terça-feira, 13 de outubro de 2020

O pior...já passou? – notas para pensar a conjuntura nacional

 



                 


By Emilio Gennari – Educador Popular

       E-mail: epcursos@gmail.com              

                                    

                

 

            Em abril, o isolamento social para enfrentar a pandemia paralisou parte considerável da indústria, do varejo e do setor de serviços, desencadeou uma onda de demissões e impediu o comércio informal deixando sem renda milhões de trabalhadores. A recessão atingiu marcas históricas que despertaram sérios temores em relação a quando e como seria possível enveredar pelo caminho da recuperação.

            Maio e junho apresentaram uma melhora dos indicadores em algumas atividades econômicas. Os dados levantados pelos órgãos do governo e pelos diferentes institutos de pesquisa apontavam a presença de sinais vitais até nos setores mais duramente atingidos pela crise.

Julho e agosto mantiveram o ritmo vagaroso pelo qual o país busca sair do atoleiro em que mergulhou e as estimativas semanais do Banco Central vêm confirmando o caminhar lento e incerto rumo a uma queda do PIB anual menor do que a esperada no início da pandemia.[1]

            Então, podemos dizer que o pior já passou?

            Assim como uma família cujo ente querido foi internado em estado grave vê nas pequenas melhoras a proximidade do momento em que passará da terapia intensiva para a enfermaria, a evolução das atividades econômicas alimenta a esperança de os sofrimentos causados pelo desemprego serem amenizados pela recuperação em curso.

Ao medir o pulso da realidade precisamos ter o olhar do médico que, feliz com os sinais que retratam a recuperação do paciente, se mantém atento aos indicadores da sua evolução a fim de não ser surpreendido por recaídas e situações inesperadas.

O otimismo trazido pela melhora não deve ocultar os problemas que ainda permanecem e nem os efeitos colaterais das medidas adotadas pelo governo.

            Com base nos dados disponíveis, faremos um balanço das atividades dos principais setores da economia ao longo do segundo trimestre a fim de entender o que seus indicadores revelam em relação ao período e as projeções para o futuro imediato.

            1. Comércio, indústria, serviços e agropecuária: a realidade de cada setor.

Os números do IBGE referentes ao desempenho do segundo semestre não surpreenderam quem vinha medindo o pulso da economia.

De acordo com o Instituto, entre abril e junho de 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) do país caiu 9,7% em relação ao trimestre anterior e 11,4% ante os mesmos meses de 2019.  A indústria sofreu um tombo de 12,3%, os serviços de 9,7%, os investimentos em capital fixo despencaram 15,4%, o consumo das famílias encolheu 12,5% e os gastos governamentais se retraíram em 8,8%. Só a agropecuária apresentou um crescimento de 0,4%.[2]

Os dados que apresentam uma economia devastada deixam a impressão de que todas as empresas passaram pelo pior dos mundos e escondem realidades que, se não forem resgatadas, será impossível entendermos o que de fato ocorreu no país.

Do mesmo modo, a evolução mensal do desempenho de cada setor, apresentada pelo IBGE, demanda uma atenção redobrada.

À medida que, em abril, a recessão provocada pelo coronavírus reduziu quase todas as atividades econômicas a patamares extremamente baixos, qualquer sinal de recuperação nos meses seguintes apresenta porcentagens elevadas, apesar de a produção real se manter muito distante dos níveis atingidos nos mesmos períodos de 2019.

Um indício claro de que alguns choram os efeitos da pandemia, enquanto outros aproveitam estas lágrimas para vender lenços vem da Pesquisa Pulso Empresa, do IBGE, divulgada no dia 2 de setembro.

Tendo como base a segunda quinzena de julho, o Instituto revela que, entre as cerca de 3 milhões de empresas em funcionamento no país, 37,5% sentiam os efeitos negativos da pandemia no desempenho da sua atividade, ante 44,8% na quinzena anterior; para 36,3% o impacto foi pequeno ou inexistente; e outras 26,1% aproveitaram das oportunidades que a pandemia proporcionou aos seus negócios. [3]

Iniciaremos nossas reflexões a partir do comércio, utilizando como parâmetro os valores médios das vendas diárias em reais registradas pela receita federal entre março e junho deste ano. Apesar de excluírem as atividades informais computadas nas pesquisas do IBGE, é através dos documentos fiscais emitidos pelas empresas que conseguimos ter uma avaliação concreta do que aconteceu com o comércio formal.

Vejamos o que dizem os números: [4]

Quadro 1: Variação das vendas diárias do comércio registrada pela Receita Federal entre março e junho de 2020.

Mês

Venda diária média 2020

(R$ bi)

Variação ante o mês anterior

Variação ante o mesmo mês de 2019

Variação do comércio eletrônico 2020 x 2019

Março

23,1

0,0%

7,3%

20,6%

Abril

19,0

- 17,75%

-14,8%

17,5%

Maio

20,7

8,95%

-16,8%

37,4%

Junho

23,9

15,44%

10,3%

73,0%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados da Receita Federal

           

            O quadro 1 mostra que, apesar do isolamento social começar na segunda metade de março e fechar as lojas de rua, o aumento acima de 20% do comércio eletrônico e a corrida aos mercados, alimentada pelos temores do desabastecimento, fizeram com que o nível diário de vendas se mantivesse no patamar registrado no mês anterior e crescesse mais de 7% em relação a março de 2019.

            A média diária de abril retrata o impacto profundo da pandemia neste setor da economia com uma queda de 17,75% em relação a março e de 14,8% ante o mesmo mês de 2019. Se a impossibilidade de conseguir recursos para a sobrevivência diária fez muitas famílias mergulharem numa situação de penúria, a disponibilidade de dinheiro nas classes sociais mais elevadas encontrou nas lojas fechadas um obstáculo que, aos poucos, foi superado com a utilização das compras pela internet.

As perdas registradas em abril colocaram o faturamento do comércio em um patamar extremamente baixo e o pagamento do auxilio emergencial a partir da segunda metade do mesmo mês elevou a demanda de produtos básicos entre as famílias de menor renda. Apesar de não contar com as vendas do dia das mães, considerado uma espécie de “segundo Natal” pelos lojistas, a soma destes elementos fez com que, em maio, o faturamento registrasse um aumento de 8,95% na comparação com abril e uma perda de 16,8% ante maio de 2019.

O panorama mudou radicalmente em junho, quando a abertura parcial das lojas uma semana antes do dia dos namorados, somada ao crescimento de 73% do comércio eletrônico em relação ao mesmo mês de 2019, fez o faturamento crescer 15,44% em relação a maio e 10,3% ante junho de 2019.

Isso significa que no segundo semestre os resultados irão igualar aos de 2019?

Nas condições atuais de emprego e renda, acreditamos que esta possibilidade seja improvável. Tudo indica que o desempenho registrado em junho foi um evento extraordinário, à medida que o fechamento das lojas e dos shoppings centers nos dois meses anteriores acabou represando as vendas que encontraram no último mês do segundo trimestre caminho livre para se realizarem.

Na contramão do consumo, as mudanças de comportamento introduzidas pelo isolamento social e o receio das pessoas diante do futuro, levaram muita gente a guardar algumas economias. Segundo o Banco Central, entre março e junho, os depósitos em caderneta de poupança superaram os saques em 100 bilhões e 300 milhões de reais, ao mesmo tempo em que o estoque de Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) aumentou 37,7% em relação ao patamar anterior à pandemia.[5] Guardar dinheiro como forma de precaução é um comportamento corriqueiro em períodos de recessão, mas, caso se generalize, acaba freando a retomada das atividades econômicas.

Do comércio para a indústria, as notícias aparentemente ficam ainda melhores.

Afinal, quem não ficaria impressionado ao saber que, de acordo com o IBGE, a necessidade de a produção industrial se antecipar à demanda do comércio fez com que o PIB do setor crescesse 7% em maio e 8,9% em junho na comparação com o mês imediatamente anterior? [6] Contudo, o entusiasmo despertado por esses números começa a se dissipar quando o próprio IBGE mostra que, apesar das imponentes taxas de crescimento, em maio e em junho, o desempenho da indústria foi, respectivamente, 21,9% e 9% inferior ao registrado nos mesmos meses de 2019.

Para ilustrar melhor este jogo de porcentagens, vamos usar como exemplo a produção de autoveículos divulgada pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA): [7]

 

Quadro 2: produção de automóveis, caminhões e ônibus março-junho de 2020 e de 2019.

Mês

2020

Variação ante o mês anterior

2019

Variação 2020 ante 2019

Março

189.958

- 6,97%

240.763

- 21,10%

Abril

1.847

- 99,03%

267.561

- 99,31%

Maio

43.080

2.232,43%

275.747

- 84,38%

Junho

98.708

129,13%

233.150

- 57,66%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados da ANFAVEA.

 

            O quadro 2 revela que, em março, quando o isolamento social foi decretado, a produção de caminhões, automóveis e ônibus caiu 6,97% em relação a fevereiro e 21,10% ante março de 2019. Em abril, a indústria automotiva atingiu o fundo do poço ao registrar a saída de apenas 1.847 veículos de suas linhas de montagem.

            À medida que, em maio, o número de carros, ônibus e caminhões somou 43.080 unidades tivemos um aumento percentual de 2.232,43% em relação ao mês anterior. Contudo, este número altissonante perde todo o seu brilho quando comparamos a quantidade produzida em maio de 2020 com a que ocorreu no mesmo mês de 2019 e, em relação à qual, registrou uma diminuição de mais de 84%.

Finalmente, em junho, as montadoras produziram mais que o dobro dos veículos de maio, mas, apesar desse bom resultado, de suas linhas de montagem saíram menos da metade dos carros, caminhões e ônibus de um ano antes.

            Vemos assim que há uma grande chance de nos deixarmos entusiasmar por porcentagens que, apesar de reais, são frutos de um crescimento mensurado sobre bases extremamente baixas dos períodos imediatamente anteriores. Apesar da importância deste registro, a marcha da produção só pode ser verificada quando comparamos o desempenho de um período de 2020 com os patamares atingidos um ano antes.

Com base nas estimativas do IBGE, podemos dizer que, em maio e junho, a indústria começou a tirar o pé do atoleiro em que havia mergulhado em abril, mas o caminho da recuperação é ainda longo e cheio de perigos.

            O panorama do setor de serviço é ainda mais incerto. Ainda segundo o IBGE, o isolamento social fez o setor cair 11,9% em abril em relação a março e, em maio, o PIB dos serviços encolheu mais 0,5%. O primeiro dado positivo veio em junho, com um crescimento de 5% em relação ao baixíssimo patamar de maio.[8]

Para quem estava no fundo do poço, subir alguns degraus é sem dúvida uma boa notícia, mas os desafios que as atividades do setor precisam superar se revela na distância entre os resultados de junho deste ano e do mesmo mês de 2019. Vejamos o que dizem os números apurados pelo IBGE na relação entre junho e maio de 2020 e entre junho deste ano e o mesmo mês do ano passado: [9]

 

Quadro 3: IBGE – evolução das atividades do setor de serviços em maio de 2020.

Atividades

Junho 2020 x maio 2020

Junho 2020 x junho 2019

Volume total de serviços

5,0%

- 12,1%

Serviços prestados às famílias

14,2%

- 57,5%

Serviços de informação e comunicação

3,3%

- 2,9%

Serviços profissionais administrativos e complementares

2,7%

- 15,5%

Transportes, serviços auxiliares aos transportes e correio

6,9%

- 11,3%

Outros serviços

6,4%

4,4%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do IBGE

 

            O quadro 3 revela que, em junho de 2020, todas as atividades do setor registraram um crescimento em relação ao mês anterior, resultando em um aumento de 5% no volume total de serviços prestados.

O crescimento mais expressivo está nos serviços às famílias com uma alta acima de 14%, porém é justamente neste grupo que encontramos uma das maiores diferenças em relação ao patamar de junho de 2019, com um encolhimento de 57,5%. De fato, em abril e maio, os serviços de hotelaria e as refeições consumidas fora do lar sofreram uma queda drástica em seu faturamento em função do teletrabalho, do fechamento de pousadas e hotéis e da obrigação de bares e restaurantes funcionarem somente para entregas em domicílio. À medida que o trabalho presencial demora a voltar numa escala semelhante ao período anterior à pandemia e que o desemprego vai reduzir a renda disponível, este grupo de serviços vai prolongar consideravelmente os tempos nos quais conseguirá recuperar o terreno perdido em abril.

As atividades de informação e comunicação e os serviços profissionais administrativos têm um peso importante nas estimativas do IBGE relativas ao setor. Estamos falando, fundamentalmente, de algo que se destina a atender, sobretudo, a demanda das empresas e que, portanto, depende diretamente do seu processo de recuperação. As falências, o encerramento ou redimensionando das atividades para adaptá-las à nova realidade levam a crer que este grupo do setor de serviços terá mais dificuldades para recuperar o terreno perdido em relação a 2019, ainda que a defasagem percentual menor leve a apostar no contrário.

            Do mesmo modo, o crescimento médio de 6,9% no subsetor que inclui os serviços de correio vinculados ao transporte de encomendas, as atividades de armazenagem, o transporte aéreo e terrestre sinalizou que este grupo entrou no caminho da recuperação econômica. O peso maior na defasagem em relação a junho de 2019 fica por conta do transporte aéreo que, no último mês do segundo trimestre, cresceu 58,9% em relação a maio, mas ainda amarga uma defasagem de 59% ante o patamar de junho de 2019.

            Passamos agora à agropecuária, o único setor da economia que, entre abril e junho, registrou uma alta de 0,4% em relação ao trimestre anterior e apresenta números animadores em termos de perspectivas futuras. O Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, do IBGE, realizado em agosto deste ano, mostra que o Brasil deve colher uma safra recorde estimada em 251 milhões e 700 mil toneladas de grãos, um crescimento de 4,2% em relação a 2019.[10]

            As estimativas favoráveis guardam relação com uma combinação de fatores que incluem condições climáticas, ampliação da área plantada, uso de novas tecnologias, e com os estímulos vindos da elevada demanda mundial impulsionada pela desvalorização do real que torna os preços em dólares mais competitivos em relação aos de outros países. Os dados da balança comercial do primeiro semestre de 2020 ajudam a visualizar esta realidade: [11]

 

Quadro 4: exportações agropecuárias no primeiro semestre de 2020 e de 2019 em bilhões de dólares.
Mês

2020 (U$)

2019 (U$)

2020 x 2019

Janeiro

1.882.736.758

2.287.168.160

- 17,7%

Fevereiro

2.570.233.145

2.921.673.114

- 12,0%

Março

4.692.752.246

3.964.083.545

18,4%

Abril

5.728.150.357

4.030.494.896

42,1%

Maio

5.599.673.026

4.302.809.253

30,1%

Junho

5.274.201.324

3.679.606.475

43,3%

Total no 1º semestre

25.747.746.856

21.185.835.443

21,53%

Elaboração própria a partir dos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio

           

O quadro 4 revela que, após uma redução das vendas externas em janeiro e fevereiro de 2020 ante os mesmos meses de 2019, as exportações de produtos agropecuários entraram em forte recuperação a partir de março, quando o dólar passou a valer mais de R$ 5,00, e encerraram o semestre com um aumento de 21,53% na comparação com o período de janeiro a junho de 2019.

            Num balanço geral dos dados econômicos disponíveis até o momento, concluímos que a economia do país parou de piorar, mas, nem por isso, podemos afirmar que, de agora em diante, vai crescer de forma sustentada e duradoura.

As preocupações com a evolução da pandemia no país e no mundo se somam ao duríssimo impacto da perda de postos de trabalho, ao fechamento das empresas, às dificuldades de voltar à normalidade anterior à pandemia.

Longe de ser um mar de rosas, o cenário econômico em que se dará a recuperação do PIB é cheio de percalços, escorregadio e tortuoso.

 

            2. Fatos e miragens da soberania do lucro.

Os dados do primeiro semestre mostram que a agropecuária deve elevar sensivelmente a sua participação no Produto Interno Bruto de 2020.

As inserções na mídia antecipam as comemorações desse fato e apontam o agronegócio como “a parte do Brasil que vai bem”. O ufanismo em volta dos resultados esperados omite sem pudores que isso se deve mais à diminuição das atividades dos demais setores da economia e não propriamente a uma produção excepcional do setor.

Passo a passo, o agronegócio contrapõe a sua pujança na geração de riquezas e oportunidades à crise que devasta a economia e o mercado de trabalho. Sem oferecer dados que comprovem a veracidade das afirmações, as imagens de colheitadeiras, armazéns lotados, caminhões transportando grãos, gente trabalhando, etc, se unem a declarações que alimentam o orgulho na produção rural do país.

A pandemia apagou as discussões sobre as condições de trabalho no campo, o uso indiscriminado de agrotóxicos, o adoecimento das populações que vivem nas proximidades das lavouras transgênicas, a aprovação a toque de caixa de 680 novos venenos entre janeiro de 2019 e junho de 2020, 41% dos quais proibidos na União Européia pelos efeitos nocivos sobre a saúde humana.[12]

Mas, ainda que o silêncio cubra estes horrores, a fumaça das queimadas e o ronco das motosserras mostram as garras de um mercado que trabalha febrilmente para transformar uma promessa de vida para todos em lucros para poucos.

O esforço de limpar a imagem de destruição vinculada ao agronegócio começa a fazer água quando os estudos mostram que, longe de ser fruto de ações espontâneas e isoladas, 62% do desmatamento ilegal da Amazônia e do Cerrado trazem a marca de 2% das propriedades localizadas nesses biomas.[13]

Do mesmo modo, a imagem do progresso para todos vinculada à suposta geração de empregos no campo cai por terra quando saímos dos raciocínios abstratos para verificar os números da realidade.

De acordo com o IBGE, a comparação entre o segundo trimestre de 2020 e o mesmo período de 2019 mostra uma realidade oposta à que vem sendo alardeada pela propaganda dos ruralistas. Longe de o setor ter elevado o número total de ocupados para atender o crescimento da produção, as estimativas oficiais apontam uma queda de 7,84% entre o total de 8 milhões e 655 mil pessoas contabilizadas no trimestre de abril a junho de 2019 e as vagas mantidas pela agropecuária nos mesmos meses de 2020.[14]

A participação do setor no mercado de trabalho do país ganha sua dimensão real quando comparada à das demais atividades econômicas.

Vejamos o que dizem os cálculos do IBGE: [15]

Quadro 7: IBGE – número de ocupados por atividade econômica em abril-maio-junho de 2020 e sua participação no total de ocupados.

Atividades

Abr-mai-jun 2020

Participação

Agricultura, pecuária, pesca, prod. florestal, aquicultura

7.976.000

9,6%

Indústria

16.050.000

19,3%

Comércio, reparação de veículos, etc

15.244.000

18,3%

Serviços

27.268.000

32,7%

Setor público

16.789.000

20,1%

Total

83.327.000

100,0%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do IBGE.

 

O quadro 7 apresenta uma realidade que se distancia drasticamente dos discursos altissonantes que acompanham o marketing do setor. Quando adotamos o agrupamento de atividades que o IBGE utiliza nos cálculos do PIB do país, percebemos que a participação das atividades rurais no total de postos representa menos de 10% dos ocupados no mercado de trabalho brasileiro. Na agropecuária, encontramos quase a metade do total de vagas proporcionado pelo comércio, menos de 50% do que é registrado na indústria e na administração pública e apenas 27,25% do contingente ocupado nos serviços.

Vale lembrar que os resultados relativos ao emprego não podem ser atribuídos aos efeitos negativos da pandemia sobre as atividades agropecuárias, que, segundo o IBGE, foram as únicas a aumentar a produção no segundo trimestre. O avanço da mecanização e a concentração de capitais promovida pelo agronegócio tornaram desnecessários os empregos permanentes de trabalhadores que, em outras épocas, eram essenciais, aumentando assim os empregos temporários e a desocupação de força de trabalho no campo[16].

Mas a situação atual da agropecuária brasileira guarda uma relação direta também com fatores estritamente conjunturais.

Entre julho de 2019 e junho de 2020, a desvalorização do real frente ao dólar tornou os grãos brasileiros 23% mais baratos em relação ao mercado estadunidense, elevando a competitividade do setor no mercado externo. Esta situação favorável aos negócios ampliou as possibilidades de lucro com eventos inesperados, como a epidemia que dizimou o rebanho suíno chinês entre 2018 e 2019 e impulsionou as compras de proteína animal que Pequim realiza em nosso país.[17]

Em 2019, as vendas de carne suína para a China aumentaram 150% em relação ao ano anterior e os ventos favoráveis da demanda chinesa mostraram a sua força no mesmo ano ao elevar em 30,94% as importações de soja, em 165,40% as da carne bovina e em 24,28% as aquisições dos cortes de frango, em relação a 2018. [18]

As perspectivas para o futuro melhoraram ainda mais quando, o ministro-conselheiro da embaixada chinesa no Brasil, Qu Yuhui, anunciou que o seu país deve ampliar as compras de carne bovina para 8 milhões de toneladas até 2027, mais que o dobro do montante estimado em fevereiro deste ano. [19]

Em 2020, a demanda de alimentos de Pequim se manteve em patamares elevados. Em agosto, o crescimento das encomendas da China fez o preço internacional do milho crescer 27%, o da soja 30%, o do arroz 43% e o da arroba da carne bovina 40% acima do nível registrado no mesmo mês de 2019.[20]

De olho nos lucros crescentes das exportações e na elevação média de 147,23% dos preços da madeira serrada, em relação aos patamares de agosto de 2019, os ruralistas brasileiros se preparam para ampliar a oferta dos seus produtos com a destruição de amplas áreas de mata nativa a fim de extrair madeiras nobres, criar novas pastagens e aumentar os terrenos de lavoura. [21]

Longe de ser um problema novo, o desmatamento ilegal seguido de queimadas voltou a acelerar os seus passos ao elevar as áreas devastadas nos estados da Amazônia Legal de 7.536 Km2, em 2018, para 10.129 Km2 no ano seguinte. [22] Desse total, de acordo com o Relatório Anual de Desmatamento do MapBiomas, apenas 0,5% da área desmatada poderia ser considerada como resultado de uma operação conduzida nos marcos legais. Para termos uma idéia dos 99,5% que correspondem à destruição ilegal, basta pensar que, em 2019, a devastação da floresta amazônica, atingiu uma média diária equivalente à área de 1.900 campos de futebol.[23]

Entre janeiro e junho de 2020, os alertas emitidos pelo sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real do INPE apontaram sinais de devastação em 3.069 km2 de floresta, um aumento de 25% em relação ao mesmo período de 2019.[24] Lembrando que o maior avanço das queimadas ocorre no segundo semestre, quando o volume de chuva é muito inferior ao registrado no primeiro, não resta dúvida de que, se nada for feito, a destruição em 2020 será bem maior.

As chances de engordar o superávit da balança comercial com o aumento das exportações de produtos agropecuários e a disposição de transformar o Estado em agente legalizador da destruição, levaram o governo Bolsonaro a esvaziar a capacidade de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Apesar de os problemas ambientais caminharem a passos largos, o orçamento que, em 2019, contava com 2 bilhões e 50 milhões de reais foi reduzido para 1 bilhão e 750 milhões, em 2020, sendo que, desse montante, apenas 76 milhões e 100 mil reais se destinavam a coibir as queimadas e o desmatamento, um dinheiro que foi inteiramente gasto durante o primeiro semestre deste ano.[25]

A falta de investimentos ao longo da última década fez com que o número de fiscais em atividade caísse de 1.311, em 2010, para 591, em 2019.[26] Se isso já não fosse suficiente para dificultar o trabalho do Instituto, a atuação do Ministro Ricardo Salles não poupou esforços para desestruturar o pouco que resta.

Segundo uma ação impetrada por 12 Procuradores da República junto ao Ministério Público Federal. Salles removeu os superintendentes do órgão em 21 dos 26 Estados do país; em abril de 2020, exonerou três coordenadores de fiscalização que haviam realizado operações bem sucedidas de combate ao desmatamento em terras indígenas no município de Altamira, no Pará; e emitiu uma instrução normativa que reduzia o número de horas que os servidores do órgão podiam dedicar a atividades de campo, medida que acabou forçando os funcionários do IBAMA a se adequarem a um regime de trabalho incompatível com a fiscalização ambiental.

Diante deste cenário, não é de estranhar que, entre janeiro e maio deste ano, o órgão tenha aplicado apenas 2.518 multas, 54% a menos em relação às do mesmo período de 2019, sendo que o valor total dos autos de infração caiu de um bilhão e 60 milhões de reais, no primeiro semestre de 2019, para 390 milhões de reais no mesmo período de 2020, uma diminuição de 63%.[27]

Quando não é o Ministro do Meio-Ambiente, é o presidente do próprio IBAMA a ele subordinado a facilitar a vida das madeireiras. De acordo com uma ação civil pública impetrada no dia 5 junho, Eduardo Bim, a pedido da Associação dos Exportadores de Madeira do Estado do Pará e contrariando o parecer da área técnica do Instituto, teria assinado um despacho pelo qual a fiscalização de madeiras nativas ocorreria após a exportação, o que, na prática, permitia a comercialização das toras e tábuas sem nenhuma inspeção.[28]

Na Europa, as imagens das queimadas levaram os parlamentos da Áustria e da Holanda a encaminhar a rejeição ao acordo comercial da União Européia com o Mercosul a ser analisado nos próximos meses. [29]

            A advertência mais séria veio no final do segundo trimestre e teve como autor um grupo de fundos de investimentos que movimenta cerca de 4 trilhões e 600 bilhões de dólares no mundo todo. Em carta aberta às embaixadas brasileiras na Europa, Ásia e América do sul, os representantes do fundo se dizem preocupados “com o impacto financeiro do desmatamento, bem como com as violações dos direitos dos povos indígenas” e acrescentam que, se o Brasil não mudar o rumo de sua política ambiental, seus clientes vêem “potenciais consequências para os riscos de reputação, operacionais e regulatórios”. [30]

            Diante de uma ameaça tão explícita de retirada dos investimentos, o governo federal publicou um decreto que proibiu as queimadas por 120 dias e se comprometeu a melhorar as ações que visam reduzir o desmatamento ilegal.[31] Mas isso não significa que o governo Bolsonaro tenha desistido dos seus planos de favorecer o agronegócio.

A idéia de legalizar áreas desmatadas ilegalmente busca driblar as ameaças de boicote ao mostrar que a produção nelas realizadas tem como origem propriedades que gozam do reconhecimento legal. Foi assim que, no início de julho, o Ministério da Agricultura enviou à Casa Civil o esboço de um decreto pelo qual o governo iria conferir títulos de propriedade referentes a 97.400 áreas de até 280 hectares sem fazer nenhum tipo de vistoria presencial.

Estamos falando de imóveis cuja extensão total é de 6 milhões e 374 mil hectares, uma área que equivale à soma dos territórios dos estados do Rio de Janeiro e Sergipe. Além de premiar desmatadores e grileiros, o decreto acabaria incentivando novas devastações com a promessa tácita de incorporação futura das terras devastadas às fazendas existentes. [32]

A desvalorização do real frente ao dólar que aumentou a competitividade dos produtos agropecuários brasileiros também levou aos cofres das empresas com dívidas em moeda estadunidense um socorro silencioso, e praticamente gratuito, de dezenas de bilhões de reais. Vamos entender como isso ocorreu.

            Quando uma empresa tem dívidas em dólares e a maior parte da sua receita é em reais, a desvalorização da moeda nacional faz com que o pagamento dos juros e das amortizações destas dívidas tenha um impacto considerável em seu caixa. À medida que o real perde uma parte do seu valor na troca por dólares estadunidenses os empresários precisam gastar mais para comprar as quantidades desta moeda com as quais vão quitar suas obrigações financeiras internacionais.

            Em casos como este, o socorro do Estado não se faz esperar e costuma chegar através de uma operação de swap cambial, ou seja, de um contrato pelo qual o Banco Central (BC) assume o risco das operações com o cambio no lugar das empresas que, em troca, se comprometem a desembolsar o correspondente à taxa de juros do período aplicada ao valor em reais deste mesmo contrato.

Sim, eu sei que ficou difícil, por isso, vamos entender como funciona esta operação através de um exemplo.

Imaginemos que, daqui a um ano, uma indústria precise de 100 mil dólares para quitar uma dívida contraída com a compra de maquinários produzidos nos EUA. À medida que ela vende sua produção apenas no mercado interno, toda a sua receita é em reais e, portanto, deve adquirir junto ao Banco Central todos os dólares de que precisa.

O que a empresa teme é que, ao longo deste período, o dólar se valorize a ponto de ela ter que gastar muito mais reais do que pensava para comprar a moeda estadunidense.

            Um dos caminhos para preservar o dinheiro em caixa consiste em assinar um contrato junto ao Banco Central no qual se estabelece o valor do dólar que a indústria pagará, independentemente do câmbio do dia no vencimento do contrato. Em troca, a empresa remunerará o Banco Central com os juros calculados usando a taxa SELIC sobre o volume de reais com os quais fará a compra de dólares.

            Suponhamos que, no dia 1 de setembro de 2020, a empresa tenha assinado com o Banco Central um contrato de swap cambial no qual se estabelece que cada um dos 100.000 dólares de que precisa no ano seguinte será comprado a R$ 3,00, pagando, em troca os juros correspondentes à SELIC anual do momento em que a compra de dólares é efetivada.

            Se, no dia do vencimento do contrato, o dólar estiver valendo R$ 4,00 e a taxa SELIC estiver em 5% as operações de troca se darão nas condições que seguem: o Banco Central vai receber da empresa R$ 300.000,00 referentes à compra dos 100.000 dólares mais 5% deste valor correspondente à taxa SELIC (R$ 15.000,00), o que perfaz um total de R$ 315.000,00.

Considerado que o câmbio do dia é de R$ 4,00 por dólar, para não sofrer perdas, o Banco Central deveria receber R$ 400.000,00. Mas, à medida que assumiu o risco que era da empresa, e precisa respeitar o contrato, esta operação de venda de dólares trará aos seus cofres um prejuízo equivalente a R$ 85.000,00.

Para a empresa, a situação é extremamente vantajosa. De fato, no lugar de desembolsar R$ 400.000,00, o gasto necessário para quitar a sua dívida em dólares se limitou a R$ 315.000,00.

Do exemplo passamos agora para a realidade. Devido à variação do dólar durante o primeiro semestre de 2020, o Banco Central do Brasil assinou muitos contratos de swap cambial de prazos variados, conforme o momento e as demandas empresariais.

O quadro que segue mostra os resultados obtidos:  [33]

 

Quadro 8: valor dos contratos de swap cambial e respectivos resultados jan-jun de 2020.

Mês

Valor total dos contratos (em R$ bi)

Resultado para o BC (em R$ bi)

Janeiro

151,476

- 9,171

Fevereiro

175,349

- 8,099

Março

239,885

- 30,814

Abril

285,996

- 11,418

Maio

310,429

5,627

Junho

318,071

- 4,392

Total

1.481,206

- 58,268

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do Banco Central do Brasil

 

O quadro 8 revela que, entre janeiro e junho de 2020, o balanço final das operações de swap cambial que venciam em cada mês resultou num prejuízo de 58 bilhões e 268 milhões de reais para o Banco Central. No período considerado, o único resultado positivo foi registrado em maio sendo que o maior prejuízo ocorreu em março, quando a cotação da moeda estadunidense ultrapassou pela primeira vez os R$ 5,00.

O que assusta qualquer cidadão é considerado normal pelos diretores do BC, à medida que, para eles, o órgão não administra as reservas cambiais para obter lucros, mas tão somente a fim de proteger a economia dos efeitos negativos das flutuações do câmbio, o que implica em aceitar as perdas como algo absolutamente normal.

O fato de se tratar de dinheiro público faz com que esta naturalidade diante dos prejuízos esconda três fatos preocupantes. O primeiro é que o direto beneficiário desta perda não é a coletividade, em nome de cujo bem-estar ela poderia ser admissível e sim empresas privadas que assumiram obrigações em moeda estrangeira por sua conta e risco e, diante da desvalorização do real, repassam para os cofres públicos parte dos custos adicionais com os quais deveriam arcar.

O segundo é que não se trata de um valor irrisório. O montante de 58 bilhões e 268 milhões de reais perdidos em 6 meses corresponde, por exemplo, quase ao dobro dos 29 bilhões e 500 milhões de reais do orçamento destinado ao Programa Bolsa Família que o Congresso Nacional aprovou para o ano de 2020 ou a 46,39% dos 125 bilhões e 600 milhões de reais do orçamento para a área da saúde.[34] Temos aqui mais um caso no qual o dinheiro público flui silenciosamente para os cofres das empresas privadas sem que a população se dê conta disso.

Terceiro, no mesmo período, o BC transferiu 30 bilhões e 535 milhões de reais dos ganhos obtidos com a valorização das reservas cambiais para o Tesouro Nacional pagar parte dos juros e das amortizações da dívida interna.[35]

À medida que os empresários investem em títulos públicos o dinheiro destinado às operações de swap, é como se parte dos gastos com os quais arcam para remunerar o Banco Central com a taxa de juros sobre o valor dos contratos assinados tivesse sido antecipada pelo Tesouro Nacional através dos mecanismos que sustentam a dívida interna.

Se você acha que este é o único prejuízo da política cambial em curso, está redondamente enganado. A valorização da moeda estadunidense influencia também os valores cobrados pelos produtos agrícolas que marcam presença na mesa de todos.

Com a desvalorização do real, o preço da tonelada de farinha de trigo importada, por exemplo, cresceu bem acima do seu aumento em dólares.

Vejamos o que dizem os dados coletados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (CEPEA-ESALQ-USP): [36]

 

Quadro 9: preço médio da tonelada de farinha de trigo em reais e em dólares no PR e RS:

Data

R$ / ton no PR

U$ / ton no PR

R$ / ton no RS

U$ / ton no RS

02/01/2020

876,97

217,99

814,62

202,49

31/03/2020

1.120,02

215,55

945,00

181,87

30/06/2020

1.245,78

229,00

1.213,77

223,12

Fonte: elaboração própria a partir dos dados da CEPEA-ESALQ-USP

 

O quadro 9 mostra claramente o efeito da desvalorização do real nos preços da tonelada de farinha de trigo. Entre o início de janeiro e o final de março, enquanto os preços em dólares caíam 1,12% no Paraná e 10,18% no Rio Grande do Sul, o montante cobrado em reais crescia, respectivamente 27,71% e 16,00%. 

Na relação entre janeiro e junho, o valor em dólares registra uma elevação de 5,05% no Paraná e de 10,19% no Rio Grande do Sul. Mas os preços médios em reais acompanham esta tendência com uma alta de 42,05% nas cotações da tonelada de farinha no Paraná e de 49,00% nas do Rio Grande do Sul. Este processo não ocorre somente com o produto importado, mas também com aquele integralmente produzido nas lavouras brasileiras.

Ainda que os produtores locais vendam todos os alimentos que produzem no mercado interno, eles balizam o preço de mercado pelo valor que ganhariam se estivessem exportando, ou, no caso da farinha de trigo, pelo preço de compra em reais do produto importado. O mesmo ocorre com o arroz, com a soja, com o milho, com a carne bovina que, como vimos nas páginas anteriores, tiveram seus preços ampliados em função da forte demanda internacional da China e dos reflexos da desvalorização do real.

Aos poucos, os preços do atacado chegam ao consumidor final. O levantamento dos preços da cesta básica de São Paulo, realizado pelo DIEESE, mostra a evolução do reajuste do pacote de farinha de trigo de 1Kg vendido no varejo.

Vamos aos resultados apurados: [37]

 

Quadro 10: Variação mensal dos preços do pacote de 1 Kg da farinha

de trigo no varejo de São Paulo entre janeiro e junho de 2020.

Mês

Farinha de trigo

Janeiro

0,0%

Fevereiro

- 1,03%

Março

1,73%

Abril

5,61%

Maio

12,56%

Junho

3,00%

                  Fonte: elaboração própria a partir dos dados do DIEESE

 

O quadro 10 revela que, em janeiro, não houve nenhum reajuste nos preços da farinha de trigo em relação ao patamar de dezembro de 2019. No mês seguinte, em função de uma maior disponibilidade dos estoques, a farinha registrou uma deflação de pouco superior a 1%.

Em março, com o início do isolamento social e o dólar acima dos R$ 5, os mercados elevaram em 1,73% o valor do pacote. Aumentos bem maiores ocorreram em abril, maio e junho quando a alta do dólar se aliou ao isolamento social que aumentou a demanda de farinha para o preparo de alimentos na residência das pessoas.

Entre o início de janeiro e o final de junho, o preço do quilo da farinha de trigo acumulou uma elevação de 23,29%, ao passo que a inflação do período medida pelo IPCA foi de 0,09%.

O encarecimento deste produto básico se somou ao de outros que fizeram o valor da cesta básica em São Paulo registrar uma elevação de 8,0% ao longo do primeiro semestre de 2020. Mas esse tipo de perda não contou com nenhuma medida de contenção ou compensação por parte de qualquer órgão do governo. O povo simples pagou do seu bolso uma conta maior pelo pouco que podia comprar.

 

            3. Da produção da riqueza à situação de quem a produz.

A leitura do mercado de trabalho brasileiro no segundo trimestre de 2020, realizada pelo IBGE, ajuda a compreender o impacto da pandemia na classe trabalhadora do país, mas demanda esclarecimentos preliminares.

Vejamos o que dizem os números: [38]

 

Quadro 11: IBGE – Ocupação no segundo trimestre de 2020.

Indicador

Jan-Fev-Mar

Abr-Maio-Jun

Diferença

População economicamente ativa[39]

172.354.000

173.918.000

1.565.000

População ocupada

92.223.000

83.347.000

- 8.876.000

População desocupada

12.850.000

12.791.000

- 59.000

População fora da força de trabalho

67.281.000

77.781.000

10.500.000

Setor privado com carteira assinada

33.096.000

30.154.000

- 2.942.000

Setor privado sem carteira assinada

11.023.000

8.639.000

- 2.385.000

Trab. doméstico com carteira assinada

1.640.000

1.411.000

- 229.000

Trab. doméstico sem carteira assinada

4.331.000

3.303.000

- 1.028.000

Setor público com carteira assinada

1.204.000

1.251.000

47.000

Setor público sem carteira assinada

2.342.000

2.463.000

121.000

Militar e Funcionário público estatutário

8.106.000

8.646.000

541.000

Empregador

4.385.000

3.955.000

- 429.000

Trabalhador conta própria com CNPJ

5.444.000

5.364.000

- 81.000

Trabalhador conta própria sem CNPJ

18.714.000

16.300.000

- 2.414.000

Trabalhador familiar auxiliar

1.938.000

1.861.000

- 77.000

Rendimento médio habitual

R$ 2.389,00

R$ 2.500,00

R$ 111,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do IBGE

 

Nas primeiras linhas do quadro 11, nos deparamos com um elemento intrigante: na passagem do primeiro para o segundo trimestre deste ano, foram fechados quase 9 milhões de postos de trabalho, mas apenas 59.000 pessoas elevaram o número dos desocupados. Sabendo que a soma do crescimento das vagas no setor público perfaz um total de apenas 709.000 postos, precisamos explicar onde foram parar os mais de 8 milhões e 150 mil trabalhadores e trabalhadoras que perderam seus empregos.

Lembramos que para o IBGE incluir um indivíduo no grupo dos desocupados é necessário que, além de estar sem trabalho, tenha procurado emprego nos 30 dias anteriores à entrevista. Por este critério, quem ficou desocupado, mas não procurou uma nova ocupação, passa a integrar a população que está fora da força de trabalho.

Nas estimativas do próprio IBGE, vemos que este contingente aumentou em 10 milhões e 500 pessoas ao absorver o crescimento da população economicamente ativa e os desocupados que não saíram em busca de um novo emprego. E é nele que, na última semana de junho, o Instituto aponta a presença de 17 milhões e 800 mil pessoas que gostariam de ter procurado uma nova ocupação, mas foram impedidos pela pandemia ou pela falta de oportunidades nos locais onde vivem.[40]

Os dados do Instituto fornecem mais um elemento cuja compreensão precisa ser esclarecida para não comprarmos gato por lebre. O relatório do segundo trimestre aponta um aumento médio de R$ 111,00 na renda habitual obtida com o trabalho em relação ao valor médio registrado entre janeiro e março deste ano. O que explica um aumento de 4,6% numa realidade de elevado desemprego?

Para responder a esta indagação, precisamos levantar o número de vagas cortadas em cada tipo de vínculo empregatício e a média salarial correspondente: [41]

 Quadro 12: IBGE – médias salariais do trimestre abril-maio-junho e número de vagas cortadas em cada tipo de ocupação

Tipo de ocupação

Vagas cortadas/criadas

Salário médio em R$

Setor privado com carteira assinada

- 2.942.000

2.294,00

Setor privado sem carteira assinada

- 2.385.000

1.585,00

Trab. doméstico com carteira assinada

- 229.000

1.285,00

Trab. doméstico sem carteira assinada

- 1.028.000

780,00

Setor público com carteira assinada

47.000

3.961,00

Setor público sem carteira assinada

121.000

2.014,00

Militar e Funcionário público estatutário

541.000

4.248,00

Empregador

- 429.000

6.297,00

Trabalhador conta própria com CNPJ

- 81.000

3.007,00

Trabalhador conta própria sem CNPJ

- 2.414.000

1.392,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do IBGE

O quadro 12 revela que, na faixa salarial entre R$ 780,00 e R$ 2.294,00, valores inferiores à média da renda habitual do trabalho do primeiro trimestre de 2020, tivemos um corte de 8 milhões e 998 mil postos de trabalho. Por outro lado, a criação de vagas no grupo acima dos R$ 2.500,00 contou com um crescimento liquido de 78 mil postos. Ou seja, entre abril, maio e junho, o aumento da renda média habitualmente recebida no trabalho se deve à eliminação de um grande número de empregos que pagavam os salários mais baixos e não em função de aumentos salariais propriamente ditos.

A gravidade da situação no mercado de trabalho é visível em cada item que especifica as perdas no número de ocupados. No setor privado com e sem carteira assinada, os cortes atingiram um total de 5 milhões e 327 mil vagas; foram mais de um milhão e 230 mil no trabalho doméstico; e quase 2 milhões e meio de trabalhadores por conta própria se viram impossibilitados de exercerem suas atividades em função do isolamento social.

As baixas registradas nas principais categorias profissionais do país encolheram a base de representação dos sindicatos e devem acelerar a queda no número de filiados em curso desde 2012. De acordo com o IBGE, o percentual de sindicalizados entre os trabalhadores em transportes, armazenagem e correio, por exemplo, passou de 20,9%, em 2012, para 11,9%, no ano passado. Os sindicalizados no setor público encolheram de 25,7% em 2018 para 22,5% em 2019; e a taxa de sindicalização nacional caiu de 12,5% para 11,2% na mesma base de comparação, perfazendo um total equivalente a apenas 10 milhões e 600 mil pessoas.[42] Difícil estimar neste momento o impacto do desemprego nos números de associados às entidades de classe em 2020, mas tudo aponta para um enfraquecimento das bases de sustentação dos sindicatos.

Além do corte de vagas, o isolamento social introduziu nos processos de trabalho mudanças que aprofundam a servidão e a pulverização do trabalhador coletivo.

            Presente desde bem antes da pandemia, o teletrabalho veio a ocupar o centro das atenções quando a crise econômica trazida pelo coronavírus o transformou em tábua de salvação dos lucros. Aos poucos, um número crescente de funções e tarefas passou a ser realizado a partir das casas dos trabalhadores e, em meados de julho, o IBGE estimou que cerca de 8 milhões e 200 mil deles (11,6% do total de ocupados) estavam atuando de forma remota.[43]

A transição do trabalho presencial para alguma modalidade de home-office era o sonho de muitas empresas que buscavam na redução dos gastos com os equipamentos, com as contas de consumo e com os aluguéis dos espaços onde estavam sediadas um caminho rápido e eficiente para aumentar as margens de lucro. As resistências a este processo ficavam por conta dos temores relativos à perda de qualidade, produtividade e controle das tarefas que poderia transformar os ganhos com o enxugamento dos gastos fixos em prejuízos oriundos da perda de fatias de mercado. A realidade criada pela pandemia escancarou as resistências empresariais e obrigou a caminhar a passos amplos nesta direção.

            Se os balanços da iniciativa privada ainda não permitem entender o papel da diminuição desses gastos nos resultados finais das empresas, os dados apresentados pela Secretaria de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, ligada ao Ministério da Economia, revelam a poupança de recursos proporcionada pelo trabalho remoto ao governo federal.

Entre abril e junho, 357.767 servidores federais, 63% do total, trabalharam a partir de suas casas. Neste período, o governo federal poupou 270 milhões de reais em diárias e passagens, 93 milhões de reais em despesas com o auxílio-transporte, com o adicional noturno e de periculosidade, além de 743.500 reais em deslocamentos terrestres.[44]

            Na mesma linha, um estudo da Associação Contas Abertas mostra que, a manutenção do home-office numa realidade que inclui a retomada parcial das viagens e dos deslocamentos após o fim da pandemia, ajudaria o governo a poupar, anualmente, 71 milhões e 100 mil reais em dispêndios com mobiliário, locação de imóveis, materiais de consumo e de expediente; 520 milhões de reais em gastos relativos a viagens e deslocamentos; e 78 milhões e 300 mil reais em benefícios e ajudas de custo.[45]

            Em relação a quem continuará assumindo os gastos com energia, telefone, internet, equipamentos e materiais relativos à execução do trabalho remoto, o Governo Federal afirma explicitamente em que ficaram e ficarão por conta daqueles que optarem por se manter nesta modalidade. Neste sentido, se vale da lei nº 13.467, aprovada na reforma trabalhista de 2017, e do medo da exposição ao coronavírus com a volta do trabalho presencial para definir unilateralmente quem pagará as despesas fixas do trabalho remoto.

A norma legal, de fato, não especifica quem deve arcar com os gastos referentes à compra e à manutenção dos equipamentos utilizados e com a infraestrutura necessária à execução do trabalho, deixando à negociação entre as partes a tarefa de estabelecer se haverá reembolso das despesas que correm por conta do empregado e como ele se dará.

A proposta do Governo para o trabalho remoto reafirma também que não haverá nenhum pagamento das horas extras que se fizerem necessárias para cumprir as metas mensais de tarefas destinadas a cada servidor e exclui de antemão qualquer possível incorporação em um banco de horas.[46]

É importante sublinhar que o não pagamento do excedente de horas dedicado ao home-office não guarda relação com a impossibilidade de manter o controle sobre o tempo efetivamente trabalhado e a produtividade do trabalhador. Ao contrário, à medida que, para iniciar o serviço, o indivíduo precisa digitar seus dados no sistema e que os equipamentos eletrônicos registram em tempo real os passos da execução das tarefas, a chefia não teria dificuldade em verificar se o tempo e volume de trabalho são compatíveis com os padrões das atividades presenciais.

A recusa em pagar o tempo de trabalho que extrapola a jornada normal do servidor guarda relação com a corriqueira elevação da jornada laboral própria da não separação entre o ambiente doméstico e o espaço do trabalho. Uma pesquisa realizada pela Harward Bussiness School e pela Universidade de Nova Iorque com 3 milhões e 100 mil pessoas que atuam em trabalho remoto, vinculadas a mais de 21 mil empresas, em 16 cidades da América do Norte, Europa e Oriente Médio, mostrou que, em média, cada funcionário trabalhava 48 minutos e meio a mais em relação à jornada desempenhada no trabalho presencial.[47] Isso ocorre à medida que qualquer espaço de tempo livre acaba sendo usado para conferir e-mails e mensagens, adiantar tarefas, preparar o terreno para que o trabalho propriamente dito flua de forma mais produtiva.

Mas esta é apenas uma parte das questões que envolvem o home-office.

Há uma série de direitos em casos de adoecimento, acidentes, internações e consultas médicas, momentos da vida familiar (como o casamento, o nascimento de um filho ou a perda de um ente querido), etc., em relação aos quais o trabalho presencial aceita que o trabalhador justifique a sua ausência sem necessidade de repor as horas não trabalhadas.

Mas quando ele estiver em trabalho remoto e vier a incorrer em uma dessas situações, o empregador remunerará o seu afastamento momentâneo do teletrabalho conforme mandam as comprovações oficiais apresentadas? Ou o simples fato de trabalhar a partir da sua residência será a justificativa utilizada para induzi-lo progressivamente a fazer com que o tempo não trabalhado seja compensado ampliando as jornadas subseqüentes ou invadindo os períodos geralmente dedicados ao descanso?

Tudo indica que, pouco a pouco, esses direitos conquistados em anos de luta serão arranhados e destruídos sob a pressão das metas impostas pelos gestores e em nome da possibilidade de adaptar o tempo trabalho às 24 horas do dia.

Do mesmo modo, trabalhar em casa não impede que as tensões geradas no ambiente familiar e o fato de não poder contar com o apoio imediato de colegas diante de dúvidas e necessidades urgentes se somem a situações de assedio das chefias, a pressões por metas que extrapolam as possibilidades reais de execução nas condições dadas, alimentando as possibilidades de esgotamento físico e adoecimento psíquico vinculado ao trabalho. Neste momento em que mais precisa de apoio, o funcionário perceberá que o home-office o abandona à própria sorte ao transferir a ele toda a responsabilidade pela situação em que se encontra.

A legislação vigente define que, no teletrabalho, o papel do empregador se limita a instruir o funcionário, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções que devem ser tomadas para preservar a sua saúde física e psíquica. Feito isso, o patrão deixa de ter qualquer responsabilidade com o bem-estar do empregado em trabalho remoto. Em nenhum momento a legislação abre brechas para que o empregado possa negociar as metas que definirão o ritmo e a jornada de trabalho, tenha canais para se proteger das práticas de assédio e, quando o adoecimento em função do exercício da profissão mostrar seus sinais, possa cobrar alguma indenização do seu empregador. Ao contrário, pela lei vigente, tudo ficará por conta da vítima, acusada de não ter adotado os cuidados aconselhados para proteger a sua saúde.

Infelizmente, só o tempo mostrará aos trabalhadores que os benefícios imediatos do trabalho remoto são agigantados pelo medo de sucumbir à ação de um vírus potencialmente mortal e que, à sua sombra, crescem insidiosamente problemas e situações que podem comprometer sua saúde e seu equilíbrio emocional de forma igualmente grave e bem mais duradoura.

No momento em que escrevemos, o coronavírus transformou o teletrabalho na varinha de condão que proporciona, ao mesmo tempo, a proteção do isolamento social e a renda que o trabalhador almeja a custos materiais que parecem irrisórios diante da ameaça à saúde que o trabalho presencial pode trazer. O processo de conformação que o funcionário assume em primeira pessoa é fortalecido pelo convencimento de que se trata de uma prática que veio para ficar, que poucas funções tem o privilégio de desfrutar e que, apesar dos pesares, apresenta mais vantagens do que situações indesejadas.

Do lado empresarial, o interesse pelas chances de lucros que o trabalho remoto oferece faz com que, em julho, de cada 100 empresas que lançaram mão dele para driblar as adversidades da pandemia, 39 pretendam adotá-lo de forma permanente para várias de suas funções, 48 estejam analisando esta opção e apenas 13 tenham excluído a possibilidade de mantê-lo após a volta à normalidade.[48]

Executar o trabalho no próprio local de moradia é algo que, de acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), pode atingir cerca de 20 milhões de pessoas, 22,7% dos ocupados.[49] Se isso vier a se concretizar, teremos um cenário no qual uma parcela significativa do trabalhador coletivo se fragmenta e se isola, abrindo campo a um aumento do controle por parte do empregador e a uma forte redução dos contatos entre os dirigentes sindicais e a base que representam. Trata-se de uma situação que tende a esvaziar ainda mais os já precários efeitos da agitação sindical e a fazer com que os dirigentes percam completamente a capacidade de medir o pulso de parcelas significativas da categoria. Se mobilizar a base mantendo contato com ela nas entradas e saídas dos locais de trabalho não era fácil, unir vontades dispersas no isolamento do home-office será bem mais complexo e difícil.

Assim como a pandemia levou milhões de trabalhadores a realizarem suas tarefas nos ambientes domésticos, forçou centenas de milhares de outros a sair às ruas. A violenta destruição de empregos provocada pela crise transformou o “fazer uber” na única forma de sobrevivência do trabalhador e da sua família.

Para termos uma idéia do fluxo de pessoas que caminhou nesta direção, basta pensar que o setor de entregas em domicílio passou de um contingente estimado em 280 mil trabalhadores, em março de 2020, para cerca de 500 mil no final do segundo trimestre.[50]

As empresas se aproveitaram deste cenário para aprofundar as mudanças no pagamento dos serviços e no controle de quem vai executá-los.

Os primeiros impactos na renda e na jornada dos trabalhadores foram registrados em meados de abril quando uma pesquisa realizada pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista ouviu 252 trabalhadores do setor em 26 cidades do país. Segundo este levantamento, apesar do aumento da jornada de trabalho, 60,3% dos entrevistados apontaram uma queda da remuneração em relação ao período anterior à pandemia, 27,6% afirmaram ter mantido o mesmo patamar de ganhos e somente 10,3% disseram estar ganhando mais dinheiro durante a quarentena.[51]

Estes resultados mostram que o sonho de aderir aos aplicativos rumo a um negócio próprio no futuro cede o lugar ao pesadelo de não conseguir no presente a renda de quem passou a depender exclusivamente deste trabalho. Isso ocorre à medida que a relação entre o micro-empreendedor individual que aposta seus recursos nas atividades vinculadas aos aplicativos e a empresa que se coloca como parceira de negócios ao mediar com seu suporte tecnológico e administrativo a relação entre quem precisa de um serviço e quem vai executá-lo é extremamente desigual.

Expressão mais avançada do processo que transfere ao trabalhador os custos e os riscos envolvidos na execução das tarefas, a relação das empresas com os entregadores não gera nenhum tipo de obrigação com o ressarcimento dos prejuízos sofridos em caso de acidente, doença, reposição de peças ou roubo do veículo utilizado no trabalho e nem com a saúde e a incolumidade física deles. E aqui não estamos falando de uma eventualidade tão rara a ponto de ser desprezível, e sim de uma realidade onde a morte de entregadores por acidentes de trânsito é algo corriqueiro. Basta pensar que, entre março e maio deste ano, na cidade de São Paulo, 87 deles morreram em acidentes de trânsito, numa média trágica de quase uma morte por dia. [52]

Por outro lado, ao entrar nesta relação apostando o que dispõe numa situação em que a sobrevivência coloca uma faca no seu pescoço, o trabalhador é levado a ver os ganhos possíveis como forma de naturalizar a incerteza, de aceitar os controles que cercam sua relação com a empresa e de se conformar com a possibilidade de se esfolar um mês inteiro tendo resultados pouco compensatórios.

Do outro lado da mesa, os gigantes que atuam na área de delivery, subtraem de 25% a 30% do valor pago pelos clientes a quem executa as tarefas, além de poder alterar unilateralmente os valores cobrados pelos fretes. De acordo com a empresa Rappi, por exemplo, o custo da entrega é calculado levando em consideração o clima, o dia da semana, o horário em que a entrega é realizada, a zona de entrega, a distância a ser percorrida e a complexidade do pedido numa equação sobre cujos termos o entregador não tem o menor controle.[53]

A livre parceria entre estes atores em nome da qual é celebrada a união de esforços para a prestação de serviços não dispensa controles de desempenho e regras disciplinares cujo cumprimento é verificado em tempo real.

Quem faz entregas na rua ou transporta pessoas é submetido à avaliação constante de um exército de clientes que julga a qualidade do serviço e proporciona à empresa uma avaliação de cada trabalhador. Os resultados assim obtidos são lidos por um mecanismo de inteligência artificial (algoritmo) que classifica cada avaliação e, graças a um sistema de pontos, premia ou pune o entregador.

Ao fazer a mediação entre a demanda dos clientes e os trabalhadores conectados ao aplicativo, o algoritmo oferece as tarefas mais vantajosas a quem tem a maior pontuação. Os demais podem não receber demanda alguma ou serem solicitados a assumirem pedidos que envolvem deslocamentos cujos ganhos não compensam os esforços e os gastos a serem despendidos, num processo pelo qual permanecer sem serviço parece vinculado à escolha do próprio trabalhador e não à resposta induzida pela ação do mecanismo de inteligência artificial que o controla.

Vale lembrar que as regras de avaliação aplicadas pelo mecanismo de inteligência artificial não são conhecidas pelos trabalhadores. A falta de transparência em relação aos parâmetros utilizados para estabelecer as punições faz com que o medo de sofrer retaliações seja um poderoso fator de dissuasão em relação a um possível afastamento dos padrões exigidos pela empresa.

Basta isso para percebermos que a idéia inicial da uberização do trabalho pela qual seria possível trabalhar na hora que se quer, como se quer e para quem se quer, não passa de uma miragem enganadora. A conformação às exigências do negócio, impostas pelos aplicativos, faz com que a liberdade de escolha se transforme em submissão ativa aos requisitos do trabalho sob pena de não conseguir a renda desejada.

Contudo, para este cenário se concretizar, é necessário que o trabalhador entre no aplicativo para atender à demanda que virá, sendo que esta disponibilidade se interrompe quando decide encerrar o tempo à disposição da empresa desligando o celular. O problema deste minúsculo espaço de liberdade é que a redução do número de trabalhadores disponíveis costuma fazer as empresas se depararem com a impossibilidade de atender os pedidos encaminhados pelos clientes justamente nos momentos em que estes atingem os níveis mais elevados.

Em dias chuvosos, por exemplo, motoboys e ciclistas tendem a desligar o aplicativo para fugir do mau tempo, enquanto o número de solicitações cresce justamente em função das condições atmosféricas que desaconselham a sair de casa. Ou seja, em dias assim, o número de pedidos dos clientes é maior que o dos trabalhadores disponíveis para executá-los, o que acarreta atrasos e cancelamentos da prestação de serviço.

Uma situação ainda mais grave ocorreria em plena pandemia se, diante da forte elevação da demanda de delivery em função do isolamento social, faltassem trabalhadores dispostos a enfrentar as intempéries e os riscos de contrair a Covid. Ou seja, justo quando as empresas teriam chances de levar o faturamento às nuvens, poderia não haver gente para fazer o serviço acontecer.

Para driblar esta situação, a empresa de entregas Rappi introduziu um sistema pelo qual a possibilidade de conseguir tarefas melhor remuneradas depende de uma pontuação mínima semanal que o trabalhador precisa atingir. Quanto maior o número de entregas realizadas, maior a pontuação, o que, por outro lado, implica sistematicamente em prolongar a jornada de trabalho e, sobretudo, em trabalhar nos finais de semana.[54]

Sem abrir mão dos trabalhadores que escolhem o período em que se conectarão aos aplicativos em retalhos de tempo livre (conhecidos como “trabalhadores em nuvem”), as empresas estimularam as adesões às suas plataformas através de um Operador Logístico (OL) com a promessa de reduzir substancialmente os períodos de espera entre uma tarefa e outra, melhorando assim as possibilidades de ganhos.

No caso da empresa de delivery de alimentos Ifood, a função de Operador Logístico é desenvolvida por uma pessoa jurídica contratada para organizar e gerenciar uma determinada frota de entregadores que vai atuar numa área específica da cidade. [55]

Nesse sistema, apesar de não ter salário fixo, folgas remuneradas, 13º ou férias, quem adere ao aplicativo via OL tem uma jornada de trabalho determinada e precisa cumprir uma escala organizada pelo Operador Logístico. O tempo em que permanece à espera de um pedido continua não sendo pago e, como os demais que atuam em nuvem, tudo o que pode fazer é torcer para que o intervalo entre uma entrega e outra seja breve. Ou seja, ele tem todos os deveres de um trabalhador com carteira assinada, mas nenhum dos direitos que beneficia quem conta com esse vínculo empregatício.

Enquanto quem está “em nuvem” recebe diretamente do Ifood as quantias correspondentes aos pedidos atendidos e às gorjetas deixadas pelos clientes, o Operador Logístico é quem faz o repasse desses valores após descontar a sua parte do montante depositado pela empresa que controla o aplicativo. Desta forma, o OL é quem faz as regras referentes aos pagamentos do seu grupo, podendo escolher livremente a periodicidade e os valores pagos pelas entregas. [56]

Nesta relação de trabalho, queixas, atrasos, faltas, corridas recusadas, manifestações de descontentamento e de protesto são objeto de ameaças de fazer o entregador voltar para a nuvem e de bloqueios temporários da demanda de tarefas pelo gerente do OL numa operação de boicote que pode chegar a excluir o trabalhador do grupo vinculado ao aplicativo. [57]

A lógica desta “parceria” é clara: se não trabalhar nas condições definidas pela empresa, você está fora!

Apesar das evidências próprias da organização do trabalho, a suposta relação de parceria baseada no fato de alguém optar por um determinado aplicativo ou por vários deles ao mesmo tempo, de recusar pedidos, de escolher o horário e o dia de trabalho, de iniciar e encerrar a jornada quando achar oportuno, etc. têm inviabilizado as ações judiciais que tratam de reconhecer a existência de um vínculo empregatício com as empresas proprietárias dos aplicativos.

Felizmente, em meio a este cenário sombrio, os entregadores aprenderam a usar as condições de trabalho que garantem a realização do serviço para poder paralisá-lo.

Os primeiros movimentos ocorreram em agosto de 2016, em Londres, quando a empresa de entregas Deliveroo decidiu abandonar o pagamento pela London Living Wage (uma tarifa horária que funciona como uma espécie de salário mínimo reajustado todos os anos pela variação do custo de vida da cidade) de 7 libras esterlinas por horas acrescidas de uma libra por entrega realizada e optou pelo pagamento de 3,75 libras esterlinas por entrega.[58] A medida foi justificada com base na possibilidade de os trabalhadores virem a ganhar mais em função de uma maior quantidade de demandas no mesmo espaço de tempo.

Diante da imposição da empresa, os entregadores se mobilizaram através de redes informais criadas a partir dos pontos de encontro determinados pelo algoritmo a fim de reduzirem os tempos das corridas entre os restaurantes mais populares e os grupos de clientes mais assíduos. Desta forma, o que se destinava a aumentar a produtividade do trabalho criou a oportunidade para os entregadores se conhecerem, estabelecerem relações e se organizarem.

No dia do protesto, os entregadores, muitos deles com o rosto coberto, se reuniram do lado de fora da sede da Deliveroo, discutiram suas reivindicações e algumas falas foram traduzidas em outras línguas para que fossem claramente compreendidas pelos imigrantes que integravam o grupo.

Encerrado o ato, os entregadores pararam de aceitar os pedidos do aplicativo Deliveroo e deram início à greve que durou uma semana. Ao longo deste período, ocorreram manifestações diárias nas proximidades da sede da empresa, grandes comboios pela cidade a fim de envolver um número ainda maior de entregadores e visitar os restaurantes que usam os serviços da Deliveroo para dar maior visibilidade à greve e pedir que optassem por atender apenas através de outros aplicativos.

Dia após dia, a greve foi muito divulgada pelas redes sociais e ganhou destaque nos jornais. Ao revelar as más condições em que o trabalho vinha sendo realizado, as manifestações arranharam a imagem da empresa e trouxeram o cotidiano dos entregadores à vista de todos. Diante das repercussões negativas na mídia e entre os próprios clientes, a empresa desistiu de generalizar a nova forma de remuneração.[59]

Na Noruega, a luta foi mais longe. No dia 20 de agosto de 2019, os entregadores pelo aplicativo Delivery Food Foodora iniciaram uma greve que durou cinco semanas para obter um contrato coletivo de trabalho. Seguindo as pegadas dos protestos de Londres, os entregadores noruegueses realizaram manifestações nas principais cidades do país, atraindo o apoio da opinião pública. No dia 27 de setembro, o sindicato da categoria assinou um acordo pelo qual cerca de 600 entregadores em tempo integral terão um aumento de 1.500 euros em sua renda anual, uma indenização nos meses em que o frio e a neve impedem os deslocamentos em bicicleta e uma compensação monetária pela utilização de roupas, smartphone e bicicletas de uso pessoal. Parece pouco, mas é um bom começo.[60]

No Brasil, em 1º de julho deste ano, a primeira greve nacional dos entregadores, conhecida como “Breque dos Apps” marcou o cenário das grandes cidades com protestos e carreatas. As principais reivindicações do movimento diziam respeito à criação de um valor mínimo por entrega e ao aumento das remunerações existentes, ao fim dos bloqueios e das desconexões que as empresas efetuam de forma injustificada, à criação de um seguro de vida que cubra os casos de furto e roubo dos quais são vítimas os entregadores, ao fim do sistema de pontos, ao fornecimento de equipamentos de proteção para se proteger do coronavírus, à criação de um auxílio-doença nos casos em que o trabalhador tenha contraído a Covid-19, além da transparência nas formas de pagamento adotadas pelas empresas.

            A mobilização dos entregadores, vinculados, sobretudo, às empresas Rappi, Ifood e UberEats, conseguiu fazer com que os holofotes da mídia se voltassem para os problemas da categoria, mas ainda sem avanços significativos em termos de reconhecimento de direitos.

Apesar das fragilidades presentes nos passos iniciais da luta dos entregadores, os acontecimentos mostraram que é possível organizar a revolta até mesmo em um setor onde a precarização do trabalho, a lógica da parceria e a pulverização no ambiente urbano pareciam criar barreiras intransponíveis à possibilidade de os trabalhadores construírem momentos de enfrentamento. Dado o primeiro passo...outros virão.

 

            4. A onda Bolsonaro

Diante da devastação do mercado de trabalho, do número de vítimas da pandemia e das incertezas que permanecem no horizonte do país há uma pergunta que não quer calar: como explicar o aumento da aprovação do governo Bolsonaro?

À primeira vista, parece óbvio atribuir ao auxílio emergencial e à ampliação das parcelas deste benefício o fator determinante no esvaziamento do conflito social que a pandemia ameaçava engrossar ao privar milhões famílias da possibilidade de encontrar no trabalho as condições mínimas de sua sobrevivência.

Mas é justamente aqui que começam as perguntas que a realidade coloca à nossa reflexão. Para quem ganha hoje o que gasta amanhã, que diferença faz morrer de fome ou de Covid? Sem trabalho, sem condições mínimas de manter o distanciamento social nos ambientes de periferia e nos espaços minúsculos das próprias casas, por quanto tempo o discurso de governadores, prefeitos, movimentos da sociedade civil faria mais sentido do que o apelo a enfrentar o destino presente nas falas presidenciais?

Para não perdermos de vista as peças deste quebra-cabeça, vamos começar pela materialidade econômica e repercorrer nos seus passos os momentos de uma conjuntura em que fatores econômicos, políticos e de construção do consenso social dialogaram com todas as classes, incorporaram suas pressões e ajudaram o governo a convencer o senso comum.

            Começamos pela economia e, mais precisamente, por um estudo do IPEA que, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD contínua do IBGE) referentes ao mês de maio, mostrou que o auxílio emergencial conseguiu recompor o volume de dinheiro que as famílias das faixas de renda mais baixa obteriam com o seu trabalho se a pandemia não tivesse impedido a sua realização.

Vamos aos números do IPEA: [61]

 

Quadro 13: IPEA – Massa salarial habitual, efetivamente recebida e massa de rendimentos do auxílio emergencial em bilhões de Reais em maio de 2020.

 

Faixas de renda

Massa

salarial

habitual

Massa

salarial

efetiva

Massa de rendimentos do aux. emergencial

Diferença

da massa habitual

Menor do que R$ 1.650,50

16,32

7,94

8,32

- 0,06

Entre R$ 1.650,50 e R$ 2.471,09

18,33

13,30

6,09

1,06

Entre R$ 2.471,09 e R$ 4.127,41

40,20

32,90

6,23

- 1,07

Entre R$ 4.127,41 e R$ 8.254,83

50,13

43,84

2,53

- 3,76

Entre R$ 8.254,83 e R$ 16.509,66

35,60

31,92

0,30

- 3,38

Maior do que R$ 16.509,66

30,40

28,01

0,03

- 2,36

 

 

 

 

 

Massa salarial do país

192,96

157,91

23,50

- 11,5

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do IPEA.

 

            O quadro 13 mostra claramente a importância do auxílio emergencial para as faixas de renda domiciliares até R$ 4.127,41. No caso das famílias mais pobres, este dinheiro representou 50,98% da renda do trabalho que receberiam habitualmente e permitiu reduzir a perda deste grupo de 8 bilhões e 380 milhões de reais a 60 milhões de reais.

Entre as que ganham de R$ 1.650,50 a R$ 2.471,09, os 6 bilhões e 90 milhões de reais do auxílio emergencial elevaram a renda do trabalho em um bilhão e 60 milhões de reais acima do montante que seria recebido sem os problemas da pandemia. No grupo cuja renda média flutua entre R$ 2.471,09 e R$ 4.127,41, a ajuda governamental limitou as perdas de rendimentos do trabalho a um bilhão e 70 milhões de reais.

O papel do auxílio emergencial na preservação dos ganhos diminui nas faixas seguintes, mas em maio, o montante pago fez com que a massa salarial do mês encolhesse apenas 11 bilhões e 500 milhões de reais.

            Assim como não se pode negar que a concessão do benefício foi marcada por atrasos e problemas que elevaram os sofrimentos dos mais necessitados, a regularização do auxílio emergencial trouxe o alívio capaz de reduzir as tensões sociais oriundas da falta de renda. Prova disso é que os protestos nas periferias ocorridos em maio e junho foram motivados pelo forte aumento da violência policial, e não pela falta de renda.[62]

            Apesar disso, as pesquisas Datafolha realizadas em 25 e 26 de maio e em 23 e 24 de junho mostravam que o índice de rejeição do governo superava o da sua aprovação. A inversão desta situação ocorreria apenas no levantamento de agosto, quando os dados amplamente favoráveis ao governo Bolsonaro foram unanimemente atribuídos ao pagamento do auxílio emergencial e à ampliação do número das parcelas.

Mas será que basta isso para alterar substancialmente os indicadores de aprovação em todas as classes sociais?

Para responder a esta pergunta, vamos nos debruçar sobre os índices de aprovação por faixa de renda apurados pelas pesquisas do Datafolha, realizadas em 5 e 6 de dezembro de 2019, 25 e 26 de maio, 23 e 24 de junho, 11 e 12 de agosto deste ano.

Vamos começar por quem ganha até dois salários mínimos: [63]

 Quadro 14: índices de aprovação do governo Bolsonaro na faixa de renda até 2 Salários Mínimos entre dezembro-maio-junho-agosto de 2020

Avaliação

Dezembro 2019

Maio 2020

Junho 2020

Agosto 2020

Ótimo/bom

22%

31%

29%

35%

Regular

33%

25%

25%

33%

Ruim/péssimo

43%

43%

44%

31%

Não sabe

2%

1%

2%

2%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do Datafolha

 

            O quadro 14 mostra que, entre os entrevistados da faixa de renda mais baixa, a reprovação do governo Bolsonaro se manteve entre 43% e 44% nos quase sete meses que vão de dezembro de 2019 a junho de 2020, sendo que a imagem negativa do governo Bolsonaro só registrou uma melhora na pesquisa de agosto ao cair 13 pontos percentuais em relação a junho.

            O efeito positivo do auxílio emergencial na avaliação do presidente se reflete na passagem dos 22% que o consideram bom ou ótimo em dezembro para 31% em maio, quando, segundo o IBGE, 70,57% das famílias nesta faixa de renda receberam o auxílio emergencial. Apesar de a queda permanecer na margem de erro da pesquisa, não deixa de ser intrigante perceber que as aprovações se reduzem em 2 pontos percentuais em junho, quando 76,52% das famílias deste grupo tiveram acesso ao benefício.[64]

            Vamos agora à faixa de renda entre 2 e 5 salários mínimos: [65]

 Quadro 15: índices de aprovação do governo Bolsonaro na faixa de renda de 2 a 5 Salários Mínimos entre dezembro-maio-junho-agosto de 2020

Avaliação

Dezembro 2019

Maio 2020

Junho 2020

Agosto 2020

Ótimo/bom

35%

36%

35%

40%

Regular

33%

21%

22%

21%

Ruim/péssimo

31%

42%

43%

37%

Não sabe

1%

1%

1%

1%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do Datafolha

 

            È interessante perceber que, em dezembro de 2019, as pessoas que integram este contingente se dividiam em porcentagens bem parecidas nos três critérios de avaliação.

Em maio e junho, a variação da aprovação do desempenho presidencial flutua na margem de erro da pesquisa e se mantém na mesma faixa de dezembro.

Entre dezembro de 2019 e maio de 2020, a alteração mais significativa ocorre no aumento de 11 pontos percentuais entre os que avaliavam Bolsonaro como ruim e péssimo. Ou seja, neste grupo, o fato de, em maio, 40,63% das famílias terem acesso ao auxílio emergencial não alterou o nível de aprovação e não evitou que uma parcela considerável de pessoas aumentasse o contingente dos que desaprovavam a gestão do Presidente. [66]

Em junho, 42,23% dos que ganham entre 2 e 5 salários mínimos receberam o auxílio emergencial. Apesar de este contingente aumentar levemente em relação a maio, temos uma diminuição da aprovação e um aumento da desaprovação no interior da margem de erro da pesquisa.[67]

Em agosto, as coisas mudam com a desaprovação caindo a 37% e o grupo que avalia o governo como ótimo ou bom chegando a 40%.

O número de famílias com acesso ao auxílio emergencial não é significativo entre os indivíduos cuja faixa de renda flutua entre 5 e 10 salários mínimo.

Temos, portanto, um grupo no qual o benefício pode ter influência nas opiniões gerais sobre a política do governo, mas não enquanto componente da renda.

Vejamos o que dizem os números do Datafolha: [68]

 Quadro 16: índices de aprovação do governo Bolsonaro na faixa de renda de 5 a 10 Salários Mínimos entre dezembro-maio-junho-agosto de 2020

Avaliação

Dezembro 2019

Maio 2020

Junho 2020

Agosto 2020

Ótimo/bom

44%

36%

33%

40%

Regular

24%

15%

17%

20%

Ruim/péssimo

31%

48%

50%

40%

Não sabe

1%

1%

0%

0%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do Datafolha

           

Percebemos claramente que as avaliações de ótimo e bom caem de 44% em dezembro de 2019, para 33% em junho de 2020, sendo que, em agosto, alcançam 40% dos entrevistados, 4 pontos percentuais a menos em relação ao levantamento inicial. No extremo oposto, o grupo dos que consideram o governo Bolsonaro como ruim e péssimo sobe 19 pontos percentuais ao passar de 31% no final de 2019 para 50% em junho, e, na pesquisa de agosto, empata com o índice de aprovação ao marcar 40%.

A faixa de renda mais alta reserva uma surpresa. Vejamos: [69]

Quadro 17: índices de aprovação do governo Bolsonaro na faixa de renda acima de 10 Salários Mínimos entre dezembro-maio-junho-agosto de 2020

Avaliação

Dezembro 2019

Maio 2020

Junho 2020

Agosto 2020

Ótimo/bom

44%

42%

34%

40%

Regular

28%

8%

14%

13%

Ruim/péssimo

28%

49%

52%

47%

Não sabe

0%

2%

0%

1%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do Datafolha

 

            O quadro 17 revela que, em dezembro de 2019, a porcentagem de ótimo e bom ultrapassava em 16 pontos percentuais a de ruim e péssimo. Em maio, as aprovações flutuaram negativamente na margem de erro da pesquisa, o número de pessoas que considera o governo como regular caiu ao menor patamar já registrado com apenas 8% e o contingente para o qual a gestão do presidente era ruim ou péssima aumentou 21 pontos percentuais, marcando uma forte polarização nas opiniões deste grupo e uma perspectiva mais negativa do que positiva nas avaliações do desempenho presidencial.

            Em junho, o índice de ótimo ou bom perdeu 8 pontos percentuais, o de regular quase dobrou ao passar para 14% e a desaprovação do governo atingiu o maior patamar ao se fixar em 52%. Por estarmos entre pessoas que não precisam do SUS para cuidar de sua saúde, que têm acesso a condições de vida bem mais favoráveis em relação aos grupos anteriores e, certamente, não dependem do auxílio emergencial para sobreviver, parece claro que a mudança nas avaliações do governo em maio e junho sofreu a influência de fatores alheios ao auxílio emergencial.

A pesquisa de agosto revela também que a polarização no interior deste grupo se mantém forte. De fato, o índice de ótimo e bom cresceu 6 pontos percentuais em relação a junho, e a de ruim e péssimo, apesar de cair de 52% em junho para 47%, está 7 pontos percentuais acima da avaliação de ótimo e bom do mesmo mês e 19 pontos percentuais ante o patamar de ruim ou péssimo, registrado em dezembro de 2019.

Numa visão panorâmica, a pesquisa Datafolha de agosto por faixa de renda revela dois elementos interessantes. O primeiro deles é que o índice de aprovação do governo na faixa de renda até 2 salários mínimos se aproxima do patamar de aprovação que encontramos nas demais e supera a desaprovação em 4 pontos percentuais.

O segundo, é que os setores sociais mais descontentes com o governo Bolsonaro são aqueles de renda superior a 5 salários mínimos, entre os quais a reprovação fica entre 40% e 47%.

Ou seja, os grupos populacionais representados pelos movimentos sociais que hastearam a bandeira do “Fora Bolsonaro” se afastaram das posições defendidas pelas lideranças dos movimentos que dizem representá-los.

A idéia pela qual o recebimento do auxílio emergencial, por si só, não explica totalmente a evolução mostrada até o momento ganha força quando comparamos a relação entre o número de pessoas que recebem o auxílio emergencial e a quantidade de empregos formais em cada região do país com os índices de aprovação e rejeição ao governo.

Vejamos: [70]

 

Quadro 18: número de pessoas que recebem o auxílio emergencial por emprego formal existente da região considerada e sua relação com os índices de aprovação/desaprovação.

Região

Beneficiados pelo auxílio

emergencial por emprego formal

Ótimo/Bom

Ruim/Péssimo

Norte e Centro-Oeste

2,36

42

25

Nordeste

3.38

33

35

Sudeste

1.28

36

39

Sul

1.03

42

31

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do site Poder 360 e da pesquisa Datafolha de agosto 2020

 

A comparação regional mostrada pelo quadro 18 traz dados que comprovam a suspeita pela qual atribuir ao auxílio emergencial o papel determinante pelo crescimento da aprovação de Bolsonaro tende a ocultar elementos conjunturais igualmente importantes no processo que leva aos índices de aprovação de agosto de 2020.

Na média das regiões Norte e Centro-Oeste, encontramos mais que o dobro de pessoas que têm acesso ao auxílio emergencial em relação às que ocupam uma vaga de trabalho formal. Apesar disso, o índice de aprovação é exatamente o mesmo encontrado na região sul onde para cada emprego formal existente há, praticamente, o mesmo número de pessoas que recebem o benefício do governo.

No Nordeste, onde há mais de três beneficiados para cada emprego formal, o índice de aprovação é o mais baixo das demais regiões e a porcentagem de pessoas que desaprovam o governo Bolsonaro supera o contingente das que o aprovam.

No Sudeste, onde o número dos que contam com o auxílio emergencial supera em 28% o grupo dos que ocupam uma vaga de carteira assinada ou em regime estatutário, as porcentagens de aprovação e reprovação estão acima dos patamares registrados na região Nordeste.

            Sendo assim, que outros elementos teriam ajudado a produzir uma avaliação bem mais favorável do desempenho do Bolsonaro?

            Em nossa opinião, o primeiro deles é dado por uma guinada na postura presidencial em relação à ameaça de um golpe de Estado destinado a calar a atuação das instituições democráticas e o trabalho da imprensa contrária às posições do governo.

Todos devem se lembrar que, no mês de maio, Bolsonaro não perdia uma ocasião de se colocar ao lado de grupos de extrema direta que atacavam abertamente o Supremo Tribunal Federal e almejavam uma intervenção militar em manifestações das quais o próprio presidente participava exibindo doses generosas de entusiasmo.

No mesmo mês, diante das operações policiais que miravam influenciadores de opinião bolsonaristas, o filho do presidente da República e deputado federal, Eduardo Bolsonaro, fazia coro aos discursos contra as instituições afirmando que a questão não era mais “se” teria ruptura, e sim “quando” ela aconteceria, dando como certa a realização de um golpe militar liderado pelo próprio Bolsonaro. [71]

            Entre final de maio e início de junho, as torcidas de futebol dos principais centros industriais do país romperam o isolamento social para ocupar as ruas em protestos pela defesa da democracia. O marco “antifascista” levantado pelos torcedores foi assumido em meio a não poucas hesitações por alguns movimentos organizados da sociedade civil cuja ação, até aquele momento, permanecia restrita às pressões nas redes sociais.

Esta reação popular que surpreendeu a esquerda brasileira apenas espelhava a rejeição a qualquer tentativa golpista do governo registrada numa pesquisa de opinião do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, no início de junho de 2020. De acordo com os números divulgados na época, apesar de 72,6% dos brasileiros estarem insatisfeitos com a democracia, em média, 73% deles rejeitavam a idéia de uma intervenção militar nas 4 opções que poderiam justificá-la.[72]

Seguir ao lado dos 27% que exacerbavam os ânimos para sustentar um golpe de Estado significaria perder o apoio popular da maioria absoluta da população e, de conseqüência, alimentar a rejeição ao governo em todas as classes sociais.

Em junho, à volta do povo ao espaço público se somaram as relações esdrúxulas com o Centrão e as suspeitas de que Bolsonaro conhecia o paradeiro de Fabrício Queiroz, preso pela polícia numa mansão que pertencia ao advogado da família do Presidente. Além da oposição ao golpe, o cenário político e o desfecho das investigações policiais desgastavam ainda mais a imagem presidencial.

A nosso ver, mais do que a forma de lidar com a pandemia, foram estes os aspectos que pesaram na desaprovação do Presidente da República registrada pelas pesquisas em final de maio e junho deste ano.

Como bom camaleão, Bolsonaro aproveitou o isolamento recomendado a quem contrai a Covid-19 para sair de cena e deixar a poeira baixar. Silenciosamente, costurou com o Centrão as relações de que precisava para desaconselhar o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, a dar andamento a qualquer pedido de impeachment. E, diante do efeito positivo que o auxílio emergencial produziu entre os mais necessitados, trocou a farda de capitão do Exército pelas roupas de um populista que colhe os aplausos do povo.

Em relação à pandemia, Bolsonaro não mudou a forma de lidar com ela, apenas usou todos os elementos do senso comum que acabariam dando às suas palavras o tom de uma profecia que se auto-realiza. De um lado, naturalizou as mortes provocadas pela pandemia enquanto fazia pesar nas administrações locais a responsabilidade de ter deteriorado a economia com as medidas de isolamento social. De outro, não perdeu nenhuma ocasião para relembrar publicamente os volumes de recursos destinados a socorrer os mais atingidos pela recessão e a fortalecer o combate à pandemia nos estados e municípios.

Neste sentido, vale lembrar que, para o povo simples, pouco importa se quem elevou o valor do auxílio emergencial dos R$ 200,00, inicialmente propostos pela equipe econômica, para os R$ 600 efetivamente pagos foi a oposição no Congresso Nacional, e não o Presidente da República. O que importa é que esse valor foi entregue, que o número de parcelas aumentou e que, agora, o governo ainda não desistiu totalmente da idéia de conceder um reforço na renda de valor superior ao do programa Bolsa Família, criado pelo Partido dos Trabalhadores.

            Além dos aspectos estritamente econômicos, o fato de Bolsonaro e alguns de seus familiares mais próximos terem passado pela Covid-19 fortaleceu a narrativa presidencial pela qual a pandemia guarda mais relação com as tramas do destino, do que com as medidas sanitárias que impedem que ela se alastre entre a população.

            Pensar a história como obra de um acaso incontrolável não é apenas um aspecto do processo que leva a ocultar os interesses e as relações de poder que tecem as suas tramas, mas também a peça-chave para fortalecer a indiferença diante dos acontecimentos. Quando o caminhar da história é atribuído a um destino insondável, as tragédias ganham as feições de obras que não dependem das escolhas dos seres humanos aos quais cabe apenas ter a coragem de enfrentar. Por isso, ultrapassar o patamar dos 100 mil mortos por Covid-19 não despertou a indignação que muitos esperavam.

            Neste sentido, o apelo à fatalidade do destino, presente nas intervenções presidenciais desde o início da pandemia, apenas traduzia a indiferença e o deixar acontecer, típicos do cotidiano do povo simples que viu sua leitura da realidade refletida no sentido que o Presidente da República dava aos acontecimentos.

Encontramos expressões claras desta percepção nos testemunhos dos familiares das vítimas da Covid que foram veiculados pela mídia. As palavras dos que perderam um ente querido costumam revelar fortes traços desta fatalidade frente à qual se retratam como expectadores impotentes. As pessoas mostram o choro de quem não esperava tamanho sofrimento, a revolta do inocente que não merecia ser atingido pela desgraça, o desconsolo de quem foi vencido por uma conjunção de fatores que se sobrepôs às suas crenças e à sua vontade. Seus depoimentos mesclam saudades e lamentos, mas ninguém vê sua omissão diante dos acontecimentos como elemento que abriu o caminho à desgraça.

Diante do luto, a fatalidade passa a ser um aliado de primeira ordem na tarefa de tirar dos próprios ombros o peso da responsabilidade, a falta de solidariedade com quem buscava mudar o rumo dos acontecimentos, a indiferença e o ceticismo em relação aos que convidavam a lutar. A constatação de que “agora é tarde” não está associada a um desejo de ação que o sofrimento promete levar adiante, e sim a um convite a se resignar, a se conformar com o fato de que, no fundo, não havia o que fazer e que, agora, só resta aceitar que o mesmo destino se encarregue de curar as feridas.

Estamos diante de um processo que se auto-alimenta à medida que o fatalismo ajuda a apaziguar as consciências, ao mesmo tempo em que mantém a falta de ação que levará a novas tragédias. Neste contexto, Bolsonaro foi mestre em usar estas expressões de senso comum para fortalecer a indiferença e desativar a indignação.

            Em nossa opinião, este movimento ganhou ainda mais força por vivermos numa época em que nada parece verdadeiro e em que a objetividade do real é anulada a partir das crenças e dos valores de cada um. Ao superestimar a percepção do indivíduo, e as convicções que dela derivam, o real se dissolve e a razão é destruída pelas expressões que traduzem “a” verdade do sujeito.

Desta forma, qualquer relato estapafúrdio e fantasioso pode se reivindicar tão legítimo e verdadeiro quanto uma demonstração científica. Afinal, no subjetivismo extremado do senso comum, a própria ciência não passa de um relato cujo valor não supera a compreensão superficial que o indivíduo tem dos mesmos fenômenos.

Neste contexto, as recomendações dos infectologistas sobre o coronavírus são apenas opiniões de pessoas comuns, tão válidas quanto as que defendem a vantagem da exposição indiscriminada à contaminação nos espaços públicos como forma de imunização coletiva.

Problemas com o número dos que vão falecer? Pra que? Afinal, um dia todos vamos morrer. Este é o destino de todos os seres vivos. E o melhor a fazer é enfrentar, como disse Bolsonaro. Mais uma vez, as palavras do Presidente fizeram mais sentido para as pessoas simples do que os discursos das oposições que, em seu afã de desgastá-lo, esqueceram de dialogar com a visão de mundo do seu principal interlocutor: o povo.

Nossos problemas aumentam à medida que a realidade objetiva, palpável, que nega a interpretação estritamente baseada em elementos subjetivos, é vista como uma violência contra o indivíduo. O apelo à liberdade de expressão de cada um facilita o trabalho de manipular as consciências, passível de ser realizado até mesmo com o resgate do que tem de mais retrógrado, dos preconceitos arraigados em séculos de opressão, de qualquer crença cuja justificativa pode se basear apenas no “eu acho que é assim...e é isso que importa!”.

Quando a interpretação da vida se afasta de qualquer grau de objetividade material, a realidade como elemento capaz de questionar o senso comum perde importância na hora de ajudar as pessoas a fazer o inventário dos interesses que movem o cotidiano da história.

Esta tarefa necessária e urgente passa a depender de uma capacidade aguçada de encontrar as pequenas brechas que o impacto com o cotidiano abre na visão de mundo marcada por uma subjetividade que nega as evidências mais gritantes. De conseqüência, a possibilidade de criticar o senso comum está cada vez mais atrelada à capacidade de aproveitar momentos-chave que somente a inserção no cotidiano do povo pode apontar.

Fazer isso é ainda mais difícil para os movimentos, à medida que a militância raramente tem uma inserção no dia-a-dia da classe e, diante da ausência de respostas à altura das suas expectativas, recorre sistematicamente a expedientes que negam seus fracassos.

Diante dos resultados da pesquisa de agosto do Datafolha, as expressões mais comuns dos movimentos atribuíram os resultados a uma avaliação de momento, aos possíveis erros da pesquisa (sem dizer, obviamente, quais eram), à ausência de confiabilidade das sondagens de opinião realizada pela mídia brasileira e à falta de consciência do povo (como se fosse uma novidade que a consciência popular guarda uma relação direta com as necessidades imediatas e as respostas que podem atendê-las, e não com perspectivas que, por estarem fora de seus horizontes, lhes são absolutamente incompreensíveis).

Se, em agosto, o Datafolha tivesse mostrado um forte aumento da desaprovação, e não o contrário, não haveria problema algum com as entrevistas, todos iriam se felicitar com a eficácia das estratégias utilizadas e até o povo estaria de parabéns. O esforço de negar a realidade manifestado pelas expressões dos movimentos mostra a distância a que nos encontramos em relação ao que as pessoas vivem e sofrem. É o tipo de cegueira que, infelizmente, o fracasso das nossas ações não consegue curar e diante da qual o contínuo reafirmar das nossas posições é a receita para seguir errando.

Para ajudar a transformar o cotidiano das pessoas em espaço de inconformidade, de indignação, de capacidade de dizer “basta!”, precisamos estabelecer uma conexão com a visão de mundo delas. Uma conexão que seja capaz de fazer com que se sintam sujeitos de um diálogo em construção e não objeto de uma conversa, de uma tentativa de convencimento, de algo que busca levá-las a assumir o que sequer conseguem entender. Isso implica na capacidade de ver com os olhos delas, de sentir o que sentem sabendo de todas as dificuldades que têm de entender a lógica fria dos nossos raciocínios.

Diante de um país que segue a terapia intensiva receitada pelo capital e cujas melhoras são atribuídas aos remédios administrados por seus economistas, talvez ajude o fato de os movimentos responderem sinceramente a algumas perguntas incômodas: em que medida nossas bandeiras de luta dialogam com as demandas reais da população? Por que o povo deveria encampar o que propomos quando não vê em nossos passos a sincronia de quem marcha ao lado dos seus? Por que deveria prestar atenção a palavras que mostram quanto sabemos e entendemos, mas são incapazes de compreender o que sente? Por que, no lugar de achar que temos todas as respostas não damos passos significativos para ouvir a voz e os sentimentos das pessoas que nossos movimentos dizem representar?

 

Brasil, 16 de setembro de 2020.



[1] Semanalmente, o boletim FOCUS do Banco Central traça uma média das principais projeções do mercado em relação ao crescimento do PIB do país e a outros indicadores econômicos. No dia 22 de junho, as estimativas atingiram o nível mais baixo ao apontar uma recessão de 6,51%. Daí em diante, os números do PIB apresentaram uma melhora que varia entre 5 e 10 centésimos de ponto percentual a cada semana. Em 14 de setembro, o relatório projetava uma recessão de 5,11%. Dados disponíveis em: https://www.bcb.gov.br/publicacoes/focus Acesso em 09/09/2020.

[2] Em: http://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28721-pib-cai-9-7-no-2-trimestre-de-2020 Acesso em 01/09/2020.

[3] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/283-6-em-cada-10-emresas-percebem-impacto-da-covid-como-pequeno-inexistente-ou-positivo-na-2-quinzena-de-julho  Acesso em 07/09/2020.

[4] Acesso à íntegra do boletim em: http://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2020/julho/vendas-em-junho-cresceram-10-3-quando-comparadas-a-junho-de-2019/Boletim2edio1julho2020.pdf  Acesso em 06/07/2020

[5] Em: https://6minutos.com.br/minhas-financas/coronavirus-obriga-brasileiros-de-maior-renda-a-economizar-fenômeno-pode-ajudar-na-recuperacao/  Acesso em: 17/07/2020.

[6] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28553-producao-industrial-cresce-em-14-dos-15-locais-pesquisados-em-junho  Acesso em 27/08/2020.

[7] Em: http://www.anfavea.com.br/estatisticas  Acesso em 16/07/2020.

[8] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/28591-após-quatro-meses-de-queda-servicos-crescem-5-0-em-junhoo  Acesso em 22/08/2020

[9] Idem.

[10] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28555-em-julho-ibge-estima-alta-de-3-8-na-safra-de-2020  Acesso em 29/08/2020

[11] Dados disponíveis em: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/balanca-comercial-brasileira-acumulado-do-ano  Acesso em 18/08/2020.

[12] Dados extraídos do estudo da Professora Sônia Hess, da Universidade Federal de Santa Catarina e apresentados em vídeo pela Professora Larissa Bombardi da USP. O material encontra-se disponível em: https://youtu.be/voze14MTKM4  Acesso em 29/08/2020.

[13] O dado foi publicado no artigo escrito por Raoni Rajão, As maçãs podres do agronegócio brasileiro”, cujos elementos essenciais foram resumidos em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2020/07/16/estudo-diz-que-2percent-das-propriedades-da-amazonia-e-do-cerrado-sao-responsaveis-por-62percent-do-desmatamento-ilegal-na-regiao.ghtml?utm_source=push&utm_medium=app&utm_campaign=pushg1  Acesso em 20/07/2020.

[14] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-detalhe-de-midia.html?view=mediaibge&catid=2103&id=3979  Acesso em 27/08/2020

[15] Idem.

[16] O censo agropecuário do IBGE, realizado entre 2016-2017, mas divulgado em 2019, aponta um crescimento do número de tratores e colheitadeiras de aproximadamente 50% entre 2006 e 20017, e um aumento de 143% no emprego terceirizado no campo no mesmo período. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-10/tecnologia-aumenta-produtividade-agropecuaria-e-diminui-mao-de-obra  Acesso em 05/09/2020.

[18] Porcentagens calculadas a partir dos dados divulgados em: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/balanca-comercial-brasileira-acumulado-do-ano  Acesso em 26/07/2020.

[19] Em: https://moneytimes.com.br/jbs-e-marfrig-ainda-tem-muito-a-ganhar-com-a-china-avalia-agora/  Acesso em 26/07/2020

[20] Em: https://6minutos.uol.com.br/economa/supermercado-pesou-entenda-por-que-os-preços-dos-alimentos-subiram-tanto/  Acesso em 08/09/2020.

[21] No fechamento das negociações nas bolsas de valores da sexta-feira dia 28/08/2020, o preço médio referente a 1000 pés de tábua, pela medida internacional, atingiu 915,50 dólares, 147,23% maior em relação ao registrado um ano antes. Em: https://pt.tradingeconmics.com/commodities  Acesso em 28/08/2020.

[22] Integram a Amazônia Legal os Estados do Pará, Mato Grosso, Amazonas, Rondônia, Acre, Roraima, Maranhão, Amapá e Tocantins. Os dados citados foram extraídos da página eletrônica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/deforestation/biomes/legal_amazon/rates  Acesso em 24/07/2020

[32] Em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-vai-dar-escritura-a-milhares-de-ocupacoes-na-amazonia-após-vistoria-a-distancia,70003364624  Acesso em 20/07/2020

[33] Dados completos em: https://www.bcb.gov.br/estatisticas/indicadoresselicionados  Acesso em 04/08/2020

[34] Em: http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/12/1/congresso-aprova-orcamento-da-uniao-para-2020  Acesso em 08/09/2020.

[35] Idem.

[36] Em: https://cepea.esalq.usp.br/br/consultas-ao-banco-de-dados-do-site.aspx  Acesso em 06/07/2020

[37]Em:https://www.dieese.org.br/sitio/buscaDirigida?itemBusca=&comboBuscaDirigida=TEMA%7Chttp%3A%2F%2F%www.dieese.org.br%2F2012%22F12%2Fdieese%23T356956290   Acesso em 06/07/2020

[38] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-detalhe-de-midia.html?view=mediaibge&catid=2103&id=3979  Acesso em 27/08/2020

[39] Grupo de pessoas com 14 anos ou mais de idade, formalmente apta a trabalhar.

[40] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28310-desemprego-sobe-para-13-1-e-atinge-12-4-milhoes-na-4-semana-de-junho  Acesso em 09/09/2020.

[41] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa-/2013-agencia-de-noticias/releases/28110-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-12-9-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-27-5-no-trimestre-encerrado-em-maio-de-2020  Acesso em 09/07/2020

[42] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28667-taxa-de-sindicalizacao-cai-a-11-2-em-2019-influenciada-pelo-setor-publico  Acesso em 09/09/2020.

[43] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28417-trabalho-remoto-cai-pela-primeira-vez-com-flexibilizacao-do-distanciamento-social  Acesso em 05/08/2020.

[44] Em: http://a.msn.com/01/pt-br/BB17nJeA?ocid=sw  Acesso em 05/08/2020.

[46] Em: http://a.msn.com/01/pt-br/BB17nJeA?ocid=sw  Acesso em 05/08/2020.

[50] Em: https://www.cartacapital.com.br/artigo/uberismo-e-a-total-desumanizacao-das-relacoes-trabalhistas/  Acesso em 22/08/2020

[51] Em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53124543  Acesso em 18/08/2020

[52] Maiores informações em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53124543  Acesso em 18/08/2020

[54] Em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53124543  Acesso em 18/08/2020

[56] Idem.

[57] Idem.

[61] Dados extraídos do estudo de SANDRO SACCHET DE CARVALHO, Mercado do trabalho – os efeitos da pandemia sobre os rendimentos do trabalho e o impacto do auxilio emergencial: o que dizem os microdados da PNAD covid-19. Em: Carta de Conjuntura, Número 48 – 3º trimestre, IPEA 02/07/2020. Acesso através do link: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/2020/07/os-efeitos-da-pandemia-sobre-os-rendimentos-do-trabalho-e-o-impacto-do-auxilio-emergencial-o-que-dizem-os-microdados-da-pnad-covid-19/  Acesso em 06/07/2020.

[62] Vale lembrar que, em abril e maio, a polícia militar de São Paulo matou 187 pessoas, 44 a mais em relação aos mesmos meses de 2019. No Ceará, a ação policial matou 53 pessoas entre abril e maio, ante 26 em igual período de 2019. No Rio de Janeiro as operações policiais mataram 177 pessoas somente no mês de abril, uma média de quase 6 pessoas por dia para um total 43% superior ao registrado em abril de 2019. Dados divulgados em: https://www.brasildefato.com.br/2020/07/11/na-quarentena-pm-de-sp-mata-102-em-abril-e-bate-recorde-dos-ultimos-14-anos  e  em: http://www.isp.rj.gov.br/Noticias.asp?ident=438  Acessos realizados em 13/07/2020.

[63] Em função do arredondamento das porcentagens, em alguns casos, a soma final pode flutuar entre 99% e 101%. A margem de erro das pesquisas é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. Todos os dados citados foram extraídos dos relatórios completos das respectivas pesquisas, acessíveis através do site:  http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/index.shtml  Acesso em 16/08/2020.

[64] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-detalhe-de-midia.html?view=mediaibge&catid=2103&id=3870   Acesso em 16/08/2020 e em: https://agendiadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28355-pnad-covid19-29-4-milhoes-de-domicilios-receberam-auxilio-energencial-em-junho Acesso em 16/08/2020.

[65] Em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/index.shtml  Acesso em 16/08/2020

[66] Em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-detalhe-de-midia.html?view=mediaibge&catid=2103&id=3870   Acesso em 16/08/2020 e em: https://agendiadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28355-pnad-covid19-29-4-milhoes-de-domicilios-receberam-auxilio-energencial-em-junho Acesso em 16/08/2020.

[67] Idem.

[68] Em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/index.shtml  Acesso em 16/08/2020

[69] Idem.

[70] Em: https://www.poder360.com.br/economia/auxilio-emergencial-supera-emprego-em-25-estados/  Acesso em 10/09/2020 e em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/index.shtml  Acesso em 16/08/2020.

[71] Em: https://www.metropoles.com/brasil/eduardo-bolsonaro-questao-não-e-mais-se-havera-ruptura-mas-quando  Acesso em 16/08/2020.

[72] Em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/06/15/aumenta-rejeicao-a-ideias-golpistas-mostra-pesquisa.ghtml   Acesso em 18/08/2020



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