Você acredita que a Educação muda o mundo?
Você Acredita que os empresários querem o seu Governo e seu Estado Educando os alunos para serem críticos e autônomos?
Se estivesse no Governo você aprovaria o BNCC?
Se sua resposta for sim, este artigo é para você.
Se sua resposta for não, este artigo é para você também.
A
Reforma do Ensino Médio: mudar para deixar como está
Lopes, Vera de Fátima
Maciel1 (Rio de Janeiro, RJ, Brasil)
Moreira, Elias Enrique2
(Salto, SP, Brasil)
1 Professora adjunta na
Universidade Estácio de Sá. verafml@gmail.com
2 Professor de História da
Rede Pública Estadual do Estado de São Paulo (SEE-SP). hmeliass@yahoo.com.br
Fonte: Revista Labor. Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Ceará Fortaleza-CE-Brasil. In: Revista Labor, V. 1, N. 25. DOI: https://doi.org/10.29148/labor.v1i25.62798. http://www.periodicos.ufc.br/labor/index . ISSN: 1983-5000.
Editores-Responsáveis
Dr. Enéas de Araújo Arrais
Neto, Universidade Federal do Ceará, UFC, Ceará, Brasil
Dr. Sebastien Pesce,
Universidade de Orléans, França
Recebimento: 08/03/2021
Aprovação: 19/04/2021
Resumo
O
Objetivo do presente artigo é, “analisar as possíveis conexões entre a Reforma
do Ensino Médio, mais especificamente, o ordenamento proposto pela Lei
13.415/17, as demandas do Capital e as expectativas da burguesia”. Partimos da
problematização de que o Estado, procura orientar as alterações no Ensino
Médio, no sentido de construir o consenso para as posições da classe dominante,
para que, os estudantes das classes subalternas associem a realização de seus
sonhos de um futuro melhor, a uma educação atrelada aos interesses do capital,
a continuidade dos processos de valorização do valor. Ou seja, que o processo
capitalista de produção que os explora, permaneça como horizonte possível no
futuro imediato, sem maiores resistências. Por meio de uma revisão
bibliográfica, pesquisa de campo e de relatos de experiência, traçamos nossa
análise destacando os efeitos Reforma do Ensino Médio, a influência da
Estratégia Democrática Popular na Educação, Estado e classes sociais.
Palavras-Chave:
Reforma. Ensino Médio. Estado. Educação. Capital.
Introdução
“Algo
deve mudar para que tudo fique como está” (LAMPEDUSA, G.T di.,2017). No ano de
2016, ao ministrar uma palestra em um encontro acadêmico de filosofia cujo tema
era a Reforma do Ensino Médio: “O Eterno Dilema – Tecnicismo ou Humanismo”, procuramos
evidenciar os elementos da proposta de “reforma” que insidiam diretamente sobre
a experiência do Ensino Médio, mais especificamente, os impactos dessas
mudanças nas unidades Escolares das cidades do interior de São Paulo, Itu e
Salto, onde atuávamos como professor há quase 20 anos. Naquele momento, optamos
por uma exposição que indicasse os elementos que eram universais na proposta do
Estado e, portanto, do Ministério da Educação e Cultura (MEC), mas que afetavam
mais especificamente, as unidades escolares nas quais atuávamos. Neste artigo,
cerca de 5 anos depois, retomamos o tema, com o propósito de abstrair os
elementos singulares/particulares da referida experiência, vamos centrar a
análise nos aspectos mais gerais do ordenamento proposto pela Lei 13.415/17, as
intencionalidades que estão veladas na proposta, buscando assim, contribuir
para o debate a respeito das demandas do capital e sua relação com a educação.
Portanto
nosso objetivo é “analisar as possíveis conexões entre a Reforma do Ensino Médio
(R.E.M), mais especificamente, o ordenamento proposto pela Lei 13.415/17, as
demandas do Capital e as expectativas da burguesia”. Almejamos também apontar
aspectos da reforma, que são reveladoras do papel da educação numa sociedade de
classes e, portanto, na sociedade do capital. Deste modo, nosso ponto de
partida não é o dilema: Tecnicismo versus Humanismo, proposto naquela ocasião,
mas sim, a pergunta: qual o produto que o capital e seus serviçais esperam com
esta contrarreforma da qual a lei 13.415/17 é uma das portadoras?
Reconhecendo
a complexidade do tema, optamos pelos seguintes recursos metodológicos: revisão
bibliográfica, relato de experiência e recortes de resultados de pesquisas de
campo realizadas ao longo de 20 anos de trabalho como professor e pesquisador
na rede estadual de educação. O texto ficou estruturado em quatro subitens: -
“Nosso percurso: Educação e a Estratégia Democrático Popular”, onde buscamos
regatar as bases teóricas que alicerçaram o pensamento de muitos educadores e
militantes nas últimas décadas; -“Por que e para que estudar: perspectivas dos
estudantes do Ensino Médio”, em que destacamos alguns resultados de pesquisas
realizadas com alunos do Ensino Médio, seus sonhos e perspectivas; - “O sonho
dos estudantes alimentado pelas necessidades do Capital e da Burguesia”, onde
procuramos explicitar, segunda nossa visão, as intencionalidades que ficam
veladas na proposta de Reforma para o Ensino Médio; - “Estado e Educação ao
longo da História”, em que sinalizamos que o quão antiga é a lógica de
determinação dos interesses de classe na relação Estado e Educação.
Nosso Percurso: Educação e a
Estratégia Democrático Popular
Em
2016, após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), seu Vice e aliado
Michel Temer (“p” MDB), assumiu a presidência e deu prosseguimento a
implantação de uma série de medidas, propostas e iniciadas ainda nos governos
petistas. A categoria “Reforma”, foi amplamente veiculada e debatida por todos
os meios de comunicação, por estudiosos e militantes. Mas o que chamavam de
reforma, constitui-se de fato, em uma espoliação ao salário do proletariado e
de todos os assalariados, um ataque tão furioso, quanto o antipetismo
tresloucado que eclodiu naquele momento, levado a cabo pela direita e extrema
direita, desde as jornadas de junho de 2013 (SENADO, A. 2016).
As
Reformas - Trabalhista, da Previdência, o congelamento dos gastos do Governo
(PEC 241) referentes aos cortes na educação, a Reforma do ensino Médio e tantas
outras, permitiram uma infinidade medidas entre os quais: o prolongamento do
tempo de trabalho da população ocupada, taxação da população trabalhadora já
aposentada. Além disso, possibilitaram a eliminação ou redução dos salários
indiretos, por meio da regulamentação de contratos temporários, firmados
diretamente ou por meio de acordos coletivos, entre patrões e empregados. Essas
medidas foram fundamentais para o avanço do capital sobre o trabalho pago
(salário), abocanhando uma quantidade cada vez maior de tempo de trabalho
gratuito do proletariado e, portanto, de valor e mais-valor. Ou seja, conforme
afirma Duarte et al. (2020), trata-se muito mais de Contrarreforma do que de
Reforma, uma vez que houve um desmantelamento de direitos conquistados como
resultado das lutas do proletariado desde o final da ditadura civil militar no
Brasil.
É
importante ressaltar que esse processo de desmonte dos direitos conquistados
pelos trabalhadores vem sendo implementado, desde meados da década de 1990. A
eficácia destas investidas do capital sobre os salários, em grande medida, é
resultado da propaganda capitalista governamental e dos Aparelhos Privados de
Hegemonia Burguesa (APHs), organizações burguesas (fundações e as chamadas
ONGs), que fazem o trabalho permanente de convencimento do proletariado e de
toda a população ocupada, em torno das demandas e necessidades do capital
(FONTES, V. 2010).
A
geração a qual pertencemos, viveu e fez História, sob a direção da Estratégia
Democrática e Popular, elaborada e implantada pelo Partido dos Trabalhadores
(PT) que ocupou o poder Executivo brasileiro, por 14 anos. Nossa geração foi
embalada pelo sonho de que a sociedade poderia ser transformada por meio da
ampliação da democracia, portanto, a educação era peça fundamental desta
estratégia (IASI, M. et al., 2019).
No
final do século XX era muito comum os professores de cursos de licenciaturas,
no primeiro dia de aula, ouvirem relatos de alunos afirmando que estavam na
licenciatura porque queriam contribuir para a mudança do mundo. Muitos, ainda
hoje acreditam que a educação escolar é o caminho para transformar o mundo.
Nós
também um dia acreditamos. Ainda que, há muito tenhamos abandonado esta tese,
observamos em nossa prática docente que valorosos militantes assumiram cargos
de direção de Escolas, Supervisão, Diretorias Regionais, Secretarias de
Educação, Prefeituras, Governos do Estado, encantados pela EDP, defendendo que
ocupar esses espaços fazia avançar as lutas pela educação e pela “hegemonia”,
como entendia Carlos Nelson Coutinho em sua leitura de Gramsci (NEVES, V. 2019)
e que influenciou e informou grande parte da intelectualidade e dos militantes
da esquerda no Brasil.
O
evento acadêmico de 2016, ao qual fizemos menção no início do artigo, também
pode ser inserido nesse contexto, como um debate que tentava uma espécie de
“salvação” da educação. Mas, já na oportunidade, demarcamos a posição de que
não tínhamos mais nenhuma ilusão, em relação as possibilidades de transformação
do mundo por meio da educação escolar desde o final dos anos 1990.
A
materialidade dos fatos e os acontecimentos que passamos a viver, colaborou
ainda mais para reforçar as nossas certezas: impeachment da presidenta Dilma
Roussef, a “demonização” do Partido dos Trabalhadores e da Esquerda, as medidas
aprovadas partir de 2016, evidenciaram um devir de desmonte e perdas que viria
a concretizar-se nos anos seguintes. Esse cenário, nos levou a retomar os
estudos sobre mais uma derrota do proletariado no Brasil, o qual denominamos – Inventário.
As análises da realidade e as ferramentas teóricas, nos indicam o fracasso da
Estratégia Democrático e Popular, na condução da tão almejada transformação
social, visto que foi incapaz de liderar o proletariado na criação de uma nova
sociabilidade, na qual seu protagonismo permitisse eliminar a exploração do homem
pelo homem. Mas, ao mesmo tempo, foi vitoriosa, em conquistar o direto de
permanência por 14 anos no poder Executivo do Estado no Brasil.
Nesse
sentido, expressamos o nosso “espanto” com o espanto dos educadores, militantes
e parte dos intelectuais diante da tendência das leis e, principalmente, das
possibilidades criadas pela Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, no que
tange, a implantação de uma modalidade de ensino que prepara os jovens para o
mundo do trabalho, centrada, portanto, no ensino técnico. Por isto, nossa
pergunta tende a contornar o dilema apresentado pelo organizador do evento em
2017: A Reforma do Ensino Médio: “O Eterno Dilema – Tecnicismo ou Humanismo”.
Do nosso ponto de vista é mais apropriado perguntar: qual o produto que o capital
e seus serviçais esperam com esta contrarreforma da qual a lei
13.415/17 é uma das
portadoras?
Por que e para que estudar:
perspectivas dos estudantes do Ensino Médio
Antes
de fazer considerações sobre as ‘necessidades’ do capital e sua relação com a
lei 13.415/17, vamos apresentar de maneira sucinta algumas constatações de uma
pesquisa de campo que realizamos com alunos do ensino médio, entre os anos de
2000 a 2019, em uma escola da Rede Pública Estadual de São Paulo, situada na
cidade de Salto-SP e que atendia estudantes do ensino Fundamental II e Ensino
Médio, na qual um dos autores desse artigo, trabalhou durante 20 anos.
Cada
vez que iniciávamos uma turma nova ou reencontrávamos uma turma antiga, por
exemplo, os alunos do Ensino Fundamental II, que passavam ao primeiro ano do
Ensino Médio, fazíamos sempre um conjunto de questões e as recolhíamos, tanto
para fins pedagógicos e metodológicos, quanto para identificar em que medida, a
visão de mundo dos alunos já estava consolidada ou formatada – para usar um
termo da tecnologia da informação (TI) – de acordo, com as necessidades do
sistema ou da sociedade do capital.
Eram
questões simples, que permitiam respostas sinceras e transparentes, uma vez que
era preservada a identidade dos estudantes, jamais sendo entregues aos pais,
direção, enfim, as Equipes de Gestão. Pelo menos, nomes e séries ou afirmações,
quaisquer que fossem, não eram disponibilizadas. Discutíamos apenas, de forma
genérica, os anseios e sonhos daqueles determinados estudantes e em que medida
a Educação Escolar e nossos projetos pedagógicos poderiam contribuir para a
realização dos “sonhos’ e anseios daquela escola estadual.
Estamos
falando de uma unidade escolar (EU) pública, de uma cidade do interior do
Estado de São Paulo, que recebia alunos de todas as Ues da cidade, da região e
de outras Unidades da Federação, assim como da rede privada de ensino. Porém, a
procedência dos alunos nunca alterou as respostas.
As
perguntas mais relevantes do ponto de vista do pesquisador eram: Porque você
estuda, para que você estuda, qual seu maior sonho e de quem depende a
realização desse sonho. Fazíamos uma observação que deixava o entrevistado
livre para que escrevesse o maior sonho que pudesse contar, tornando-o público.
Em síntese, as respostas mais recorrentes dos alunos foram as seguintes:
“estudo para conseguir um bom emprego e ajudar minha família, ter um futuro
melhor e ser alguém na vida, ser jogador de futebol”.
Sonhos
e razões para estudar, tais como, ser piloto, médico, dentista, fazer
faculdade, apareciam raramente. Não vamos debater a capacidade ou amplitude do
“sonhar” e o que é um sonho. Porém, na verdade, depois de cerca de 20 anos de
trabalho, estudos e pesquisas com adolescentes, ainda que de forma preliminar,
a maioria dos que entrevistamos e pudemos ministrar aulas, pareceu estar
convencida, de que um bom emprego, uma boa casa, enfim, um lugar no mercado de
trabalho, é o horizonte, o melhor e o máximo que poderiam almejar em seus
sonhos, com raras exceções, a julgar pelas nossas observações.
Preparar-se
para competir no mercado de trabalho é uma espécie de “mantra” repetido por
“todos” que responderam ao questionário. Em relação a pergunta sobre o futuro,
a saber, de que depende a realização do sonho, as respostas foram na maioria
absoluta das vezes, sem mediações: - de mim, do meu próprio esforço e
dedicação, da minha vontade, só de mim. A dependência da família, foi mais rara
ainda neste caso, raríssimas vezes ela foi citada.
Antes
que façamos maiores ponderações, podemos inferir que há uma coincidência entre
os sonhos e anseios dos estudantes e as propostas de contrarreforma no Ensino
Médio. A saber, parece que nossos estudantes estão convencidos de que o ensino
técnico e/ou profissionalizante é o caminho mais fácil para a realização de
seus sonhos. Por isso, nosso “espanto inicial com o espanto” de estudiosos e
militantes e educadores diante das propostas de contrarreforma na educação que
sempre ampliam as disciplinas denominadas técnicas em detrimento das humanas,
apesar do paradoxo desta oposição, visto que, não há disciplina ou ciência, que
não seja uma criação humana.
O sonho dos estudantes
alimentado pelas necessidades do Capital e da Burguesia
Retomando
a problemática proposta nesse artigo, faremos uma breve incursão à teoria do
valor em Marx, buscando evidenciar a necessidade permanente do Capital, seu
impulso incontrolável, incessante para Valorizar o Valor. Na aparência,
converter dinheiro em mais dinheiro. O que nos conduz às intencionalidades e
expectativas da Burguesia Capitalista, para convencer sobre a necessidade de
“reforma” a partir da Lei nº 13.415/17.
O
capital só pode existir como um processo, um movimento permanente de valorização
do valor, que aparece na fórmula: D-M-D, utilizada por Max em o Capital, no
qual o processo de transformação do dinheiro em o Capital é descrito (MARX, 1985).
O valor que o dinheiro carrega em si, precisa transformar-se em Mais Valor e
aparecer como mais dinheiro (D-D´) no final de um ciclo do capital monetário ou
capital financeiro, para isto, precisa converter-se em Meios de Produção,
Matéria Prima e Força de Trabalho, deixar o processo de circulação e ir para o
processo de produção, no qual a Força de Trabalho vai consumi-los e criar
mercadorias, portadoras do Valor valorizado, ou seja, tais mercadorias, contém
os valores antigos correspondentes ao tempo de trabalho abstrato socialmente
necessário à produção daquela determinada Matéria Prima (MP), de parte dos
Meios de Produção (MP), por exemplo, durante um jornada de trabalho a FT
transfere 24 horas de valor antigo das máquinas e equipamentos, prédio, terreno
para as novas mercadorias criadas, enquanto cria Valor Novo durante a jornada
diária de trabalho. Oficialmente, no Brasil, cerca de 8 horas por dia, podendo
durar mais ou menos tempo a depender do ramo ou dos acordos entre capitalistas
e proletários e da luta de classes.
O fato
é que, àquela determinada quantidade de valor que aparece no dinheiro e que é
convertida em Meios de Produção e Matéria Prima, é transferida pela Força de
Trabalho (FT) para as novas mercadorias. Estas mercadorias novas contém o Valor
Antigo e o Valor Novo dispendido durante a jornada de trabalho, na qual a FT
consome produtivamente Meios de Produção e Matéria Prima. Durante a Jornada
diária de trabalho, a Força de trabalho cria Valor para si, aquele que se
manifesta nas mercadorias que a FT precisa para sua manutenção e reprodução
diária e a partir de um determinado período da jornada de trabalho, que é
medido em horas, a FT passa a criar Mais Valor, ou seja, a Mais Valia. Muito
bem, as mercadorias “grávidas’ de Mais Valor, precisam voltar para o processo
de circulação, encerrando o ciclo ao voltar para a forma dinheiro, porém, agora
acrescida de mais dinheiro. Pelo menos é assim que aparece. O Dinheiro se
converte em mais dinheiro: D-D´. Ou seja, o Valor foi valorizado, por meio
destas metamorfoses que aparecem na fórmula: D-M-D´. O que aparece como
movimento do dinheiro, é na verdade o movimento do Valor, do processo de
Valorização. Quanto mais rápido o Valor sair da forma Dinheiro e voltar para
ela depois de passar pelas metamorfoses em Meios de Produção, Matéria Prima e
Força de Trabalho, em Mercadoria grávida, por meio do Processo de Valorização, consumo
produtivo da Força de Trabalho, melhor para o Capital e seu incessante processo
de valorização, sua própria natureza.
Nos
seus estudos, sobre o fracasso escolar no Brasil, Gennari (2013), escreve que
para o Estado Capitalista e, portanto, para a classe dominante de nossa época
histórica, é fundamental que os estudantes da Educação Básica, associem seu
futuro, seus sonhos, e a possibilidade de sua realização, ao sucesso da
acumulação de capital. A saber, o povo simples, e, portanto, proletariado deve
ser convencido pelo sistema educacional, de que quanto mais aprimorado for o
processo de acumulação de riqueza e Capital, melhor será o seu futuro. Gennari
(2013) afirma ainda que, tanto a educação escolar quanto as demais modalidades
não formais de educação, procuram formar um trabalhador “Criativo e ao mesmo
tempo submisso”.
Este
perfil está associado ao Sistema S, as APHs (Fundações e ONGs) e a proposta de
alteração do Ensino médio. Desenvolver o espírito crítico, a capacidade de
interpretar e analisar, é tudo que a burguesia Capitalista não precisa, nem vai
propor com as suas “reformas” na Educação. A julgar pelo texto da Lei nº
13.415/17, a tendência é que se procure criar uma massa de Força de Trabalho
com conhecimento técnico para operar o sistema, como entende Gennari (2013) em
seus estudos sobre o Fracasso Escolar e as mudanças na educação “nos tempos de
qualidade total”.
Podemos
afirmar, como Fontes (2010) descreveu brilhantemente, que os APHs (Fundações e
ONGs) fizeram um eficaz trabalho de convencimento do proletariado e de todos os
assalariados no Brasil, a partir dos anos 1980, transformando militantes que
construíam a resistência e a luta contra a pobreza e a dominação de classe em
assalariados das APHs, o que Fontes (2013) denomina filantropia mercantil. De
estimuladores da rebeldia, a maioria destes militantes passaram a construir o
consenso e adaptação, o apassivamento do proletariado. A
saber, passaram a ensinar
“toda esta gente a encontrar um lugar ao sol”. Como constatou Gennari (2013),
ao invés de ensinar a resistência e a luta contra o sistema de exploração que
os empobrece e destrói o seu futuro, os estudantes e a população em geral foram
convencidos a ver seu fortalecimento (Exploração), como a chance de um futuro
melhor.
Do
nosso ponto de vista, é por isto, que os estudantes da referida UE, respondiam
que estudavam para ter um futuro melhor e que este futuro passaria por arrumar
um bom emprego e dependeria de cada indivíduo e de sua competência e esforço.
De
forma simplificada, a mensagem veiculada pelos processos formativos escolares,
reforça a ideia de que quanto mais veloz for o percurso do Valor ao mais Valor,
do dinheiro ao mais dinheiro (D-M-D´), melhor seria para o proletariado. Dito
de um outro modo, quanto maior o tempo da jornada de trabalho que o
proletariado entregar para o capital, para a burguesia, melhor seria para o
proletariado. Na aparência, quanto maior for o lucro dos capitalistas, melhor
seria para o proletariado. É isto, que embala os sonhos dos assalariados quanto
pensam nos programas de participação dos lucros e resultados (PLR).
Esta
parece ser uma das mais importantes expectativas da burguesia capitalista em
relação a reforma do Ensino Médio, ela precisa que os estudantes sejam
convencidos de que o melhor para eles é ingressar o mais cedo possível no
mercado de Força de Trabalho e deixá-lo nessa condição, o maior tempo possível,
instigando-os a ser sempre criativos e ao mesmo tempo submissos aos objetivos e
necessidade do capital, a saber, alimentando permanentemente, o processo de
valorização do Valor.
Estado e Educação ao longo da
História
Antes
que o leitor se espante com a racionalidade da afirmação categórica com a qual
terminamos nosso último parágrafo, vamos revisitar a História longínqua. Ela
nos mostra que o Estado, desde que foi criado pelas classes dominantes,
proprietárias dos meios de produção, sempre cuidou para que a educação fosse
direcionada para atender os interesses, necessidades e expectativas de seus
criadores. No ano de 2.800 a. C, no Egito, os futuros faraós e conselheiros
eram educados para dominar a Arte da Palavra:
Se a sua boca procede com
palavras indignas, tu deves domá-la em sua boca, inteiramente [...] A palavra é
mais difícil do que qualquer trabalho, e seu conhecedor é aquele que sabe
usá-la a propósito. São Artistas aqueles que falam no Conselho [...] reparem todos
que são aqueles que aplacam a multidão e que sem eles não se consegue nenhuma
riqueza (Gennari. 1997.p. 9)
Por
volta de 2.200 a. C, neste mesmo Egito, após um período de crise e disputas
entre os Nomarcas, uma espécie de governantes de províncias, a educação física
passou a ser incorporada a educação dos filhos dos Faraós, para que
desenvolvesses a habilidade da luta. Entretanto, é entre os anos 1.069 – 333 a.
C, que encontramos os textos sobre o papel e a função da educação para os
funcionários do Estado que nos chegam do Egito antigo, que parecem informar com
maior precisão a nossa hipótese, vejamos o que escreveu Amenemope, sobre como
deviam se comportar os funcionários diante de seus superiores:
Quando erras perante o teu
superior e teus discursos ficam desconexos, tuas adulações serão retribuídas
com afrontas e pancadas. Dize a verdade perante o nobre, para que não se torne
dono de tua cabeça. Não escutes as conversas de um magnata na sua casa e não as
espalhes fora para outros. Não ofendas a quem é maior do que tu. Deixa que ele
te bata enquanto a tua mão fica sobre o peito; deixa que ele te ofenda enquanto
a tua boca cala, amanhã se estiveres na frente dele, te dará o pão à vontade. O
cão late para quem lhe dá pão, pois ele é seu dono (Gennari. 1997. p. 9.)
De
acordo com Gennari (1997), Diadoro da Sicília, comenta, ao visitar o Egito, que
a grande massa da população aprendia os ofícios com os próprios pais e parentes
desde crianças, ofícios que exerceriam por toda a vida. Quanto a leitura
“ensinam a ler e escrever um pouquinho, não a todos, mas àqueles que se dedicam
a um ofício” (GENNARI, 1997, p. 9).
Se
deixarmos o Egito antigo e formos para a Europa, vamos notar que o comportamento
das classes dominantes, em relação papel da educação não se modifica. Em 1809,
Murat escreveu: “É necessário que exista uma instrução para todos, uma para
muitos e uma para poucos. A primeira não deve fazer do povo tantos sábios, mas
deve instruí-lo tanto quanto basta para que possa tirar proveito dos sábios.” (GENNARI,
1997, p. 10).
A
julgar pelos escritos e estudos que chegaram até nós, notamos que até o final
do século XIX e início do XX, as classes dominantes e seus intelectuais, não
tinham muita preocupação em ocultar o que pensavam das classes subalternas e do
papel da educação reservada a elas. Basta ler o que escreveu Jean Baptiste Say,
economista e industrial em 1803: “O trabalhador embrutecido pela repetição e
simplicidade de suas tarefas, dificilmente seria capaz de conceber relações
gerais, sentimentos nobres, como por exemplo, o respeito pela propriedade
privada que favorece a propriedade pública” (GENNARI, 1997, p.10).
Verificamos,
que SAY lá em 1803, encerrou seu raciocínio com uma frase, no mínimo
esclarecedora, das expectativas da burguesia, no que tange, ao nível e ao papel
do conhecimento ao qual devem ter acesso os membros do proletariado, enfim, das
classes subalternas: “Como se poderia dar a eles o grau de instrução que
julgamos necessária para o bem-estar da ordem social?” (GENNARI.1997.10).
No
século XXI, dois séculos após as afirmações de Say e Murat, uma observação um
pouco mais cuidadosa de algumas das alterações curriculares no Ensino Médio,
que a Lei 13.452/17 legalizou, nos permite identificar o cuidado com que as
classes dominantes procuram educar as classes subalternas, de acordo com os
interesses e necessidades de manutenção da dominação. Vejamos, dentre as
principais mudanças que estão sendo implementadas, os aspectos mais relevantes
para nossa análise.
Carga
horária: anteriormente, era de 2400 horas, sendo cursadas em 200
dias letivos. Na lei atual, manteve-se os 200 dias letivos, porém, deverá
chegar a 3000 horas, uma alteração que será realizada progressivamente, de
acordo com as possibilidades de cada unidade de ensino. Está prevista, 1800
horas para ministrar conteúdos de 04 áreas do conhecimento: linguagens,
matemática, ciências da natureza e ciências humanas e sociais aplicadas. O
restante, 1200 horas, segundo proposta do MEC (2021), poderão ser utilizadas
pelos estudantes, para que eles se aprofundem em um ou mais caminhos
relacionados às áreas do conhecimento ou à formação técnica e profissional.
Currículo:
a
lei prevê que os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede,
possibilitem ao aluno concluinte do ensino médio cursar mais um itinerário
formativo. Porém, isso ficará a critério dos sistemas de ensino, a oferta de
formação com ênfase técnica e profissional permite a inclusão de vivências
práticas de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo
parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela
legislação sobre aprendizagem profissional.
Certificado
de terminalidade: a lei reforça a possibilidade de concessão de
certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a formação
for estruturada e organizada em etapas com terminalidade. Isso significa, que o
estudante da classe trabalhadora, será subjetivamente induzido, a inserção no
mercado de trabalho, sem estímulo a continuidade de sua formação, ainda que a
lei afirme que as instituições de ensino emitirão certificado com validade
nacional, que o habilitará como concluinte do ensino médio, a prosseguir os
estudos em nível superior.
Formação
Professores: para ministrar aulas no ensino médio, o professor
necessitava da formação acadêmica, nas respectivas disciplinas. Na lei atual,
profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de
ensino, podem ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência
profissional, sem ter formação pedagógica e licenciatura.
No
Guia eletrônico de Implementação do novo Ensino Médio, preparado pelo MEC
(2021), lê-se: “Você poderá estudar todos os conhecimentos imprescindíveis para
a vida em sociedade e ainda irá sair do ensino médio mais preparado para o
mundo do trabalho”. A lei procura conectar, como dissemos, os sonhos de um
futuro melhor dos estudantes à formação técnica e profissionalizante.
A
saber, ao permitir e estimular a formação de um grande contingente de
estudantes de nível técnico, para operar o sistema fabril e a indústria em
geral, enfim, a empresa capitalista, induz a juventude a manter seus sonhos
dentro dos limites da ordem capitalista, e, portanto, dos interesses do capital
e de sua personificação, a burguesia.
O
Estado, conforma a Educação Escolar neste caso, como tem sido historicamente, aos
interesses das classes dominantes.
Considerações Finais
Em primeiro lugar, é
importante ressaltar que nossa intenção é a de contribuir para a reflexão dos
dilemas que envolvem as conexões entre capitalismo e educação. Consideramos importante
destacar que muitos educadores e militantes da nossa geração, foram convencidos
a intervir na educação escolar, como uma forma de disputa de hegemonia,
entendida como ocupação dos espaços institucionais. No entanto, nos parece que
foi negligenciado ou ignorado o fato de que o Estado, como um órgão de classe,
determina o papel da educação de acordo com os interesses e necessidades de
seus criadores, em nossa época histórica, a burguesia capitalista.
Para
além desta constatação, por meio do estudo da história da educação e a julgar
pelo próprio texto da lei 13.451/17, parece-nos haver um equívoco na
compreensão desta categoria Gramsciana: Hegemonia. Podemos inferir que
construir a hegemonia é criar o duplo poder, e não ocupar os espaços
institucionais, ou parte do Estado Burguês, ou seja, as classes subalternas
devem criar suas próprias instituições, seus aparelhos de hegemonia e não se
contentar em ocupar os Aparelhos Privados de Hegemonia Burguesa (APHs).
Nossa
geração, marcada e dirigida pela Estratégia Democrática e Popular, terminou por
consolidar as instituições que queria transformar, haja vista, a derrota dos
governos Democrático e Populares (petistas) a partir de 2016, assim como, o
crescimento dos movimentos conservadores de extrema direita, que divulgam suas
ideias obscurantistas a luz do dia, por todo o país e a aprovação quase sem
resistência das contrarreformas, incluso a do Ensino Médio.
Do
ponto de vista da lei 13.451/17, parece que estamos diante de um sólido
indicador, de que o Capital, segue determinando as alterações no sistema
educacional e a burguesia capitalista, como personificação do capital, segue
cumprindo seu papel de adequar permanentemente a educação, por meio da política
educacional, às necessidades do capital. A frase de Lampedusa (2017), usada
como epígrafe, parece continuar absolutamente válida: “Algo deve mudar para que
tudo fique como está”.
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