |
Serviços de
informação e comunicação |
3,3% |
-
2,9% |
Serviços
profissionais administrativos e complementares |
2,7% |
-
15,5% |
Transportes,
serviços auxiliares aos transportes e correio |
6,9% |
-
11,3% |
Outros serviços |
6,4% |
4,4% |
Fonte: elaboração própria a partir dos dados do IBGE
O quadro 3 revela que, em junho de 2020, todas as
atividades do setor registraram um crescimento em relação ao mês anterior,
resultando em um aumento de 5% no volume total de serviços prestados.
O
crescimento mais expressivo está nos serviços às famílias com uma alta acima de
14%, porém é justamente neste grupo que encontramos uma das maiores diferenças
em relação ao patamar de junho de 2019, com um encolhimento de 57,5%. De fato,
em abril e maio, os serviços de hotelaria e as refeições consumidas fora do lar
sofreram uma queda drástica em seu faturamento em função do teletrabalho, do
fechamento de pousadas e hotéis e da obrigação de bares e restaurantes
funcionarem somente para entregas em domicílio. À medida que o trabalho
presencial demora a voltar numa escala semelhante ao período anterior à
pandemia e que o desemprego vai reduzir a renda disponível, este grupo de
serviços vai prolongar consideravelmente os tempos nos quais conseguirá
recuperar o terreno perdido em abril.
As
atividades de informação e comunicação e os serviços profissionais
administrativos têm um peso importante nas estimativas do IBGE relativas ao
setor. Estamos falando, fundamentalmente, de algo que se destina a atender,
sobretudo, a demanda das empresas e que, portanto, depende diretamente do seu
processo de recuperação. As falências, o encerramento ou redimensionando das
atividades para adaptá-las à nova realidade levam a crer que este grupo do
setor de serviços terá mais dificuldades para recuperar o terreno perdido em
relação a 2019, ainda que a defasagem percentual menor leve a apostar no
contrário.
Do
mesmo modo, o crescimento médio de 6,9% no subsetor que inclui os serviços de
correio vinculados ao transporte de encomendas, as atividades de armazenagem, o
transporte aéreo e terrestre sinalizou que este grupo entrou no caminho da
recuperação econômica. O peso maior na defasagem em relação a junho de 2019
fica por conta do transporte aéreo que, no último mês do segundo trimestre,
cresceu 58,9% em relação a maio, mas ainda amarga uma defasagem de 59% ante o
patamar de junho de 2019.
Passamos agora à
agropecuária, o único setor da economia que, entre abril e junho, registrou uma
alta de 0,4% em relação ao trimestre anterior e apresenta números animadores em
termos de perspectivas futuras. O Levantamento Sistemático da Produção
Agrícola, do IBGE, realizado em agosto deste ano, mostra que o Brasil deve
colher uma safra recorde estimada em 251 milhões e 700 mil toneladas de grãos,
um crescimento de 4,2% em relação a 2019.[10]
As estimativas favoráveis guardam relação com uma
combinação de fatores que incluem condições climáticas, ampliação da área
plantada, uso de novas tecnologias, e com os estímulos vindos da elevada
demanda mundial impulsionada pela desvalorização do real que torna os preços em
dólares mais competitivos em relação aos de outros países. Os dados da balança
comercial do primeiro semestre de 2020 ajudam a visualizar esta realidade: [11]
Quadro 4: exportações agropecuárias no primeiro semestre de 2020 e de 2019 em bilhões de dólares.
Mês
|
2020 (U$) |
2019 (U$) |
2020 x 2019 |
Janeiro |
1.882.736.758 |
2.287.168.160 |
-
17,7% |
Fevereiro |
2.570.233.145 |
2.921.673.114 |
-
12,0% |
Março |
4.692.752.246 |
3.964.083.545 |
18,4% |
Abril |
5.728.150.357 |
4.030.494.896 |
42,1% |
Maio |
5.599.673.026 |
4.302.809.253 |
30,1% |
Junho |
5.274.201.324 |
3.679.606.475 |
43,3% |
Total
no 1º semestre |
25.747.746.856 |
21.185.835.443 |
21,53% |
Elaboração
própria a partir dos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio
O quadro 4 revela que, após uma redução das
vendas externas em janeiro e fevereiro de 2020 ante os mesmos meses de 2019, as
exportações de produtos agropecuários entraram em forte recuperação a partir de
março, quando o dólar passou a valer mais de R$ 5,00, e encerraram o semestre
com um aumento de 21,53% na comparação com o período de janeiro a junho de
2019.
Num balanço geral dos dados econômicos disponíveis até o
momento, concluímos que a economia do país parou de piorar, mas, nem por isso,
podemos afirmar que, de agora em diante, vai crescer de forma sustentada e
duradoura.
As
preocupações com a evolução da pandemia no país e no mundo se somam ao
duríssimo impacto da perda de postos de trabalho, ao fechamento das empresas,
às dificuldades de voltar à normalidade anterior à pandemia.
Longe de
ser um mar de rosas, o cenário econômico em que se dará a recuperação do PIB é
cheio de percalços, escorregadio e tortuoso.
2. Fatos e miragens da soberania do lucro.
Os dados do primeiro
semestre mostram que a agropecuária deve elevar sensivelmente a sua
participação no Produto Interno Bruto de 2020.
As inserções na mídia
antecipam as comemorações desse fato e apontam o agronegócio como “a parte do
Brasil que vai bem”. O ufanismo em volta dos resultados esperados omite sem
pudores que isso se deve mais à diminuição das atividades dos demais setores da
economia e não propriamente a uma produção excepcional do setor.
Passo a passo, o
agronegócio contrapõe a sua pujança na geração de riquezas e oportunidades à
crise que devasta a economia e o mercado de trabalho. Sem oferecer dados que
comprovem a veracidade das afirmações, as imagens de colheitadeiras, armazéns
lotados, caminhões transportando grãos, gente trabalhando, etc, se unem a
declarações que alimentam o orgulho na produção rural do país.
A pandemia apagou as
discussões sobre as condições de trabalho no campo, o uso indiscriminado de
agrotóxicos, o adoecimento das populações que vivem nas proximidades das
lavouras transgênicas, a aprovação a toque de caixa de 680 novos venenos entre
janeiro de 2019 e junho de 2020, 41% dos quais proibidos na União Européia
pelos efeitos nocivos sobre a saúde humana.[12]
Mas, ainda que o
silêncio cubra estes horrores, a fumaça das queimadas e o ronco das motosserras
mostram as garras de um mercado que trabalha febrilmente para transformar uma
promessa de vida para todos em lucros para poucos.
O esforço de limpar a
imagem de destruição vinculada ao agronegócio começa a fazer água quando os
estudos mostram que, longe de ser fruto de ações espontâneas e isoladas, 62% do
desmatamento ilegal da Amazônia e do Cerrado trazem a marca de 2% das
propriedades localizadas nesses biomas.[13]
Do mesmo modo, a imagem
do progresso para todos vinculada à suposta geração de empregos no campo cai
por terra quando saímos dos raciocínios abstratos para verificar os números da
realidade.
De
acordo com o IBGE, a comparação entre o segundo trimestre de 2020 e o mesmo
período de 2019 mostra uma realidade oposta à que vem sendo alardeada pela
propaganda dos ruralistas. Longe de o setor ter elevado o número total de
ocupados para atender o crescimento da produção, as estimativas oficiais
apontam uma queda de 7,84% entre o total de 8 milhões e 655 mil pessoas
contabilizadas no trimestre de abril a junho de 2019 e as vagas mantidas pela
agropecuária nos mesmos meses de 2020.[14]
A
participação do setor no mercado de trabalho do país ganha sua dimensão real
quando comparada à das demais atividades econômicas.
Vejamos o que dizem os cálculos do IBGE: [15]
Quadro 7: IBGE – número de ocupados por atividade econômica em abril-maio-junho de 2020 e sua participação no total de ocupados.
Atividades |
Abr-mai-jun 2020 |
Participação |
Agricultura, pecuária, pesca, prod. florestal, aquicultura |
7.976.000 |
9,6% |
Indústria |
16.050.000 |
19,3% |
Comércio, reparação de veículos, etc |
15.244.000 |
18,3% |
Serviços |
27.268.000 |
32,7% |
Setor público |
16.789.000 |
20,1% |
Total |
83.327.000 |
100,0% |
Fonte: elaboração própria a
partir dos dados do IBGE.
O quadro 7 apresenta uma
realidade que se distancia drasticamente dos discursos altissonantes que
acompanham o marketing do setor. Quando adotamos o agrupamento de atividades
que o IBGE utiliza nos cálculos do PIB do país, percebemos que a participação
das atividades rurais no total de postos representa menos de 10% dos ocupados
no mercado de trabalho brasileiro. Na agropecuária, encontramos quase a metade
do total de vagas proporcionado pelo comércio, menos de 50% do que é registrado
na indústria e na administração pública e apenas 27,25% do contingente ocupado
nos serviços.
Vale lembrar que os
resultados relativos ao emprego não podem ser atribuídos aos efeitos negativos
da pandemia sobre as atividades agropecuárias, que, segundo o IBGE, foram as
únicas a aumentar a produção no segundo trimestre. O avanço da mecanização e a
concentração de capitais promovida pelo agronegócio tornaram desnecessários os empregos permanentes de trabalhadores
que, em outras épocas, eram
essenciais, aumentando assim os
empregos temporários e a desocupação de força de trabalho no campo[16].
Mas a situação atual da
agropecuária brasileira guarda uma relação direta também com fatores
estritamente conjunturais.
Entre julho de 2019 e
junho de 2020, a desvalorização do real frente ao dólar tornou os grãos
brasileiros 23% mais baratos em relação ao mercado estadunidense, elevando a
competitividade do setor no mercado externo. Esta situação favorável aos
negócios ampliou as possibilidades de lucro com eventos inesperados, como a
epidemia que dizimou o rebanho suíno chinês entre 2018 e 2019 e impulsionou as
compras de proteína animal que Pequim realiza em nosso país.[17]
Em 2019, as vendas de
carne suína para a China aumentaram 150% em relação ao ano anterior e os ventos
favoráveis da demanda chinesa mostraram a sua força no mesmo ano ao elevar em
30,94% as importações de soja, em 165,40% as da carne bovina e em 24,28% as aquisições
dos cortes de frango, em relação a 2018. [18]
As perspectivas para o
futuro melhoraram ainda mais quando, o ministro-conselheiro da embaixada
chinesa no Brasil, Qu Yuhui, anunciou que o seu país deve ampliar as compras de
carne bovina para 8 milhões de toneladas até 2027, mais que o dobro do montante
estimado em fevereiro deste ano. [19]
Em 2020, a demanda de
alimentos de Pequim se manteve em patamares elevados. Em agosto, o crescimento
das encomendas da China fez o preço internacional do milho crescer 27%, o da
soja 30%, o do arroz 43% e o da arroba da carne bovina 40% acima do nível
registrado no mesmo mês de 2019.[20]
De olho nos lucros
crescentes das exportações e na elevação média de 147,23% dos preços da madeira
serrada, em relação aos patamares de agosto de 2019, os ruralistas brasileiros
se preparam para ampliar a oferta dos seus produtos com a destruição de amplas
áreas de mata nativa a fim de extrair madeiras nobres, criar novas pastagens e
aumentar os terrenos de lavoura. [21]
Longe de ser um problema
novo, o desmatamento ilegal seguido de queimadas voltou a acelerar os seus
passos ao elevar as áreas devastadas nos estados da Amazônia Legal de 7.536 Km2,
em 2018, para 10.129 Km2 no ano seguinte. [22]
Desse total, de acordo com o Relatório Anual de Desmatamento do MapBiomas,
apenas 0,5% da área desmatada poderia ser considerada como resultado de uma
operação conduzida nos marcos legais. Para termos uma idéia dos 99,5% que
correspondem à destruição ilegal, basta pensar que, em 2019, a devastação da
floresta amazônica, atingiu uma média diária equivalente à área de 1.900 campos
de futebol.[23]
Entre janeiro e junho de
2020, os alertas emitidos pelo sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo
Real do INPE apontaram sinais de devastação em 3.069 km2 de
floresta, um aumento de 25% em relação ao mesmo período de 2019.[24]
Lembrando que o maior avanço das queimadas ocorre no segundo semestre, quando o
volume de chuva é muito inferior ao registrado no primeiro, não resta dúvida de
que, se nada for feito, a destruição em 2020 será bem maior.
As chances de engordar o
superávit da balança comercial com o aumento das exportações de produtos
agropecuários e a disposição de transformar o Estado em agente legalizador da
destruição, levaram o governo Bolsonaro a esvaziar a capacidade de fiscalização
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA).
Apesar de os problemas
ambientais caminharem a passos largos, o orçamento que, em 2019, contava com 2
bilhões e 50 milhões de reais foi reduzido para 1 bilhão e 750 milhões, em
2020, sendo que, desse montante, apenas 76 milhões e 100 mil reais se
destinavam a coibir as queimadas e o desmatamento, um dinheiro que foi
inteiramente gasto durante o primeiro semestre deste ano.[25]
A falta de investimentos
ao longo da última década fez com que o número de fiscais em atividade caísse
de 1.311, em 2010, para 591, em 2019.[26]
Se isso já não fosse suficiente para dificultar o trabalho do Instituto, a
atuação do Ministro Ricardo Salles não poupou esforços para desestruturar o
pouco que resta.
Segundo uma ação
impetrada por 12 Procuradores da República junto ao Ministério Público Federal.
Salles removeu os superintendentes do órgão em 21 dos 26 Estados do país; em
abril de 2020, exonerou três coordenadores de fiscalização que haviam realizado
operações bem sucedidas de combate ao desmatamento em terras indígenas no
município de Altamira, no Pará; e emitiu uma instrução normativa que reduzia o
número de horas que os servidores do órgão podiam dedicar a atividades de campo,
medida que acabou forçando os funcionários do IBAMA a se adequarem a um regime
de trabalho incompatível com a fiscalização ambiental.
Diante deste cenário,
não é de estranhar que, entre janeiro e maio deste ano, o órgão tenha aplicado
apenas 2.518 multas, 54% a menos em relação às do mesmo período de 2019, sendo
que o valor total dos autos de infração caiu de um bilhão e 60 milhões de
reais, no primeiro semestre de 2019, para 390 milhões de reais no mesmo período
de 2020, uma diminuição de 63%.[27]
Quando não é o Ministro
do Meio-Ambiente, é o presidente do próprio IBAMA a ele subordinado a facilitar
a vida das madeireiras. De acordo com uma ação civil pública impetrada no dia 5
junho, Eduardo Bim, a pedido da Associação dos Exportadores de Madeira do Estado
do Pará e contrariando o parecer da área técnica do Instituto, teria assinado
um despacho pelo qual a fiscalização de madeiras nativas ocorreria após a
exportação, o que, na prática, permitia a comercialização das toras e tábuas
sem nenhuma inspeção.[28]
Na Europa, as imagens
das queimadas levaram os parlamentos da Áustria e da Holanda a encaminhar a
rejeição ao acordo comercial da União Européia com o Mercosul a ser analisado
nos próximos meses. [29]
A advertência mais séria veio no
final do segundo trimestre e teve como autor um grupo de fundos de
investimentos que movimenta cerca de 4 trilhões e 600 bilhões de dólares no
mundo todo. Em carta aberta às embaixadas brasileiras na Europa, Ásia e América
do sul, os representantes do fundo se dizem preocupados “com o impacto
financeiro do desmatamento, bem como com as violações dos direitos dos povos
indígenas” e acrescentam que, se o Brasil não mudar o rumo de sua política
ambiental, seus clientes vêem “potenciais consequências para os riscos de
reputação, operacionais e regulatórios”. [30]
Diante de uma ameaça tão explícita
de retirada dos investimentos, o governo federal publicou um decreto que
proibiu as queimadas por 120 dias e se comprometeu a melhorar as ações que
visam reduzir o desmatamento ilegal.[31] Mas isso não significa que o governo
Bolsonaro tenha desistido dos seus planos de favorecer o agronegócio.
A
idéia de legalizar áreas desmatadas ilegalmente busca driblar as ameaças de
boicote ao mostrar que a produção nelas realizadas tem como origem propriedades
que gozam do reconhecimento legal. Foi assim que, no início de julho, o
Ministério da Agricultura enviou à Casa Civil o esboço de um decreto pelo qual
o governo iria conferir títulos de propriedade referentes a 97.400 áreas de até
280 hectares sem fazer nenhum tipo de vistoria presencial.
Estamos
falando de imóveis cuja extensão total é de 6 milhões e 374 mil hectares, uma
área que equivale à soma dos territórios dos estados do Rio de Janeiro e
Sergipe. Além de premiar desmatadores e grileiros, o decreto acabaria
incentivando novas devastações com a promessa tácita de incorporação futura das
terras devastadas às fazendas existentes. [32]
A desvalorização do real
frente ao dólar que aumentou a competitividade dos produtos agropecuários
brasileiros também levou aos cofres das empresas com dívidas em moeda
estadunidense um socorro silencioso, e praticamente gratuito, de dezenas de
bilhões de reais. Vamos entender como isso ocorreu.
Quando uma empresa tem dívidas em
dólares e a maior parte da sua receita é em reais, a desvalorização da moeda
nacional faz com que o pagamento dos juros e das amortizações destas dívidas
tenha um impacto considerável em seu caixa. À medida que o real perde uma parte
do seu valor na troca por dólares estadunidenses os empresários precisam gastar
mais para comprar as quantidades desta moeda com as quais vão quitar suas
obrigações financeiras internacionais.
Em casos como este, o socorro do
Estado não se faz esperar e costuma chegar através de uma operação de swap
cambial, ou seja, de um contrato pelo qual o Banco Central (BC) assume o risco
das operações com o cambio no lugar das empresas que, em troca, se comprometem
a desembolsar o correspondente à taxa de juros do período aplicada ao valor em
reais deste mesmo contrato.
Sim, eu sei que ficou
difícil, por isso, vamos entender como funciona esta operação através de um
exemplo.
Imaginemos que, daqui a
um ano, uma indústria precise de 100 mil dólares para quitar uma dívida
contraída com a compra de
maquinários produzidos nos EUA. À medida que ela vende sua produção apenas no
mercado interno, toda a sua receita é em reais e, portanto, deve adquirir junto
ao Banco Central todos os dólares de que precisa.
O que a empresa teme é
que, ao longo deste período, o dólar se valorize a ponto de ela ter que gastar
muito mais reais do que pensava para comprar a moeda estadunidense.
Um dos caminhos para preservar o
dinheiro em caixa consiste em assinar um contrato junto ao Banco Central no qual se estabelece o valor do dólar
que a indústria pagará, independentemente do câmbio do dia no vencimento do
contrato. Em troca, a empresa remunerará o Banco Central com os juros
calculados usando a taxa SELIC sobre o volume de reais com os quais fará a
compra de dólares.
Suponhamos que, no dia 1 de setembro
de 2020, a empresa tenha assinado com o Banco Central um contrato de swap
cambial no qual se estabelece que cada um dos 100.000 dólares de que precisa no
ano seguinte será comprado a R$ 3,00, pagando, em troca os juros
correspondentes à SELIC anual do momento em que a compra de dólares é
efetivada.
Se, no dia do vencimento do
contrato, o dólar estiver valendo R$ 4,00 e a taxa SELIC estiver em 5% as
operações de troca se darão nas condições que seguem: o Banco Central vai
receber da empresa R$ 300.000,00 referentes à compra dos 100.000 dólares mais
5% deste valor correspondente à taxa SELIC (R$ 15.000,00), o que perfaz um
total de R$ 315.000,00.
Considerado que o câmbio
do dia é de R$ 4,00 por dólar, para não sofrer perdas, o Banco Central deveria
receber R$ 400.000,00. Mas, à medida que assumiu o risco que era da empresa, e
precisa respeitar o contrato, esta operação de venda de dólares trará aos seus
cofres um prejuízo equivalente a R$ 85.000,00.
Para a empresa, a
situação é extremamente vantajosa. De fato, no lugar de desembolsar R$
400.000,00, o gasto necessário para quitar a sua dívida em dólares se limitou a
R$ 315.000,00.
Do exemplo passamos
agora para a realidade. Devido à variação do dólar durante o primeiro semestre
de 2020, o Banco Central do Brasil assinou muitos contratos de swap cambial de
prazos variados, conforme o momento e as demandas empresariais.
O quadro que segue
mostra os resultados obtidos: [33]
Quadro 8: valor dos
contratos de swap cambial e respectivos resultados jan-jun de 2020.
Mês |
Valor total dos contratos (em R$ bi) |
Resultado para o BC (em R$ bi) |
Janeiro |
151,476 |
- 9,171 |
Fevereiro |
175,349 |
- 8,099 |
Março |
239,885 |
- 30,814 |
Abril |
285,996 |
- 11,418 |
Maio |
310,429 |
5,627 |
Junho |
318,071 |
- 4,392 |
Total |
1.481,206 |
- 58,268 |
Fonte: elaboração própria a
partir dos dados do Banco Central do Brasil
O
quadro 8 revela que, entre janeiro e junho de 2020, o balanço final das
operações de swap cambial que venciam em cada mês resultou num prejuízo de 58
bilhões e 268 milhões de reais para o Banco Central. No período considerado, o
único resultado positivo foi registrado em maio sendo que o maior prejuízo
ocorreu em março, quando a cotação da moeda estadunidense ultrapassou pela
primeira vez os R$ 5,00.
O
que assusta qualquer cidadão é considerado normal pelos diretores do BC, à
medida que, para eles, o órgão não administra as reservas cambiais para obter
lucros, mas tão somente a fim de proteger a economia dos efeitos negativos das
flutuações do câmbio, o que implica em aceitar as perdas como algo absolutamente
normal.
O
fato de se tratar de dinheiro público faz com que esta naturalidade diante dos
prejuízos esconda três fatos preocupantes. O primeiro é que o direto
beneficiário desta perda não é a coletividade, em nome de cujo bem-estar ela
poderia ser admissível e sim empresas privadas que assumiram obrigações em
moeda estrangeira por sua conta e risco e, diante da desvalorização do real,
repassam para os cofres públicos parte dos custos adicionais com os quais
deveriam arcar.
O
segundo é que não se trata de um valor irrisório. O montante de 58 bilhões e
268 milhões de reais perdidos em 6 meses corresponde, por exemplo, quase ao
dobro dos 29 bilhões e 500 milhões de reais do orçamento destinado ao Programa
Bolsa Família que o Congresso Nacional aprovou para o ano de 2020 ou a 46,39%
dos 125 bilhões e 600 milhões de reais do orçamento para a área da saúde.[34]
Temos aqui mais um caso no qual o dinheiro público flui silenciosamente para os
cofres das empresas privadas sem que a população se dê conta disso.
Terceiro,
no mesmo período, o BC transferiu 30 bilhões e 535 milhões de reais dos ganhos
obtidos com a valorização das reservas cambiais para o Tesouro Nacional pagar
parte dos juros e das amortizações da dívida interna.[35]
À
medida que os empresários investem em títulos públicos o dinheiro destinado às
operações de swap, é como se parte dos gastos com os quais arcam para remunerar
o Banco Central com a taxa de juros sobre o valor dos contratos assinados
tivesse sido antecipada pelo Tesouro Nacional através dos mecanismos que
sustentam a dívida interna.
Se
você acha que este é o único prejuízo da política cambial em curso, está
redondamente enganado. A valorização da moeda estadunidense influencia também
os valores cobrados pelos produtos agrícolas que marcam presença na mesa de
todos.
Com
a desvalorização do real, o preço da tonelada de farinha de trigo importada,
por exemplo, cresceu bem acima do seu aumento em dólares.
Vejamos
o que dizem os dados coletados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada,
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo
(CEPEA-ESALQ-USP): [36]
Quadro 9: preço médio da tonelada de farinha de trigo em reais e em
dólares no PR e RS:
Data |
R$ / ton no PR |
U$ / ton no PR |
R$ / ton no RS |
U$ / ton no RS |
02/01/2020 |
876,97 |
217,99 |
814,62 |
202,49 |
31/03/2020 |
1.120,02 |
215,55 |
945,00 |
181,87 |
30/06/2020 |
1.245,78 |
229,00 |
1.213,77 |
223,12 |
Fonte: elaboração própria a
partir dos dados da CEPEA-ESALQ-USP
O
quadro 9 mostra claramente o efeito da desvalorização do real nos preços da
tonelada de farinha de trigo. Entre o início de janeiro e o final de março,
enquanto os preços em dólares caíam 1,12% no Paraná e 10,18% no Rio Grande do
Sul, o montante cobrado em reais crescia, respectivamente 27,71% e 16,00%.
Na
relação entre janeiro e junho, o valor em dólares registra uma elevação de
5,05% no Paraná e de 10,19% no Rio Grande do Sul. Mas os preços médios em reais
acompanham esta tendência com uma alta de 42,05% nas cotações da tonelada de
farinha no Paraná e de 49,00% nas do Rio Grande do Sul. Este processo não
ocorre somente com o produto importado, mas também com aquele integralmente
produzido nas lavouras brasileiras.
Ainda
que os produtores locais vendam todos os alimentos que produzem no mercado
interno, eles balizam o preço de mercado pelo valor que ganhariam se estivessem
exportando, ou, no caso da farinha de trigo, pelo preço de compra em reais do
produto importado. O mesmo ocorre com o arroz, com a soja, com o milho, com a
carne bovina que, como vimos nas páginas anteriores, tiveram seus preços
ampliados em função da forte demanda internacional da China e dos reflexos da
desvalorização do real.
Aos
poucos, os preços do atacado chegam ao consumidor final. O levantamento dos
preços da cesta básica de São Paulo, realizado pelo DIEESE, mostra a evolução
do reajuste do pacote de farinha de trigo de 1Kg vendido no varejo.
Vamos
aos resultados apurados: [37]
Quadro 10: Variação mensal dos preços do pacote de 1 Kg da farinha
de trigo no varejo de São Paulo entre janeiro e junho de 2020.
Mês |
Farinha de trigo |
Janeiro |
0,0% |
Fevereiro |
- 1,03% |
Março |
1,73% |
Abril |
5,61% |
Maio |
12,56% |
Junho |
3,00% |
Fonte:
elaboração própria a partir dos dados do DIEESE
O quadro 10 revela que,
em janeiro, não houve nenhum reajuste nos preços da farinha de trigo em relação
ao patamar de dezembro de 2019. No mês seguinte, em função de uma maior
disponibilidade dos estoques, a farinha registrou uma deflação de pouco
superior a 1%.
Em março, com o início
do isolamento social e o dólar acima dos R$ 5, os mercados elevaram em 1,73% o
valor do pacote. Aumentos bem maiores ocorreram em abril, maio e junho quando a
alta do dólar se aliou ao isolamento social que aumentou a demanda de farinha
para o preparo de alimentos na residência das pessoas.
Entre o início de
janeiro e o final de junho, o preço do quilo da farinha de trigo acumulou uma
elevação de 23,29%, ao passo que a inflação do período medida pelo IPCA foi de
0,09%.
O encarecimento deste
produto básico se somou ao de outros que fizeram o valor da cesta básica em São
Paulo registrar uma elevação de 8,0% ao longo do primeiro semestre de 2020. Mas
esse tipo de perda não contou com nenhuma medida de contenção ou compensação
por parte de qualquer órgão do governo. O povo simples pagou do seu bolso uma
conta maior pelo pouco que podia comprar.
3. Da produção da riqueza à situação
de quem a produz.
A
leitura do mercado de trabalho brasileiro no segundo trimestre de 2020,
realizada pelo IBGE, ajuda a compreender o impacto da pandemia na classe trabalhadora
do país, mas demanda esclarecimentos preliminares.
Vejamos
o que dizem os números: [38]
Quadro 11: IBGE – Ocupação no segundo trimestre de 2020.
Indicador |
Jan-Fev-Mar |
Abr-Maio-Jun |
Diferença |
População economicamente
ativa[39] |
172.354.000 |
173.918.000 |
1.565.000 |
População ocupada |
92.223.000 |
83.347.000 |
- 8.876.000 |
População desocupada |
12.850.000 |
12.791.000 |
- 59.000 |
População fora da força de
trabalho |
67.281.000 |
77.781.000 |
10.500.000 |
Setor privado com carteira
assinada |
33.096.000 |
30.154.000 |
- 2.942.000 |
Setor privado sem carteira
assinada |
11.023.000 |
8.639.000 |
- 2.385.000 |
Trab. doméstico com
carteira assinada |
1.640.000 |
1.411.000 |
- 229.000 |
Trab. doméstico sem
carteira assinada |
4.331.000 |
3.303.000 |
- 1.028.000 |
Setor público com carteira
assinada |
1.204.000 |
1.251.000 |
47.000 |
Setor público sem carteira
assinada |
2.342.000 |
2.463.000 |
121.000 |
Militar e Funcionário
público estatutário |
8.106.000 |
8.646.000 |
541.000 |
Empregador |
4.385.000 |
3.955.000 |
- 429.000 |
Trabalhador conta própria
com CNPJ |
5.444.000 |
5.364.000 |
- 81.000 |
Trabalhador conta própria
sem CNPJ |
18.714.000 |
16.300.000 |
- 2.414.000 |
Trabalhador familiar
auxiliar |
1.938.000 |
1.861.000 |
- 77.000 |
Rendimento médio habitual |
R$ 2.389,00 |
R$ 2.500,00 |
R$ 111,00 |
Fonte: elaboração própria a
partir dos dados do IBGE
Nas
primeiras linhas do quadro 11, nos deparamos com um elemento intrigante: na
passagem do primeiro para o segundo trimestre deste ano, foram fechados quase 9
milhões de postos de trabalho, mas apenas 59.000 pessoas elevaram o número dos
desocupados. Sabendo que a soma do crescimento das vagas no setor público
perfaz um total de apenas 709.000 postos, precisamos explicar onde foram parar
os mais de 8 milhões e 150 mil trabalhadores e trabalhadoras que perderam seus
empregos.
Lembramos
que para o IBGE incluir um indivíduo no grupo dos desocupados é necessário que,
além de estar sem trabalho, tenha procurado emprego nos 30 dias anteriores à
entrevista. Por este critério, quem ficou desocupado, mas não procurou uma nova
ocupação, passa a integrar a população que está fora da força de trabalho.
Nas
estimativas do próprio IBGE, vemos que este contingente aumentou em 10 milhões
e 500 pessoas ao absorver o crescimento da população economicamente ativa e os
desocupados que não saíram em busca de um novo emprego. E é nele que, na última
semana de junho, o Instituto aponta a presença de 17 milhões e 800 mil pessoas
que gostariam de ter procurado uma nova ocupação, mas foram impedidos pela
pandemia ou pela falta de oportunidades nos locais onde vivem.[40]
Os
dados do Instituto fornecem mais um elemento cuja compreensão precisa ser
esclarecida para não comprarmos gato por lebre. O relatório do segundo
trimestre aponta um aumento médio de R$ 111,00 na renda habitual obtida com o
trabalho em relação ao valor médio registrado entre janeiro e março deste ano.
O que explica um aumento de 4,6% numa realidade de elevado desemprego?
Para
responder a esta indagação, precisamos levantar o número de vagas cortadas em
cada tipo de vínculo empregatício e a média salarial correspondente: [41]
Tipo de ocupação |
Vagas cortadas/criadas |
Salário médio em R$ |
Setor privado com carteira
assinada |
- 2.942.000 |
2.294,00 |
Setor privado sem carteira
assinada |
- 2.385.000 |
1.585,00 |
Trab. doméstico com
carteira assinada |
- 229.000 |
1.285,00 |
Trab. doméstico sem
carteira assinada |
- 1.028.000 |
780,00 |
Setor público com carteira
assinada |
47.000 |
3.961,00 |
Setor público sem carteira
assinada |
121.000 |
2.014,00 |
Militar e Funcionário
público estatutário |
541.000 |
4.248,00 |
Empregador |
- 429.000 |
6.297,00 |
Trabalhador conta própria
com CNPJ |
- 81.000 |
3.007,00 |
Trabalhador conta própria
sem CNPJ |
- 2.414.000 |
1.392,00 |
Fonte: elaboração própria a
partir dos dados do IBGE
O
quadro 12 revela que, na faixa salarial entre R$ 780,00 e R$ 2.294,00, valores
inferiores à média da renda habitual do trabalho do primeiro trimestre de 2020,
tivemos um corte de 8 milhões e 998 mil postos de trabalho. Por outro lado, a
criação de vagas no grupo acima dos R$ 2.500,00 contou com um crescimento
liquido de 78 mil postos. Ou seja, entre abril, maio e junho, o aumento da
renda média habitualmente recebida no trabalho se deve à eliminação de um
grande número de empregos que pagavam os salários mais baixos e não em função
de aumentos salariais propriamente ditos.
A gravidade da situação
no mercado de trabalho é visível em cada item que especifica as perdas no
número de ocupados. No setor privado com e sem carteira assinada, os cortes atingiram
um total de 5 milhões e 327 mil vagas; foram mais de um milhão e 230 mil no
trabalho doméstico; e quase 2 milhões e meio de trabalhadores por conta própria
se viram impossibilitados de exercerem suas atividades em função do isolamento
social.
As baixas registradas
nas principais categorias profissionais do país encolheram a base de
representação dos sindicatos e devem acelerar a queda no número de filiados em
curso desde 2012. De acordo com o IBGE, o
percentual de sindicalizados entre os trabalhadores em transportes,
armazenagem e correio, por exemplo, passou de 20,9%, em 2012, para 11,9%,
no ano passado. Os sindicalizados no setor público encolheram de 25,7% em 2018
para 22,5% em 2019; e a taxa de sindicalização nacional caiu de 12,5% para
11,2% na mesma base de comparação, perfazendo um total equivalente a apenas 10
milhões e 600 mil pessoas.[42]
Difícil estimar neste momento o impacto do desemprego nos números de associados
às entidades de classe em 2020, mas tudo aponta para um enfraquecimento das bases
de sustentação dos sindicatos.
Além do corte de vagas,
o isolamento social introduziu nos processos de trabalho mudanças que
aprofundam a servidão e a pulverização do trabalhador coletivo.
Presente desde bem antes da
pandemia, o teletrabalho veio a ocupar o centro das atenções quando a crise
econômica trazida pelo coronavírus o transformou em tábua de salvação dos
lucros. Aos poucos, um número crescente de funções e tarefas passou a ser
realizado a partir das casas dos trabalhadores e, em meados de julho, o IBGE
estimou que cerca de 8 milhões e 200 mil deles (11,6% do total de ocupados)
estavam atuando de forma remota.[43]
A transição do trabalho
presencial para alguma modalidade de home-office era o sonho de muitas empresas
que buscavam na redução dos gastos com os equipamentos, com as contas de
consumo e com os aluguéis dos espaços onde estavam sediadas um caminho rápido e
eficiente para aumentar as margens de lucro. As resistências a este processo
ficavam por conta dos temores relativos à perda de qualidade, produtividade e
controle das tarefas que poderia transformar os ganhos com o enxugamento dos
gastos fixos em prejuízos oriundos da perda de fatias de mercado. A realidade
criada pela pandemia escancarou as resistências empresariais e obrigou a caminhar
a passos amplos nesta direção.
Se os balanços da iniciativa privada
ainda não permitem entender o papel da diminuição desses gastos nos resultados
finais das empresas, os dados apresentados pela Secretaria de
Desburocratização, Gestão e Governo Digital, ligada ao Ministério da Economia,
revelam a poupança de recursos proporcionada pelo trabalho remoto ao governo federal.
Entre abril e junho,
357.767 servidores federais, 63% do total, trabalharam a partir de suas casas.
Neste período, o governo federal poupou 270 milhões de reais em diárias e
passagens, 93 milhões de reais em despesas com o auxílio-transporte, com o
adicional noturno e de periculosidade, além de 743.500 reais em deslocamentos
terrestres.[44]
Na mesma linha, um estudo da
Associação Contas Abertas mostra que, a manutenção do home-office numa
realidade que inclui a retomada parcial das viagens e dos deslocamentos após o
fim da pandemia, ajudaria o governo a poupar, anualmente, 71 milhões e 100 mil
reais em dispêndios com mobiliário, locação de imóveis, materiais de consumo e
de expediente; 520 milhões de reais em gastos relativos a viagens e
deslocamentos; e 78 milhões e 300 mil reais em benefícios e ajudas de custo.[45]
Em relação a quem continuará
assumindo os gastos com energia, telefone, internet, equipamentos e materiais
relativos à execução do trabalho remoto, o Governo Federal afirma
explicitamente em que ficaram e ficarão por conta daqueles que optarem por se
manter nesta modalidade. Neste sentido, se vale da lei nº 13.467, aprovada na
reforma trabalhista de 2017, e do medo da exposição ao coronavírus com a volta
do trabalho presencial para definir unilateralmente quem pagará as despesas
fixas do trabalho remoto.
A norma legal, de fato,
não especifica quem deve arcar com os gastos referentes à compra e à manutenção
dos equipamentos utilizados e com a infraestrutura necessária à execução do
trabalho, deixando à negociação entre as partes a tarefa de estabelecer se
haverá reembolso das despesas que correm por conta do empregado e como ele se
dará.
A proposta do Governo
para o trabalho remoto reafirma também que não haverá nenhum pagamento das
horas extras que se fizerem necessárias para cumprir as metas mensais de
tarefas destinadas a cada servidor e exclui de antemão qualquer possível incorporação
em um banco de horas.[46]
É importante sublinhar
que o não pagamento do excedente de horas dedicado ao home-office não guarda
relação com a impossibilidade de manter o controle sobre o tempo efetivamente
trabalhado e a produtividade do trabalhador. Ao contrário, à medida que, para
iniciar o serviço, o indivíduo precisa digitar seus dados no sistema e que os
equipamentos eletrônicos registram em tempo real os passos da execução das
tarefas, a chefia não teria dificuldade em verificar se o tempo e volume de
trabalho são compatíveis com os padrões das atividades presenciais.
A recusa em pagar o
tempo de trabalho que extrapola a jornada normal do servidor guarda relação com
a corriqueira elevação da jornada laboral própria da não separação entre o ambiente
doméstico e o espaço do trabalho. Uma pesquisa realizada pela Harward Bussiness
School e pela Universidade de Nova Iorque com 3 milhões e 100 mil pessoas que
atuam em trabalho remoto, vinculadas a mais de 21 mil empresas, em 16 cidades
da América do Norte, Europa e Oriente Médio, mostrou que, em média, cada
funcionário trabalhava 48 minutos e meio a mais em relação à jornada
desempenhada no trabalho presencial.[47]
Isso ocorre à medida que qualquer espaço de tempo livre acaba sendo usado para
conferir e-mails e mensagens, adiantar tarefas, preparar o terreno para que o
trabalho propriamente dito flua de forma mais produtiva.
Mas esta é apenas uma
parte das questões que envolvem o home-office.
Há uma série de direitos
em casos de adoecimento, acidentes, internações e consultas médicas, momentos
da vida familiar (como o casamento, o nascimento de um filho ou a perda de um
ente querido), etc., em relação aos quais o trabalho presencial aceita que o
trabalhador justifique a sua ausência sem necessidade de repor as horas não
trabalhadas.
Mas quando ele estiver
em trabalho remoto e vier a incorrer em uma dessas situações, o empregador
remunerará o seu afastamento momentâneo do teletrabalho conforme mandam as
comprovações oficiais apresentadas? Ou o simples fato de trabalhar a partir da
sua residência será a justificativa utilizada para induzi-lo progressivamente a
fazer com que o tempo não trabalhado seja compensado ampliando as jornadas
subseqüentes ou invadindo os períodos geralmente dedicados ao descanso?
Tudo indica que, pouco a
pouco, esses direitos conquistados em anos de luta serão arranhados e
destruídos sob a pressão das metas impostas pelos gestores e em nome da
possibilidade de adaptar o tempo trabalho às 24 horas do dia.
Do
mesmo modo, trabalhar em casa não impede que as tensões geradas no ambiente
familiar e o fato de não poder contar com o apoio imediato de colegas diante de
dúvidas e necessidades urgentes se somem a situações de assedio das chefias, a
pressões por metas que extrapolam as possibilidades reais de execução nas
condições dadas, alimentando as possibilidades de esgotamento físico e
adoecimento psíquico vinculado ao trabalho. Neste momento em que mais precisa
de apoio, o funcionário perceberá que o home-office o abandona à própria sorte
ao transferir a ele toda a responsabilidade pela situação em que se encontra.
A
legislação vigente define que, no teletrabalho, o papel do empregador se limita
a instruir o funcionário, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções
que devem ser tomadas para preservar a sua saúde física e psíquica. Feito isso,
o patrão deixa de ter qualquer responsabilidade com o bem-estar do empregado em
trabalho remoto. Em nenhum momento a legislação abre brechas para que o
empregado possa negociar as metas que definirão o ritmo e a jornada de
trabalho, tenha canais para se proteger das práticas de assédio e, quando o
adoecimento em função do exercício da profissão mostrar seus sinais, possa
cobrar alguma indenização do seu empregador. Ao contrário, pela lei vigente,
tudo ficará por conta da vítima, acusada de não ter adotado os cuidados
aconselhados para proteger a sua saúde.
Infelizmente,
só o tempo mostrará aos trabalhadores que os benefícios imediatos do trabalho
remoto são agigantados pelo medo de sucumbir à ação de um vírus potencialmente
mortal e que, à sua sombra, crescem insidiosamente problemas e situações que
podem comprometer sua saúde e seu equilíbrio emocional de forma igualmente
grave e bem mais duradoura.
No momento em que
escrevemos, o coronavírus transformou o teletrabalho na varinha de condão que
proporciona, ao mesmo tempo, a proteção do isolamento social e a renda que o
trabalhador almeja a custos materiais que parecem irrisórios diante da ameaça à
saúde que o trabalho presencial pode trazer. O processo de conformação que o
funcionário assume em primeira pessoa é fortalecido pelo convencimento de que
se trata de uma prática que veio para ficar, que poucas funções tem o
privilégio de desfrutar e que, apesar dos pesares, apresenta mais vantagens do que
situações indesejadas.
Do lado empresarial, o
interesse pelas chances de lucros que o trabalho remoto oferece faz com que, em
julho, de cada 100 empresas que lançaram mão dele para driblar as adversidades
da pandemia, 39 pretendam adotá-lo de forma permanente para várias de suas
funções, 48 estejam analisando esta opção e apenas 13 tenham excluído a
possibilidade de mantê-lo após a volta à normalidade.[48]
Executar o trabalho no
próprio local de moradia é algo que, de acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (IPEA), pode atingir cerca de 20 milhões de pessoas, 22,7% dos
ocupados.[49] Se isso vier a se concretizar, teremos
um cenário no qual uma parcela significativa do trabalhador coletivo se
fragmenta e se isola, abrindo campo a um aumento do controle por parte do
empregador e a uma forte redução dos contatos entre os dirigentes sindicais e a
base que representam. Trata-se de uma situação que tende a esvaziar ainda mais
os já precários efeitos da agitação sindical e a fazer com que os dirigentes
percam completamente a capacidade de medir o pulso de parcelas significativas
da categoria. Se mobilizar a base mantendo contato com ela nas entradas e
saídas dos locais de trabalho não era fácil, unir vontades dispersas no
isolamento do home-office será bem mais complexo e difícil.
Assim como a pandemia
levou milhões de trabalhadores a realizarem suas tarefas nos ambientes
domésticos, forçou centenas de milhares de outros a sair às ruas. A violenta destruição
de empregos provocada pela crise transformou o “fazer uber” na única forma de
sobrevivência do trabalhador e da sua família.
Para termos uma idéia do
fluxo de pessoas que caminhou nesta direção, basta pensar que o setor de
entregas em domicílio passou de um contingente estimado em 280 mil trabalhadores,
em março de 2020, para cerca de 500 mil no final do segundo trimestre.[50]
As empresas se
aproveitaram deste cenário para aprofundar as mudanças no pagamento dos
serviços e no controle de quem vai executá-los.
Os primeiros impactos na
renda e na jornada dos trabalhadores foram registrados em meados de abril
quando uma pesquisa realizada pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma
Trabalhista ouviu 252 trabalhadores do setor em 26 cidades do país. Segundo
este levantamento, apesar do aumento da jornada de trabalho, 60,3% dos
entrevistados apontaram uma queda da remuneração em relação ao período anterior
à pandemia, 27,6% afirmaram ter mantido o mesmo patamar de ganhos e somente
10,3% disseram estar ganhando mais dinheiro durante a quarentena.[51]
Estes resultados mostram
que o sonho de aderir aos aplicativos rumo a um negócio próprio no futuro cede
o lugar ao pesadelo de não conseguir no presente a renda de quem passou a
depender exclusivamente deste trabalho. Isso ocorre à medida que a relação
entre o micro-empreendedor individual que aposta seus recursos nas atividades
vinculadas aos aplicativos e a empresa que se coloca como parceira de negócios
ao mediar com seu suporte tecnológico e administrativo a relação entre quem
precisa de um serviço e quem vai executá-lo é extremamente desigual.
Expressão mais avançada do
processo que transfere ao trabalhador os custos e os riscos envolvidos na
execução das tarefas, a relação
das empresas com os entregadores não gera nenhum tipo de obrigação com o
ressarcimento dos prejuízos sofridos em caso de acidente, doença, reposição de
peças ou roubo do veículo utilizado no trabalho e nem com a saúde e a
incolumidade física deles. E aqui não estamos falando de uma eventualidade tão
rara a ponto de ser desprezível, e sim de uma realidade onde a morte de
entregadores por acidentes de trânsito é algo corriqueiro. Basta pensar que,
entre março e maio deste ano, na cidade de São Paulo, 87 deles morreram em
acidentes de trânsito, numa média trágica de quase uma morte por dia. [52]
Por outro lado, ao entrar
nesta relação apostando o que dispõe numa situação em que a sobrevivência
coloca uma faca no seu pescoço, o trabalhador é levado a ver os ganhos
possíveis como forma de naturalizar a incerteza, de aceitar os controles que
cercam sua relação com a empresa e de se conformar com a possibilidade de se
esfolar um mês inteiro tendo resultados pouco compensatórios.
Do outro lado da mesa, os
gigantes que atuam na área de delivery, subtraem de 25% a 30% do valor pago
pelos clientes a quem executa as tarefas, além de poder alterar unilateralmente
os valores cobrados pelos fretes. De acordo com a empresa Rappi, por exemplo, o
custo da entrega é calculado levando em consideração o clima, o dia da semana,
o horário em que a entrega é realizada, a zona de entrega, a distância a ser
percorrida e a complexidade do pedido numa equação sobre cujos termos o
entregador não tem o menor controle.[53]
A livre
parceria entre estes atores em nome da qual é celebrada a união de esforços
para a prestação de serviços não dispensa controles de desempenho e regras
disciplinares cujo cumprimento é verificado em tempo real.
Quem
faz entregas na rua ou transporta pessoas é submetido à avaliação constante de
um exército de clientes que julga a qualidade do serviço e proporciona à
empresa uma avaliação de cada trabalhador. Os resultados assim obtidos são
lidos por um mecanismo de inteligência artificial (algoritmo) que classifica
cada avaliação e, graças a um sistema de pontos, premia ou pune o entregador.
Ao fazer a mediação
entre a demanda dos clientes e os trabalhadores conectados ao aplicativo, o
algoritmo oferece as tarefas mais vantajosas a quem tem a maior pontuação. Os
demais podem não receber demanda alguma ou serem solicitados a assumirem
pedidos que envolvem deslocamentos cujos ganhos não compensam os esforços e os
gastos a serem despendidos, num processo pelo qual permanecer sem serviço
parece vinculado à escolha do próprio trabalhador e não à resposta induzida
pela ação do mecanismo de inteligência artificial que o controla.
Vale lembrar
que as regras de avaliação aplicadas pelo mecanismo de inteligência artificial
não são conhecidas pelos trabalhadores. A falta de transparência em relação aos
parâmetros utilizados para estabelecer as punições faz com que o medo de sofrer
retaliações seja um poderoso fator de dissuasão em relação a um possível
afastamento dos padrões exigidos pela empresa.
Basta isso para
percebermos que a idéia inicial da uberização do trabalho pela qual seria
possível trabalhar na hora que se quer, como se quer e para quem se quer, não
passa de uma miragem enganadora. A conformação às exigências do negócio,
impostas pelos aplicativos, faz com que a liberdade de escolha se transforme em
submissão ativa aos requisitos do trabalho sob pena de não conseguir a renda
desejada.
Contudo, para este cenário
se concretizar, é necessário que o trabalhador entre no aplicativo para atender
à demanda que virá, sendo que esta disponibilidade se interrompe quando decide
encerrar o tempo à disposição da empresa desligando o celular. O problema deste
minúsculo espaço de liberdade é que a redução do número de trabalhadores
disponíveis costuma fazer as empresas se depararem com a impossibilidade de
atender os pedidos encaminhados pelos clientes justamente nos momentos em que
estes atingem os níveis mais elevados.
Em dias chuvosos, por
exemplo, motoboys e ciclistas tendem a desligar o aplicativo para fugir do mau
tempo, enquanto o número de solicitações cresce justamente em função das
condições atmosféricas que desaconselham a sair de casa. Ou seja, em dias
assim, o número de pedidos dos clientes é maior que o dos trabalhadores
disponíveis para executá-los, o que acarreta atrasos e cancelamentos da
prestação de serviço.
Uma situação ainda mais
grave ocorreria em plena pandemia se, diante da forte elevação da demanda de
delivery em função do isolamento social, faltassem trabalhadores dispostos a
enfrentar as intempéries e os riscos de contrair a Covid. Ou seja, justo quando
as empresas teriam chances de levar o faturamento às nuvens, poderia não haver
gente para fazer o serviço acontecer.
Para driblar esta
situação, a empresa de entregas Rappi introduziu um sistema pelo qual a
possibilidade de conseguir tarefas melhor remuneradas depende de uma pontuação
mínima semanal que o trabalhador precisa atingir. Quanto maior o número de
entregas realizadas, maior a pontuação, o que, por outro lado, implica
sistematicamente em prolongar a jornada de trabalho e, sobretudo, em trabalhar
nos finais de semana.[54]
Sem abrir mão dos trabalhadores
que escolhem o período em que se conectarão aos aplicativos em retalhos de
tempo livre (conhecidos como “trabalhadores em nuvem”), as empresas estimularam
as adesões às suas plataformas através de um Operador Logístico (OL) com a
promessa de reduzir substancialmente os períodos de espera entre uma tarefa e
outra, melhorando assim as possibilidades de ganhos.
No caso da empresa de
delivery de alimentos Ifood, a função de Operador Logístico é desenvolvida por
uma pessoa jurídica contratada para organizar e gerenciar uma determinada frota
de entregadores que vai atuar numa área específica da cidade. [55]
Nesse sistema, apesar de
não ter salário fixo, folgas remuneradas, 13º ou férias, quem adere ao
aplicativo via OL tem uma jornada de trabalho determinada e precisa cumprir uma
escala organizada pelo Operador Logístico. O tempo em que permanece à espera de
um pedido continua não sendo pago e, como os demais que atuam em nuvem, tudo o
que pode fazer é torcer para que o intervalo entre uma entrega e outra seja
breve. Ou seja, ele tem todos os deveres de um trabalhador com carteira
assinada, mas nenhum dos direitos que beneficia quem conta com esse vínculo
empregatício.
Enquanto quem está “em
nuvem” recebe diretamente do Ifood as quantias correspondentes aos pedidos
atendidos e às gorjetas deixadas pelos clientes, o Operador Logístico é quem
faz o repasse desses valores após descontar a sua parte do montante depositado
pela empresa que controla o aplicativo. Desta forma, o OL é quem faz as regras
referentes aos pagamentos do seu grupo, podendo escolher livremente a
periodicidade e os valores pagos pelas entregas. [56]
Nesta relação de
trabalho, queixas, atrasos, faltas, corridas recusadas, manifestações de
descontentamento e de protesto são objeto de ameaças de fazer o entregador
voltar para a nuvem e de bloqueios temporários da demanda de tarefas pelo
gerente do OL numa operação de boicote que pode chegar a excluir o trabalhador
do grupo vinculado ao aplicativo. [57]
A lógica desta
“parceria” é clara: se não trabalhar nas condições definidas pela empresa, você
está fora!
Apesar das evidências
próprias da organização do trabalho, a suposta relação de parceria baseada no
fato de alguém optar por um determinado aplicativo ou por vários deles ao mesmo
tempo, de recusar pedidos, de escolher o horário e o dia de trabalho, de
iniciar e encerrar a jornada quando achar oportuno, etc. têm inviabilizado as
ações judiciais que tratam de reconhecer a existência de um vínculo
empregatício com as empresas proprietárias dos aplicativos.
Felizmente, em meio a
este cenário sombrio, os entregadores aprenderam a usar as condições de
trabalho que garantem a realização do serviço para poder paralisá-lo.
Os primeiros movimentos
ocorreram em agosto de 2016, em Londres, quando a empresa de entregas Deliveroo
decidiu abandonar o pagamento pela London Living Wage (uma tarifa horária que
funciona como uma espécie de salário mínimo reajustado todos os anos pela
variação do custo de vida da cidade) de 7 libras esterlinas por horas
acrescidas de uma libra por entrega realizada e optou pelo pagamento de 3,75
libras esterlinas por entrega.[58] A
medida foi justificada com base na possibilidade de os trabalhadores virem a
ganhar mais em função de uma maior quantidade de demandas no mesmo espaço de
tempo.
Diante da imposição da
empresa, os entregadores se mobilizaram através de redes informais criadas a
partir dos pontos de encontro determinados pelo algoritmo a fim de reduzirem os
tempos das corridas entre os restaurantes mais populares e os grupos de clientes
mais assíduos. Desta forma, o que se destinava a aumentar a produtividade do
trabalho criou a oportunidade para os entregadores se conhecerem, estabelecerem
relações e se organizarem.
No dia do protesto, os
entregadores, muitos deles com o rosto coberto, se reuniram do lado de fora da
sede da Deliveroo, discutiram suas reivindicações e algumas falas foram
traduzidas em outras línguas para que fossem claramente compreendidas pelos
imigrantes que integravam o grupo.
Encerrado o ato, os
entregadores pararam de aceitar os pedidos do aplicativo Deliveroo e deram
início à greve que durou uma semana. Ao longo deste período, ocorreram
manifestações diárias nas proximidades da sede da empresa, grandes comboios
pela cidade a fim de envolver um número ainda maior de entregadores e visitar
os restaurantes que usam os serviços da Deliveroo para dar maior visibilidade à
greve e pedir que optassem por atender apenas através de outros aplicativos.
Dia após dia, a greve
foi muito divulgada pelas redes sociais e ganhou destaque nos jornais. Ao
revelar as más condições em que o trabalho vinha sendo realizado, as
manifestações arranharam a imagem da empresa e trouxeram o cotidiano dos
entregadores à vista de todos. Diante das repercussões negativas na mídia e
entre os próprios clientes, a empresa desistiu de generalizar a nova forma de
remuneração.[59]
Na Noruega, a luta foi
mais longe. No dia 20 de agosto de 2019, os entregadores pelo aplicativo
Delivery Food Foodora iniciaram uma greve que durou cinco semanas para obter um
contrato coletivo de trabalho. Seguindo as pegadas dos protestos de Londres, os
entregadores noruegueses realizaram manifestações nas principais cidades do
país, atraindo o apoio da opinião pública. No dia 27 de setembro, o sindicato
da categoria assinou um acordo pelo qual cerca de 600 entregadores em tempo
integral terão um aumento de 1.500 euros em sua renda anual, uma indenização
nos meses em que o frio e a neve impedem os deslocamentos em bicicleta e uma
compensação monetária pela utilização de roupas, smartphone e bicicletas de uso
pessoal. Parece pouco, mas é um bom começo.[60]
No Brasil, em 1º de julho deste ano, a primeira greve nacional dos
entregadores, conhecida como “Breque dos Apps” marcou o cenário das grandes
cidades com protestos e carreatas. As principais reivindicações do movimento
diziam respeito à criação de um valor mínimo por entrega e ao aumento das
remunerações existentes, ao fim dos bloqueios e das desconexões que as empresas
efetuam de forma injustificada, à criação de um seguro de vida que cubra os
casos de furto e roubo dos quais são vítimas os entregadores, ao fim do sistema
de pontos, ao fornecimento de equipamentos de proteção para se proteger do
coronavírus, à criação de um auxílio-doença nos casos em que o trabalhador
tenha contraído a Covid-19, além da transparência nas formas de pagamento
adotadas pelas empresas.
A mobilização dos entregadores, vinculados, sobretudo, às
empresas Rappi, Ifood e UberEats, conseguiu fazer com que os holofotes da mídia
se voltassem para os problemas da categoria, mas ainda sem avanços
significativos em termos de reconhecimento de direitos.
Apesar das
fragilidades presentes nos passos iniciais da luta dos entregadores, os
acontecimentos mostraram que é possível organizar a revolta até mesmo em um setor
onde a precarização do trabalho, a lógica da parceria e a pulverização no
ambiente urbano pareciam criar barreiras intransponíveis à possibilidade de os
trabalhadores construírem momentos de enfrentamento. Dado o primeiro
passo...outros virão.
4. A onda Bolsonaro
Diante da devastação do
mercado de trabalho, do número de vítimas da pandemia e das incertezas que
permanecem no horizonte do país há uma pergunta que não quer calar: como
explicar o aumento da aprovação do governo Bolsonaro?
À primeira vista, parece
óbvio atribuir ao auxílio emergencial e à ampliação das parcelas deste
benefício o fator determinante no esvaziamento do conflito social que a
pandemia ameaçava engrossar ao privar milhões famílias da possibilidade de
encontrar no trabalho as condições mínimas de sua sobrevivência.
Mas é justamente aqui
que começam as perguntas que a realidade coloca à nossa reflexão. Para quem
ganha hoje o que gasta amanhã, que diferença faz morrer de fome ou de Covid?
Sem trabalho, sem condições mínimas de manter o distanciamento social nos
ambientes de periferia e nos espaços minúsculos das próprias casas, por quanto
tempo o discurso de governadores, prefeitos, movimentos da sociedade civil
faria mais sentido do que o apelo a enfrentar o destino presente nas falas
presidenciais?
Para não perdermos de
vista as peças deste quebra-cabeça, vamos começar pela materialidade econômica
e repercorrer nos seus passos os momentos de uma conjuntura em que fatores
econômicos, políticos e de construção do consenso social dialogaram com todas
as classes, incorporaram suas pressões e ajudaram o governo a convencer o senso
comum.
Começamos pela economia e, mais
precisamente, por um estudo do IPEA que, com base nos dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD contínua do IBGE) referentes ao mês de
maio, mostrou que o auxílio emergencial conseguiu recompor o volume de dinheiro
que as famílias das faixas de renda mais baixa obteriam com o seu trabalho se a
pandemia não tivesse impedido a sua realização.
Vamos aos números do
IPEA: [61]
Quadro 13: IPEA – Massa salarial habitual, efetivamente recebida e
massa de rendimentos do auxílio emergencial em bilhões de Reais em maio de
2020.
Faixas de renda |
Massa salarial habitual |
Massa salarial efetiva |
Massa de rendimentos do aux. emergencial |
Diferença da massa habitual |
Menor do que R$ 1.650,50 |
16,32 |
7,94 |
8,32 |
- 0,06 |
Entre R$ 1.650,50 e R$ 2.471,09 |
18,33 |
13,30 |
6,09 |
1,06 |
Entre R$ 2.471,09 e R$ 4.127,41 |
40,20 |
32,90 |
6,23 |
- 1,07 |
Entre R$ 4.127,41 e R$ 8.254,83 |
50,13 |
43,84 |
2,53 |
- 3,76 |
Entre R$ 8.254,83 e R$ 16.509,66 |
35,60 |
31,92 |
0,30 |
- 3,38 |
Maior do que R$ 16.509,66 |
30,40 |
28,01 |
0,03 |
- 2,36 |
|
|
|
|
|
Massa salarial do país |
192,96 |
157,91 |
23,50 |
- 11,5 |
Fonte: elaboração própria a
partir dos dados do IPEA.
O quadro 13 mostra claramente a
importância do auxílio emergencial para as faixas de renda domiciliares até R$
4.127,41. No caso das famílias mais pobres, este dinheiro representou 50,98% da
renda do trabalho que receberiam habitualmente e permitiu reduzir a perda deste
grupo de 8 bilhões e 380 milhões de reais a 60 milhões de reais.
Entre as que ganham de
R$ 1.650,50 a R$ 2.471,09, os 6 bilhões e 90 milhões de reais do auxílio
emergencial elevaram a renda do trabalho em um bilhão e 60 milhões de reais
acima do montante que seria recebido sem os problemas da pandemia. No grupo
cuja renda média flutua entre R$ 2.471,09 e R$ 4.127,41, a ajuda governamental
limitou as perdas de rendimentos do trabalho a um bilhão e 70 milhões de reais.
O papel do auxílio
emergencial na preservação dos ganhos diminui nas faixas seguintes, mas em
maio, o montante pago fez com que a massa salarial do mês encolhesse apenas 11
bilhões e 500 milhões de reais.
Assim como não se pode negar que a
concessão do benefício foi marcada por atrasos e problemas que elevaram os
sofrimentos dos mais necessitados, a regularização do auxílio emergencial
trouxe o alívio capaz de reduzir as tensões sociais oriundas da falta de renda.
Prova disso é que os protestos nas periferias ocorridos em maio e junho foram
motivados pelo forte aumento da violência policial, e não pela falta de renda.[62]
Apesar disso, as pesquisas Datafolha
realizadas em 25 e 26 de maio e em 23 e 24 de junho mostravam que o índice de
rejeição do governo superava o da sua aprovação. A inversão desta situação
ocorreria apenas no levantamento de agosto, quando os dados amplamente
favoráveis ao governo Bolsonaro foram unanimemente atribuídos ao pagamento do
auxílio emergencial e à ampliação do número das parcelas.
Mas será que basta isso
para alterar substancialmente os indicadores de aprovação em todas as classes
sociais?
Para responder a esta
pergunta, vamos nos debruçar sobre os índices de aprovação por faixa de renda
apurados pelas pesquisas do Datafolha, realizadas em 5 e 6 de dezembro de 2019,
25 e 26 de maio, 23 e 24 de junho, 11 e 12 de agosto deste ano.
Vamos começar por quem
ganha até dois salários mínimos: [63]
Avaliação |
Dezembro 2019 |
Maio 2020 |
Junho 2020 |
Agosto 2020 |
Ótimo/bom |
22% |
31% |
29% |
35% |
Regular |
33% |
25% |
25% |
33% |
Ruim/péssimo |
43% |
43% |
44% |
31% |
Não sabe |
2% |
1% |
2% |
2% |
Fonte: elaboração própria a
partir dos dados do Datafolha
O quadro 14 mostra que, entre os entrevistados
da faixa de renda mais baixa, a reprovação do governo Bolsonaro se manteve
entre 43% e 44% nos quase sete meses que vão de dezembro de 2019 a junho de
2020, sendo que a imagem negativa do governo Bolsonaro só registrou uma melhora
na pesquisa de agosto ao cair 13 pontos percentuais em relação a junho.
O efeito positivo do auxílio
emergencial na avaliação do presidente se reflete na passagem dos 22% que o
consideram bom ou ótimo em dezembro para 31% em maio, quando, segundo o IBGE,
70,57% das famílias nesta faixa de renda receberam o auxílio emergencial.
Apesar de a queda permanecer na margem de erro da pesquisa, não deixa de ser
intrigante perceber que as aprovações se reduzem em 2 pontos percentuais em
junho, quando 76,52% das famílias deste grupo tiveram acesso ao benefício.[64]
Vamos agora à faixa de renda entre 2
e 5 salários mínimos: [65]
Avaliação |
Dezembro 2019 |
Maio 2020 |
Junho 2020 |
Agosto 2020 |
Ótimo/bom |
35% |
36% |
35% |
40% |
Regular |
33% |
21% |
22% |
21% |
Ruim/péssimo |
31% |
42% |
43% |
37% |
Não sabe |
1% |
1% |
1% |
1% |
Fonte: elaboração própria a
partir dos dados do Datafolha
È interessante perceber que, em
dezembro de 2019, as pessoas que integram este contingente se dividiam em
porcentagens bem parecidas nos três critérios de avaliação.
Em maio e junho, a
variação da aprovação do desempenho presidencial flutua na margem de erro da
pesquisa e se mantém na mesma faixa de dezembro.
Entre dezembro de 2019 e
maio de 2020, a alteração mais significativa ocorre no aumento de 11 pontos
percentuais entre os que avaliavam Bolsonaro como ruim e péssimo. Ou seja,
neste grupo, o fato de, em maio, 40,63% das famílias terem acesso ao auxílio emergencial
não alterou o nível de aprovação e não evitou que uma parcela considerável de
pessoas aumentasse o contingente dos que desaprovavam a gestão do Presidente. [66]
Em
junho, 42,23% dos que ganham entre 2 e 5 salários mínimos receberam o auxílio
emergencial. Apesar de este contingente aumentar levemente em relação a maio,
temos uma diminuição da aprovação e um aumento da desaprovação no interior da
margem de erro da pesquisa.[67]
Em
agosto, as coisas mudam com a desaprovação caindo a 37% e o grupo que avalia o
governo como ótimo ou bom chegando a 40%.
O
número de famílias com acesso ao auxílio emergencial não é significativo entre
os indivíduos cuja faixa de renda flutua entre 5 e 10 salários mínimo.
Temos,
portanto, um grupo no qual o benefício pode ter influência nas opiniões gerais
sobre a política do governo, mas não enquanto componente da renda.
Vejamos
o que dizem os números do Datafolha: [68]
Quadro 16: índices de aprovação do governo Bolsonaro na faixa de renda de 5 a 10 Salários Mínimos entre dezembro-maio-junho-agosto de 2020
Avaliação |
Dezembro 2019 |
Maio 2020 |
Junho 2020 |
Agosto 2020 |
Ótimo/bom |
44% |
36% |
33% |
40% |
Regular |
24% |
15% |
17% |
20% |
Ruim/péssimo |
31% |
48% |
50% |
40% |
Não sabe |
1% |
1% |
0% |
0% |
Fonte: elaboração própria a
partir dos dados do Datafolha
Percebemos
claramente que as avaliações de ótimo e bom caem de 44% em dezembro de 2019,
para 33% em junho de 2020, sendo que, em agosto, alcançam 40% dos
entrevistados, 4 pontos percentuais a menos em relação ao levantamento inicial.
No extremo oposto, o grupo dos que consideram o governo Bolsonaro como ruim e
péssimo sobe 19 pontos percentuais ao passar de 31% no final de 2019 para 50%
em junho, e, na pesquisa de agosto, empata com o índice de aprovação ao marcar
40%.
A
faixa de renda mais alta reserva uma surpresa. Vejamos: [69]
Quadro 17: índices de aprovação do governo Bolsonaro na faixa de renda acima de 10 Salários Mínimos entre dezembro-maio-junho-agosto de 2020
Avaliação |
Dezembro 2019 |
Maio 2020 |
Junho 2020 |
Agosto 2020 |
Ótimo/bom |
44% |
42% |
34% |
40% |
Regular |
28% |
8% |
14% |
13% |
Ruim/péssimo |
28% |
49% |
52% |
47% |
Não sabe |
0% |
2% |
0% |
1% |
Fonte: elaboração própria a
partir dos dados do Datafolha
O quadro 17 revela que, em dezembro
de 2019, a porcentagem de ótimo e bom ultrapassava em 16 pontos percentuais a
de ruim e péssimo. Em maio, as aprovações flutuaram negativamente na margem de
erro da pesquisa, o número de pessoas que considera o governo como regular caiu
ao menor patamar já registrado com apenas 8% e o contingente para o qual a
gestão do presidente era ruim ou péssima aumentou 21 pontos percentuais,
marcando uma forte polarização nas opiniões deste grupo e uma perspectiva mais
negativa do que positiva nas avaliações do desempenho presidencial.
Em junho, o índice de ótimo ou bom
perdeu 8 pontos percentuais, o de regular quase dobrou ao passar para 14% e a
desaprovação do governo atingiu o maior patamar ao se fixar em 52%. Por
estarmos entre pessoas que não precisam do SUS para cuidar de sua saúde, que
têm acesso a condições de vida bem mais favoráveis em relação aos grupos
anteriores e, certamente, não dependem do auxílio emergencial para sobreviver,
parece claro que a mudança nas avaliações do governo em maio e junho sofreu a
influência de fatores alheios ao auxílio emergencial.
A pesquisa de agosto
revela também que a polarização no interior deste grupo se mantém forte. De
fato, o índice de ótimo e bom cresceu 6 pontos percentuais em relação a junho,
e a de ruim e péssimo, apesar de cair de 52% em junho para 47%, está 7 pontos
percentuais acima da avaliação de ótimo e bom do mesmo mês e 19 pontos
percentuais ante o patamar de ruim ou péssimo, registrado em dezembro de 2019.
Numa visão panorâmica, a
pesquisa Datafolha de agosto por faixa de renda revela dois elementos
interessantes. O primeiro deles é que o índice de aprovação do governo na faixa
de renda até 2 salários mínimos se aproxima do patamar de aprovação que
encontramos nas demais e supera a desaprovação em 4 pontos percentuais.
O segundo, é que os
setores sociais mais descontentes com o governo Bolsonaro são aqueles de renda
superior a 5 salários mínimos, entre os quais a reprovação fica entre 40% e
47%.
Ou seja, os grupos
populacionais representados pelos movimentos sociais que hastearam a bandeira
do “Fora Bolsonaro” se afastaram das posições defendidas pelas lideranças dos
movimentos que dizem representá-los.
A idéia pela qual o
recebimento do auxílio emergencial, por si só, não explica totalmente a
evolução mostrada até o momento ganha força quando comparamos a relação entre o
número de pessoas que recebem o auxílio emergencial e a quantidade de empregos
formais em cada região do país com os índices de aprovação e rejeição ao
governo.
Vejamos: [70]
Quadro 18: número de pessoas
que recebem o auxílio emergencial por emprego formal existente da região considerada
e sua relação com os índices de aprovação/desaprovação.
Região |
Beneficiados pelo auxílio emergencial por emprego formal |
Ótimo/Bom |
Ruim/Péssimo |
Norte e Centro-Oeste |
2,36 |
42 |
25 |
Nordeste |
3.38 |
33 |
35 |
Sudeste |
1.28 |
36 |
39 |
Sul |
1.03 |
42 |
31 |
Fonte: elaboração própria a
partir dos dados do site Poder 360 e da pesquisa Datafolha de agosto 2020
A comparação regional
mostrada pelo quadro 18 traz dados que comprovam a suspeita pela qual atribuir
ao auxílio emergencial o papel determinante pelo crescimento da aprovação de
Bolsonaro tende a ocultar elementos conjunturais igualmente importantes no
processo que leva aos índices de aprovação de agosto de 2020.
Na média das regiões Norte e Centro-Oeste, encontramos mais
que o dobro de pessoas que têm acesso ao auxílio emergencial em relação às que
ocupam uma vaga de trabalho formal. Apesar disso, o índice de aprovação é
exatamente o mesmo encontrado na região sul onde para cada emprego formal
existente há, praticamente, o mesmo número de pessoas que recebem o benefício do
governo.
No Nordeste, onde há mais de três
beneficiados para cada emprego formal, o índice de aprovação é o mais baixo das
demais regiões e a porcentagem de pessoas que desaprovam o governo Bolsonaro
supera o contingente das que o aprovam.
No Sudeste, onde o número dos que contam
com o auxílio emergencial supera em 28% o grupo dos que ocupam uma vaga de
carteira assinada ou em regime estatutário, as porcentagens de aprovação e
reprovação estão acima dos patamares registrados na região Nordeste.
Sendo assim, que outros elementos
teriam ajudado a produzir uma avaliação bem mais favorável do desempenho do
Bolsonaro?
Em nossa opinião, o primeiro deles é
dado por uma guinada na postura presidencial em relação à ameaça de um golpe de
Estado destinado a calar a atuação das instituições democráticas e o trabalho
da imprensa contrária às posições do governo.
Todos devem se lembrar
que, no mês de maio, Bolsonaro não perdia uma ocasião de se colocar ao lado de
grupos de extrema direta que atacavam abertamente o Supremo Tribunal Federal e
almejavam uma intervenção militar em manifestações das quais o próprio
presidente participava exibindo doses generosas de entusiasmo.
No mesmo mês, diante das
operações policiais que miravam influenciadores de opinião bolsonaristas, o
filho do presidente da República e deputado federal, Eduardo Bolsonaro, fazia
coro aos discursos contra as instituições afirmando que a questão não era mais
“se” teria ruptura, e sim “quando” ela aconteceria, dando como certa a
realização de um golpe militar liderado pelo próprio Bolsonaro. [71]
Entre final de maio e início de
junho, as torcidas de futebol dos principais centros industriais do país
romperam o isolamento social para ocupar as ruas em protestos pela defesa da
democracia. O marco “antifascista” levantado pelos torcedores foi assumido em
meio a não poucas hesitações por alguns movimentos organizados da sociedade
civil cuja ação, até aquele momento, permanecia restrita às pressões nas redes
sociais.
Esta reação popular que
surpreendeu a esquerda brasileira apenas espelhava a rejeição a qualquer
tentativa golpista do governo registrada numa pesquisa de opinião do Instituto
da Democracia e da Democratização da Comunicação, no início de junho de 2020.
De acordo com os números divulgados na época, apesar de 72,6% dos brasileiros
estarem insatisfeitos com a democracia, em média, 73% deles rejeitavam a idéia
de uma intervenção militar nas 4 opções que poderiam justificá-la.[72]
Seguir ao lado dos 27%
que exacerbavam os ânimos para sustentar um golpe de Estado significaria perder
o apoio popular da maioria absoluta da população e, de conseqüência, alimentar
a rejeição ao governo em todas as classes sociais.
Em junho, à volta do
povo ao espaço público se somaram as relações esdrúxulas com o Centrão e as suspeitas
de que Bolsonaro conhecia o paradeiro de Fabrício Queiroz, preso pela polícia
numa mansão que pertencia ao advogado da família do Presidente. Além da
oposição ao golpe, o cenário político e o desfecho das investigações policiais
desgastavam ainda mais a imagem presidencial.
A nosso ver, mais do que
a forma de lidar com a pandemia, foram estes os aspectos que pesaram na
desaprovação do Presidente da República registrada pelas pesquisas em final de
maio e junho deste ano.
Como bom camaleão,
Bolsonaro aproveitou o isolamento recomendado a quem contrai a Covid-19 para
sair de cena e deixar a poeira baixar. Silenciosamente, costurou com o Centrão
as relações de que precisava para desaconselhar o presidente da Câmara dos
Deputados, Rodrigo Maia, a dar andamento a qualquer pedido de impeachment. E,
diante do efeito positivo que o auxílio emergencial produziu entre os mais
necessitados, trocou a farda de capitão do Exército pelas roupas de um
populista que colhe os aplausos do povo.
Em relação à pandemia, Bolsonaro
não mudou a forma de lidar com ela, apenas usou todos os elementos do senso
comum que acabariam dando às suas palavras o tom de uma profecia que se
auto-realiza. De um lado, naturalizou as mortes provocadas pela pandemia
enquanto fazia pesar nas administrações locais a responsabilidade de ter
deteriorado a economia com as medidas de isolamento social. De outro, não
perdeu nenhuma ocasião para relembrar publicamente os volumes de recursos
destinados a socorrer os mais atingidos pela recessão e a fortalecer o combate
à pandemia nos estados e municípios.
Neste sentido, vale
lembrar que, para o povo simples, pouco importa se quem elevou o valor do
auxílio emergencial dos R$ 200,00, inicialmente propostos pela equipe
econômica, para os R$ 600 efetivamente pagos foi a oposição no Congresso
Nacional, e não o Presidente da República. O que importa é que esse valor foi
entregue, que o número de parcelas aumentou e que, agora, o governo ainda não
desistiu totalmente da idéia de conceder um reforço na renda de valor superior
ao do programa Bolsa Família, criado pelo Partido dos Trabalhadores.
Além dos aspectos estritamente
econômicos, o fato de Bolsonaro e alguns de seus familiares mais próximos terem
passado pela Covid-19 fortaleceu a narrativa presidencial pela qual a pandemia
guarda mais relação com as tramas do destino, do que com as medidas sanitárias
que impedem que ela se alastre entre a população.
Pensar a história como obra de um
acaso incontrolável não é apenas um
aspecto do processo que leva a ocultar os interesses e as relações de poder que
tecem as suas tramas, mas também a peça-chave para fortalecer a indiferença
diante dos acontecimentos. Quando o caminhar da história é atribuído a um
destino insondável, as tragédias ganham as feições de obras que não dependem
das escolhas dos seres humanos aos quais cabe apenas ter a coragem de
enfrentar. Por isso, ultrapassar o patamar dos 100 mil mortos por Covid-19 não
despertou a indignação que muitos esperavam.
Neste
sentido, o apelo à fatalidade do destino, presente nas intervenções
presidenciais desde o início da pandemia, apenas traduzia a indiferença e o
deixar acontecer, típicos do cotidiano do povo simples que viu sua leitura da
realidade refletida no sentido que o Presidente da República dava aos acontecimentos.
Encontramos expressões claras desta percepção nos testemunhos dos
familiares das vítimas da Covid que foram veiculados pela mídia. As palavras
dos que perderam um ente querido costumam revelar fortes traços desta
fatalidade frente à qual se retratam como expectadores impotentes. As pessoas
mostram o choro de quem não esperava tamanho sofrimento, a revolta do inocente
que não merecia ser atingido pela desgraça, o desconsolo de quem foi vencido
por uma conjunção de fatores que se sobrepôs às suas crenças e à sua vontade.
Seus depoimentos mesclam saudades e lamentos, mas ninguém vê sua omissão diante
dos acontecimentos como elemento que abriu o caminho à desgraça.
Diante do luto, a
fatalidade passa a ser um aliado de primeira ordem na tarefa de tirar dos
próprios ombros o peso da responsabilidade, a falta de solidariedade com quem
buscava mudar o rumo dos acontecimentos, a indiferença e o ceticismo em relação
aos que convidavam a lutar. A constatação de que “agora é tarde” não está
associada a um desejo de ação que o sofrimento promete levar adiante, e sim a
um convite a se resignar, a se conformar com o fato de que, no fundo, não havia
o que fazer e que, agora, só resta aceitar que o mesmo destino se encarregue de
curar as feridas.
Estamos diante de um
processo que se auto-alimenta à medida que o fatalismo ajuda a apaziguar as
consciências, ao mesmo tempo em que mantém a falta de ação que levará a novas
tragédias. Neste contexto, Bolsonaro foi mestre em usar estas expressões de
senso comum para fortalecer a indiferença e desativar a indignação.
Em
nossa opinião, este movimento ganhou ainda mais força por vivermos numa época em que
nada parece verdadeiro e em que a objetividade do real é anulada a partir das
crenças e dos valores de cada um. Ao superestimar a percepção do indivíduo, e
as convicções que dela derivam, o real se dissolve e a razão é destruída pelas
expressões que traduzem “a” verdade do sujeito.
Desta
forma, qualquer relato estapafúrdio e fantasioso pode se reivindicar tão
legítimo e verdadeiro quanto uma demonstração científica. Afinal, no
subjetivismo extremado do senso comum, a própria ciência não passa de um relato
cujo valor não supera a compreensão superficial que o indivíduo tem dos mesmos
fenômenos.
Neste
contexto, as recomendações dos infectologistas sobre o coronavírus são apenas
opiniões de pessoas comuns, tão válidas quanto as que defendem a vantagem da
exposição indiscriminada à contaminação nos espaços públicos como forma de
imunização coletiva.
Problemas
com o número dos que vão falecer? Pra que? Afinal, um dia todos vamos morrer.
Este é o destino de todos os seres vivos. E o melhor a fazer é enfrentar, como
disse Bolsonaro. Mais uma vez, as palavras do Presidente fizeram mais sentido
para as pessoas simples do que os discursos das oposições que, em seu afã de
desgastá-lo, esqueceram de dialogar com a visão de mundo do seu principal
interlocutor: o povo.
Nossos
problemas aumentam à medida que a realidade objetiva, palpável, que nega a interpretação
estritamente baseada em elementos subjetivos, é vista como uma violência contra
o indivíduo. O apelo à liberdade de expressão de cada um facilita o trabalho de
manipular as consciências, passível de ser realizado até mesmo com o resgate do
que tem de mais retrógrado, dos preconceitos arraigados em séculos de opressão,
de qualquer crença cuja justificativa pode se basear apenas no “eu acho que é
assim...e é isso que importa!”.
Quando a
interpretação da vida se afasta de qualquer grau de objetividade material, a
realidade como elemento capaz de questionar o senso comum perde importância na
hora de ajudar as pessoas a fazer o inventário dos interesses que movem o
cotidiano da história.
Esta tarefa
necessária e urgente passa a depender de uma capacidade aguçada de encontrar as
pequenas brechas que o impacto com o cotidiano abre na visão de mundo marcada
por uma subjetividade que nega as evidências mais gritantes. De conseqüência, a
possibilidade de criticar o senso comum está cada vez mais atrelada à
capacidade de aproveitar momentos-chave que somente a inserção no cotidiano do
povo pode apontar.
Fazer
isso é ainda mais difícil para os movimentos, à medida que a militância
raramente tem uma inserção no dia-a-dia da classe e, diante da ausência de
respostas à altura das suas expectativas, recorre sistematicamente a
expedientes que negam seus fracassos.
Diante
dos resultados da pesquisa de agosto do Datafolha, as expressões mais comuns
dos movimentos atribuíram os resultados a uma avaliação de momento, aos
possíveis erros da pesquisa (sem dizer, obviamente, quais eram), à ausência de
confiabilidade das sondagens de opinião realizada pela mídia brasileira e à
falta de consciência do povo (como se fosse uma novidade que a consciência popular guarda uma relação direta com
as necessidades imediatas e as respostas que podem atendê-las, e não com
perspectivas que, por estarem fora de seus horizontes, lhes são absolutamente
incompreensíveis).
Se, em
agosto, o Datafolha tivesse mostrado um forte aumento da desaprovação, e não o
contrário, não haveria problema algum com as entrevistas, todos iriam se
felicitar com a eficácia das estratégias utilizadas e até o povo estaria de
parabéns. O esforço de negar a realidade manifestado pelas expressões dos movimentos mostra a distância a que nos
encontramos em relação ao que as pessoas vivem e sofrem. É o tipo de cegueira
que, infelizmente, o fracasso das nossas ações não consegue curar e diante da
qual o contínuo reafirmar das nossas posições é a receita para seguir errando.
Para ajudar a transformar o cotidiano
das pessoas em espaço de inconformidade, de indignação, de capacidade de dizer
“basta!”, precisamos estabelecer uma conexão com a visão de mundo delas. Uma
conexão que seja capaz de fazer com que se sintam sujeitos de um diálogo em
construção e não objeto de uma conversa, de uma tentativa de convencimento, de
algo que busca levá-las a assumir o que sequer conseguem entender. Isso implica
na capacidade de ver com os olhos delas, de sentir o que sentem sabendo de
todas as dificuldades que têm de entender a lógica fria dos nossos raciocínios.
Diante de
um país que segue a terapia intensiva receitada pelo capital e cujas melhoras
são atribuídas aos remédios administrados por seus economistas, talvez ajude o
fato de os movimentos responderem sinceramente a algumas perguntas incômodas:
em que medida nossas bandeiras de luta dialogam com as demandas reais da
população? Por que o povo deveria encampar o que propomos quando não vê em
nossos passos a sincronia de quem marcha ao lado dos seus? Por que deveria prestar
atenção a palavras que mostram quanto sabemos e entendemos, mas são incapazes
de compreender o que sente? Por que, no lugar de achar que temos todas as
respostas não damos passos significativos para ouvir a voz e os sentimentos das
pessoas que nossos movimentos dizem representar?
Brasil, 16 de setembro de 2020.
[1]
Semanalmente, o boletim FOCUS do Banco Central traça uma média das principais
projeções do mercado em relação ao crescimento do PIB do país e a outros
indicadores econômicos. No dia 22 de junho, as estimativas atingiram o nível
mais baixo ao apontar uma recessão de 6,51%. Daí em diante, os números do PIB
apresentaram uma melhora que varia entre 5 e 10 centésimos de ponto percentual
a cada semana. Em 14 de setembro, o relatório projetava uma recessão de 5,11%.
Dados disponíveis em: https://www.bcb.gov.br/publicacoes/focus Acesso em
09/09/2020.
[2]
Em:
http://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28721-pib-cai-9-7-no-2-trimestre-de-2020
Acesso em 01/09/2020.
[3]
Em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/283-6-em-cada-10-emresas-percebem-impacto-da-covid-como-pequeno-inexistente-ou-positivo-na-2-quinzena-de-julho Acesso em 07/09/2020.
[4]
Acesso à íntegra do boletim em:
http://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2020/julho/vendas-em-junho-cresceram-10-3-quando-comparadas-a-junho-de-2019/Boletim2edio1julho2020.pdf Acesso em 06/07/2020
[5]
Em: https://6minutos.com.br/minhas-financas/coronavirus-obriga-brasileiros-de-maior-renda-a-economizar-fenômeno-pode-ajudar-na-recuperacao/ Acesso em: 17/07/2020.
[6]
Em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28553-producao-industrial-cresce-em-14-dos-15-locais-pesquisados-em-junho Acesso em 27/08/2020.
[7]
Em: http://www.anfavea.com.br/estatisticas
Acesso em 16/07/2020.
[8]
Em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/28591-após-quatro-meses-de-queda-servicos-crescem-5-0-em-junhoo Acesso em 22/08/2020
[9]
Idem.
[10]
Em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28555-em-julho-ibge-estima-alta-de-3-8-na-safra-de-2020 Acesso em 29/08/2020
[11]
Dados disponíveis em: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/balanca-comercial-brasileira-acumulado-do-ano Acesso em 18/08/2020.
[12]
Dados extraídos do estudo da Professora Sônia Hess, da Universidade Federal de
Santa Catarina e apresentados em vídeo pela Professora Larissa Bombardi da USP.
O material encontra-se disponível em: https://youtu.be/voze14MTKM4 Acesso em 29/08/2020.
[13]
O dado foi publicado no artigo escrito por Raoni Rajão, As maçãs podres do
agronegócio brasileiro”, cujos elementos essenciais foram resumidos em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2020/07/16/estudo-diz-que-2percent-das-propriedades-da-amazonia-e-do-cerrado-sao-responsaveis-por-62percent-do-desmatamento-ilegal-na-regiao.ghtml?utm_source=push&utm_medium=app&utm_campaign=pushg1 Acesso em 20/07/2020.
[14]
Em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-detalhe-de-midia.html?view=mediaibge&catid=2103&id=3979 Acesso em 27/08/2020
[15]
Idem.
[16] O censo agropecuário do IBGE, realizado entre 2016-2017, mas divulgado
em 2019, aponta um crescimento do número de tratores e colheitadeiras de
aproximadamente 50% entre 2006 e 20017, e um aumento de 143% no emprego
terceirizado no campo no mesmo período. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-10/tecnologia-aumenta-produtividade-agropecuaria-e-diminui-mao-de-obra Acesso em 05/09/2020.
[17]
Em: https://exame.com/economia/o-brasil-que-vai-bem/
Acesso em 24/07/2020.
[18]
Porcentagens calculadas a partir dos dados divulgados em:
http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/balanca-comercial-brasileira-acumulado-do-ano Acesso em 26/07/2020.
[19]
Em:
https://moneytimes.com.br/jbs-e-marfrig-ainda-tem-muito-a-ganhar-com-a-china-avalia-agora/ Acesso em 26/07/2020
[20]
Em: https://6minutos.uol.com.br/economa/supermercado-pesou-entenda-por-que-os-preços-dos-alimentos-subiram-tanto/ Acesso em 08/09/2020.
[21]
No fechamento das negociações nas bolsas de valores da sexta-feira dia
28/08/2020, o preço médio referente a 1000 pés de tábua, pela medida
internacional, atingiu 915,50 dólares, 147,23% maior em relação ao registrado
um ano antes. Em: https://pt.tradingeconmics.com/commodities Acesso em 28/08/2020.
[22]
Integram a Amazônia Legal os Estados do Pará, Mato Grosso, Amazonas, Rondônia,
Acre, Roraima, Maranhão, Amapá e Tocantins. Os dados citados foram extraídos da
página eletrônica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em:
http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/deforestation/biomes/legal_amazon/rates Acesso em 24/07/2020
[23]
Em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2020/07/10/amazonia-bate-novo-recorde-nos-alertas-de-desmatamento-em-junho-aumento-dos-ultimos-11-meses-foi-de-64percent-aponta-inpe.ghtml Acesso em 15/07/2020.
[24]
Em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2020/07/10/amazonia-bate-novo-recorde-nos-alertas-de-desmatamento-em-junho-aumento-dos-ultimos-11-meses-foi-de-64percent-aponta-inpe.ghtml Acesso em: 25/07/2020
[25]
Em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53384399 Acesso em 25/07/2020
[26]
Em: https://www.poder360.com.br/governo/ibama-aplica-o-menor-numero-de-multas-em-21-anos-m/ Acesso em 24/07/2020
[27]
Em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53384399 e em: https://www.poder360.com.br/governo/ibama-aplica-o-menor-numero-de-multas-em-21-anos-m/ Acesso em 25/07/2020
[28]
Em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-05/entidades-ambientais-fazem-ofensiva-judicial-contra-politicas-do-governo-bolsonaro.html Acesso em 26/07/2020.
[29]
Maiores informações em: https://exame.com/brasil/dia-mundial-do-meio-ambiente-e-alerta-para-avanco-do-desmatamento/?utm_source=Master+Audience+Exame&utm_campaign=d93c96a66d-Desperta_05_06_GERAL&utm_medium=email&utm_term=0_3570c36be3-d93c96a66d-351504444 Acesso em 22/07/2020.
[30]
Em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-25/desmatamento-sob-bolsonaro-afasta-investidores-e-ameaca-acordo-mercosul-uniao-europeia.html
e em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-53358810
Acessos em 24/07/2020
[31]
Em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2020/07/15/governo-federal-proibe-queimadas-por-120-dias.ghtml
Acesso em 26/07/2020.
[32]
Em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-vai-dar-escritura-a-milhares-de-ocupacoes-na-amazonia-após-vistoria-a-distancia,70003364624 Acesso em 20/07/2020
[33]
Dados completos em:
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/indicadoresselicionados Acesso em 04/08/2020
[34]
Em:
http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/12/1/congresso-aprova-orcamento-da-uniao-para-2020 Acesso em 08/09/2020.
[35]
Idem.
[36] Em:
https://cepea.esalq.usp.br/br/consultas-ao-banco-de-dados-do-site.aspx Acesso em 06/07/2020
[37]Em:https://www.dieese.org.br/sitio/buscaDirigida?itemBusca=&comboBuscaDirigida=TEMA%7Chttp%3A%2F%2F%www.dieese.org.br%2F2012%22F12%2Fdieese%23T356956290 Acesso em 06/07/2020
[38]
Em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-detalhe-de-midia.html?view=mediaibge&catid=2103&id=3979 Acesso em 27/08/2020
[39]
Grupo de pessoas com 14 anos ou mais de idade, formalmente apta a trabalhar.
[40]
Em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28310-desemprego-sobe-para-13-1-e-atinge-12-4-milhoes-na-4-semana-de-junho Acesso em 09/09/2020.
[41]
Em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa-/2013-agencia-de-noticias/releases/28110-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-12-9-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-27-5-no-trimestre-encerrado-em-maio-de-2020 Acesso em 09/07/2020
[42]
Em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28667-taxa-de-sindicalizacao-cai-a-11-2-em-2019-influenciada-pelo-setor-publico Acesso em 09/09/2020.
[43]
Em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28417-trabalho-remoto-cai-pela-primeira-vez-com-flexibilizacao-do-distanciamento-social Acesso em 05/08/2020.
[44]
Em: http://a.msn.com/01/pt-br/BB17nJeA?ocid=sw
Acesso em 05/08/2020.
[45]
Em: https://www.direcaoconcursos.com.br/noticias/teletrabalho-gera-economia-no-servico-publico/ Acesso em 31/07/2020.
[46]
Em: http://a.msn.com/01/pt-br/BB17nJeA?ocid=sw
Acesso em 05/08/2020.
[47] Em: https://6minutos.com.br/carreira/dia-de-trabalho-durante-a-pandemia-e-48-minutos-mais-longo-diz-pesquisa/
Acesso em 05/08/2020.
[48]
Em: https://6minutos.com.br/coronavirus/maioria-das-empresas-nao-sabe-quando-funcionarios-voltam-ao-trabalho-presencial/ Acesso em 31/07/2020.
[49]
Em: https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2020/06/03/home-office-pode-chegar-a-227percent-das-ocupacoes-nacionais-aponta-estudo-do-ipea.ghtml Acesso em 02/08/2020.
[50]
Em: https://www.cartacapital.com.br/artigo/uberismo-e-a-total-desumanizacao-das-relacoes-trabalhistas/ Acesso em 22/08/2020
[51]
Em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53124543 Acesso em 18/08/2020
[52]
Maiores informações em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53124543 Acesso em 18/08/2020
[53] Em: http://www.ihu.unisinos.br/565264-uberizacao-do-trabalho-subsuncao-real-da-viracao Acesso em 23/08/2020
[54] Em:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53124543
Acesso em 18/08/2020
[55] Em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-53521791 Acesso em 23/08/2020
[56]
Idem.
[57] Idem.
[58]
Em: https://valori.it/consegne-sfruttamento-sciopero-deliveroo/ Acesso em 22/08/2020
[59]
Em: http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/565380-luta-nos-aplicativos-organizacao-dos-trabalhadores-da-deliveroo-e-ubereats-em-londres
Acesso em 20/08/2020.
[60]
Em: https://laborability.com/storie-di-lavoro/i-rider-di-foodora-in-norvegia-ottengono-un-contratto-collettivo/
Acesso em 19/08/2020
[61] Dados
extraídos do estudo de SANDRO SACCHET DE CARVALHO, Mercado do trabalho – os
efeitos da pandemia sobre os rendimentos do trabalho e o impacto do auxilio
emergencial: o que dizem os microdados da PNAD covid-19. Em: Carta de
Conjuntura, Número 48 – 3º trimestre, IPEA 02/07/2020. Acesso através do
link: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/2020/07/os-efeitos-da-pandemia-sobre-os-rendimentos-do-trabalho-e-o-impacto-do-auxilio-emergencial-o-que-dizem-os-microdados-da-pnad-covid-19/ Acesso em 06/07/2020.
[62]
Vale lembrar que, em abril e maio, a polícia militar de São Paulo matou 187
pessoas, 44 a mais em relação aos mesmos meses de 2019. No Ceará, a ação
policial matou 53 pessoas entre abril e maio, ante 26 em igual período de 2019.
No Rio de Janeiro as operações policiais mataram 177 pessoas somente no mês de
abril, uma média de quase 6 pessoas por dia para um total 43% superior ao
registrado em abril de 2019. Dados divulgados em:
https://www.brasildefato.com.br/2020/07/11/na-quarentena-pm-de-sp-mata-102-em-abril-e-bate-recorde-dos-ultimos-14-anos e em:
http://www.isp.rj.gov.br/Noticias.asp?ident=438
Acessos realizados em 13/07/2020.
[63]
Em função do arredondamento das porcentagens, em alguns casos, a soma final
pode flutuar entre 99% e 101%. A margem de erro das pesquisas é de 2 pontos
percentuais para mais ou para menos. Todos os dados citados foram extraídos dos
relatórios completos das respectivas pesquisas, acessíveis através do
site:
http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/index.shtml Acesso em 16/08/2020.
[64]
Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-detalhe-de-midia.html?view=mediaibge&catid=2103&id=3870 Acesso em 16/08/2020 e em:
https://agendiadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28355-pnad-covid19-29-4-milhoes-de-domicilios-receberam-auxilio-energencial-em-junho
Acesso em 16/08/2020.
[65]
Em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/index.shtml Acesso em 16/08/2020
[66]
Em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-detalhe-de-midia.html?view=mediaibge&catid=2103&id=3870 Acesso em 16/08/2020 e em: https://agendiadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28355-pnad-covid19-29-4-milhoes-de-domicilios-receberam-auxilio-energencial-em-junho
Acesso em 16/08/2020.
[67]
Idem.
[68]
Em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/index.shtml Acesso em 16/08/2020
[69]
Idem.
[70]
Em:
https://www.poder360.com.br/economia/auxilio-emergencial-supera-emprego-em-25-estados/ Acesso em 10/09/2020 e em:
http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/index.shtml Acesso em 16/08/2020.
[71] Em:
https://www.metropoles.com/brasil/eduardo-bolsonaro-questao-não-e-mais-se-havera-ruptura-mas-quando Acesso em 16/08/2020.
[72]
Em:
https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/06/15/aumenta-rejeicao-a-ideias-golpistas-mostra-pesquisa.ghtml Acesso em 18/08/2020
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