domingo, 20 de agosto de 2023

Ecos da resistência - segunda parte

Tá difícil? Te parece que ninguém faz nada? Que ninguém quer nada? Você mesma está pensando em desistir?

Nada deve parecer impossível de mudar. É o que nos mostra a resistência ao nazismo Feita por pessoas que deviam estar paralisadas pelo medo mas não estavam. Por que? Descubra lendo esta lição de rebeldia descrita por Emilio Gennari

 

“Por isso, todo dia é o dia da memória, mas também o dia de mostrar que a resistência nas piores condições a que pode ser submetido um ser humano materializa o grito de liberdade e esperança que desafia a resignação para derrotar o que a opressão planta no solo do tempo.”(Emilio Genari)

 

 

Ecos da resistência - segunda parte

 

A primeira parte do nosso estudo pode ter suscitado a impressão errônea de que, durante a segunda guerra mundial, a resistência era uma via de mão única a ser percorrida por  quem se dedicava  a salvar os judeus das garras de Hitler. O resgate das ações das pessoas simples que enfrentaram o nazismo nas condições que a história colocava em suas mãos caminhará agora entre as vítimas do holocausto que moravam no Gueto de Varsóvia e das que passaram pelo campo de concentração de Auschwitz.

Em cada um desses lugares, levantaremos os aspectos essenciais da realidade a fim de entender os objetivos, as formas e o sentido do resistir cotidiano às investidas da morte. As vozes destes protagonistas, anônimos em sua ampla maioria, saíram dos diários que registraram o medo, a angústia e a impossibilidade de entender o que estava acontecendo; dos depoimentos que divulgaram o que os nazistas procuravam esconder; dos relatos que mostravam a vontade de reagir através de ações que, por limitadas e controversas que pudessem parecer, faziam com que valesse a pena arriscar a vida para alimentar a esperança.

De mãos dadas com os homens e as mulheres que espalharam as sementes da resistência em condições extremas, percorreremos os capítulos de uma história cujas páginas muitos negam, deturpam ou preferem ignorar.

 

7. O Gueto de Varsóvia: da desumanização à organização da revolta.[1]

Em 16 de novembro de 1940, a área de Varsóvia que iria abrigar um contingente de pessoas oito vezes superior ao que podia comportar em condições normais foi hermeticamente selada por muros altos e arame farpado. A vigilância atenta das tropas de Hitler e dos policiais poloneses coibia com execuções sumárias qualquer tentativa de sair daquela prisão a céu aberto.

As atividades econômicas no interior do Gueto permitiam que, a depender do período considerado, entre 3,5% e 7%, das pessoas tivessem acesso a uma fonte de renda. Os comerciantes com maiores recursos subornavam os guardas alemães para garantir um contrabando regular de alimentos e mercadorias cujos preços só podiam ser pagos pelos mais abastados. Inúmeras famílias de classe média vendiam o que tinham para comprar comida. À imensa maioria dos pobres, restavam apenas as cadernetas com as quais os judeus podiam comprar legalmente uma ração inferior a 10% do mínimo necessário para a sobrevivência física. Contudo, sem trabalho e sem dinheiro, muitas famílias não tinham acesso sequer a estas míseras quantidades de alimentos.

As anotações de Emanuel Ringelblum, em agosto de 1941, oferecem uma imagem aterradora da situação do Gueto, castigado pela fome e pelas doenças:

“Os carros estão repletos de cadáveres. Os caixões dos pobres estão empilhados uns sobre os outros. Em algumas das casas do setor pobre (por exemplo, na Rua Wolynska), morrem famílias inteiras. (...) Uma mãe escondeu o seu filho morto para utilizar a sua caderneta da compra racionada de alimentos durante o maior tempo possível. (...) Em geral, a morte de famílias inteiras no prazo de um ou dois dias tem se tornado um evento muito comum. Há um aumento muito grande do número de órfãos, à medida que os adultos morrem primeiro, sobretudo os homens. (...) Se as coisas continuarem assim, a “Questão Judaica” estará logo resolvida em Varsóvia”.[2]

No universo do Gueto, a mendicância crescia a olhos vistos, a prostituição e os furtos acompanhavam a progressiva degradação humana provocada pela fome. A realidade corroía rapidamente os valores familiares e comunitários. O fato de as crianças entre 10 e 14 anos passarem mais facilmente pela rede de esgoto ou pelas pequenas brechas em alguns pontos do muro que cercava a área reservada aos judeus fazia com que fossem os pequenos a ter a responsabilidade de encontrar alimentos no lado ariano de Varsóvia. Não faltavam ocasiões em que os adultos se aventuravam nesta empreitada buscando alcançar as regiões rurais em volta da cidade. A possibilidade de voltar de mãos vazias superava a dos filhos terem a mesma falta de sorte, sem contar os riscos de um encontro fatal com soldados alemães.

De acordo com alguns relatos, não faltaram jovens que, desde o final de 1940, levantaram a necessidade de realizar protestos contra o fechamento do Gueto e os desmandos das forças de ocupação. Contudo, as lideranças do Conselho Judaico (Judenrat) consideraram estas ideias imprudentes diante da crueldade dos nazistas e da mediação que esperavam poder exercer enquanto administradores encarregados pelos alemães de organizar o cotidiano dos judeus presos entre os muros. O temor de um massacre em larga escala, sustentado pelas recorrentes execuções sumárias por motivos banais, aterrorizava a população judaica a ponto de esta se conformar com o fato de que, por dura que fosse, a aceitação da sua realidade ainda produziria menos sofrimentos do que qualquer tentativa de levantar a cabeça.

Por outro lado, qualquer forma de resistência devia acertar as contas com a polícia do Gueto, cujos agentes eram judeus moradores da área e que, em função do seu cargo, contavam com condições de vida melhores em relação às que eram comuns à imensa maioria da sua gente. As opiniões a respeito deste corpo policial costumavam traçar um perfil nefasto dos seus integrantes, à medida que, em várias ocasiões e apesar de estarem armados apenas de cassetetes, haviam incorporado o requinte de crueldade dos alemães e se valiam dele para mostrar sua confiabilidade aos olhos dos nazistas.

Poucos relatos destacam ações favoráveis à população, ora em função dos vínculos familiares entre os agentes e as pessoas beneficiadas, ora por informarem de antemão os prédios cujos moradores seriam deportados. Os fragmentos que chegaram até nós impossibilitam qualquer julgamento em relação a estas ações que podem ser entendidas tanto como uma forma de proteger os próprios entes queridos ou os que usavam seus recursos financeiros para escapar das deportações como, simplesmente, de conter a desconfiança e a revolta pelo fato de policiais judeus aumentarem os sofrimentos dos próprios judeus.

Se isso não bastasse, os nazistas contavam com a ação de vários delatores. O recrutamento deles iniciava com a prisão por violações banais, como a colocação incorreta da braçadeira com a estrela de Davi. Estas pessoas eram submetidas a sessões de tortura nas quais a Gestapo estudava as fragilidades de cada preso a fim de trocar a possibilidade de escapar da morte pelo compromisso de apontar quem tinha riquezas escondidas no Gueto e quem podia usá-las para sustentar ações de resistência. Alguns dos delatores eram conhecidos por uma parte da população, mas o seu número e a sua ação real era sempre uma incógnita cujo perigo não podia ser menosprezado.

O que fazer diante de uma realidade onde qualquer pequeno sinal de rebeldia pode levar à execução de quem apenas buscou um espaço de liberdade? Como barrar a sensação de impotência que leva a uma completa resignação diante dos acontecimentos e impossibilita esboçar qualquer reação às humilhações sofridas? Até que ponto é possível alimentar sentimentos de coletividade quando tudo em volta aponta o “salve-se quem puder” como a única saída possível?

A primeira percepção que emerge dos relatos guarda uma relação direta com o fato de a fome não ser apenas um dos meios para eliminar os judeus, mas também de promover uma desumanização capaz de destruir qualquer forma de convivência civilizada e de identidade coletiva. Neste sentido, é importante lembrar que os nazistas já haviam proibido as escolas judaicas e os rituais religiosos, caçado e matado vários rabinos, queimado livros e bibliotecas inteiras para impedir a transmissão da cultura judaica, destruído o que permitia aos judeus de se reconhecerem como povo e, portanto, de esboçar sobre bases comuns qualquer ensaio de reação a uma máquina de guerra implacável e supostamente invencível.

Se isso não bastasse, a composição da população variava à medida que, além do elevado número de falecimentos, novos grupos de judeus deportados das cidades do interior repunham abundantemente o contingente que a morte havia levado do Gueto. Esta rotatividade constante demandava um esforço permanente para estabelecer contatos e dificultava a realização das ações que percorriam, necessariamente, o caminho da clandestinidade.

Ainda que os recém-chegados partilhassem da mesma base cultural e religiosa, a realidade da guerra havia deteriorado significativamente os seus valores morais e os critérios que orientavam a busca da sobrevivência. Por isso, das celebrações religiosas ao ensino de iídiche, da solidariedade possível às atividades destinadas a minorar a proliferação das epidemias e a deter a desumanização em curso, tudo dependia de conseguir criar um clima de cumplicidade positiva, de construir espaços de encontro e convivência que permitisse resgatar centelhas da dignidade humana destruída pelos nazistas.

Entre os primeiros passos nesta direção, as associações de assistência judaicas que agiam na clandestinidade dentro e fora do Gueto se encarregaram de encontrar alimentos para minorar o problema da fome. A escassez produzida pela guerra e uma população reclusa que chegou a 480.000 pessoas faziam com que o muito que se podia encontrar fosse sempre extremamente pouco para uma quantidade de famintos que aumentava na exata medida que as famílias esgotavam as reservas de que dispunham e que seguidas levas de judeus deportados do interior da Polônia chegavam ao Gueto sem recurso algum.

Em 1941, as organizações judaicas apontavam a proteção da vida como fio condutor da resistência. Do acesso a uma quantidade adicional de alimentos e do acolhimento dos desabrigados, aos cuidados com as crianças e, sobretudo, com os órfãos, passando pela prática de formas de autogestão que visavam ensinar às crianças a necessidade de cuidarem umas das outras, pela leitura de textos escritos por autores judaicos, pela música e a poesia, pelas celebrações religiosas, pela encenação de peças de teatro, etc., a proteção da vida buscava transformar o indivíduo enclausurado, reprimido e brutalizado em sujeito de alguma ação com benéficos reflexos coletivos.[3]

Entre as prioridades de trabalho, estava a criação de lares-escola para as crianças do Gueto. Longe de uma organização baseada no conteúdo próprio de cada ano letivo, tratava-se de proporcionar aos pequenos alguns momentos em que pudessem voltar a ser crianças, o aprendizado de orientações de higiene a serem colocadas em prática na vida familiar e a vivência de momentos de solidariedade.

Enquanto moradores do Gueto, educadores e educadoras eram bem mais do que alguém encarregado de tomar conta da molecada por algumas horas. Cabia a eles fazer o possível para suprir minimamente as necessidades básicas dos alunos com a ajuda das famílias que disponham de mais recursos, verificar em loco as condições de vida das crianças, escolher as mais necessitadas e organizar o lar-escola como um lugar onde pudessem receber os cuidados possíveis. Por isso, o educador atuava em vários setores do Gueto, organizava a solidariedade entre os vizinhos e as comissões encarregadas de tomar conta dos lares que serviam de salas de aula, recrutava crianças e adolescentes para ações de ajuda no que sempre se configurava como um oceano de necessidades a serem enfrentadas com uma constante e profunda insuficiência de meios.

Não ter sapatos no frio inverno polonês, por exemplo, impedia às crianças de frequentar estes ambientes. Algumas driblavam esta dificuldade sendo levadas no colo pelos seus pais. Contudo, esse não era o caso dos órfãos, sempre vestidos de trapos, descalços e famintos. Mas, como fazer para, por exemplo, oferecer calçados num ambiente onde falta, literalmente, de tudo e é impossível encontrar os materiais necessários para fabricá-los?

Um trecho extraído do diário de Mary Berg relatando o trabalho das garotas na escola técnica para meninas, criada no Gueto de Varsóvia, ajuda a termos uma ideia do que significava, neste caso, concretizar o “proteger a vida” que orientava a resistência:

“Fabricam sapatos para os órfãos, posto que quase todas as crianças andam descalças. Como não se pode conseguir couro, se recolhem no Gueto feltros de velhos chapéus e se levam à escola, onde se lavam e convertem em sapatos diversos.

Para fazer as solas, as estudantes colocam duas ou três capas de feltro ou de couro dos sapatos velhos que os habitantes ricos do gueto doam com tal propósito. As meninas trabalham com todo afinco, porque sabem quantos pezinhos gelados esperam o fruto do seu labor, e nenhuma quer receber pagamento por seu trabalho”.[4]

Além do que já dissemos e das necessárias medida de segurança (posto que, no caso de serem surpreendidas durante a aula, crianças e docentes poderiam ser executadas por violarem as normas impostas pelos nazistas), o ato de educar nas condições do Gueto exigia que os mestres olhassem “a vida entre os muros” pelos olhos de uma criança castigada pela fome e cujas atitudes revelavam que, há tempo, havia deixado de ser criança. A pergunta que estava na boca de todos os alunos era uma só: quando vai chegar o pão?

Nenhum educador podia ignorá-la ao pensar na organização das atividades e todas as pessoas envolvidas na manutenção do lar-escola tinham claro que o pão era o incentivo pedagógico por meio do qual se conseguia fazer as crianças brincarem, cantarem, lerem, contarem histórias, lavarem as mãos, aprenderem práticas de higiene e levá-las de volta à infância, pelo menos durante o tempo em que permaneciam naquele ambiente. Mas, quando faltava comida, era praticamente impossível realizar qualquer plano de aula, à medida que as crianças não tinham condições de se concentrar em nada ou deixavam de frequentar o lar-escola para procurar alguma coisa capaz de enganar o estômago. Quanto mais demorada a impossibilidade de encontrar o pão, mais aumentavam as possibilidades de ver evaporar o trabalho realizado a duras penas.


Mapa do Gueto de Varsóvia em 1940. Fonte: Enciclopédia do Museu do Holocausto dos EUA.

Encontrados sob os escombros do Gueto no final da guerra, os relatórios que os educadores entregavam às organizações judaicas ajudam a ter uma ideia de como era difícil usar as atividades em sala de aula para aliviar as tensões do cotidiano, mas também de como os lares-escolas criavam espaços de solidariedade e de cuidados entre as próprias crianças. O do Lar da Rua Mila, escrito por N. Daniel, oferece uma visão de como isso se concretizava: [5]

“As Crianças: 45. Duas não vêm. Por falta de sapatos e roupas. Crianças do lar levam até elas as refeições. Segundo uma programação elaborada a partir da lista do lar, crianças e pais vão, em turno, buscar a comida no refeitório. As refeições são distribuídas pelas moças do serviço. A ordem é conhecida por todos. Os pequenos órfãos doentes são prioritários.

Ninguém se esquece da disciplina. Ninguém reclama, ninguém empurra. Apressamo-nos porque os da segunda fileira esperam. As crianças sentam em bancos, seus recipientes na sua frente, tendo colheres para todos. Cortamos o pão. As crianças esperam com paciência a sua vez de ganhar a crosta, porque é o melhor pedaço e o maior. Elas nunca atrasam. Os que estão de turno terminam a distribuição das refeições e todos sabem que o trabalho nos espera. Leitura, conversa, desenho, nos viramos, mas a falta de material para costura, trabalhos manuais, a falta de cadernos, de livros, paralisa o nosso trabalho.

O barulho dos martelos e das serras parou. A ajuda para o conserto de roupa sumiu. Consolamo-nos com as histórias para crianças e a leitura de livros que possuímos no lar (uma biblioteca de livros recuperados); os meninos maiores estão tristes porque devem sair do lar mais cedo para ajudarem seus pais. As moças maiores ficam tristes, por sua vez, porque compartilham destas obrigações. E, então, começam os jogos, mas devemos interrompê-los porque um doente, de tifo, está deitado do lado e pede para não fazermos barulho. As crianças que já ficaram doentes são as que cuidam das crianças atualmente doentes. Levam até elas as refeições, cuidam delas, porque suas mães tiveram que sair por causa da fome. As crianças esperam ansiosamente serem levadas para o hospital. Vários dias passam até que o centro consiga algum dinheiro para conduzir os doentes para o hospital por seus próprios meios.

As coisas melhoram um pouco, mas nosso trabalho é interrompido por brigas e insultos dos mais velhos. Ninguém se mexe e o nosso canto se eleva: “a tempestade se ouve ao nosso redor, levantemos alto nossa frente...” e dizíamos de cor ‘Wajin nistz, ingele’.

O astral volta nas crianças e elas esperam o dia seguinte.”

Nestes ambientes onde faltava tudo e nos quais bastava pouco para que o esforço de semanas fosse aniquilado por eventos inesperados, resistir não era apenas fazer das tripas coração para oferecer sempre menos que o necessário, mas significava frequentemente recomeçar do zero, improvisar soluções para poder retomar o trabalho e enfrentar o embrutecimentos dos moradores. O relatório de S. Przedborska, do Lar Bagno, datado de dezembro de 1941, traduz a mescla de sentimentos que acompanha o não desistir de quem vive a resistência como um aspecto fundamental para si próprio e para o seu povo: [6]

“Comecei meu trabalho no Lar Bagno 3-5, Praça Grzyboski Nº 1, em junho de 1941. Com a ajuda de patrocinadores, consegui um cômodo bonito para o lar. As crianças estavam sujas, magras, em trapos. Sob minha direção, sempre com a ajuda da Comissão para a Infância, e através de minhas atividades, as crianças foram novamente vestidas (com os meios limitados disponíveis). Como era verão, não foi difícil. Conseguimos para cada criança uma camisa, um vestido ou uma calça. Consegui que nenhuma criança viesse suja para o lar. As que só tinham uma camisa (os meninos: a camisa de cima), as lavavam e secavam ao sol, cedo pela manhã para tê-la limpa antes de ir para o lar. A partir de 8.30 as crianças se agrupavam na sala. Eu verificava sua higiene; as que estavam sujas deviam lavar-se senão perderiam o direito ao café da manhã. Voltavam limpas. 

Enquanto estava ocupada com as crianças, as senhoras da Comissão para a Infância preparavam o café da manhã. O café da manhã era às 9h30. Cada criança comia a sua parte na presença da educadora ou de uma ou duas senhoras da Comissão. É muito importante proceder desta forma, no interesse da criança. Um café da manhã não consumido pela criança será parcialmente ou totalmente comido pelos seus pais. A educadora pode atestar isso, pois é testemunha. Acolhi no meu lar crianças que se recusavam obstinadamente a engolir seu café da manhã, de tanto medo que elas tinham de apanhar de suas mães. As mães batiam em seus filhos, os arranhavam quando tinham comido o café da manhã em vez de tê-lo levado para elas. Eu também cheguei no meu limite. Uma criança que não comia seu café da manhã não recebia mais. As mães tiveram que admitir que não havia opção senão deixarem os seus filhos comerem o café da manhã.

Depois do café da manhã, seguíamos com conversas educativas, jogos e distrações. As crianças tinham duas horas de aula por dia. Isto durou até setembro. Em setembro, adoeci e tive que me afastar durante 3 semanas. A mecânica começou a ter seus defeitos! A epidemia de tifo começou. Tudo tinha de ser reiniciado. As crianças estavam difíceis, comiam - mas como! Estavam sujas, choravam, gritavam. As mães comiam as refeições das crianças. As crianças trocavam o pão com trigo ou inversamente. Tornou-se difícil manter as crianças dentro do lar: estavam doentes. A epidemia de tifo voltou. Vários membros do patrocínio ficaram doentes e, no final, eu também.

Depois de uma parada de 6 semanas, não reconheci nem as crianças, nem o cômodo do lar. Os vidros estavam quebrados, tinha água até o tornozelo, migalhas de pão e grãos de trigo estavam grudados no chão numa espessura de 2 a 3 centímetros. Entendi, então, a que ponto as crianças precisavam e precisam de mim. As encontrara nuas, sem calçados, e fedorentas. Estava totalmente sem recurso. O que aconteceu? O que aconteceu? Tornou-se claro para mim que alguns se aproveitaram da ausência da educadora e da tutela do patrocínio. A partir do momento que as crianças estavam hospitalizadas, as mães recuperavam suas refeições. Não precisavam se lavar porque a educadora não estava. Não tinha ninguém para perceber que as crianças estavam com sarna. Ninguém para ver que elas não se lavavam, que o lar não tinha sido limpo há 6 semanas.

Retomei o meu trabalho indo perguntar ao diretor onde estava a enfermeira. Por que deixou as coisas se deteriorarem assim? Exigi pomada para curar a sarna. Convoquei uma reunião do patrocínio. Organizei a Comissão da Infância. Não era possível trabalhar como antes. Fazia frio na sala, as crianças não estavam cobertas. Pude conseguir camisetinhas na lavanderia. Peguei emprestado um aquecedor. Mas, e depois? Onde encontrar sapatos, roupa quente para as crianças?

Hoje em dia, o lar está mais ou menos limpo, um pouco aquecido. Num todo, as crianças se curaram da sarna. Casos isolados persistem. As crianças tomaram parcialmente banho (menos aquelas nuas, mas tinha bastante), e estão limpas. Mas são poucas as crianças que vêm ao lar. É difícil tirar da cama (ou o que serve de cama) uma criança nua para que venha ao lar.

Para desenvolver atividades normais no lar, preciso de crianças vestidas e com sapatos. Preciso de meu aquecedor, não de um emprestado que ameaçam constantemente pegar de volta. Devo dispor de uma quantia de dinheiro alocada mensalmente para a limpeza do lar. Preciso de duas refeições por dia para as crianças. Preciso de material pedagógico básico. Para o transporte funcional e racional das refeições desde a cantina, precisaria de uma pessoa para isso. O ideal seria ter um carrinho cujo preço foi estimado por um profissional em 50 zlotys. Desta maneira, o café da manhã chegaria, mais tardar, às 9h00 da manhã.

Observo que a única pessoa que cuida do lar é a educadora. Sem ela, as crianças ficam completamente abandonadas. Seu estado torna-se então aquele descrito acima.

Gostaria de dar aula. Se todas não são capazes de seguir as aulas, quero dar aulas ao menos àquelas que conseguem. Mas para isso preciso dos recursos descritos acima.”


Para nós que conhecemos estes traços da cotidiana resistência no Gueto de Varsóvia através dos diários e testemunhos de quem tentava frear o processo de desumanização em curso, é impossível entender o que significava para educadores e educadoras resgatar o que o nazismo pretendia aniquilar para sempre e, sobretudo, até onde ia o compromisso com as crianças que frequentavam os lares-escolas. A título de exemplo, citamos o caso do professor Janusz Korczak que, com Stefania Wilczyska, conduzia as atividades pedagógicas de um grupo de órfãos do Gueto.

Figuras bem conhecidas na Varsóvia do seu tempo, receberam do movimento de resistência polonês a proposta de, junto a seus colaboradores, fugirem com o uso de documentos falsos a fim de escapar da deportação, uma ideia que foi imediatamente rejeitada. No dia 5 ou 6 de agosto de 1942, em que soldados e policiais invadiram o orfanato intimando todos a se dirigirem à estação ferroviária, Janusz pediu às crianças que vestissem suas melhores roupas e pegassem o brinquedo favorito. Entre os cerca de cinco mil judeus que seriam deportados, acompanhado por Stefania e outros dez educadores, ele caminhava à frente do grupo de órfãos.

Ao subir no vagão que os levaria ao campo de extermínio de Treblinka, um comandante do destacamento nazista que vigiava os deportados reconheceu o pedagogo e lhe ofereceu novamente a oportunidade de escapar da morte. Mais uma vez, Janusz se negou a deixar as crianças e seguiu com elas para a câmara de gás. O pedagogo que havia dedicado a vida inteira a entender a infância se recusava a deixar que os órfãos enfrentassem sozinhos o que havia de mais cruel e desumano na realidade do seu tempo.[7]

Os cenários e as formas de resistência que conseguimos resgatar ajudam a perceber como ao “não” dos nazistas à vida, à cultura, à tradição, à memória, ao sonho e à esperança, um contingente de homens e mulheres cujo número desconhecemos fazia da clandestinidade o espaço onde uma miríade de pequenas ações diárias devolvia aos judeus a chance de sentirem que continuavam sendo seres humanos. A resistência cultural, religiosa e solidária na imensidão das carências que afligiam a enorme maioria da população materializava o que o próprio Janusz havia expressado ao partilhar as condições de vida do Gueto: “Trata-se de resistir ao desespero e à impotência com a esperança”.

Ainda que se apresentasse como uma missão impossível diante do tamanho dos desafios, construir a esperança era uma tarefa imprescindível e não podia se limitar à artificialidade de pensamentos positivos ou, menos ainda, de um otimismo que seria imediatamente aniquilado pelos acontecimentos.[8] Para Janusz e as pessoas envolvidas com as mais diferentes feições deste compromisso, tratava-se de materializar em ações o grito de vida e de liberdade que traziam em si, de viver a dignidade que desafiava a desumanização imposta pelos nazistas. Por isso, era necessário ir até o fim, se manter fiéis aos próprios valores, mostrar com o próprio exemplo o compromisso de combater o desespero e a impotência que haviam se apoderado dos judeus.

Este desafio se tornaria ainda complexo à medida que o futuro preparava cenários marcados por uma violência e uma crueldade ainda maiores. Em janeiro de 1942, enquanto os lares-escolas seguiam seus planos, em Berlim, os dirigentes da SS e os representantes do governo alemão se encontravam na Conferência de Wansee. Hitler já havia tomado a decisão de exterminar os judeus.[9] A Conferência estava apenas acertando os passos do genocídio apelidado de “solução final”.

Para encobrir os objetivos das deportações, os nazistas justificavam estes macabros deslocamentos de pessoas como parte do processo de “recolonização das terras do leste”. Neste sentido, em várias localidades da Polônia, os soldados alemães se encarregavam de dizer que, nos novos assentamentos, os judeus não só teriam uma vida melhor, como poderiam até juntar algum dinheiro com o seu trabalho.

Os cartazes que anunciavam a iminência das deportações aconselhavam as pessoas a levarem consigo um pouco de comida para a viagem, joias e objetos pessoais numa bagagem que não podia superar os 20 kg. O texto deixava no ar a impressão de que os nazistas cuidariam da alimentação do deslocamento, ajudariam a tocar a vida após o reassentamento e, sobretudo, de que as coisas iriam melhorar. Para quem convivia diariamente com a fome, a doença e a morte, as deportações traziam, de um lado, a angústia e o sofrimento da separação dos próprios familiares e do ambiente conhecido. De outro, a ilusão de que estariam saindo daquele inferno para algo melhor acalmava a angústia alimentada pelas incertezas de recomeçar a vida em um lugar que sequer sabiam onde estava localizado.

Enquanto isso, a vida no Gueto de Varsóvia conhecia um aumento das execuções sumárias, da miséria e da mendicância. Entre abril e maio de 1942, ocorreram vários fuzilamentos de dezenas de judeus. Por outro lado, os temores cotidianos e a ulterior deterioração das condições de vida eram amenizados pelas notícias que sugeriam um enfraquecimento do regime nazista, o que elevava as esperanças de que a guerra estaria próxima do fim. Os relatos referentes ao aumento do descontentamento popular na Alemanha; a existência de algumas rádios clandestinas cujas transmissões eram ouvidas no Gueto; a circulação de boletins e jornais que propunham respostas mais agressivas aos ditames impostos pelos nazistas; e o assassinato de dois agentes da polícia judaica a serviço dos alemães levavam a apostar que, em breve, o Terceiro Reich perderia o controle da situação.

A suposta fragilidade do regime nazista parecia se confirmar também nas novas medidas impostas pelos alemães na Varsóvia ariana. Em maio de 1942, por exemplo, os nazistas proibiram de visitar o cemitério de onde muitos não judeus costumavam observar a imensa vala comum onde eram jogados os cadáveres dos pobres recolhidos nas ruas do Gueto. Enquanto assistiam àquele espetáculo macabro, alguns se regozijavam com aquilo que estavam vendo, mas outros expressavam abertamente a sua repulsa diante da que apelidavam de “consequência da cultura alemã”. Ou seja, bastava pouco para que o sofrimento levasse a superestimar as chances de o inferno criado pelos nazistas estar próximo do fim.

É neste clima que, em 22 de julho de 1942, foi organizada a primeira leva de deportados para o campo de extermínio de Treblinka. Dias antes, Adam Czerniakow, presidente do Judenrat, recebeu a ordem de elaborar a lista das 6.000 pessoas que seriam reassentadas nos territórios do Leste. Mas Adam desconfiou das verdadeiras razões da deportação e se suicidou tomando cianureto de potássio. Na carta para a esposa, deixava claro o motivo do seu gesto: “Exigem de mim que mate os filhos do meu povo com minhas próprias mãos. Não tenho outro caminho a não ser o de morrer”.[10]

Por que o suicídio do presidente do Judenrat não fez soar o alarme de que as coisas podiam ser bem diferentes em relação ao que os alemães buscavam fazer crer?

Não encontramos uma resposta definitiva para esta pergunta, mas apenas alguns indícios que permitem explicar a ausência de reação dos judeus diante das deportações. O primeiro deita raízes no desconhecimento do destino. Ninguém sabia que o trem dos deportados se dirigia ao pequeno povoado de Treblinka, a 100 km de Varsóvia, e, ainda que soubesse, a única informação disponível naquele momento era de que se tratava de um campo de trabalho forçado e não de extermínio. Hoje, sabemos que as condições de vida de um preso naquela unidade não permitiam que sobrevivesse mais de dois ou três meses, mas, até então, ninguém havia conseguido fugir ou repassar informações capazes de anular a narrativa nazista sobre a vida nos campos de concentração. Do mesmo modo, ninguém sabia que, em julho de 1942, os alemães completavam a construção de Treblinka 2: uma estrutura com seis câmaras de gás que seria inaugurada no dia 23 do mesmo mês para exterminar, justamente, a primeira leva de deportados do Gueto de Varsóvia.

Para dissolver qualquer desconfiança, os recém-chegados a Treblinka se deparavam com um ambiente que visava tranquilizar as vítimas. Na entrada do novo campo de extermínio, havia uma grande estrela de Davi e generais nazistas explicavam aos deportados que estavam num campo de trânsito, mandavam que as bagagens fossem identificadas e momentaneamente entregues às autoridades que as devolveriam na hora de embarcar para o destino final. Os agentes usavam tons bem menos agressivos em relação aos que as pessoas eram submetidas no Gueto e, em alguns casos, convidavam-nas a escrever aos familiares para tranquilizá-los em relação ao seu destino. A boa impressão na hora da chegada costumava ter um impacto positivo nos conteúdos de muitas cartas.[11]

A segundo indício é descrito em dois momentos do diário de Wladislaw Zspilman. Ao observar o que acontecia sob os seus próprios olhos, o famoso pianista usa a metáfora da destruição de um formigueiro para explicar o comportamento das pessoas cujos prédios eram esvaziados à força a fim de encaminhar os moradores para a deportação:

“Quando alguém, num gesto brutal e desumano, começa a pisar e destruir um formigueiro, as formigas saem correndo em todas as direções, procurando uma forma ou um caminho para a salvação. Atordoadas pela violência do ataque, ou ocupadas com a tentativa de salvar os seus descendentes e os seus bens, correm em círculos, como se estivessem sob efeito de um veneno e, em lugar de afastar-se do seu raio de ação, retornam, pelos mesmos caminhos, incapazes de abandonar o círculo mortal - e morrem”.[12]

Nas páginas seguintes, ao falar do que ele próprio viveu ao ser parte do contingente que se encaminhava à estação ferroviária, Wladislaw revela que a incapacidade de reagir era causada pela percepção de que, diante daquele acontecimento, nada que ele fizesse poderia subtraí-lo à deportação, razão pela qual não valia a pena lutar. Era assim que as pessoas se sentiam ao serem arrancadas de suas casas e do convívio com seus entes querido enquanto caminhavam com a multidão rumo à estação ferroviária. O músico foi salvo por um agente da polícia judaica em função do prestígio de que desfrutava e voltou ao seu alojamento no Gueto de Varsóvia. Os seus familiares e os 254.000 judeus que embarcaram nos trens entre 23 de julho e 12 de setembro de 1942 não tiveram a mesma sorte.

A primeira onda de deportações foi decisiva na mudança de perspectiva da resistência judaica. Ainda que sem um conhecimento claro do que, de fato, estava ocorrendo, os membros dos grupos que agiam na clandestinidade sabiam que, dos nazistas, não era possível esperar nada de bom. Do mesmo modo, a nova carga de sofrimento imposta às famílias pelas deportações alimentava a vontade de vingar as injustiças sofridas, de sacudir os governos do mundo que permaneciam insensíveis diante dos horrores que estavam sendo praticados desde o início do regime nazista e, ao se rebelar aos acontecimentos, de escolher a própria forma de morrer, no lugar de seguir cabisbaixos, como cordeiros que se dirigem ao matadouro.

Mas...como enfrentar os soldados alemães cujo poder de fogo era infinitamente superior ao que qualquer grupo de resistência armada poderia reunir?

Em 28 de julho de 1942, cinco dias após a primeira deportação, cerca de 200 jovens fundavam a Organização Combatente Judaica (ZOB, pela sigla em polonês), liderada por Mordecai Anieleviwicz, de 24 anos. Por sua vez, o Partido Revisionista (formado por judeus sionistas de direita) criava a União Militar Judaica (ZZW, pela sigla em polonês). Embora no início houvesse certa tensão entre as duas organizações, os seus integrantes decidiram trabalhar juntos. Vontade de lutar não faltava, mas os dois grupos não só não dispunham de armas, munições, explosivos e de treinamento militar, como precisavam ganhar urgentemente o apoio dos moradores do Gueto para garantir que o processo de preparação e as estratégias de enfrentamento pudessem dar os resultados esperados.

De meados de setembro a janeiro de 1943, o ritmo das deportações deu uma trégua, permitindo que as atividades clandestinas se realizassem num clima relativamente mais tranquilo. É neste período que os militantes da ZOB e da ZZW tentam entrar em contato, sem sucesso, com a resistência polonesa, um objetivo que se realizará entre fevereiro e abril de 1943, mas que não trará os resultados almejados. Basta pensar que, além de alguns explosivos, o maior carregamento de armas vindas dos grupos que agiam fora do Gueto tinha apenas 49 pistolas.                           

Mordecai com duas combatentes da resistência.[13]

Paralelamente a estas atividades, os recursos angariados entre os membros das famílias mais abastadas permitiam elaborar panfletos, cartazes e jornais para as campanhas que buscavam sensibilizar a população. Pichações e muita conversa de boca em boca ajudaram na tarefa de preparar o levante. A penetração das mensagens da resistência no Gueto ganhou corpo com os primeiros boatos em relação aos campos de extermínio. Ainda assim, o trabalho de convencimento não era nada fácil, à medida que, além da certeza do esmagamento do levante armado, os nazistas responderiam com pesadas retaliações que se abateria sobre o que restava da população do gueto, estimada em 63.000-65.000 pessoas.

Nos primeiros três meses de 1943, os militantes dos dois grupos cavaram túneis embaixo das casas, construíram esconderijos onde armazenaram gasolina para as bombas incendiárias e o pouco armamento que conseguiram reunir, improvisaram laboratórios para confeccionar granadas caseiras, estocaram comida e água, treinaram como puderam os cerca de 500 militantes da ZOB e os 250 da ZZW para os embates que viriam. Da rede de esgoto ao fundo falso do caixão onde era colocado o corpo de algum defunto passando pelas aparentemente inócuas cestas carregadas por garotas cuja postura passava longe de levantar suspeitas, tudo o que poderia servir para enfrentar os soldados alemães era cuidadosamente levado aos principais bunkers da resistência.

No dia 19 de abril, destacamentos das tropas nazistas entraram no Gueto para retomar as deportações. Do alto dos prédios, começaram a chover garrafas incendiárias, tiros e granadas caseiras, matando nove soldados nazistas. Diante da resistência inesperada, o general alemão Jürgen Stroop retirou suas tropas a fim de evitar maiores perdas, poder compreender o que estava acontecendo e responder de forma avassaladora. Ao receber a notícia, Hitler ordenou a Stroop de destruir o Gueto. No terceiro dia da revolta, os nazistas usaram canhões e tanques para atacar os prédios onde se concentravam as forças da resistência. Os edifícios mais próximos foram incendiados para forçar os judeus remanescentes a saírem nas ruas, sendo que muitos se jogavam das janelas para escapar das chamas.

Refugiados nos túneis e esconderijos, os rebeldes responderam como podiam às investidas cada vez mais pesadas dos nazistas que, entre outras coisas, injetavam gás na rede do esgoto e embaixo dos escombros onde acreditavam estarem os esconderijos dos revoltosos. No dia 8 de maio, os rebeldes foram cercados. Combateram até esgotar os parcos recursos de que dispunham. As forças alemãs mataram Mordecai e aqueles que estavam com ele na casamata da rua Mila, sede do comando da ZOB. A aviação de guerra alemã bombardeou o Gueto. No dia 16 de maio, Stroop comemorou o fim do levante mandando pelos ares a Grande Sinagoga de Varsóvia. Em seu relatório, o general reportou ter assassinado cerca de 7.000 judeus e de ter capturado outros 56.065 que, em seguida, foram deportados e mortos em vários campos de concentração. Somente um punhado de revoltosos conseguiu se salvar ao sair do Gueto pela rede de esgoto.

Diante deste trágico desfecho, há uma pergunta que não quer calar: valeu a pena resistir durante os quase três anos que separaram a criação da aniquilação do Gueto?

Quando fixamos o olhar nos números de mortos pela fome, nas execuções sumárias, nas deportações e no próprio desfecho do levante, a resposta só pode ser negativa. Mas a importância da resistência não se limita a um balanço quantitativo de perdas e ganhos.

Cada gesto, do mais simples ao que demandava um elevado dispêndio de meios e energias, foi importante para que as pessoas se sentissem vivas e recuperassem parte da dignidade destruída pelos nazistas. Resistir era acreditar na vida num cenário infernal de violência, fome, desumanização e morte. Era acender uma esperança na escuridão da resignação. Era ludibriar os nazistas em sua pretensão de domínio total sobre as pessoas e a história. Era resgatar o sentido de ser povo e, sobretudo, de construir paciente e incessantemente a capacidade de dizer “NÃO” ao opressor nas formas que a realidade permitia em cada um de seus momentos.

Coincidência ou não, foi após o levante judaico do Gueto de Varsóvia que os grupos partisans marcaram com um número crescente de unidades de combate e ações de guerrilha o mapa de muitos países europeus. Os homens e as mulheres que se armaram para enfrentar os nazistas plantaram a mesma esperança semeada nas escolas, nos orfanatos, nas atividades culturais e em tudo o que, ao violar as proibições dos nazistas, combatia o sentimento de impotência e abria brechas numa dominação aparentemente perfeita e inabalável.

A seu modo, cada integrante deste processo extremamente limitado e sofrido começava a transformar em realidade o principal legado de Mordecai:

“De todas as batalhas, a mais difícil é aquela que combatemos em nós mesmos. Não podemos nos acostumar e adaptar a estas condições [de vida]. Quem se molda a isso cessa de separar o bem do mal. O seu corpo e a sua alma se tornam escravos. Seja o que for que aconteça contigo, lembre sempre: Não se conforme! Revolte-se contra a realidade!”.[14]

Esmagado pelos soldados de Hitler, o levante mostrava ao mundo que era possível enfrentar os alemães. O que para os combatentes da ZOB e da ZZW era uma forma de morrer como seres humanos que não se curvam ao opressor, para os partisans que seguiram suas pegadas se tornaria o grito com o qual a liberdade começava a sacudir as pessoas da resignação na qual o nazifascismo havia mergulhado as suas vidas.

De Varsóvia, descemos agora para o maior dos campos de concentração da segunda guerra mundial, situado a 72 km de Cracóvia, sul da Polônia, para entender o que é resistir num ambiente que reduz os seres humanos à sua condição animal.

 

8. Auschwitz: onde a crueldade não tem limites.[15]

Nenhuma foto, nenhum relato dos sobreviventes, nenhum dado estatístico, nenhum esforço de imaginação pode reproduzir o que os reclusos viveram em Auschwitz. Em 1944, a área deste campo de concentração era de, aproximadamente, 40 km2 divididos em três blocos: Oswiecim (sede dos escritórios e dos alojamentos de soldados e graduados da SS nazista), Birkenau (onde chegavam os trens dos deportados e estavam localizadas as câmaras de gás) e Monowitz (que abrigava prisioneiros destinados a trabalharem como escravos em ocupações que sustentavam o esforço de guerra dos alemães).

Os testemunhos dos sobreviventes são unânimes em afirmar que o desembarque no campo gerava nos deportados uma sensação de alívio. Aparentemente, nada podia ser pior da viagem, que em alguns casos durava mais de uma semana, em vagões de carga apinhados de gente a ponto de não ter espaço para deitar, experimentando a fome e a sede, em meio ao fedor dos excrementos e das pessoas falecidas no deslocamento. Esta sensação era corroborada pela orquestra do campo de concentração, cujos músicos eram detentos, que tocava temas melodiosos para dar as boas-vindas aos recém-chegados.

Abertas as portas dos vagões, generais alemães explicavam detalhadamente os procedimentos que ocorreriam a partir daquele momento. A tradução em várias línguas e o fato de os nazistas não demonstrarem a costumeira sordidez em relação aos judeus faziam com que, depois dos horrores da viagem, todos tivessem a sensação de que os piores sofrimentos haviam chegado ao fim e que cumprir as ordens era o caminho natural para evitar problemas. E, como ninguém desconfiava de estar a um passo da morte, bastava um punhado de soldados para controlar milhares de condenados.

A primeira seleção ocorria logo após o desembarque e separava os idosos, as crianças menores de 12 anos, os doentes, as mulheres grávidas e todos aqueles que, pela fragilidade de sua constituição física não serviam para o trabalho forçado. Este grupo, era imediatamente enviado às câmaras de gás, mas nada no ambiente circunstante deixava entrever que este era o seu destino. 

Como ocorria em Treblinka, todos eram convidados a deixarem as bagagens para retirá-las depois do banho ao qual seriam dirigidos. Os discursos dos nazistas davam a entender que os doentes seriam encaminhados para os cuidados médicos necessários, que as famílias se reencontrariam após finalizarem os procedimentos iniciais e que os mais velhos se encarregariam das crianças. Episódios angustiantes aconteciam durante a separação dos familiares, mas os nazistas agiam sempre de forma a evitar incidentes capazes de suscitar um clima de revolta. Por exemplo, quando uma jovem insistia em não se separar de sua velha mãe, quase sempre deixavam a deportada se juntar àquela a quem não queria abandonar. Juntas, ambas iam para o grupo destinado à morte imediata. A violência se restringia aos casos em que em que os alemães buscavam mostrar que obedecer às ordens era a melhor forma de facilitar as coisas para si e para todos.

A foto que segue foi tirada por um soldado da SS e mostra o clima de tranquilidade que reinava em um grupo de judeus húngaros, recém-chegados a Auschwitz-Birkenau, enquanto aguardavam o fim da seleção dos que, com eles, iriam para as câmaras de gás. No detalhe, uma cena de partir o coração: um bebê mostra uma flor à criança diante dele. Todos ignoravam estar a poucas horas de serem assassinados.

Em: https://tokdehistoria.com.br/2020/08/09/para-nunca-ser-esquecido-auschwitz-imagens-de-ontem-e-de-hoje/

O Calvário começaria instantes depois também para o contingente de deportados cujos corpos seriam consumidos por um trabalho extenuante em condições desumanas. As informações nas quais baseamos o nosso texto foram extraídas, sobretudo, das reflexões de Primo Levi, judeu italiano e membro da resistência partisan, preso no campo de Auschwitz-Monowitz, onde trabalhou em várias tarefas entre final de janeiro de 1944 e o mesmo mês de 1945, e que ele próprio relata nos livros “É isto um homem?” e “Os sobreviventes e os afogados”; e do testemunho vivo e impactante de Olga Lengyel, enfermeira de centro cirúrgico da cidade de Cluj, hoje em território húngaro, deportada com toda a sua família para Auschwitz-Birkenau e que descreveu a vida no campo de concentração no livro “Os fornos de Hitler”. Usaremos as palavras destas duas testemunhas para esboçar o que significava viver e resistir neste lugar onde um milhão e cem mil judeus perderam a vida.

A leitura dos textos impossibilita que chamemos de “sortudo” quem havia escapado da primeira seleção para as câmaras de gás. A iniciação para os trabalhos forçados começava na hora em que as cabeças dos prisioneiros eram raspadas. Em seguida, trocavam as roupas usadas na viagem por trapos fornecidos pelos guardas e faziam fila para receber a marca do tatuador. Segundo Primo, esta operação

Era pouco dolorosa e não durava mais que um minuto, mas era traumática. Seu significado simbólico estava claro para todos: este é um sinal indelével, daqui não sairão mais; esta é a marca que se imprime nos escravos e nos animais destinados ao matadouro, e vocês se tornaram isso. Vocês não têm mais nome: este é seu nome”.[16]

De fato, partir deste instante, o prisioneiro seria chamado e deveria se identificar sempre pelo número de seis a oito algarismos tatuado no seu braço.

A ração alimentar dos detentos não passava de 650 calorias diárias, um quarto do que o corpo humano precisa em condição de repouso. Olga descreve o que era oferecido:

“Ao meio-dia, recebíamos sopa. Era difícil dizer quais ingredientes havia naquele caldo. Em condições normais, seria absolutamente intragável. O cheiro era nauseabundo. Muitas vezes, só conseguíamos comer nossas porções tampando o nariz. Mas era preciso comer e, de algum jeito, superávamos o nojo. Cada mulher engolia sua parte do conteúdo da tigela dando um grande gole – é claro que não tínhamos colheres –, como crianças engolindo um remédio amargo.

Os ingredientes da sopa variavam conforme a estação. Mas o sabor nunca mudava. O que não impedia que fosse uma “sopa surpresa”. No caldeirão, pescávamos botões, tufos de cabelo, trapos, latas de conserva vazias, chaves e até camundongos. Um belo dia, alguém encontrou um minúsculo estojo de costura de metal, com linha e um conjunto de agulhas. À tarde, recebíamos o pão de cada dia, uma ração de 200 gramas. O pão era preto, com um percentual alto de serragem. Aquilo era dolorosamente irritante para nossas gengivas, que já estavam sensíveis pela desnutrição. (...) Além da ração diária de pão à tarde, recebíamos um pedacinho de geleia de beterraba, ou uma colher de margarina. Como favor excepcional, ganhávamos, às vezes, uma fatia quase transparente de salsicha de origem um tanto duvidosa. Ninguém matava a fome”.[17]

Além disso, havia o problema dos recipientes onde a sopa era despejada. A este respeito, Olga diz:

“No segundo dia, recebemos cerca de vinte tigelas – vinte tigelas para 1,5 mil pessoas! Em cada tigela cabia cerca de 1,5 litro. Também nos deram um balde e uma caldeira com capacidade para 5 litros. A prisioneira escolhida pela chefe do barracão, ou blocova, requisitou, na mesma hora, a caldeira como urinol. Suas comparsas logo se apoderaram das outras tigelas, para o mesmo uso. (...) De manhã, tínhamos que nos contentar em lavar as tigelas do jeito que podíamos, antes de pôr dentro delas nossas ínfimas rações de açúcar de beterraba ou margarina.

Nos primeiros dias, nossos estômagos embrulhavam ao pensar em usar o que, à noite, fora utilizado como urinol. Mas a fome fala mais alto, e estávamos tão famintas que nos dispúnhamos a comer qualquer coisa”.[18]

A sede era outra tortura constante:

“Nossa cota de água era absurdamente ínfima. Torturadas pela sede, nunca perdíamos a chance de trocar nossas magras provisões de pão ou margarina por um copo de água. Melhor passar fome do que sentir aquele fogo do inferno a nos consumir permanentemente a garganta. A água que corria pela tubulação enferrujada do lavatório cheirava mal, tinha uma cor muito estranha e dificilmente era potável. Mas nem por isso deixava de ser uma alegria dar alguns goles, mesmo que tivéssemos que pagar o alívio temporário com uma crise de disenteria, ou qualquer outra doença. Aquela era melhor que a água da chuva estagnada nas poças; algumas prisioneiras a sorviam como cães e morriam”.[19]

A distância entre a realidade, as regras e a impossibilidade de cumpri-las era um dos tantos absurdos diariamente vivenciados pelos prisioneiros.

“A sujeira [do barracão] suplantava qualquer imaginação. Nossa obrigação principal era cuidar da limpeza. Qualquer infração das regras de higiene estava sujeita a severas sanções. Era ridículo, entretanto, esperar limpeza em galpões que abrigavam de 1,4 a 1,5 mil mulheres, sem vassouras, esfregões, baldes, nem sequer um pano de pó. Tivemos que enfrentar o problema. Decidimos que uma de nós, cujo vestido fosse especialmente longo, deveria cortar um pedaço da parte de baixo. Com aquele trapo, fizemos um arremedo de esfregão. Já não era sem tempo, pois a imundície do chão contaminava o ar deplorável que respirávamos”.[20]

Além das seleções periódicas que enviavam centenas de detentos para a câmara de gás, as duas chamadas diárias para a contagem dos presos contribuíam para agravar as condições de saúde e levá-los à morte. E não era para menos. 

Nessas horas, tínhamos que estar presentes. Antes que a chamada realmente acontecesse, esperávamos por várias horas. Enquanto esperávamos, não importava que tempo fizesse, tínhamos que ficar em pé; 1,4 mil mulheres diante de cada barracão, 35 mil em todo o campo, 200 mil em todos os campos da região de Auschwitz-Birkenau. Quando nos acusavam de infringir alguma regra, devíamos nos ajoelhar e esperar na lama e na sujeira. De madrugada, tremíamos de frio, sobretudo quando chovia, o que era bem frequente. Durante o inverno, a chamada era sempre feita nas mesmas condições, sob neve ou geada. Tentávamos nos comprimir umas nas outras, como um bando de ovelhas, mas nossas guardas encasacadas estavam atentas. Chamadas à atenção, devíamos observar as distâncias regulamentares.

Nas tardes de verão, prevalecia o outro extremo, e o sol nos escaldava com raios ardentes. Transpirávamos até que os trapos imundos se colassem à nossa pele. Éramos sempre torturadas pela sede, mas não ousávamos sair da fila em busca de uma gota de água. (...) Todas tinham que estar presentes à chamada, incluindo as enfermas. Mesmo as que estivessem com escarlatina ou pneumonia. Todas as internas doentes que não conseguiam ficar em pé eram colocadas num cobertor na primeira fileira, ao lado das mortas. Os SS não abriam exceção nem mesmo para as que haviam morrido”.[21]

As contagens diárias verificavam a possível evasão de algum prisioneiro. Primo lista alguns motivos pelos quais a fuga era considerada um evento intolerável para os nazistas:

“A fuga tinha um elevado valor simbólico à medida que representava a vitória daquele que era derrotado por definição, um arranhão no mito; e também, mais realisticamente, um dano objetivo, porque cada prisioneiro vira coisas que o mundo não deveria saber. Como consequência, quando um prisioneiro faltava à chamada (coisa não raríssima: muitas vezes se tratava de um simples erro de contagem ou de um prisioneiro exausto até o desfalecimento), desencadeava-se o apocalipse, o campo todo era posto em estado de alarme; além dos SS encarregados da vigilância, intervinham patrulhas da Gestapo; Lager,[22] locais de trabalho; casas de colonos, habitações dos arredores eram revistados.

Ao arbítrio do comandante do campo, tomavam-se providências de emergência. Os compatriotas, os amigos notórios e os vizinhos de leito do fugitivo eram interrogados sob tortura e depois assassinados; com efeito, uma fuga representava um empreendimento difícil, sendo inverossímil que o fugitivo não tivesse cúmplices ou que ninguém se desse conta dos preparativos. Seus companheiros de alojamento ou, às vezes, todos os prisioneiros do campo eram obrigados a ficar em pé, no local da chamada, sem limite de tempo, (...), até que o fugitivo fosse recapturado vivo ou morto. Se fosse recapturado vivo, era punido, invariavelmente, com a morte por enforcamento público, mas sua morte se fazia preceder de um cerimonial que variava caso a caso, sempre de ferocidade inaudita, no qual se desencadeava a crueldade fantasiosa dos SS”.[23]

As represálias que podiam se abater sobre os detentos em função das fugas ou de qualquer ato que buscasse pôr fim a uma situação aviltante eram parte essencial dos motivos que levavam os presos a não agir. Ao falar dela própria, Olga narra o que aconteceu durante uma visita do dr. Mengele à unidade onde ela estava trabalhando:

“No final da inspeção, o dr. Mengele decidia qual dos dois grupos, à direita ou à esquerda, ia para as câmaras de gás. Como odiávamos esse charlatão! Ele profanou o verdadeiro sentido da palavra “ciência”! Como desprezávamos seu ar presunçoso e arrogante, seus contínuos assobios, suas ordens absurdas, sua crueldade fria! Se tive vontade de matar alguém algum dia, foi quando a pasta de Mengele estava sobre a mesa e vi o contorno de um revólver. Ele estava fazendo uma seleção no hospital. Pegar a arma e abater aquele assassino seria uma questão de segundos. Por que não fiz isso? Por que temi a punição que se seguiria? Porque sabia que atos individuais de revolta sempre provocavam represálias em massa em Auschwitz. Acho que outros internos reprimiram desejos semelhantes pelo mesmo motivo”.[24]

As relações entre os prisioneiros espelhavam a degradação à qual a vida no campo de concentração submetia as pessoas. Um momento deste cotidiano ajuda a visualizar o resultado do  embrutecimento humano em Auschwitz:

“O lavatório seria um bom campo de observação para um moralista. Às vezes, uma interna conseguia se limpar um pouco melhor, ultrapassando todas as dificuldades. Mas quase sempre se dava mal. Na maior parte das vezes, não era capaz de encontrar as roupas onde as havia deixado por terem sido roubadas. No campo, roubar se tornara uma ciência, uma arte. A ladra sabia que suas vítimas seriam obrigadas a sair nuas, e teriam de se sujeitar a terríveis surras pelos alemães. Mulheres que tinham sido mães de famílias honestas, que jamais roubaram um alfinete, tornaram-se rematadas e insensíveis ladras, sem um pingo de remorso”. [25]

A impressão de Olga é partilhada e aprofundada por Primo ao descrever os primeiros contatos com os internos do campo de concentração.

“Entrava-se esperando pelo menos a solidariedade dos companheiros de desventura, mas os aliados esperados, salvo casos especiais, não existiam; existiam, ao contrário, mil mônadas impermeáveis, e, entre elas, uma luta desesperada, oculta e contínua. Esta revelação brusca, que se manifestava desde as primeiras horas de cativeiro, muitas vezes sob a forma imediata de uma agressão concêntrica por parte daqueles em que se esperava encontrar os futuros aliados. Era tão dura que logo derrubava a capacidade de resistir. Para muitos foi mortal, diretamente ou indiretamente: é difícil se defender de um golpe para o qual não se está preparado”.[26]

O fato de não entender o alemão e de não conseguir se comunicar com os presos procedentes dos mais diversos países europeus, impedia de compreender as ordens, abria alas a gozações e espancamentos, contribuía fortemente para que muitos sentissem que haviam mergulhado em um mundo totalmente absurdo e propositadamente cruel. A pressão desta realidade era agravada pelas atitudes dos prisioneiros que cumpriam tarefas de comando designadas pelas autoridades nazistas. Sobre eles, Primo escreve:

“O nazismo dos últimos anos não podia prescindir dos prisioneiros-funcionários em função do esforço de guerra destinado a manter a ocupação dos territórios colocados sob o próprio domínio. Era indispensável buscar nos países ocupados não só mão de obra escrava, mas também forças da ordem, delegados e administradores do poder alemão, então empenhado em outros lugares até o ponto de exaustão. Mas os colaboradores que provêm do campo adversário, os ex-inimigos, não são dignos de confiança. Por isso, não basta relegá-los às tarefas marginais, o modo melhor de comprometê-los é carregá-los de crimes, manchá-los de sangue, expô-los tanto quanto é possível, assim contraem com os mandantes o vínculo da cumplicidade e não podem mais voltar atrás.

Em segundo lugar, quanto mais feroz a opressão, tanto mais se difunde entre os oprimidos a disponibilidade de colaborar com o poder. Também essa disponibilidade é matizada por nuanças e diferenciações infinitas: terror, engodo ideológico, imitação barata do vencedor, ânsia míope por um poder qualquer, mesmo que ridiculamente circunscrito no espaço e no tempo, covardia, e até lúcido cálculo dirigido para escapar das regras e da ordem imposta.[27]

Quem esboçasse qualquer tipo de resistência aos maus tratos estava perdido. Ao contar uma situação ocorrida antes da sua chegada, Primo diz:

“Me foi narrada a história de um “novato” italiano, um militantes da resistência, jogado em um Lager de trabalho com a etiqueta de prisioneiro político enquanto ainda estava no vigor de suas forças. Fora maltratado durante a distribuição da sopa e havia ousado dar um empurrão no funcionário-distribuidor: acorreram os colegas deste último e o réu foi afogado exemplarmente com a cabeça afundada na panela da própria sopa”.[28]

Olga acrescenta alguns aspectos que ajudam a explicitar e aprofundar o cenário traçado por Primo:

“Talvez o maior crime que os ‘super-homens’ cometeram contra nós fosse sua campanha, muitas vezes bem-sucedida, para nos transformar em bestas monstruosas. Para alcançar tal degradação, empregaram uma disciplina estúpida, brutal e inútil, incríveis humilhações, privações desumanas, constantes ameaças de morte e, por fim, uma promiscuidade aviltante. Toda essa política foi calculada para nos reduzir ao nível moral mais baixo. E podiam se gabar dos resultados: homens que foram amigos a vida inteira acabaram se odiando com total repugnância; irmão lutava contra irmão por um pedaço de pão; homens de integridade antes irrepreensível roubavam tudo que podiam; e muitas vezes era o kapo [chefe de equipe] judeu que espancava seu companheiro judeu. Em Birkenau, como na sociedade preconizada pelos filósofos nazistas, prevaleceu a teoria de que ‘o poder faz o certo’. O poder sozinho incute respeito. Os fracos e os velhos não podiam pedir misericórdia.

Cada campo, cada barracão, cada koia [beliche] era uma pequena selva à parte, mas todos estavam sujeitos aos padrões canibalescos. Para alcançar o topo da pirâmide em cada uma dessas selvas, era preciso se tornar uma criatura segundo a imagem dos nazistas, desprovida de quaisquer escrúpulos, especialmente dos sentimentos de amizade, solidariedade e humanidade.

No Egito, os escravos que construíram as pirâmides e morreram trabalhando podiam ao menos ver sua estrutura, o resultado do trabalho de suas mãos, elevando-se cada vez mais alto. Os prisioneiros de Auschwitz-Birkenau, que carregavam pilhas de pedras, apenas para arrastá-las de volta ao mesmo lugar de antes no dia seguinte, só viam uma coisa: a inutilidade revoltante de seus esforços. Os indivíduos mais fracos afundavam cada vez mais em uma existência animal, em que não ousavam sonhar com fartura de comida, mas somente suportar o pior de uma fome que roía suas entranhas. Só pediam que fizesse menos frio, que fossem menos espancados, que tivessem um pouco de palha para forrar as tábuas rústicas de sua koia e, vez por outra, beber um copo inteiro de água, mesmo do reservatório poluído do campo. Era necessário ter uma força moral extraordinária para chegar à beira da infâmia nazista e não mergulhar no fosso. Vi muitos internos se apegarem à sua dignidade até o fim. Os nazistas conseguiram degradá-los fisicamente, mas não rebaixá-los moralmente. Por causa desses poucos, não perdi inteiramente minha fé na humanidade”.[29]

A exemplo do campo de trabalhos forçados de Treblinka, o tempo médio de vida dos prisioneiros não selecionados para a câmara de gás na chegada em Auschwitz não passava de três meses. Qualquer possibilidade de aumentar esse prazo estava baseada fundamentalmente em algum tipo de atividade ilegal ou era fruto de um raro privilégio em função da tarefa desempenhada no campo. As atividades ilegais iam do usar algum papel para se proteger do frio, ao trabalho na cozinha que dava acesso a um pouco mais de comida usada como moeda de troca para obter algum favor, ou, por exemplo, ao fato de trabalhar no setor apelidado de Canadá. Nele, eram recolhidas e abertas as bagagens dos recém-chegados e os funcionários que separavam os itens de valor para serem entregues aos alemães costumavam pegar para si, ou para algum conhecido, peças de roupa, restos de comida ou mesmo pequenas joias que serviam de moeda de troca.

Por outro lado, em Auschwitz, falar em “privilégios” demanda sempre levar em consideração que não se tratava de nada excepcional, mas tão somente de ter acesso a um pouco mais de alimento, a um barracão menos lotado, a um local de trabalho que não fosse exposto às intempéries, à possibilidade de relaxar as restrições para ir ao banheiro ou para se deslocar no interior do campo de concentração em função do exercício de uma profissão. Após passar por uma série de apuros, Primo, que era formado em química, foi assumido no laboratório de Auschwitz onde, durante o inverno, a temperatura era de “deliciosos 24 graus”, enquanto Olga, trabalhou na enfermaria de Birkenau.

Contudo, além de se tratar sempre de um trabalho que podia ultrapassar as 12 horas de diárias, cada pequena “vantagem” enfrentava desvantagens que seguiam minando a integridade física e psíquica de ambos. No caso de Primo, o fato de trabalhar em um ambiente aquecido durante o inverno fazia com que lhe fosse negada a roupa um pouco mais encorpada que era entregue no outono aos presos cujas equipes trabalhavam expostas às intempéries. Ou seja, em pleno inverno, ele devia enfrentar as contagens dos presos ao ar livre com os mesmos trapos leves da primavera, o que implicava em aumentar os riscos que o frio deteriorasse ainda mais a sua saúde.

Para Olga, os desafios da profissão eram bem mais complexos, sobretudo quando se tratava de fazer o parto de alguma detenta que entrou no campo de concentração sem saber que estava grávida ou cuja gravidez não foi percebida pelos alemães encarregados de selecionar as deportadas a serem imediatamente enviadas às câmaras de gás. Ao falar sobre o assunto, ela escreve:

O problema mais angustiante que enfrentávamos para cuidar de nossas companheiras era na hora do parto. Assim que um bebê nascia na enfermaria, mãe e filho eram mandados para a câmara de gás. Essa era a implacável determinação de nossos captores. Só quando a sobrevivência do bebê não fosse provável, ou ele fosse natimorto, a mãe era poupada e recebia permissão para retornar ao barracão. Nossa conclusão foi simples: os alemães não queriam os recém-nascidos vivos. Se vivessem, as mães deviam morrer também.

Nós cinco [da enfermaria], cuja responsabilidade era trazer aquelas crianças ao mundo - ao mundo de Auschwitz-Birkenau - sentíamos o ônus dessa monstruosa conclusão que desafiava qualquer lei humana e moral. Que fosse absurda do ponto de vista médico era o que menos importava ali. Quantas noites insones vivemos devido a esse trágico dilema. E, pela manhã, tanto as mães como seus bebês iam ao encontro da morte.

Um dia, decidimos que tínhamos sido fracas por tempo demais. Precisávamos, ao menos, salvar as mães. Para levar a cabo nosso plano, tínhamos que fazer os bebês passarem por natimortos. Mesmo assim, muitas precauções deviam ser tomadas, porque se os alemães suspeitassem, seríamos mandadas para a câmara de gás – e antes, talvez, para a de tortura.

(...) Infelizmente, o destino do bebê era sempre o mesmo. Depois de tomar todas as precauções, tampávamos as narinas do pequenino e, quando ele abria a boca para respirar, dávamos-lhe uma dose da substância letal. O efeito de uma injeção teria sido mais rápido, mas a picada deixaria uma marca e não podíamos correr o risco de os alemães suspeitarem da verdade. Para a administração do campo, aquela criança era natimorta.

E, assim, os alemães conseguiram nos transformar em assassinas. Até hoje, a imagem daqueles bebês mortos me assombra. Nossos próprios filhos morreram nas câmaras de gás e foram cremados nos fornos de Birkenau, e nós exterminamos a vida de outros tantos antes que seus primeiros vagidos saíssem de seus minúsculos pulmões. (...) O único tímido consolo é que, com aqueles assassinatos, conseguimos salvar as mães. Sem nossa intervenção, seu sofrimento teria sido ainda maior, já que veriam seus bebês serem jogados ainda vivos nos fornos crematórios. Tento em vão aplacar minha consciência. Ainda vejo as crianças saindo de dentro de suas mães. Posso sentir seus corpinhos quentes, enquanto os segurava. Fico perplexa com os abismos em que aqueles alemães nos lançaram!”.[30]

Por outro lado, os contatos com os presos das unidades do campo de concentração faziam com que a enfermaria se tornasse um centro nevrálgico de disseminação de notícias que elevavam a moral de todos os prisioneiros.

“Durante o período de descanso dos trabalhadores em 26 de agosto de 1944, um interno francês apareceu na enfermaria. Eu já o tinha visto antes, um homem de olhos escuros e rosto fino, com expressão amarga típica de todos em Birkenau. Ele era o mesmo homem mas, ao mesmo tempo, não era. Eu não conseguia entender seu sorriso malicioso, o brilho no olhar, a satisfação no rosto, a segurança, o modo como estendia a mão para receber o tratamento. Olhei para ele de modo inquisitivo. O que isso queria dizer?, perguntei-me. (...) Ele percebeu minha reação e inclinou a cabeça em minha direção. ‘Paris foi libertada’, ele sussurrou. Fiquei estática e tão assustada que nem consegui responder. Olhei para ele e me esqueci de lhe ministrar o tratamento. Eu me recompus e logo entendi a estranha felicidade do francesinho. Eu ainda não conseguia acreditar.

Sempre que recebia informações de que os Aliados haviam sofrido algum revés, eu me esforçava para esconder a tristeza e inventava boas notícias, pois o moral dos internos precisava ser mantido alto. Que felicidade poder sussurrar finalmente aos pacientes que os Aliados tinham de fato ocupado Paris. ‘Paris foi libertada!’ A primeira paciente para quem contei a notícia foi uma mulher que estava com os pés inchados. Ela ouviu, arregalou os olhos, admirada, e tirou os pés do banquinho. Sem dizer uma palavra, começou a chorar. Choramos juntas. A notícia era maravilhosa demais para ser recebida sem uma demonstração da mais profunda alegria. Com que rapidez a notícia se espalhou! Nos banheiros e nas latrinas, os internos se abraçavam e se beijavam. No hospital, os acamados se erguiam nos cotovelos e sorriam. Todos acrescentavam algo à notícia original. À noite, imaginávamos toda a Europa libertada pelos ‘Tommies’. Todos os soldados de língua inglesa eram ‘Tommies’ para nós. (...) Sentíamo-nos exultantes e, durante a chamada, piscávamos um olho para expressar nosso sinal de alegria. Todos sabiam o que a piscadela significava. A reação alemã veio imediatamente. A sopa tornou-se pior do que antes, como se fosse possível. Um polonês e três franceses foram enforcados por disseminar “notícias falsas”.[31]

O primeiro contato de Olga com a resistência no interior do campo de concentração ocorreu através de um preso que ela identifica apenas como “L” e que visitava frequentemente a enfermaria devido a uma ferida feia no pé.

“L era uma pessoa encantadora e nós o recebíamos com alegria. Ele sempre nos trazia notícias reconfortantes sobre a situação militar e política na Europa. Enquanto cuidávamos de suas feridas, ele acalmava nossas almas perturbadas. L era praticamente a única fonte de notícias do mundo externo que tínhamos. Pelo menos, dava-nos informações confiáveis e não boatos fantásticos. (...) Por eu estar passando por uma séria depressão nervosa, as notícias trazidas por L serviam de estímulo para meu espírito. No aspecto material, minha condição melhorara desde que eu começara a trabalhar na enfermaria. Ainda assim, minha vida parecia uma carga insuportável. Eu perdera meus pais e filhos, e nada sabia sobre meu marido, a única pessoa cuja existência poderia me manter na terra dos vivos. Eu estava mentalmente à beira do suicídio. Minhas companheiras viam que eu definhava a olhos vistos.

Um dia, L me chamou de lado. ‘Você não tem o direito de jogar fora a sua vida’, ele me censurou. ‘Se esta existência não faz mais sentido para você, pessoalmente precisa continuar, para ao menos tentar minimizar o sofrimento dos outros ao seu redor. Sua posição é perfeita para prestar serviços de várias maneiras.’ Ele me lançou um olhar penetrante. ‘É óbvio’, continuou, ‘que isso não acontecerá sem riscos. Mas o perigo não é nosso pão de cada dia aqui? O essencial é ter um objetivo, um propósito.’ Foi a minha vez de encará-lo. ‘Estou às suas ordens. O que devo fazer?’

‘Você pode fazer duas coisas para nós’, respondeu ele. ‘Primeiro, pode, com cuidado, repassar as notícias que eu lhe trouxer. Isso é da maior importância para manter o moral de nossos internos. Concorda?’ A disseminação de ‘notícias falsas’ era proibida pelos alemães, sob pena de morte. Mas o que era a morte? Nem ao menos pensei nisso. ‘Segundo’, prosseguiu ele, ‘seu trabalho a torna ideal para servir de correio. As pessoas lhe trarão cartas e embrulhos. Você os entregará conforme as instruções que receber. E nem uma palavra a ninguém, nem mesmo às suas melhores amigas. Porque, se for apanhada, ela será interrogada, e não queremos ninguém testemunhando contra você. Nem todo mundo consegue resistir à tortura. Acha que seria forte o suficiente para suportar a tortura?’

Fiquei em silêncio. Existiriam mais sofrimentos do que alguém poderia suportar? ‘Eu posso tentar ser forte.’ Ele refletiu, depois acrescentou: ‘Outra coisa, precisamos observar tudo o que acontece por aqui. Mais tarde, escreveremos sobre tudo que vimos. Quando a guerra acabar, o mundo precisa saber sobre isso. Precisam conhecer a verdade’.

Daquele momento em diante, tive uma nova razão para viver. Eu passei a fazer parte da Resistência. E tive a oportunidade de conhecer outros do movimento. Ainda assim, limitávamos nossas relações ao trabalho, não tentávamos saber o nome de ninguém. Essa advertência soava quase como obrigação para que, caso fôssemos apanhados e torturados, evitássemos trair os outros. Por intermédio desses novos contatos, conheci os pormenores sobre as câmaras de gás e os crematórios”.[32]

Mas...como fazer a resistência dar passos significativos em um ambiente de uma crueldade indescritível, em meio a pessoas que perderam qualquer traço de humanidade, onde os controles eram constantes e muito invasivos e a vida estava sempre por um fio? A própria Olga vai responder a esta pergunta em um capítulo inteiro do seu livro.

“Uma opressão tão intensa como a que fomos submetidas provocava automaticamente uma resistência. Todo o nosso tempo vivido no campo foi marcado pelo ato de reagir. Quando os funcionários do ‘Canadá’ faziam o desvio de itens destinados à Alemanha em benefício de seus companheiros internos foi uma resistência. Quando os trabalhadores dos moinhos de fiar ousavam relaxar o ritmo de trabalho foi uma resistência. Quando, no Natal, organizamos um pequeno ‘festival’ debaixo dos narizes dos nossos captores foi uma resistência. Quando, clandestinamente, passamos cartas de um campo para outro foi uma resistência. Quando nos esforçávamos e, às vezes, tínhamos sucesso para reunir duas pessoas da mesma família – substituindo um interno por outro em um grupo de carregadores de macas – foi uma resistência.

Essas eram as principais manifestações de nossa atividade clandestina. Não era prudente ir mais longe. No entanto, houve muitos atos de rebelião. Um dia, um selecionado tirou um revólver de um SS e começou a espancá-lo com ele. Seu ato de coragem desesperada causou esse gesto, mas não produziu nenhum outro efeito senão provocar represálias em massa. Os alemães nos consideravam culpados; chamavam isso de ‘responsabilidade coletiva’. As surras e as câmaras de gás explicam, em parte, por que a história do campo inclui poucas revoltas, mesmo quando as mães eram obrigadas a entregar os filhos à morte. (...).

Uma resistência organizada, porém, prosperava. Procurava se expressar de inúmeras formas – desde a transmissão de um ‘jornal falado’ à sabotagem praticada nas oficinas dedicadas às indústrias bélicas e, mais tarde, à destruição dos fornos crematórios com explosivos.

O termo ‘jornal falado’ talvez seja presunçoso. Precisávamos divulgar notícias de guerra que reforçassem o moral dos internos. Depois de resolver problemas técnicos de enorme dificuldade, nosso amigo L, graças à cooperação do ‘Canadá’, conseguiu montar um pequeno equipamento de rádio. O rádio foi enterrado. Às vezes, tarde da noite, alguns internos de confiança corriam para ouvir o noticiário dos Aliados. Essa notícia era então espalhada de boca em boca o mais rapidamente possível. Os principais centros de nossa comunicação eram as latrinas, que ocupavam o mesmo papel ‘social’ que o banheiro e a enfermaria desempenhavam anteriormente.

Era interessante observar as reações dos nossos supervisores quando tais notícias de guerra chegavam a eles, mas raramente era agradável para nós ouvirmos o que estava acontecendo. No dia seguinte, após um pesado bombardeio de uma cidade alemã, a rádio do Reich anunciara ‘represálias’. Onde quer que o Reich buscasse vingança, a tomavam primeiro em nosso campo a partir de uma monstruosa seleção. Os soldados, por conta das contínuas derrotas da Wehrmacht, tornavam-se cada vez mais desconfiados, e multiplicavam os controles e as buscas. Até os chefes ficavam nervosos e preocupados.

Alguns membros da Resistência no campo procuravam passar notícias de nossa situação desesperada aos Aliados. Esperávamos que a Royal Air Force, ou os aviões soviéticos surgissem para destruir os fornos crematórios, e que, ao menos, houvesse uma redução na taxa de extermínio. Um interno tcheco, ex-vidraceiro e esquerdista militante, conseguiu passar vários relatórios ao exército soviético.

Como havia alguns partisans na região, entendi que, de alguma forma, haviam estabelecido contato com o campo. Disseram-me que o explosivo usado mais tarde para destruir os fornos crematórios fora fornecido por esses guerrilheiros. Os pacotes de explosivos não eram maiores que dois maços de cigarro e podiam ser facilmente escondidos dentro da blusa. Mas como o explosivo entrara no campo?

Soube que os guerrilheiros russos, escondidos nas montanhas, enviavam vários pacotes às redondezas de Auschwitz. Falavam com um interno de Auschwitz que trabalhava fora do campo e que pertencia à nossa Resistência. Os prisioneiros que trabalhavam nos campos desencavavam os pacotes onde tinham sido enterrados e os traziam para dentro.

Por que os explosivos foram enviados para lá? O objetivo era claro para todos os membros da Resistência – explodir o temido crematório.

Alguns desses pequenos pacotes caíram nas mãos da SS. Foi quase inevitável e provocou uma reação brutal. Montaram uma forca e executaram prisioneiros todos os dias. Sempre que os alemães suspeitavam de algo, uma ordem frenética era dada: ‘Façam uma busca!’, e um grupo de guardas da SS invadia nossos barracões. Eles destruíam tudo e vasculhavam cada centímetro quadrado do campo, procurando mais explosivos. Apesar de todas as precauções, nossa Resistência continuou a existir e a operar. Os membros mudavam, pois os alemães nos dizimavam sem saber se fazíamos parte da Resistência ou não, mas o ideal continuou inalterado.

Um rapaz que apenas um dia antes pegara um pacote comigo foi enforcado. Uma das minhas companheiras, apavorada, me sussurrou: ‘Diga, não é o mesmo rapaz que esteve na enfermaria ontem?’.

‘Não’, respondi. ‘Nunca o vi antes’.

Essa era a regra. Quem caía era esquecido.

Não éramos heróis e nunca dissemos isso. Não merecemos nenhuma medalha do Congresso, condecoração de guerra ou de vitória. É verdade que empreendemos missões perigosas. Mas a morte e o chamado perigo mortal tinham um significado diferente para nós que vivíamos em Auschwitz-Birkenau. A morte esteve sempre conosco, pois éramos elegíveis para as seleções diárias. Um aceno podia significar o fim para qualquer um de nós. Chegar atrasado para a chamada podia significar apenas um tapa na cara, ou, se o SS estivesse furioso, pegar sua Luger e atirar. A ideia da morte se infiltrara em nosso sangue. Nós iríamos morrer, de qualquer forma, não importava o que acontecesse. Seríamos envenenados com gás, cremados, enforcados ou baleados. Os membros da Resistência pelo menos sabiam que, se morressem, morreriam lutando por algo.

Já disse que servi como uma espécie de correio para cartas e encomendas. Um dia, corri para a enfermaria para colocar um pacote sob a mesa. Enquanto eu fazia isso, um guarda da SS entrou sem avisar.

‘O que está escondendo aí?’, perguntou, fechando a cara.

Acho que fiquei lívida. Consegui me controlar e respondi: ‘Acabei de pegar alguns curativos. Estou colocando o resto em ordem’.

‘Vamos dar uma olhada nisso’, exclamou o SS, desconfiado.

Com as mãos trêmulas, puxei uma caixa de curativos cirúrgicos que estava embaixo da mesa e mostrei a ele. Eu tive sorte. Ele não insistiu em ver o conteúdo. Deu uma olhada e foi embora. Se tivesse verificado a caixa, eu estaria perdida.

Muitas vezes tinha que aceitar cartas ou pacotes trazidos por internos que trabalhavam no campo. O intermediário sempre era diferente. Para ser reconhecida, eu usava uma fita de seda em torno do pescoço, como um colar. E eu tinha que passar a carta ou pacote a um homem que usasse o mesmo símbolo. Várias vezes tive que procurá-lo no banheiro ou na estrada onde os homens estivessem trabalhando.

No começo, não conhecia muito bem o esquema do qual eu participava. Mas sabia que estava fazendo algo muito útil. Isso foi o suficiente para me dar forças. Eu não sofria mais crises de depressão. Até me forcei a comer o bastante para continuar lutando. Comer e não se deixar enfraquecer – era também uma forma de resistir. Vivíamos para resistir e resistíamos para viver.

Eu conhecia mulheres de vários países e estava ansiosa para saber como eram as mulheres da União Soviética – a dra. Mitrovna, cirurgiã do nosso hospital, foi a primeira russa que encontrei no campo. Era uma mulher forte, rechonchuda, de cabelos escuros, com olhos castanhos tão expressivos que pareciam atravessar o interlocutor. Era uma médica de verdade, que gostava muito de seus pacientes e lutava por eles. A médica criou uma aura de respeito. Era a pessoa mais espontânea e calorosa que já conheci. Ninguém tinha uma capacidade de trabalho tão grande quanto essa mulher de 50 anos. Quando via que eu estava pálida de cansaço e ainda trabalhando, ela dizia: ‘Você daria uma boa russa’. Este era o maior elogio que ela poderia me fazer.

Quando os russos bombardearam as cozinhas da SS em Birkenau, muitos detentos se feriram. Eu a observei com cuidado: ela demonstraria preferência por seus compatriotas? Não! Ela tratou cada um com imparcialidade e repetiu palavras de acolhimento para todos, sem distinção. Na véspera de Natal, participou das festividades e dançou com as enfermeiras. Embora não tivesse voz, cantava como uma criança, sem se sentir envergonhada. Ela nos contou que, em casa, gostava da época de férias, porque a comida era sempre melhor. E pudemos ver como ela respeitava o espírito religioso de suas companheiras dentro do campo. ‘Devemos nos lembrar desta véspera de Natal no cativeiro’, ela nos disse. ‘Pessoas de todos os países da Europa estão juntas e esperando a mesma coisa...liberdade’.

Mais tarde, conheci outras russas: algumas agressivas e outras boas, de alma gentil. Com elas, percebi que o comunismo é como uma religião para o povo russo. Talvez sua fé os tenha ajudado a suportar as dificuldades de viver em Auschwitz-Birkenau melhor que outros internos.

Cada vez que um paciente tinha que ser enviado para o hospital no Campo F, a dra. Mitrovna decidia quem deveria levá-lo de maca. A primeira vez que saí do campo com essa função, e os portões se fecharam atrás de mim, eu comecei a chorar. Estávamos sendo seguidas pelos nossos soldados, mas os odiosos arames farpados não estavam mais tão perto de nós. Havia um pouco mais de espaço, e podíamos respirar livremente. Por essa razão, valeu a pena ter sido escolhida para a tarefa.

Levávamos quinze minutos para as cinco carregarem as doentes para o barracão cirúrgico. Ali assisti a outro drama. Os médicos salvaram muitos dos internos durante a cirurgia, e os alemães mandavam os pacientes direto para as câmaras de gás. Mas os médicos desempenhavam seus papéis com calma e dignidade. Olhei em volta dentro da sala de cirurgia. A visão dos instrumentos e das pessoas de branco e o cheiro de éter fizeram eu me lembrar do meu marido e do nosso hospital em Cluj. Eu estava com a mente perdida em minhas lembranças quando de repente alguém me sussurrou no ouvido: ‘Não se mexa! Não faça perguntas! Entre em contato com Jacques, Stubendienst francês, no Barracão hospitalar 30’.

Fiquei surpresa. Como sabiam que eu fazia parte da Resistência? Então me dei conta – meu colar de seda. Eu tinha recebido uma ordem e precisaria cumpri-la. Mas como? Eu estava em um campo hospitalar estranho de homens, e eu era uma mulher.

De repente, uma enfermeira anunciou que o dr. Mengele estava por perto. Os médicos tentaram disfarçar o medo. Houve um burburinho excitado. ‘Escondam as luvas de borracha imediatamente!’...‘Abram a porta! Ele vai sentir o cheiro de éter!’ Então compreendi o que estava acontecendo. Aqueles que eram bons tinham comprado instrumentos e anestésicos com suas rações de alimentos. Agora precisavam esconder tudo, se quisessem evitar ser punidos ou mortos por demonstrar compaixão. (...).

‘Preciso ir até o Barracão 30!’ Virei-me para sair quando vi cobertores em cima da maca. Doentes envoltos em cobertores não eram raros no campo hospitalar. Foi a solução que encontrei. Embrulhei-me num cobertor e saí correndo. Encontrei Jacques, o enfermeiro francês, no Barracão 30. Disse que tinha recebido ordem para vir até ele. Jacques subiu na koia superior e pegou um pequeno pacote sob a cabeça de um doente. ‘Dê isto ao vidraceiro do seu campo!’, ele ordenou.

Quando voltei ao barracão cirúrgico, meus companheiros não estavam mais lá. A maca havia sumido. Corri até a entrada do campo. A médica russa estava discutindo com um alemão. Tínhamos ficado no campo dos homens por tempo demais. E eu havia sumido. Quando a russa me viu chegar com o cobertor na cabeça, ela entendeu. Mas continuou a discutir com o soldado. ‘Eu lhe disse que alguém havia tirado nossos cobertores e enviei esta prisioneira para trazê-los de volta. O que não consegue entender em relação a isto?’, argumentou. Ela falava apenas um pouco de alemão, porém, talvez isso nos tenha salvado. Ela misturava palavras em russo com palavras em alemão. De alguma forma, o assunto se resolveu. Enquanto corríamos de volta, perguntei-me se Mitrovna me pediria uma explicação sobre onde eu estivera. Ela não fez nenhuma pergunta.

Quando chegamos ao campo, descobri que o vidraceiro tinha ido embora! Mas, no dia seguinte, Jacques enviou outra pessoa, e eu finalmente me livrei do pacote de explosivos que complicara a minha vida.

Fiquei me perguntando o que a dra. Mitrovna de fato pensou sobre o que havia acontecido. Ela poderia ter dito ao soldado que eu deixara o grupo sem permissão e ter lavado as mãos em relação ao assunto. Em vez disso, esperou por mim. Ao perceber que estavam faltando cobertores na maca, achou que seria uma boa desculpa e me salvou. Ela, de fato, era uma boa companheira.

Lembro-me de ter visto várias vezes o mesmo trabalhador que me trazia os pacotes discutindo muito com ela. Posso presumir por isso que ela também fizesse parte da Resistência dentro do campo. Essa mulher viva e silente deveria saber que eu também era um membro da Resistência. Talvez por isso não tenha protestado quando saí da cirurgia no Campo F e tenha me salvado do soldado alemão. Conhecíamos poucos membros da Resistência, porque, se fôssemos descobertos, era mais seguro. A dra. Mitrovna não devia pertencer, de fato, à Resistência. Mas havia algo digno em seu caráter que me fez acreditar que ela estaria conosco – em tudo.

Por volta das 03h da tarde no dia 7 de outubro de 1944, uma tremenda explosão abalou o campo. Os internos se entreolharam estupefatos. Uma imensa coluna de fogo subiu de onde ficava o crematório. A notícia se espalhou como rastilho de pólvora. O forno explodira! Pegos cochilando, os alemães enlouqueceram. Correram em todas as direções, gritando ordens e contraordens. Era óbvio que temiam um levante. Ameaçando-nos com as armas, fizeram-nos voltar ao nosso barracão.

Mas o que de fato aconteceu? Aproveitei a relativa impunidade que minha blusa de enfermeira me assegurava e deixei o hospital para me esgueirar até as cozinhas. Elas ficavam a cerca de dez metros da entrada do campo, de frente ao caminho que levava aos crematórios. Era um excelente posto de observação. Vários destacamentos já estavam vindo em direção ao campo, alguns em caminhões, outros em motocicletas. Então, a infantaria da Wehrmacht chegou, seguida por caminhões carregados com munições. Os soldados cercaram o crematório e abriram fogo com metralhadoras. Estremeci. Alguns tiros de revólver responderam. Seria uma rebelião? Mais alguns tiros de metralhadora, e a Wehrmacht e a SS invadiram o local.

O grupo da Resistência do Sonderkommando, os escravos das câmaras de gás, fez um plano para explodir os fornos.[33] Através de membros do grupo Pasche, conseguiram uma quantidade de explosivos suficiente para levar adiante a ideia. Mas várias coisas deram errado, e a explosão destruiu apenas um dos quatro prédios.

A revolta fora organizada por um jovem judeu francês chamado David. Sabendo que seria condenado à morte, uma vez que todos os membros do Sonderkommando eram exterminados a cada três ou quatro meses, decidiu usar o pouco tempo de vida que lhe restava. Obteve os explosivos e os escondeu. Mas imprevistos acabaram por frustrar os planos.

Os alemães anteciparam a data da execução do Sonderkommando. Um dia, receberam ordens para estarem prontos para o transporte e saírem do crematório. O primeiro grupo, cerca de cem homens, obedeceu. Mas o segundo grupo protestou. A atitude desses Sonderkommando, a maioria robusta, tornou-se ameaçadora. Os poucos SS ficaram tão surpresos que prudentemente se retiraram para receber ordens e reforços. Quando retornaram, um forno que, no meio-tempo, foi enchido com explosivos e encharcado com gasolina explodiu. Os rebeldes não tiveram tempo de explodir os outros três. No entanto, o Sonderkommando do quarto forno aproveitou a bagunça, cortou o arame farpado e conseguiu fugir do campo. Alguns deles foram alcançados, mas o restante escapou.

Na luta que se seguiu, o Sonderkommando resistiu ferozmente. Estavam munidos apenas com paus, pedras e alguns revólveres para revidar contra os assassinos treinados e armados com pistolas automáticas. Quatrocentos e trinta foram capturados com vida, incluindo David, seu líder, que recebera ferimentos fatais.

A retaliação foi terrível. Os SS obrigaram os prisioneiros a ficar de joelhos. Dois ou três SS atiraram em cada um na nuca com precisão diabólica. Aqueles que levantavam a cabeça para ver se chegara sua vez recebiam 25 chicotadas antes de serem baleados. Depois dessa revolta, houve várias represálias dentro do campo. Os espancamentos tornaram-se mais frequentes, assim como as seleções em massa. O dr. Mengele, zangado, usou o revólver para abater vários refugiados que tentaram fugir dele. Seus subordinados seguiam o exemplo. Até a próxima chuva, o chão de terra do campo ficou coberto de sangue.

As várias centenas de Sonderkommando que não participaram da rebelião foram baleadas em grupos nas florestas vizinhas. Dessa forma, o dr. Pasche, o médico francês do Sonderkommando e membro ativo da Resistência no campo, morreu. Foi ele quem nos forneceu os dados sobre as atividades do Sonderkommando. L, que o viu pouco antes de morrer, contou-nos sobre a coragem com que enfrentou a morte que se aproximava. Fomos desencorajados porque a explosão fracassara? Ficamos com raiva, é claro, mas o fato de ter acontecido era uma prova de que os tempos haviam mudado, até mesmo em Auschwitz-Birkenau”.[34]

            Dos escritos de Primo, sabemos que a resistência estava presente também entre os prisioneiros que trabalhavam no Escritório do campo de concentração. Ao descrever as atitudes do novo chefe da sua turma de trabalho diz:

“O novo Kapo espancava de modo diferente, de modo convulsivo, maligno, perverso: no nariz, nas canelas, nos genitais. Batia para fazer mal, para produzir dor e humilhação, nem era, como muitos outros, por cego ódio racial, mas pela vontade declarada de infligir dor, indiscriminadamente e sem um pretexto, em todos os seus subordinados. É provável que fosse um doente mental, mas está claro que, naquelas condições, a indulgência que sentimos hoje diante desse tipo de doentes seria desprovida de sentido.

Falei disso com um colega, um comunista judeu da Croácia: o que fazer? Como defender-se? Agir coletivamente? Ele sorriu estranhamente e apenas me disse: ‘Você verá que ele não vai durar muito’. De fato, o espancador desapareceu em uma semana. Anos mais tarde, num simpósio de sobreviventes, soube que alguns prisioneiros políticos com funções no Escritório do Trabalho dentro do campo tinham o poder terrível de substituir os números de identificação nas listas dos prisioneiros destinados ao gás”.[35]

Ao deitar um olhar panorâmico nos testemunhos de Primo e Olga, percebemos que, entre as razões para sobreviver ao holocausto nazista nos campos de concentração de Auschwitz, há bem mais do que uma simples junção de condições materiais “privilegiadas” que permitiam resistir ao frio, à fome, à crueldade cujas manifestações apareciam a toda hora e em qualquer lugar. Há em cada um deles uma força interior que não cede à medida que encontra nos próprios valores e nos motivos de sua resistência a energia que permite desafiar diariamente o medo e a morte.

Primo Levi e Olga Engyel, possivelmente, em 1947

        O grande objetivo de ambos era o de sobreviver para contar ao mundo os horrores que haviam experimentado na própria pele e a dor que as mortes do campo de extermínio haviam semeado em suas almas. Não se tratava apenas de desmascarar as narrativas nazistas da época e as que seriam apresentadas no julgamento dos responsáveis pelo holocausto. Era necessário falar ao mundo, dialogar com as gerações para as quais aquelas atrocidades não passariam de um relato sucinto nos livros de história e cuja dramaticidade desbotaria com o tempo, levando a menosprezar estes acontecimentos.

Para Primo, todos aqueles que esquecem o próprio passado são condenados a revivê-lo. Cada época tem o seu fascismo e este seduz as consciências de muitos. Lembrar, então, é uma forma de fazer refletir, de ajudar a fazer com que a humanidade mude.

Olga partilha esta ideia dizendo que as memórias não servem apenas para nos lembrarmos do que aconteceu, mas que elas devem guiar nossas ações no futuro, levar as pessoas a se unirem nos momentos de perigo e a perceberem que, ao colocar em risco a vida de um grupo, é a vida de todos que está sendo ameaçada.

Por isso, todo dia é o dia da memória, mas também o dia de mostrar que a resistência nas piores condições a que pode ser submetido um ser humano materializa o grito de liberdade e esperança que desafia a resignação para derrotar o que a opressão planta no solo do tempo.

Na terceira parte das nossas reflexões, recolheremos alguns dos ecos da resistência ao racismo que, em formas e situações diferentes, sacudiram a realidade com ações que se tornaram uma crítica real ao sistema vigente.

 

Emilio Gennari, 10 de agosto de 2023.

 


[1] Para elaborar este capítulo, contamos, sobretudo, com os textos que seguem:

- Emanuel Ringelblum. Notes from the Warsaw Gueto. Tradução de Jacob Sloan. Ed. Mc-Grow Hill Book Company, Nova Iorque/Toronto/Londres, 1958, 1ª edição.

- Israel Gutman. Resistência: o levante do gueto de Varsóvia. Tradução Alexandre Lissovsky. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1995.

- Marcos Paulo dos Santos Coelho. Nem cordeiros, nem heróis: um estudo sobre as classificações de ações judaicas durante a Shoah em testemunho de sobreviventes.  Dissertação para obter o título de Mestre em História no Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de História e Relações Internacionais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, 2020.

- Nanci Nascimento de Souza, Gueto de Varsóvia: educação clandestina e resistência. Dissertação de mestrado para a obtenção do título de Mestre em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013.

- Vários Autores. Nuestra Memoria - 1993-2003, 10º aniversário de la fundación Memoria del Holocausto. Ano X, Número 21, abril de 2003.

- Wladislaw Zspilman. O pianista. Tradução Tomasz Barcinski. Rio de Janeiro. Record, 2003

- https://segundaguerra.blog.br/campo-concentracao-treblinka/

- https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/the-warsaw-ghetto-uprising

- https://www.dw.com/pt-br/1943-levante-no-gueto-de-vars%C3%B3via/a-500871

- https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/gallery/warsaw-ghetto-uprising

- https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64413588

- https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/warsaw-ghetto-uprising

- http://almadeeducador.blogspot.com/2015/03/janusz-korczak-martir-na-educacao.html

- https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2023/04/5086618-tributo-a-coragem-ha-80-anos-judeus-do-gueto-de-varsovia-lutavam-contra-campanha-de-deportacao-para-os-campos-de-exterminio.html

- https://gredos.usal.es/bitstream/handle/10366/79419/Janusz_Korczak,_un_inescuchado_testimoni.pdf;jsessionid=237C3429444F47139F39C5638D26C38E?sequence=1

- https://www.redalyc.org/journal/5258/525867920018/html/

- http://educa.fcc.org.br/pdf/rfe/v14n1/v14n1a09.pdf

- https://seer.ufrgs.br/webmosaica/article/download/45021/28502

Acessos realizados em 01/07/02023.

[2] Em: Vários Autores. Nuestra Memoria - 1993-2003, 10º aniversário de la fundación Memoria del Holocausto. Ano X, Número 21, abril de 2003., Pag. 28

[3] Para termos uma ideia mais detalhada deste processo, sugerimos a leitura de Silvia Rosa Nossek Lerner, A música como memória de um drama: o Holocausto. Ed. Garamond, Rio de Janeiro, 2017.

[4] Trecho extraído de: Nanci Nascimento de Souza, Gueto de Varsóvia: educação clandestina e resistência.  pag. 106.

[5] Idem, pag. 151.

[6] Idem, pag. 152-153.

[8] Em:  https://www.redalyc.org/journal/5258/525867920018/html/  Acesso realizado em 08/07/2023.

[11] É importante lembrar que só os textos que mais ajudavam a sustentar a narrativa nazista sobre as deportações eram enviados aos destinatários. Mas todos os endereços escritos nos envelopes eram encaminhados aos destacamentos nazistas das cidades onde as cartas deveriam chegar. Além de apontar aos alemães onde moravam os judeus que, possivelmente, viviam escondidos ou protegidos por documentos falsos, frequentemente, o conteúdo das mensagens permitia identificar as famílias que, por disporem de uma maior quantidade de bens, se tornariam um alvo preferencial das tropas de ocupação.

[12] Em: Wladislaw Zspilman. O pianista. Tradução Tomasz Barcinski. Rio de Janeiro. Record, 2003, pag. 98.

[13] A foto foi extraída do site: https://www.radiosefarad.com/mordechai-anielewicz-el-heroe-del-levantamiento-del-gueto-de-varsovia/

As fotos e um breve relato sobre a história e o papel de algumas figuras que se destacaram na organização do levante podem ser encontradas em:

- https://www.polin.pl/en/heroes-warsaw-ghetto-uprising

- https://www.polin.pl/en/women-warsaw-ghetto-uprising

Acessos realizados em 15/07/2023.

[16] Em Primo Levi (1990), pag. 103. Como lembra o próprio autor algumas linhas depois, é importante levar em consideração que, além de o inocente sentir escrita na própria carne a sua condenação, “tratava-se também de um retorno à barbárie tanto mais perturbador para os judeus ortodoxos; de fato, justamente para distinguir os judeus dos ‘bárbaros’, a tatuagem é vetada pela Lei Mosáica (Levítico, 19,28)”.

[17] Em: Olga Engyel (2018), pag. 46-47.

[18] Idem, pag. 44-45.

[19] Idem, pag. 71.

[20] Idem, pag. 44.

[21] Idem, pag. 61.

[22] Em seus testemunhos, Primo costuma usar a palavra alemã “lager” no lugar de “campo de concentração”.

[23] Em Primo Levi (1990), pag. 127.

[24] Em: Olga Engyel (2018), pag. 209-210.

[25] Idem, pag. 71-72.

[26] Em Primo Levi (1990), pag. 27-28.

[27] Idem, pag. 31-32.

[28] Idem, pag. 30-31.

[29] Em: Olga Engyel (2018), pag. 300-302.

[30] Idem, pag. 147-149.

[31] Idem, pag. 236-238.

[32] Idem, pag. 100-103.

[33] Em 1944, os Sonderkommandos, ou Esquadrões Especiais, eram compostos por prisioneiros aos quais estava confiada a gestão dos fornos crematórios. A eles cabia manter a ordem entre os recém-chegados que deviam ser introduzidos nas câmaras de gás; tirar os cadáveres e extrair o ouro dos dentes antes de colocá-los nos fornos crematórios; cortar os cabelos das mulheres; separar e classificar as roupas e os sapatos deixados antes de entrar nas câmaras de gás; cuidar do funcionamento dos fornos; retirar e eliminar as cinzas. Os esquadrões especiais de Auschwitz contavam, dependendo da época, com um efetivo entre setecentos e mil prisioneiros e trabalhavam em dois turnos de 12 horas.

Os integrantes dos Sonderkommandos não escapavam do destino de todos. As SS zelavam para que nenhum homem que deles havia participado pudesse sobreviver e contar o que acontecia no campo de extermínio. Em Auschwitz, se sucederam doze esquadrões; cada qual atuava alguns meses. Em seguida era eliminado, sempre com um artifício diferente para prevenir eventuais resistências, e o esquadrão sucessivo, como iniciação, queimava os cadáveres dos predecessores. Quem integrava este contingente só era privilegiado na medida em que, por alguns meses, comia suficientemente, tinha acesso a bebidas alcoólicas para suportar os traumas produzidos pelas tarefas que devia realizar e era alojado em aposentos separados dos demais prisioneiros. O contato com os internos era estritamente proibido. Às vezes, eram obrigados a viver no prédio que abrigava os crematórios. A vida dos membros do sonderkommando era desumana. Muitos enlouqueciam. Inúmeras vezes um marido era obrigado a queimar a própria esposa; um pai, os seus filhos; um filho, os seus pais; um irmão, a sua irmã.

Os Esquadrões Especiais eram constituídos em sua maior parte pelos judeus. Por um lado, isso não pode espantar, uma vez que, a partir de 1943, a população de Auschwitz era constituída por judeus numa proporção entre 90 e 95%. De outro, o fato de serem os judeus a pôr nos fomos outros judeus era uma forma de demonstrar que se dobravam a qualquer humilhação, inclusive à destruição de si mesmos.

[34] Em: Olga Engyel (2018), pag. 222-236.

[35] Em Primo Levi (1990), pag. 59-60.


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