quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Os Divergentes e As Eleições.

 


1. Apresentação

Estamos diante de mais uma eleição, a qual, muitos de nós acreditávamos improvável. Os ataques sistemáticos ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso Nacional por grupos de Extrema Direita, pela Facção política que assumiu a direção do Estado no Brasil (liderados pelo atual Presidente da República), acompanhados da defesa aberta de intervenção militar, ameaçaram a democracia burguesa brasileira.

Estes grupos vinham deixando as sombras desde as Jornadas de Junho de 2013, quando passaram a defender posições fascistas e nazistas a luz do dia. O campo progressista, ainda dirigido pela recém-derrotada Social Democracia tupiniquim (Sob direção do Partido dos Trabalhadores-PT), e também grande parte da Esquerda Revolucionária, colocaram a defesa da Democracia Burguesa como estratégia para derrotar as pretensões autoritárias do Presidente e dos seus grupos de apoio.

Foi neste contexto que surgiu nosso coletivo IDE (Inconformados e Divergentes Educacionais). Divergimos da estratégia que nos conduziu desde o início dos anos 1980 e que em tese se encerrou em 2016, estratégia que passamos a denominar EDP (Estratégia Democrática e Popular). Este “Manifesto,” que ora tornamos público, não é uma análise crítica desta estratégia, mas, contém nossa posição diante de um dos seus elementos centrais, que no nosso entendimento e dos estudiosos que a estão inventariando, ajudam a explicar nossa derrota no último período Histórico. A saber, a defesa da ampliação da democracia como método para a conquista do socialismo e da emancipação humana.
A EDP e o Lulo-petismo acreditam que a manutenção da alternância de poder, e, portanto, das eleições livres, é garantia de democracia e de um futuro de bem-estar para os mais pobres e de todos os trabalhadores. Esta crença romântica numa possível universalidade da democracia, é uma das razões de nossas Cartas ao Eleitor contidas neste nosso “manifesto”.

Nele você vai encontrar uma breve síntese da tese dos chamados “pais da nação” nos Estados Unidos, que explica o papel das eleições, no modelo de democracia que se tornou universal no nosso século, que foi capaz de neutralizar as Democracias Populares. E seguida a Carta ao Eleitor Saltense que serve de referência para as cartas aos eleitores de Campinas, Itu e demais cidades, visto que temos membros em várias cidades do Estado de São Paulo e se trata de eleições municipais.

Além das cartas ao eleitor você encontrará um artigo com nossa posição sobre a violência doméstica e intrafamiliar e sobre o Lazer na sociedade capitalista. Nosso manifesto é sempre provisório e será atualizado sempre que tivermos mais pesquisas e publicação dos Censos governamentais ou de institutos independentes ou estudos individuais sobre a economia, população, enfim, sobre a Formação Social Brasileira ou quando mais um de nossos núcleos escreverem cartas ao eleitor de suas cidades
Como você verá em nosso manifesto, o sufrágio Universal, as eleições permanentes, criam uma ilusão, cuidadosamente planejada, para desviar os olhos do proletariado e de toda a classe trabalhadora. Os poderosos usam as eleições contínuas como os antigos fazendeiros usavam uma cenoura para os burros de carga.

Sabendo de tudo isto, um divergente que se prese, não se omite. Sendo assim, escrevemos esta carta ao eleitor, este manifesto, no qual defendemos que eu, você, nós, o proletariado e toda a classe trabalhadora, mais do que votar em alguém de nossa confiança, de nosso time, de nossa classe, devemos fazer exigências. Não fazemos muita questão de definir ou realizar quem esteja ocupando o poder executivo e legislativo, eles têm que estar a serviço da maioria, de quem tudo cria e tudo transforma.

2. Os Federalistas ou de como se neutraliza uma Democracia Popular

Os Estados Unidos são considerados modelo de democracia por grande parte dos democratas e cientistas políticos do século passado e do nosso século. Este país é sempre uma referência para toda nação que procura organizar-se de acordo com os princípios liberais. Além é claro, de procurar interferir diretamente, neste sentido, por meio de sua diplomacia. Os estadunidenses têm verdadeira adoração pelos chamados pais da nação. Eles que foram os organizadores da maior democracia do mundo. Escrevendo no século XVIII, mais exatamente no ano de 1788, por ocasião da organização política e jurídica da recém-formada nação, os Estados Unidos da América, como o Federalista, Hamilton, Jay e Madison que usavam o codinome Publius, produziram uma série de artigos publicados na imprensa de Nova York. Estes artigos acabaram contribuindo para a elaboração do modelo de democracia que vigora até hoje nos Estados Unidos. Vale a pena citar os princípios que ordenaram este modelo, pois, revelam exatamente a natureza da democracia burguesa.

De acordo com o que escreve Limongi, o comentador de O Federalista, podemos afirmar com segurança que ao contrário da maioria dos republicanos e democratas de seu tempo, os federalistas (O federalista), não propõem empecilhos radicais e definitivos à participação popular. Porém, encontraram um meio de neutralizar os governos populares, ou a democracia popular, que os antigos denominavam oclocracia, ou “tirania das massas.”

Para Madison, por exemplo, não se tratava de eliminar os governos de democracia pura, nos quais uma facção muito poderosa tenderia a controlar o poder de forma tirânica, mas sim de neutralizá-los. A solução encontrada por Madison foi opor a República representativa a democracia pura. A saber, o governo das massas populares ou da facção mais poderosa seriam neutralizados por uma dupla medida: primeiro pela representação que, de acordo com a tese de Madison, faria com que os homens mais capazes e independentes dos interesses particulares dos partidos e facções, pouco numerosos fossem escolhidos para governar a nação. Para Madison “Os dois grandes pontos de diferença entre uma democracia e uma república são: primeiro, o exercício do governo, nesta última, é delegado a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos demais; segundo, são bem maiores o número de seus cidadãos e a área que ela pode abranger” (Madison. p. 266. O Federalista). Madison prossegue afirmando que:

O efeito da primeira diferença é, por um lado, aperfeiçoar e alargar os pontos de vista da população, filtrando-os através de um selecionado grupo de cidadãos, cujo saber poderá melhor discernir os verdadeiros interesses de seu país e cujo patriotismo e amor a justiça dificilmente serão sacrificados por considerações temporárias ou parciais. (Madison. p. 266. O Federalista).


A preocupação central de Madison e dos federalistas, além de impedir a repetição da forma de governo colonial inglesa, é neutralizar o poder popular que a república permitiria, visto que, os pobres, ou trabalhadores poderiam eventualmente conseguir o governo, já que são maioria e teriam acesso a ele, por meio das eleições. Vejamos o que escreve Madison:

“Em primeiro lugar, deve-se observar que, por menor que seja uma república, seus representantes não devem ser muito poucos, a fim de evitar a conspiração de alguns; e por maior que ela seja, também não podem ser por demais numerosos, a fim de prevenir a confusão das multidões...” (Madison. 2004. p. 266. O Federalista).


Segundo, pela multiplicação das facções que evitaria a tirania, visto que, nenhuma delas teria poder suficiente para impor sua vontade. De acordo com Madison, para eliminar os males causados pelas facções seria necessário destruir a liberdade ou fazer com que todos pensassem da mesma forma e tivessem os mesmos interesses. O remédio seria pior que a doença, por isto, propõe a manutenção da liberdade para as facções.

Um terceiro elemento que completaria este conjunto de medidas e combateria a tendência destes “homens bons” (estadistas) a permanecerem por muito tempo ou enganarem as massas seria a predeterminação da duração dos mandatos. Ou seja, as massas seriam convidadas a participar constantemente por meio de eleições e assim impediriam governos muito longos dos mesmos mandatários ou das facções mais poderosas.

Depois de elogiar a igualdade jurídica entre pobres e ricos que a república permitiria, Madison afirma que as eleições são o grande freio ao abuso dos mandatários:  “Todas estas garantias, porém, resultariam insuficientes sem eleições frequentes (grifo meu). Assim – é nosso quarto argumento – a câmara dos deputados é constituída de forma a manter em seus membros uma constante lembrança da sua dependência em relação ao povo...” (Madison. 2004. p. 280. O Federalista).

Madison está discutindo o papel do poder legislativo na organização da recém-criada nação. Porém, podemos estender este raciocínio ao poder executivo. Esta solução para frear o poder de estadistas e deputados e equilibrar a disputa entre as diversas facções que são, nada mais nada menos do que, os setores das classes dominantes em concorrência e das classes trabalhadoras dominadas com direito ao voto, é também uma armadilha ao proletariado e as classes trabalhadoras. A saber, as grandes massas trabalhadoras são convidadas a votar permanentemente (a cada 2, 4 ou 6 anos) e depois voltar para casa deixando as grandes decisões políticas que interferem diretamente em suas vidas aos “grandes homens’ ou estadistas.

Os federalistas encontraram um modelo que permitia a ampla participação das grandes massas sem perder o controle do essencial: a garantia da propriedade privada e dos interesses das classes dominantes. E esta é a grande armadilha no qual caiu a esquerda democrática e principalmente a democrática e popular. Como se pode notar, os federalistas, não perdem de vista em nenhum instante a essência do caráter de classe do Estado.
Como os antigos, Madison e os seus amigos federalistas não escondem ou escamoteiam o que pensam sobre a função do governo, do Estado, enfim, da República. Para eles, trata-se de garantir a liberdade dos proprietários ou os interesses dos proprietários. A fórmula é: o Estado garante a liberdade das facções de proprietários, e a liberdade, por sua vez transforma-se no oxigênio das facções. Para Madison,

A diversidade das aptidões humanas, nas quais se originam os direitos de propriedade, não deixam de ser um obstáculo quase insuperável para a uniformidade de interesses. A proteção dessas aptidões é o primeiro objetivo do governo. Da proteção de aptidões diferentes e desiguais para adquirir bens, resulta imediatamente a posse de diferentes graus e tipos de propriedade; e a influência destes sobre os sentimentos e opiniões dos respectivos proprietários acarreta uma divisão da sociedade em diferentes interesses e partidos. (Madison. 2004. p. 263. O Federalista).


Os Federalistas “pais da nação estadunidense” não tem nenhum escrúpulo e fazem questão e de revelar quem são os homens que consideram mais capazes de pensar a nação e defender os interesses dos trabalhadores e das grandes massas: eles mesmos, ou seja, os comerciantes, enfim, a burguesia comercial e industrial, apoiada pelos grandes proprietários senhores de escravos. Observemos o que escreve Hamilton:

A ideia da representação real de todas as classes de pessoas por pessoas de todas as classes é absolutamente visionária. (...) Mecânicos e manufatureiros, com poucas exceções sempre se inclinarão a dar votos para os comerciantes de preferência a pessoas de sua própria profissão (...) eles sabem que, por maior que seja a confiança que tenham em seu próprio bom-senso, seus interesses são mais eficientemente promovidos pelos comerciantes do que por si mesmos. Eles sabem que seus hábitos na vida não lhes oferecem esses dons adquiridos sem os quais, numa assembleia deliberativa, as maiores habilidades naturais são inúteis. (...) Devemos, portanto, considerar os comerciantes como os representantes naturais de todas essas classes da comunidade. (Grifos meus) (Hamilton apud WOOD, 2003.p.186)


Portanto, a Democracia burguesia, com seu sufrágio (eleições) universal permanente, é um jogo de “carta marcada”, foi criada para dar vitória a burguesia, num sistema eleitoral do qual o trabalhador e a imensa maioria da população que cria a riqueza e a faz circular e trabalha como funcionários do Estado, vota a cada dois ou quatro ou seis anos e volta pra casa. É um enorme teatro: as vezes belo, as vezes dramático e por vezes a plateia abandona o salão revoltada, para voltar na próxima peça que melhor lhe agradar algum tempo depois.

Ainda que Facções, partidos de trabalhadores, ocupem o governo do Estado burguês por um certo tempo, o final é sempre previsível: ou eles são inoculados e deixam de defender e governar para os trabalhadores ou são derrubados de forma dramático ou vergonhosa como foi o caso dos governos petistas em nosso país até 2016.

Se não criarmos nossa própria democracia, a Democracia Proletária, seremos sempre figurantes neste jogo de cartas marcadas, neste teatro, no qual nossa participação termina quando apertamos a tecla confirmar na urna eletrônica e na tela aparece: Fim.


Coletivo IDE (Inconformados e Divergentes Educacionais).

Outubro/2020.

3 comentários:

  1. Esse tipo de coisa por que passamos hoje só terminará com um verdadeira Revolução do proletariado.

    ResponderExcluir
  2. Grato pela leitura e pelo comentário animador.

    ResponderExcluir
  3. Perfeito o texto,fundamental para este momento e para um profundo processo de reflexão em toda a classe. Parabéns aos camaradas envolvidos na construção dele e do blog!

    ResponderExcluir