sábado, 6 de janeiro de 2024

Ecos da resistência - terceira parte


 


Olhando para a realidade do seu tempo, Albert Einstein observava com tristeza que era mais fácil desintegrar o átomo do que acabar com um preconceito. Infelizmente, as coisas não mudaram. Mas, por que é tão difícil se livrar de algo tão irracional e nefasto?

Quando observamos a sua relação com a realidade econômica, percebemos que o preconceito é uma peça essencial do sistema capitalista. Além de permitir que uma parte significativa da classe trabalhadora seja submetida a um maior grau de exploração, a sua presença dificulta a união das pessoas em volta de uma causa comum.

O fato de situações condenáveis serem sacramentadas por leis e decretos consolida a marginalização das vítimas como algo “justo e correto” e transforma o medo das consequências em cúmplice do desrespeito à dignidade humana. Para abrir uma brecha nesta realidade, não basta que a indignação se traduza em palavras. Denúncias, moções de repúdio e críticas devem se encarnar em ações que questionam o conformismo e abrem o caminho da mudança.

Nas próximas páginas, resgataremos os passos que a resistência à segregação traçou nas comunidades negras dos Estados Unidos; seguiremos para a Grã Bretanha, onde a união entre os trabalhadores das minas de carvão e um grupo de lésbicas e gays fortaleceu as lutas de ambos; e finalizaremos as nossas reflexões a bordo de um navio, cuja capitã violou as proibições que a impediam de levar a salvo um grupo de africanos.

 

3.1 Rosa Parks: o NÃO que mina a segregação estadunidense

Quando Rosa Louise McCauley nasceu em 4 de fevereiro de 1913, em Tuskegee, uma pequena cidade do Alabama, EUA, a escravidão havia terminado há quase meio século. Contudo, assim como outros estados do sul do país, o Alabama mantinha políticas de segregação racial normatizadas pela legislação. Escolas, parques, cuidados médicos, salas de espera, restaurantes, cinemas, lojas, vagões ferroviários, ônibus, etc., tinham espaços reservados aos brancos e outros às “pessoas de cor”. Alguns municípios chegavam a proibir casamentos inter-raciais e a possibilidade de um negro votar nas eleições dependia de convencer um branco a efetuar o seu registro nas listas eleitorais.[1]

As diferenças de tratamento saltavam aos olhos. Como a própria Rosa ilustra em um trecho da sua autobiografia, no Sul dos EUA, as escolas para os negros eram pequenas, lotadas, muitas vezes com venezianas de madeira no lugar das janelas de vidro e, via de regra, as salas de aula não tinham mesas para as crianças apoiarem livros e cadernos. Além disso, enquanto as instituições destinadas aos brancos tinham tudo o que precisavam para oferecer um ensino de qualidade e nove meses de aula, nas regiões rurais como aquela onde ela morava, o ano letivo dos negros durava apenas cinco meses em função da necessidade de os filhos ajudarem os pais nas tarefas do plantio e da colheita.[2]

A doutrina pela qual “as pessoas de cor” eram “separadas, mas iguais” aos demais cidadãos veio à luz em 1890, na Luisiana. Confirmada seis anos depois pela Suprema Corte dos Estados Unidos, a legalização da segregação racial abriu as portas para que outros Estados adotassem medidas semelhantes. Contando com o respaldo das teorias que afirmavam haver diferentes raças humanas, a elite branca defendia que a superioridade baseada na cor da pele era condizente com as leis da natureza e que, portanto, a segregação deitava raízes na evolução da espécie humana e não no preconceito.[3]

Para sustentar esta ideia com a força da coerção, grupos supremacistas brancos, como a Ku klux Klan, atacavam os negros que buscavam romper as barreiras criadas pelas lei raciais e, a fim de semear o medo e a resignação, promoviam linchamentos por motivos banais. O clima de violência demandava medidas defensivas que podem parecer extremas a quem não sabe o que é viver sob constante ameaça pela cor da pele.

Rosa lembra que, aos seis anos de idade, já percebia que os negros não eram livres e que as ações da Ku Klux Klan queimando igrejas das comunidades negras, espancando e matando pessoas faziam a violência alcançar um grau tão elevado que o seu avô andava dentro de casa com uma escopeta de cano duplo ao alcance das mãos a fim de atirar no primeiro supremacista que passasse pela porta. Nas noites em que o clima de tensão era maior, ele também recomendava que todos deitassem vestidos a fim de estarem prontos para fugir, caso um desses ataques tivesse como alvo a própria família.

Longe de ser uma atitude isolada, buscar a melhor forma de proteger os entes queridos era uma preocupação constante. Cientes do perigo, era comum que, por exemplo, os adultos ensinassem às crianças a não reagirem às ofensas e às agressões dos brancos a fim de evitar que uma simples desavença colocasse em risco as suas vidas. Rosa lembra de dois fatos que permitem visualizar esta realidade.

Ao contrário do que acontecia com os negros, cuja falta de recursos obrigava a percorrer a pé a distância entre a casa e a escola, as crianças brancas contavam com o transporte escolar. Frequentemente, enquanto caminhavam à beira da estrada, Rosa e as colegas cruzavam com o veículo e, além dos insultos, os coetâneos brancos procuravam atingi-las atirando lixo pelas janelas. Sem ter como pôr fim às agressões sofridas, o grupo simplesmente saía da estrada e caminhava pelos campos sempre que via o dito ônibus se aproximar.

O segundo fato resgata o seu encontro com Franklin, um garotinho branco, e a reação da sua avó ao relato que ela fez deste momento, ocorrido aos dez anos de idade:

“Ele era mais ou menos do meu tamanho, talvez um pouco maior. Ele me disse alguma coisa e ameaçou me bater — cerrou o punho como se fosse me dar um soco. Peguei um tijolo e o desafiei a me bater. Ele pensou melhor e foi embora.

Não pensei mais nisso e acho que ele também não. Mas aconteceu de eu mencionar à minha avó uma manhã: «Eu vi Franklin. Ele ameaçou me bater e eu peguei um tijolo para bater nele.» Ela me repreendeu muito severamente sobre como eu devia aprender que os brancos eram brancos e que simplesmente não se falava com os brancos nem se agia dessa maneira perto dos brancos. «Você não deve revidar se eles fazem algo com você».

Fiquei muito chateada com isso. Senti que tinha todo o direito de tentar me defender, se pudesse. Minha avó comentou que eu era muito nervosa e que, se não tomasse cuidado, provavelmente seria linchada antes dos vinte anos.

Não tive mais desentendimentos com Franklin, mas não porque estivesse com medo. Só não me lembro de ter prestado mais atenção nele, embora ache que ele passou outras vezes. Mas para mim a atitude da minha avó foi um pouco dolorosa porque senti que ela estava do lado dele e contra mim. Eu senti que ela o estava favorecendo mais do que a mim naquela época.

Muito mais tarde, compreendi que minha avó estava me repreendendo porque temia por mim. Ela sabia que era perigoso para mim agir como se fosse igual a Franklin ou a qualquer outra pessoa branca. Naquela época, no Sul, os negros podiam ser espancados ou mortos por terem essa atitude. Não tive muitos outros desentendimentos com crianças brancas. Principalmente porque as crianças brancas ficavam sozinhas e as crianças negras ficavam sozinhas. Frequentávamos escolas e igrejas diferentes e só entrávamos em contato de vez em quando”.[4]

Anos depois, devido a problemas de saúde na família, Rosa teve que interromper os estudos para ajudar no sustento e foi trabalhar como costureira. Quando seus pais se separaram ela se mudou para Montgomery, capital do Alabama. Em 1932, casou-se com Raymond Parks e adotou o sobrenome do marido. Barbeiro de profissão, Raymond era membro da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, pela sigla em inglês), uma organização que questionava a discriminação, as ações violentas dos brancos e a desigualdade na educação através de processos judiciais.


Durante os anos de 1940, Rosa foi secretária da NAACP e participou ativamente das suas atividades. Uma de suas funções era a de manter o registro das situações de discriminação, tratamento injusto ou violento contra as pessoas negras. Entre os casos que marcaram a sua memória, está o da senhora Recy Taylor, de Abbeville. Ao voltar da igreja em 3 de setembro de 1944, um grupo de seis supremacistas brancos a jogaram num carro para sequestrá-la e estuprá-la. O relato dos acontecimentos relativos à ação judicial impetrada pela Associação ajuda a ter uma ideia do que significava buscar os próprios direitos num ambiente onde tudo era montado para que fossem sistematicamente negados:

“Um Grande Júri do condado de Henry recusou-se a indiciar os seis homens brancos, embora o motorista do carro que a sequestrou tenha confessado e identificado seus cúmplices. Muitas pessoas, negros e brancos, ficaram revoltadas com isso. Algumas pessoas formaram o Comitê para a Justiça Igualitária para a Sra. Taylor.

Caroline Bellin, a secretária executiva branca do comitê, tentou ajudar a Sra. Taylor e veio para Montgomery para a NAACP. Isso foi durante o verão de 1945. Tentamos ajudar, mas não havia muito que pudéssemos fazer. A Sra. Bellin tentou visitar a casa da Sra. Taylor em Abbeville, mas o xerife maltratou-a e ordenou-lhe que ficasse fora da zona negra da cidade. A NAACP e o comitê conseguiram que o governador Chauncey Sparks convocasse um Grande Júri especial para investigar o caso, mas  este também se recusou a indiciar os homens.

É claro que o oposto seria verdadeiro se uma mulher branca denunciasse um estupro e acusasse um homem negro. Quantas coisas os jovens negros sofreram por causa das mulheres brancas! Lembro-me do pobre Jeremiah Reeves. Ele era motorista de entregas, apenas um adolescente. Uma mulher branca costumava convidá-lo para ir à casa dela (eles estavam tendo um caso), e as pessoas começaram a perceber isso. Certo dia, um vizinho, ou alguém, espiou pela janela e os viu se despindo. Assim que a mulher detectou que havia alguém olhando para dentro, ela começou a gritar que estava sendo estuprada. A polícia veio e o pegou”.[5]

Na década de 1950, um dos principais objetivos da NAACP era pôr fim à segregação racial nos ônibus de Montgomery. Pouco menos da metade da população era composta por afrodescendentes, a maioria dos quais morava na periferia e utilizava o transporte público para ir ao trabalho, fazer compras no centro e ter momentos de lazer. Embora os negros representassem mais de 75% dos passageiros, só podiam sentar na parte traseira do veículo.

As regras impostas pela administração municipal reservavam os assentos das primeiras quatro fileiras aos brancos. Os negros podiam ficar no meio do ônibus até que a parte dianteira não tivesse mais lugares vagos. Neste caso, assim que um branco subia no veículo, os negros deviam ceder estes assentos sob pena de serem presos e indiciados por violação da ordem pública.

A definição dos espaços também determinava que o corredor na área reservada aos brancos não podia ser utilizado para os negros ficarem em pé durante a viagem e nem para se dirigirem à parte traseira após o embarque. Desta forma, eles deviam entrar pela porta ao lado do motorista, pagar a passagem, descer do veículo e subir pela porta traseira, ainda que esta já tivesse gente se apinhando nos degraus. Aparentemente sem sentido pelos atrasos que causava à viagem de todos, o cumprimento das regras servia para reafirmar que os negros deviam se acomodar em seu espaço de inferioridade sem nada reivindicar.


Durante anos, a comunidade negra se queixou de que a situação era injusta, mas não havia nenhum movimento para pôr fim à segregação. A NAACP esperava poder transformar um caso individual num evento que mobilizasse para um protesto que fosse além dos trâmites jurídicos costumeiramente percorridos sem sucesso pela Associação.

Na primavera de 1955, Claudette Colvin, se recusou a ceder o seu assento a um branco. A polícia entrou no ônibus, a arrastou para fora e a colocou na cadeia. Após o fracasso de todas as solicitações encaminhadas às autoridades municipais e à empresa de transporte pedindo um tratamento não discriminatório, o advogado da NAACP, Edgar Nixon, ponderou a possibilidade de levar o caso aos tribunais federais.

Claudette estava disposta a enfrentar a batalha jurídica que se seguiria e a Associação promoveu várias reuniões a fim de arrecadar fundos para a sua defesa. Tudo ia bem até descobrir que a adolescente estava grávida e, por não ser casada, a sua situação abriria a possibilidade de a recusa a ceder o lugar ser duramente desqualificada pela imprensa com base nos padrões morais da época. Diante da perspectiva de não ter o apoio da opinião pública, a NAACP avaliou que o caso não tinha a menor chance de sucesso e abandonou a ideia de abrir uma ação nas instâncias superiores.

A ocasião certa se apresentou quando Rosa enfrentou uma situação semelhante ao voltar do trabalho na noite do dia 1 de dezembro do mesmo ano. Ao ver que permanecia sentada num dos assentos localizados na metade do ônibus deixando em pé os brancos que acabavam de embarcar, o motorista pediu que ela se levantasse. Diante da sua recusa, comunicou que mandaria prendê-la. Rosa permaneceu sentada e respondeu que ele podia fazer isso.

O condutor parou o veículo e chamou a polícia. Enquanto isso, a maioria dos negros que lotava a parte traseira desceu e, sem proferir palavra, tratou de embarcar logo no ônibus seguinte. Rosa continuava sentada no seu lugar tentando não pensar no que iria acontecer com ela. Sabia que podia ser maltratada, espancada e presa, mas o peso da discriminação fortalecia a convicção de que não era mais possível baixar a cabeça. Uma convicção que Rosa resume numa única frase:

“Quanto mais cedemos e obedecemos, pior eles nos tratam”.[6]

Conforme ela mesma relata, o seu gesto não guardava nenhuma relação com o caso que a NAACP estava esperando e, menos ainda, com o cansaço acumulado na longa jornada de trabalho na loja de departamentos onde ajustava a roupa ao tamanho dos clientes que a haviam comprado:

“As pessoas sempre dizem que eu não cedi o meu lugar porque estava cansada, mas isso não é verdade. Eu não estava cansada fisicamente, ou não estava mais cansada do que normalmente estava no final de um dia de trabalho. Eu não era velha, embora algumas pessoas têm uma imagem de mim como velha naquela época. Eu tinha 42 anos.

Não, a única coisa da qual estava cansada, era cansada de ceder”.[7]

Momentos depois, dois policiais brancos entraram no ônibus, pegaram a sua bolsa e a sacola das compras e a levaram para a delegacia. Rosa não foi agredida nem na hora de ser retirada do ônibus, nem durante a trajeto até a delegacia. Apenas teve que suportar as falas dos agentes que reprovavam o seu gesto. Eles simplesmente não conseguiam entender o motivo de não ceder o assento, conforme mandava a lei, e questionavam insistentemente o seu comportamento. Como membros ativos de um sistema segregacionista, era impossível para os policiais aceitar que alguém estivesse caçando sarna para se coçar por causa de tão pouco.

A notícia da prisão de Rosa se espalhou como um rastilho de pólvora. O advogado da NAACP se mobilizou imediatamente e, diante da recusa do delegado em comunicar a razão da detenção, contou com o apoio de um colega branco que simpatizava com a Associação. Descoberto o motivo da prisão e a fiança a ser paga, se desdobrou para agilizar os trâmites legais. No dia seguinte, Rosa era colocada em liberdade. Na NAACP, todos estavam indignados com o que havia ocorrido com ela. Obtida a sua concordância, a Associação lançou a ideia de boicotar os ônibus da cidade na segunda-feira, 5 de dezembro, dia em que Rosa seria julgada.

Na sexta-feira anterior, já estavam prontas 35.000 cópias de um panfleto que convocava os negros a não utilizar o transporte público no início da semana seguinte. À noite do mesmo dia, haveria uma reunião para falar sobre o assunto na igreja de Holt Street. Por estar na comunidade negra, o local ajudaria as pessoas a não terem medo de comparecer. Os jornais de grande circulação haviam sido avisados e os Pastores mais conhecidos, entre os quais estava Martin Luther King, convidados a mobilizar o apoio de suas comunidades.

A participação na reunião do dia 2 superou as expectativas mais otimistas. A igreja estava lotada e centenas de outras pessoas ficaram do lado de fora, pois não havia mais lugar em seu interior. O NÃO de Rosa começava a ressoar na comunidade negra por ser o mesmo NÃO que, durante décadas, estava entalado nas gargantas de seus mem

O boicote aos ônibus da cidade começou no dia estabelecido. Naquela altura, ninguém podia dizer quanto duraria e nem mesmo como fazer para mantê-lo. As dificuldades diárias que cerca de 30.000 negros deviam enfrentar para chegar ao trabalho, ir à escola e ter acesso ao centro da cidade para os mais diversos afazeres se somavam à incógnita quanto às possíveis reações das autoridades e dos grupos de supremacistas.


Os primeiros 15 dias de luta foram essenciais para organizar o transporte alternativo. Quem tinha carro, usava-o para ir ao trabalho e dar carona aos vizinhos. Outros faziam o trajeto com suas bicicletas, em carroças ou caminhando. Os taxistas negros reduziram a tarifa mínima de 45 para 10 centavos de dólar, o mesmo preço da passagem de ônibus, e embarcavam passageiros até completar a lotação máxima dos veículos. Durante os horários de pico, homens e mulheres negras enchiam as calçadas enquanto os ônibus circulavam vazios. Desde o início do boicote, a NAACP se deparou também com um fato totalmente inesperado: muitos empregadores brancos usaram seus próprios carros para ir buscar os funcionários negros nos bairros onde moravam a fim de não perder nem os lucros oriundos do seu trabalho, nem os serviços domésticos aos quais estavam acostumados.

No dia 8 de dezembro, a prefeitura começou a multar os motoristas de táxi que cobravam menos dos 45 centavos de dólar da tarifa oficial e, dias depois, a polícia metropolitana realizou algumas prisões pelo mesmo motivo. Alguns agentes se uniram os supremacistas brancos que agrediam os negros nos lugares onde aguardavam as caronas ou que se deslocavam com os seus veículos.


 Sabendo que ficariam impunes, em janeiro de 1956, estes mesmos grupos atearam fogo nas casas de Ralph Abernathy, Martin Luther King e na de Edgar Nixon, bem como em quatro igrejas batistas da cidade.[8] A casa de Rosa não foi alvo dos atentados. Perdido o trabalho na loja de departamentos, a pressão sobre ela e os familiares vinha das constantes ameaças de morte que a apontavam como a causa de tudo o que estava acontecendo.

A demissão dos que aderiam ao boicote e as agressões que infernizavam o cotidiano dos negros não conseguiam quebrar a determinação de manter vivo o movimento e alimentavam a solidariedade que fortalecia a sua continuidade. Em todo o país, as igrejas dos negros levantavam dinheiro para comprar peruas e custear os veículos do transporte alternativo. Muitas juntaram roupas e, sobretudo, sapatos novos e seminovos a serem doados às pessoas que, por estarem desempregadas ou percorrerem a pé longas distâncias até o trabalho, precisavam de calçados para se manterem fiéis ao movimento. Aos poucos, o NÃO dos negros em Montgomery se espalhava a outras cidades do sul dos Estados Unidos.

Quanto mais o boicote avançava, mais aprimorada era a organização para mantê-lo. Segundo o depoimento da própria Rosa, em alguns meses, o sistema alternativo de transporte contava com 20 carros particulares, 14 peruas e 32 picapes, com locais de embarque e transferência definidos e um serviço que agendava as corridas entre as cinco e meia da manhã e a meia noite e meia.

Fracassadas todas as tentativas de negociar com a prefeitura, no início de fevereiro, a NAACP impetrou uma ação no Tribunal Distrital dos EUA alegando a inconstitucionalidade da segregação racial nos ônibus de Montgomery.

                           


Enquanto isso, o movimento estava saindo caro tanto para a empresa de ônibus que via seus veículos circularem quase vazios, como para as lojas do centro da cidade, a maioria das quais era de propriedade dos brancos. Para estancar as perdas sofridas, no dia 21 de fevereiro, um grupo de advogados brancos invocou uma norma de 1921 que proibia os boicotes e entrou com uma ação que levou à detenção de 156 pessoas por “frustrarem” o serviço de ônibus, entre elas a própria Rosa. Ao retratar a postura dos presos na delegacia, as matérias que saíram nos jornais do dia seguinte deram ainda mais visibilidade ao movimento e começaram a transformar Martin Luther King numa figura nacionalmente conhecida. Com isso, longe de diminuir, o apoio ao movimento cresceu, o que ajudou a arrecadar a soma necessária para pagar as fianças de todos.

Os julgamentos começaram em março. Os advogados dos réus não tiveram dificuldades em encontrar as testemunhas de que precisavam. Apesar da clareza dos depoimentos, Martin Luther King foi condenado a escolher entre pagar uma multa de 500 dólares (algo próximo a 5.750 dólares atuais) ou a passar 386 dias na prisão. Os advogados entraram com um recurso e a sentença foi anulada.

A partir deste momento, Rosa foi convidada por várias comunidades negras do Alabama e de outros estados para dar o seu depoimento e informar sobre o andamento da luta. As ações realizadas em Montgomery começavam a agitar as águas em outras cidades. Campanhas contra a segregação davam os primeiros passos também em Atlanta, Nova Orleans, Miami e Mobile com o envolvimento direto das igrejas.

No início do segundo semestre, os brancos tentaram novamente quebrar o boicote levando as seguradoras do Alabama a não renovarem as apólices dos veículos do transporte alternativo. Sem a cobertura exigida pela lei, os carros poderiam ser apreendidos pelos policiais metropolitanos. Apos várias idas e vindas, um corretor de seguros negro de Atlanta, capital da Geórgia, se prontificou a regularizar a situação, permitindo assim que o boicote seguisse o seu curso.

O ódio dos segregacionistas aumentava e a cidade registrava seguidos ataques a negros que estavam simplesmente caminhando pelas ruas. Fracassadas as tentativas de cortar as cabeças do movimento, a Ku Klux Klan optava por espalhar o terror como forma de esvaziá-lo, mas a determinação da comunidade negra sustentou a sua continuidade.

No dia 13 de novembro, duas novas medidas buscaram desferir mais um golpe baixo. A primeira vinha do Conselho Municipal de Montgomery que havia recebido da justiça a permissão de impedir a circulação das frotas de táxi alegando que os carros estavam trafegando com contratos não licenciados pela prefeitura. A forte redução da disponibilidade destes veículos levou os negros a fazer com que as peruas compradas com as doações passassem a funcionar com a capacidade redobrada. Em curto espaço de tempo, os problemas gerados pela não circulação dos táxis foram minorados.

A segunda ocorreu a partir de uma iniciativa do Prefeito que procurou os tribunais para obter uma ordem que impedisse os negros de se reunirem nos pontos de embarque alegando que incomodavam os demais ao falarem e cantarem em voz alta. Mas a permissão da justiça local de dissolver estes grupos veio no mesmo dia em que a Suprema Corte dos Estados Unidos condenou como inconstitucional a segregação nos ônibus de Montgomery.

A comunidade negra comemorou muito a notícia, mas decidiu manter o boicote até que a ordem escrita chegasse ao sistema judiciário do Alabama. No dia 20 de dezembro, os negros voltaram a utilizar o transporte público em igualdade de tratamento com os brancos. Após 381 dias de luta, chegava ao fim a primeira ação destinada a abalar o sistema segregacionista estadunidense.

O fim do boicote em Montgomery coincidiu com o pipocar de novas ações contra a segregação em outras cidades do país no que seria o prelúdio das grandes batalhas pelos direitos civis dos negros nas décadas de 1960 e 1970. Até o dia da sua morte, em 24 de outubro de 2005, aos 92 anos de idade, Rosa participou ativamente de inúmeros momentos de luta. Ao lembrar da sua recusa em ceder o lugar a um branco, o Pastor Jessie Jackson resumiu em breves palavras o sentido do seu gesto:

“Ela ficou sentada para que todos nós pudéssemos levantar. Paradoxalmente, a sua prisão abriu as portas da nossa longa viagem para a liberdade”.[9]

A legalização da segregação havia chegado ao fim, mas o preconceito racial na sociedade estadunidense nunca deixou de existir. Como elemento estrutural do sistema, o racismo se vale da qualidade do emprego e da renda para que brancos, negros e latinos tenham tratamentos diferenciados. As condições de vida, o acesso à educação e ao lazer, as oportunidades de evoluir e a possibilidade real de cuidar da própria saúde seguem levantando barreiras que segregam, dividem, empobrecem e matam.

Questões sociais tratadas como caso de polícia continuam alimentando estereótipos que transformam marginalizados em inimigos. Os negros têm suas vidas ameaçadas pelo preconceito que orienta a ação das forças policiais. Inúmeras intervenções levaram à morte de pessoas negras em situações nas quais estavam completamente rendidas aos agentes que fizeram a abordagem. Ser negro ainda é viver sob constante ameaça de morte num país onde o sonho de um futuro melhor é uma miragem enganadora para a maioria e uma meta ao alcance de poucos.

Sendo assim, do que valeu a luta de quem, como Rosa, não poupou esforços para combater a segregação?




O NÃO que pronunciaram com suas ações mostrou que nenhum oprimido deve se dobrar à humilhação imposta pelos opressores. Ainda que, de imediato, não reúna as condições de uma resposta à altura das agressões sofridas, este NÃO que expressa a sua indignação deve gerar ações que encontram os NÃO dos seus pares. A corrente que une vontades dispersas numa causa comum dá origem a formas de luta que, passo a passo, abrem uma brecha na ordem que condenava a aceitar a segregação como algo justo e natural. 

Dos Estados Unidos, seguimos agora para a Grã Bretanha onde mineiros, gays e lésbicas abriram caminhos para superar seus preconceitos e enfrentaram juntos as agressões de um governo que não poupou esforços para destruí-los.

 

3.2 Gays, lésbicas e mineiros: juntos para romper barreiras.

No Reino Unido, o ano de 1984 iniciava sob a égide da reeleição de Margaret Thatcher para mais um mandato dos conservadores à frente do governo do país. O resultado do pleito havia mostrado que a postura agressivamente antissindical da Primeira-Ministra e as pautas por ela defendidas contavam com a aprovação de uma porcentagem significativa da população. A construção de um Estado preocupado em criar um ambiente favorável aos negócios em prejuízo das causas sociais ganhava uma nova e poderosa chance de isolar e silenciar os movimentos que questionavam os seus rumos.

No dia 6 de março de 1984, O Conselho Nacional do Carvão anunciou o fechamento de 20 poços. Oficialmente, esta decisão havia sido motivada pelos elevados custo de extração nas minas mais antigas, pelo declínio do mercado global do carvão e pela necessidade de equilibrar a produção e a venda de eletricidade diante da maior participação de outras fontes na matriz energética do país.

A desconfiança em relação à verdadeira intenção do governo deitava raízes em dois fatores. O primeiro deles é que os custos de extração dos poços mais profundos poderiam ser reduzidos com investimentos que tornariam o preço do carvão local competitivo em relação ao que era produzido em países onde os salários de fome e os subsídios governamentais permitiam conquistar novas fatias do mercado mundial. O segundo tinha como base o cálculo pelo qual os custos das demissões e do salário desemprego eram superiores ao montante relativo aos investimentos necessários para que os poços a serem fechados continuassem em atividade.

Com base nestas constatações, não era difícil concluir que a eliminação de 20.000 postos de trabalho visava enfraquecer o Sindicato Nacional dos Mineiros (NUM, pela sigla em inglês), historicamente o mais forte da Grã Bretanha. Ao privar muitos vilarejos da atividade econômica que estava na base da sua existência, a piora das condições de vida dos moradores ajudaria a esvaziar a disposição de luta dos mineiros e das demais categorias.

No dia 12 de março, o NUM convocou uma greve nacional. A adesão foi imediata e no auge da paralisação, cerca de 142.000 trabalhadores participaram do movimento. Manter viva uma greve que se anunciava longa e desgastante demandava recursos financeiros consideráveis e uma capacidade de organização invejável tanto para garantir piquetes diários, como para distribuir cestas de alimentos às famílias que, sem contar com o salário, seriam forçadas a repensar a adesão ao movimento.

A situação tornou-se dramática, quando, algumas semanas depois do início da paralisação os tribunais impediram o acesso do sindicato às contas bancárias onde estavam depositados os recursos da entidade. Além de não ter dinheiro para apoiar as famílias dos grevistas, a direção do movimento dispunha de bem poucos recursos para organizar a resistência diante de uma polícia que não media esforços para dissolver piquetes e manifestações de protesto.[10]


No mesmo período, os ataques contra os homossexuais vinham de todos os lados. Recheados de histórias que estimulavam o ódio aos gays, os tabloides de direita ajudavam a construir o consenso social tanto em volta das ações do governo (que desqualificava os seus protestos e negava sistematicamente os direitos que estavam sendo reivindicados), como das intervenções policiais nos bares, danceterias e clubes por eles frequentados, onde um simples beijo entre dois homens ou duas mulheres era frequentemente punido com a prisão por “ofensa à decência pública”.

Quanto mais o vírus da AIDS ganhava o estigma de “doença gay” (que, na época, se supunha possível de ser contraída em qualquer contato casual), mais aumentavam os comportamentos homofóbicos e maior era o número de homossexuais que perdiam seus empregos e eram despejados de suas casas. Na paranoia alimentada pelos dados da epidemia, a brutalidade policial contra os homossexuais era a mesma que, ao considerar os piquetes dos mineiros como “atos de terrorismo”, investia sobre eles sem exclusão de golpes.

É neste contexto que, sabendo das graves dificuldades financeiras pelas quais passavam as famílias dos grevistas, durante a marcha do orgulho gay de 1984, Mark Ashton, membro ativo da juventude do Partido Comunista da Grã Bretanha, teve a ideia de ajudar financeiramente uma comunidade mineira em greve. É importante sublinhar que Mark integrava um setor que enfatizava a necessidade de construir uma ampla aliança entre movimentos de mulheres, negros, homossexuais e a classe trabalhadora, levando o partido a lidar com os dilemas que estes grupos colocavam em seus debates internos nos anos de 1980.[11] Ou seja, não estamos falando apenas de alguém que teve uma ideia brilhante, e sim de um militante cujo engajamento ativo nas causas sociais e conhecimentos teóricos permitiam dialogar de forma simples e direta com os setores entre os quais buscava construir laços de solidariedade.

O diálogo com o seu companheiro Mike Jackson ajudou a amadurecer a ideia que seria discutida no espaço Gays The World, onde o grupo de gays e lésbicas ao qual pertenciam havia montado uma pequena biblioteca e mantinha reuniões regulares. Em julho de 1984, nascia o Lesbian and Gays Men Support the Miners (Lésbicas e Gays Apoiam os Mineiros) que passaria a ser conhecido pela sigla LGSM.

Os onze membros de Gays The World eram ligados a grupos comunistas ou simpatizavam com suas ideias. Por isso, não precisavam de maiores explicações para construírem juntos esta ponte com os mineiros em luta. Numa entrevista sobre o tema, Ray Goodspeed, afirma:

Meu apoio aos mineiros, na verdade, tinha muito pouco a ver com eu ser gay, mas com minha origem social. Tive a infelicidade de crescer como uma criança da classe trabalhadora em um bairro de classe média. Todos os meus amigos eram mais ricos do que eu e eu sempre sofri aquele esnobismo. Era humilhante. Neste sentido, meu pai foi uma figura formativa. Como sindicalista apaixonado, ele frequentemente participava de greves e foi colocado na lista negra cedo. Então, o ativismo não era estranho para mim. (...) Aos 16 anos, eu já tinha me filiado a um grupo trotskista”.[12]

O problema, então, era convencer gays e lésbicas que não tinham a mesma visão de mundo a se solidarizarem com a greve de uma categoria cujos preconceitos conheciam. Além de explicar a necessidade desta aliança para frear as investidas do governo contra os movimentos, o grupo precisava vencer as resistências que dificultavam a união entre a luta dos homossexuais e a dos mineiros. Motivos para os gays ficarem com um pé atrás não faltavam.

Um deles guardava uma relação direta com o que havia ocorrido nas greves dos mineiros dos anos de 1970. Algumas das principais lideranças da Frente de Libertação Gay organizaram uma marcha de apoio aos mineiros e foram publicamente ridicularizadas por um grupo de grevistas. Diante desta realidade, os membros de Gays The World avaliavam que enfrentar a homofobia com uma ação solidária era justamente uma das razões centrais para não recuar diante do preconceito, para vencê-lo como gays orgulhosos que se uniam em um coletivo para apoiar uma luta cuja vitória acreditavam ser essencial para todos.

Com uma coleção de baldes plásticos, o LGSM começou a arrecadar fundos na rua em frente ao Gays The World, nos bares, nos clubes e nos demais espaços onde os homossexuais se encontravam. A coleta permitia dialogar com as pessoas, ouvir seus comentários e reunir elementos para entender o que precisava ser feito a fim de aumentar o nível de conscientização sobre a causa dos mineiros entre os gays e as lésbicas.


Na segunda metade de julho, o grupo aprovou quatro diretrizes fundamentais. A primeira delas, descrevia o LGSM como um grupo de solidariedade que não devia fidelidade a nenhum partido político, sendo que os únicos requisitos para integrarem suas fileiras eram que as pessoas fossem lésbicas ou gays e apoiassem o NUM. A segunda diretriz afirmava que o apoio aos mineiros era incondicional, logo se as comunidades carboníferas dos vales de Neath, Swansea e Dulaise, no País de Gales, escolhidas para receberem os recursos, rejeitassem a sua solidariedade, o LGSM continuaria apoiando financeiramente a greve. A terceira determinava que só as pessoas diretamente envolvidas na arrecadação do dinheiro podiam criticar as ações do grupo bem como votar nas propostas e moções que este viesse a elaborar. Finalmente, a última mandava que, por razões de segurança, a coleta devia ser sempre realizada por mais de uma pessoa.[13]


No seu auge, o LGSM chegou a contar com 64 membros com diferentes níveis de envolvimento. Desde o início, ficou claro que a aceitação das pessoas superava as expectativas de todos. Se alguns transeuntes não poupavam xingamentos e expressões homofóbicas, a maioria contribuía de bom grado por ter nascido em famílias de mineiros ou ter algum ente querido que trabalhou ou que ainda trabalhava na extração do carvão.

Responder às críticas também não era um problema para quem, há tempo, estava a direto contato com a população. Alguns alegavam, por exemplo, que o grupo deveria se dedicar exclusivamente às causas dos homossexuais e não dividir as energias de que dispunha apoiando outras pautas. Na maioria das vezes, bastava que um integrante do LGSM perguntasse o que cada um desses indivíduos já havia feito pela comunidade para que o seu silêncio delatasse a ausência de qualquer gesto neste sentido e a coleta criasse um bom motivo para refletir.

Também não faltavam gays e lésbicas que questionavam o apoio à greve pelo fato de que os mineiros nunca haviam se solidarizado com as suas causas. As respostas variavam da possibilidade de que isso poderia acontecer no futuro (ainda, que naquele momento, ninguém nutria esperanças a esse respeito) ao encadeamento do trabalho dos mineiros com algum aspecto da vida cotidiana. Ao responder a esta questão enquanto estava numa discoteca, o próprio Mark diz:

“O que você quer dizer com «os mineiros não nos apoiam»? Os mineiros cavam carvão que é usado como combustível, que faz a eletricidade que aciona as luzes desta discoteca. Você desceria numa mina para trabalhar? Eu os apoio porque eles vão lá e fazem isso. Eu não faria!”[14]

A generosidade das contribuições variava a depender da orientação política das pessoas e das atitudes dos proprietários dos estabelecimentos. Não foram poucos os casos em que os ativistas do LGSM foram expulsos da rua em frente à porta de bares e clubes. Alguns gerentes alegavam que estavam intimidando seus clientes, outros que não gostavam de “bichas políticos” e, em alguns casos, os próprios clientes ligavam para a polícia para que removesse quem estava atrapalhando o seu lazer.[15] Ou seja, ter uma aceitação acima do esperado, passava longe de significar que angariar recursos financeiros para sustentar a greve fosse algo fácil e sem riscos.

Com o resultado da coleta se aproximando das 500 libras esterlinas, o grupo enviou uma carta pedindo que os representantes das comunidades carboníferas escolhidas aceitassem o dinheiro que haviam conseguido. A reunião do sindicato onde o escrito foi lido mergulhou a direção numa discussão muito acalorada. Alguns mineiros eram abertamente hostis e sugeriam que aceitar o dinheiro e manter algum vínculo com o LGSM transformaria aquela sessão sindical em motivo de chacota. Outros argumentavam que nunca haviam conhecido gays e lésbicas e que esta seria uma oportunidade para saber mais sobre eles. Outros ainda diziam que sempre haviam virado as costas para gays e lésbicas por acreditar que não tinham nada a ver com eles e nem eles com a luta dos mineiros, mas que agora, sem salários e ao terem seus piquetes atacados pela polícia, pela mídia e pelo governo, precisavam de todo apoio possível.

Na mesma reunião, não faltaram também expressões de desconfiança alimentadas pela demonização que os noticiários promoviam em relação aos gays, risadinhas maliciosas e piadas que revelavam os traços homofóbicos da cultura da época. Contudo, dois elementos foram determinantes na decisão de enviar alguém a Londres para tecer as primeiras relações com o grupo: a urgência de assegurar os recursos necessários para apoiar os 3500 mineiros da região que estavam em greve e o fato de que, à medida que os próprios mineiros eram demonizados pela mídia, ninguém entre eles sentia que podia confiar no que os meios de comunicação diziam sobre os gays e as lésbicas. Para evitar situações constrangedoras, os mais preconceituosos do grupo foram orientados a ficar longe.

No dia 6 de setembro de 1984, David Donovan foi a Londres para estabelecer os primeiros contatos da que seria uma longa e intensa parceria. Uma mescla de emoção e tensão precedia o encontro. Mike, do LGSM, assim descreve o que aconteceu:

“Merda como estávamos nervosos...não sabíamos o que esperar. É uma consequência da opressão que você tende a ser cauteloso, cínico e a ter baixas expectativas de pessoas que, antes, não tiveram muito a ver com você, no nosso caso, com lésbicas e gays. Nosso apoio aos mineiros era incondicional - estávamos preparados para que os mineiros fossem tão heterossexualistas quanto qualquer outra pessoa podia ser. Podíamos aceitar o preconceito porque eramos fortes e orgulhosos. O preconceito se alimenta do medo e da ignorância, mas aqui estava uma oportunidade de fazer algo a respeito. (...)


Mas as palavras de David superaram todas as nossas expectativas. Ele nos inspirou com sua honestidade sobre a hostilidade que havia contra nós dentro da sua comunidade, mas que também havia apoio para quebrar esse preconceito. Ele nos inspirou com sua clareza e seu comprometimento. Seguimos juntos com maior determinação e mal podíamos esperar para nos reportar aos nossos companheiros na próxima reunião da LGSM.

       

Encontramos David novamente naquela noite e o levamos para o seu primeiro bar de gays e lésbicas, onde arranjamos um jeito para presenteá-lo com nosso primeiro cheque de 500 libras. Os clientes deste bar em particular tinham sido muito solidários e generosos quando fizemos coletas na porta, apesar de a maioria deles ser jovem, ganhar pouco ou desempregada. O DJ parou a música e Mark apresentou David como uma liderança dos mineiros. Ele foi imediatamente recebido com aplausos e palmas e a multidão de cerca de 200 pessoas se aproximou para ouvir o que David tinha a dizer. Ele falou brevemente sobre o andamento da greve até o momento, os problemas que eles enfrentaram e disse: ‘Fui convidado pelo povo do Vale do Dulais a estender a mão da amizade às companheiras e amigas lésbicas e gays em Londres’. Em seguida, convidou os membros do grupo - quantos de nós quiséssemos - para visitar Dulais e ficar na casa dos mineiros. (...)

Percebemos nesta fase inicial que aqui estávamos fazendo história e isso colocou sobre nós um sentimento de responsabilidade e compromisso. Lésbicas e gays, individualmente, haviam sido corajosamente pioneiros no esforço para ter reconhecimento e apoio dentro do movimento trabalhista por anos a fio e com êxito limitado. O grito de que a libertação lésbica e gay fazia parte da luta pelo socialismo não havia sido compreendido. Parecia que só agora, durante um confronto amargo com o Estado, quando a polícia e os tribunais estavam expondo as suas lealdades políticas, quando os barões da imprensa conservadora fizeram de tudo para desacreditar e deturpar a luta dos mineiros, só agora tivemos a oportunidade de um entendimento presencial.

Tivemos que contornar a mídia e falar diretamente um com os outros. Não havia tempo para timidez, reserva ou ingenuidade. Estávamos comprometidos com a solidariedade e isso só pode ser alcançado entendendo a vida e o estilo de vida uns dos outros, aprendendo em quem confiar e em quem não confiar. Ao longo dos meses, grevistas individuais ou suas esposas de Dulais foram enviados para todo o país para estabelecer contatos com outras organizações. Falavam de nós por onde passavam, enfrentando preconceitos e mudando atitudes alheias. Conheci mineiros de outras partes do país que conheceram pessoas de Dulais e eles me diziam que tinham ouvido falar do LGSM”.[16]

Como todas as pessoas e entidades que apoiavam financeiramente a luta dos mineiros, as lésbicas e os gays do grupo foram convidados a conhecerem o ambiente, a vida, o trabalho e a cultura dos mineiros da região. Além de uma forma de estreitar laços de cooperação e amizade, o objetivo do sindicato era de levar quem se solidarizava com a greve a conhecer como estava sendo gasto o dinheiro arrecadado. A hospedagem seria nas próprias casas dos mineiros, a direto contato com a vida familiar durante a greve, a fim de tocarem com as mãos cada aspecto da realidade e da própria organização sindical. Quanto maior a convivência, maior a chance de quebrar barreiras, de ampliar a visão de mundo com as lutas e enfrentamentos nos quais hóspedes e anfitriões estavam envolvidos.

Foi assim que, no final de outubro, um grupo de 27 gays e lésbicas realizavam a que seria a primeira de várias visitas às comunidades mineiras do sul do País de Gales até a encerramento da greve em março de 1985. Ao falar sobre este momento, Siân James, esposa de um mineiro e ativista fervorosa na organização dos suprimentos que ajudavam as famílias a suportar o peso da greve, diz:

Não havia ninguém em nossas comunidades que dissesse que era abertamente gay, mas todos nós conhecíamos pessoas gays. Ninguém nunca disse: 'Ah, bem, ela é lésbica. Ele é gay'. Simplesmente nunca foi falado.

Meu pai trabalhava com dois caras que eram gays e tinham apelidos na colônia. Lembro-me de perguntar: 'Por que eles têm esses apelidos pai?' Ele disse: 'Sabe, eles são um pouco frutados'. Havia todos esses eufemismos, mas ninguém fazia perguntas. (...)

Não tínhamos visto ninguém sendo abertamente anti-gay ou anti-lésbica, mas igualmente, não tínhamos visto ninguém ou ouvido alguém sendo a favor ou admitindo abertamente que era um homem gay ou uma mulher lésbica. Acho que isso foi o que nos chamou a atenção. O fato é que estávamos muito envergonhados, realmente, por não termos feito essas perguntas antes. Foram esses paralelos que vimos que foram incríveis.

Ouvimos sobre as experiências das pessoas, sobre por que elas tiveram que deixar suas comunidades e ir para cidades como Londres para viver suas vidas, sobre suas parcerias e sobre os problemas que enfrentaram. Tínhamos um amigo em particular, Roy, que havia perdido a promoção várias vezes em seu emprego e dissemos: «O que você quer dizer...que não foi promovido porque é gay?» Ele disse: «Quando descobrem que eu sou gay...negam». [17]

Ao comentar as sensações do primeiro encontro nas comunidades mineiras, Mike escreve:

Aquela primeira visita ao vale de Dulais como lésbicas e gays da classe trabalhadora foi um evento emocionante para cada um de nós. Tudo foi feito para que nos sentíssemos muito bem-vindos. Bebíamos com os mineiros e suas famílias, conversamos, dançamos, rimos e nos descobrimos.

Nosso banner [LGSM support the miners] foi exibido por eles na frente do salão. Eles nos convidaram a fazer um discurso para as duzentas ou trezentas pessoas lá - algo para o qual não tínhamos nos preparado - e acabamos intimando Andy Denn a dar conta disso. Os mineiros sabiam que estávamos nervosos e Andy, de 20 anos, tremia quando subiu ao palco. Houve uma tremenda salva de palmas quando os mineiros o apresentaram; em seguida, um ávido silêncio para ouvir o que ele tinha a dizer.

Ele falou direto, do coração, em tons ricos, sobre a solidariedade da classe trabalhadora e a importância de conhecer os interesses comuns uns dos outros. As pessoas ficaram batendo palmas e aplaudindo quando ele terminou. Mais tarde, naquela noite, eles leram poesias e cantaram para nós.

Ficamos em suas casas, fomos passear com seus filhos na antiga paisagem escarpada que cerca os vilarejos próximos aos poços, fomos para a mesma reunião de grupos de apoio onde eles nos presentearam com troféus. E tudo isso como lésbicas e gays - isso é tudo o que eles sabiam sobre nós no início. (...). A luta pelo socialismo, incluindo a libertação de lésbicas e gays, os aspectos mais pessoais da vida e da cultura da classe trabalhadora, estavam todos reunidos em um único momento.

Por isso senti que era como voltar para casa!

David nos disse que a greve estava ensinando muito a eles; eles agora sabiam o que era assédio policial, o que eram mentiras e distorções da mídia. «Coisas que pessoas negras, lésbicas e gays experimentam há muito mais tempo do que nós». Até aquele momento, ele tinha sido apenas um membro do partido trabalhista local, mas a greve estava mostrando a ele de onde vinha seu verdadeiro apoio; eles estavam profundamente decepcionados com a resposta da liderança do partido à greve. Agora era importante fazer ligações com novos aliados e combater juntos a opressão de um inimigo comum. Foi por isso que ele foi enviado para nos encontrar. As pessoas queriam saber mais sobre nós. Ele sentou e nos ouviu falando sobre nossa política e nossas experiências recentes da greve dos mineiros.

Não fomos ingênuos quanto ao fato de que haveria homofobia na comunidade mineira assim como havia em qualquer lugar. Contamos a ele sobre a tremenda recepção que tivemos quando desfraldamos nossa bandeira na manifestação nacional feminina três semanas antes. Estávamos otimistas de que uma grande parte da comunidade lésbica e gay estava se identificando cada vez mais com as comunidades mineiras.”[18]



Outras visitas vieram em seguida, tanto dos membros do LGSM às comunidades mineiras, como dos mineiros em greve e suas famílias à entidade em Londres, onde se hospedavam nas residências dos integrantes do grupo. Numa das visitas, o LGSM presenteou os mineiros com uma van na qual eles mesmo fizeram questão de colocar o logotipo do grupo. O veículo era usado tanto para entregar alimentos às famílias dos grevistas, como para levar as pessoas para os piquetes.

Nesta altura, as notícias sobre o apoio de lésbicas e gays à greve se espalhavam para as comunidades mineiras em todo o país. Os integrantes do LGSM colavam em suas roupas o adesivo com a palavra de ordem da greve dos mineiros (Coal Not Dole - carvão não demissões) e o levavam a todas as atividades e manifestações que organizavam ou das quais participavam. Por sua vez, muitos mineiros de Dulais usavam na lapela o broche do LGSM e muitos mais começaram a ampliar os horizontes de suas visões de mundo. O contato direto com pessoas simples tocava a vida de todos produzindo mudanças impossíveis de serem imaginadas quando da organização do movimento.

       

O trabalho de coleta progredia e vários eventos eram organizados com esta finalidade. Criatividade e compromisso não faltavam, mas nem tudo corria sem problemas. Numa tentativa de colocar a opinião pública contra a greve, o tabloide The Sun publicou uma matéria acusando os mineiros de receberem dinheiro de grupos de pervertidos. Longe de se intimidarem com este golpe baixo, os membros do LGSM transformaram a manchete do jornal no chamado para um grande show beneficente a ser realizado no dia 10 de dezembro de 1984, cujo cartaz levava o título de Pits and Perverts (Poços e Pervertidos).

A mobilização para o evento reuniu artistas gays conhecidos que se dispuseram a atuar gratuitamente. Camisetas foram estampadas com o desenho do cartaz que convocava para o evento e foi cobrado um ingresso de 4,50 libras que seria integralmente revertido em apoio à luta dos mineiros. O evento reuniu cerca de 1.500 “pervertidos” orgulhosos de contribuírem para a continuidade da greve.

A arrecadação de 5.650 libras foi imediatamente entregue aos mineiros. Mas esta não foi a única boa notícia do baile no Electric Ballroom de Londres. Entre uma atração e outra, David Donovan, convidado a falar, resumiu o sentido de um evento que ia muito além da coleta de fundos:

“Vocês usaram o nosso adesivo, Coal Not Dole, e sabem o que significa assédio, como nós. Agora, nós vamos fixar o seu distintivo em nós, vamos apoiá-los. Não vai mudar da noite para o dia, mas agora 140.000 mineiros sabem que existem outras causas e outros problemas. Sabemos de negros e gays e do desarmamento nuclear e nunca mais seremos os mesmos”.[19]

As palavras de David não compunham frases de ocasião, mas expressavam o compromisso de aprofundar uma luta conjunta cujos primeiros sinais haviam se manifestado timidamente na Conferência do Partido Trabalhista, em outubro de 1984. Nesta ocasião, o NUM enviou uma mensagem de solidariedade aos companheiros e companheiras da Campanha Trabalhista pelos Direitos Legais das Lésbicas e Gays:

“Apoiar as liberdades civis e a luta de lésbicas e gays. Congratulamo-nos  com os laços estabelecidos com o Sul do País de Gales e outras regiões. Nossa luta é sua. Vitória para os mineiros”.[20]

No dia 3 de março de 1985, a greve era encerrada sem conseguir barrar o fechamento dos poços. Depois de 364 dias de paralisação, o gosto amargo da derrota permeava a alma dos grevistas e de quem havia apoiado o movimento. A Primeira-Ministra, Margaret Thatcher, havia conseguido impor a sua vontade e esta implicaria no início de um longo período de desemprego para milhares de trabalhadores. Mas as dificuldades do enfrentamento haviam provocado mudanças significativas.

De um lado, a greve havia dado voz às mulheres das comunidades do País de Gales. A indignação de verem seus maridos serem tratados pelo governo, não como trabalhadores que arriscam suas vidas nas entranhas da terra e sim como “inimigos internos”, despertou um envolvimento com o qual conquistaram voz e voto nas decisões que diziam respeito à greve. Siân James resume em breves palavras a mudança que a participação do movimento havia introduzido nas relações de gênero:

                Siân James, em 1984

“O que você tem a dizer é tão válido quanto o que as outras pessoas têm a dizer. Por que minha opinião sobre a greve deveria ser inferior à de Ian MacGregor, Arthur Scargill ou Margaret Thatcher?”[21]

De outro, os vínculos criados entre os mineiros e o LGSM haviam iniciado uma mudança duradoura. De acordo com a própria Siân:


“Amigos meus de outros campos de carvão no sul do País de Gales estavam encontrando nossos amigos e vindo para ficar com eles e socializar. Eles então estavam voltando para suas comunidades, dizendo: 'Quer saber? Isso aí sobre os gays não é verdade. Isso aí sobre as lésbicas não é verdade, porque conhecemos homens gays e mulheres lésbicas e eles são como nós." Foi uma bolinha que começou a rolar.

Embora a derrota dos mineiros tenha sido um golpe na época, ironicamente, acho que energizou muita gente a perceber que você não pode simplesmente aceitar que essas coisas aconteçam. Sim, são um golpe, mas você precisa se reunir, organizar e redobrar seus esforços. Para as lésbicas e os gays, houve coisas que saíram da derrota e que, na época, provavelmente eram difíceis de antecipar. Mas, não muito depois do fim da greve, o NUM apoiou movimentos dentro do Partido Trabalhista para adotar um compromisso com os direitos de lésbicas e gays como parte de suas linhas de ação. Isso foi o resultado direto do envolvimento de lésbicas e gays no apoio aos mineiros durante a greve.”[22]

A primeira forma de solidariedade com os homossexuais levou os mineiros a apoiarem instituições que lutavam contra a AIDS, a escrever cartas para a imprensa local explicando o que era o HIV e a falar sobre o LGSM em todas as reuniões e eventos dos quais estavam participando. Em junho de 1985, o NUM e as comunidades mineiras do sul do País de Gales enviaram centenas de pessoas à marcha do Orgulho Gay em Londres. Além de suas faixas, estendartes e da banda musical, os mineiros levaram ao evento o compromisso de continuar apoiando as lutas que haviam conhecido através dos contatos com o LGSM.[23]

  A sessão do NUM do sul do País de Gales apoiou os direitos à igualdade de lésbica e gay na Conferência do Partido Trabalhista e no Congresso Sindical de 1985, inscrevendo nas resoluções finais o compromisso de apoiar as lutas dentro e fora do âmbito parlamentar. Em 1988, o NUM participou ativamente das mobilizações contra a aprovação do artigo 28 pelo qual o governo do Reino Unido proibia as autoridades locais de dar visibilidade à homossexualidade e que as escolas sob sua jurisdição falassem da aceitabilidade de uma família composta por gays e lésbicas.[24]

A posição do NUM levou os demais sindicatos a apoiarem as reivindicações dos homossexuais. No entanto, para além do estímulo oriundo da reciprocidade da ajuda que os mineiros haviam recebido durante a greve, demorou anos para que este apoio se consolidasse e ganhasse pernas próprias no movimento sindical. Por outro lado, o grupo que mantinha como ponto de encontro a pequena biblioteca Gays The World, não cessou de se solidarizar com as lutas dos trabalhadores. Em 27 de janeiro de 1987, por exemplo, Mark Ashton estava num piquete em frente à gráfica Wapping, em Londres.

Mark viria a falecer no dia 11 de fevereiro do mesmo ano, vítima de uma pneumonia relacionada à AIDS. Seu funeral contou com a presença de uma muitas figuras da política, da música e do mundo gay em Londres, bem como de mineiros e suas famílias, em reconhecimento ao papel transformador desempenhado pelo LGSM durante a greve.[25]

Felizmente, o legado de Mark e dos demais membros da LGSM não se perdeu nas páginas empoeiradas do tempo. As provas de que esta semente continua alimentando lutas e compromissos contra o preconceito está na inspiração que outros grupos de lésbicas e gays encontraram no LGSM para se solidarizem com os migrantes, vítimas das políticas de Estado e do racismo que marca presença na sociedade europeia. O que era Lesbian and Gays Support The Miners se tornou Lesbian and Gays Support The Migrants, a mesma sigla e o mesmo compromisso para que a luta continue em novas frentes.

Os novos LGSM se tornaram conhecidos tanto pelas coletas que realizam, como pelas ações que marcam sua posição em defesa destes marginalizados. Na noite de 28 de março de 2017, por exemplo, 15 ativistas abriram um buraco na cerca do Aeroporto Standsted, de Londres e se acorrentaram a um boeing 767 estacionado no pátio. O bloqueio destinado a impedir um voo que iria deportar migrantes africanos para Gana e Nigéria atingiu o seu objetivo, mas todos os ativistas foram presos.

O Ministério Público acusou os membros do LGSM de colocarem em risco o aeroporto, um crime que, em função da lei aprovada em 1988 após o atentado de Lockerbie, poderia levar à prisão perpétua. No dia 18 de dezembro, o juri considerou o grupo culpado deste crime. O veredicto despertou uma campanha de protestos em apoio aos ativistas. O recurso foi julgado em 6 de fevereiro do ano seguinte. Na ocasião, o juiz decidiu não prendê-los por entender que o seu gesto não guardava nenhuma relação com o terrorismo, mas, sim, com razões genuinamente humanitárias.

Tempos depois, realizaram a queima pública de 35.000 notas de Libras esterlinas nas quais havia sido impresso o rosto de Teresa May, a Primeira-Ministra da época. Coberta pela revista Newsweek e pelo jornal The Independent, a ação condenava a norma do governo conservador pela qual os trabalhadores e as trabalhadoras não originários da União Europeia e do Reino Unido poderiam ser deportados após 5 anos de permanência no país a menos que conseguissem provar uma renda anual de 35.000 libras.[26]

A razão disso tudo?

Simples. Como pessoas LGBTQIA+, todos e todas sabem ó que serem rotuladas como ilegais, conhecem na própria pele o que significa ser alvo da polícia e da mídia, o que se experimenta ao serem colocadas sistematicamente do lado do mal e a angústia de quem é transformado em bode expiatório pelo simples fato de ser quem é.

O sofrimento e a resistência coletiva vividos pelos seus grupos e comunidades constituem o pilar da ponte que constroem com aqueles que são vítimas da opressão do Estado e marginalizados pela sociedade. Das coletas às ações mais contundentes ou performáticas, o objetivo dos novos LGSM é o de inspirar outras pessoas a somarem forças com os discriminados a fim de derrubar as divisões erguidas pelos interesses dominantes.[27]

Da Grã Bretanha, descemos agora até a Itália e, mais precisamente, à região do Mar Mediterrâneo entre a África e a ilha de Lampedusa para conhecer a comandante de um navio de salvamento, cuja coragem colocou o dedo numa ferida que os europeus escondem.

 

3.3 Carola Rackete: presa por salvar vidas

As embarcações superlotadas de migrantes que chegam ao território italiano já não fazem notícia como há vinte anos atrás. As atenções da população se voltam momentaneamente para elas quando as imagens chocantes de um naufrágio abrem uma brecha na insensibilidade na população. Os cadáveres na praia despertam instantes de compaixão, orações, lamentações e reprovações, mas nenhuma reflexão sobre o porquê das migrações.

Considerada um capricho da vontade pelo senso comum, a decisão de atravessar o Mediterrâneo ganha as feições de um gesto intempestivo e irresponsável. Mas quem conhece a realidade através das histórias das pessoas que resgatou tem uma visão nua e crua do que leva homens, mulheres e crianças a arriscarem a vida naquelas águas. É assim que a capitã, Carola Rackete, alemã, de 31 anos de idade, descreve o que os países ricos se negam a reconhecer:

“Há muito tempo, a ânsia por prosperidade e crescimento permanente faz com que os países industrializados se sirvam dos países e das pessoas nas regiões menos abastadas do planeta. No período colonial, esses povos foram roubados em sua autonomia política, econômica e cultural. O sinal mais visível disso são as fronteiras estabelecidas de forma arbitrária, gerando conflitos até hoje.

A hegemonia econômica também permanece: criam-se monoculturas que exaurem a terra e exigem fertilizantes sintéticos e pesticidas. O resultado é a desertificação crescente e a piora do solo, além da diminuição da diversidade das espécies. Além disso, diversas vezes, essas monoculturas ocupam áreas das quais a população local precisaria urgentemente para o cultivo de alimentos básicos.

Como se não bastasse, países que investem numa variedade pequena de produtos agrícolas são mais dependentes do mercado mundial. O café e o cacau, por exemplo, são produtos de exportação suscetíveis a crises: seus preços são frequentemente definidos por especuladores.

(...) Para poder falar dos refugiados nos botes, primeiro devemos falar da injustiça global: a prosperidade de alguns países, de empresas multinacionais e de pessoas ricas tem como base a mão de obra e os recursos minerais dos países pobres sem nenhuma perspectiva. Os países industrializados na Europa e em outras regiões carregam uma grande responsabilidade pela existência de guerras civis, dificuldades econômicas exploração e maus tratos. Mais até: eles ganham dinheiro com isso. Vivemos num mundo globalizado, e nós, nos países europeus, pertencemos ao pequeno grupo que tira proveito da situação.

Nosso lixo eletrônico é exportado em navios para Gana; nossas camisetas são produzidas em países de baixa renda, como Bangladesh; cobalto e coltan - matéria-prima para nossos celulares - são extraídos em condições desumanas no Congo, em parte, por crianças. Nosso estilo de vida tem influência direta no cotidiano das pessoas no sul global, levando-lhes doenças, poluição e trabalho sem seguridade social. Com nossa alta demanda por energia e as emissões resultantes, estamos destruindo até mesmo o clima, e isso se reflete, antes de tudo - de forma massiva -, nos países que menos contribuíram para o aquecimento do planeta.

Desse jeito, também estamos fomentando a pobreza global, criando razões para as pessoas fugirem de seus países.

Enquanto esse sistema econômico continuar produzindo uma desigualdade social tão severa e a exploração da natureza em todas as regiões da Terra seguir em frente, seres humanos continuarão confiando suas vidas a botes nos quais, sem dúvida, ninguém ousaria embarcar por vontade própria. É por isso que não se trata de uma crise dos refugiados. É uma crise de justiça global”.[28]

Sendo assim, começamos a perceber que, em cada embarcação lotada além de qualquer limite prudencial, não há pessoas que escolhem a aventura para dar um rumo às suas vidas. Os passageiros dos botes que saem da Líbia em direção à Ilha de Lampedusa, localizada a 297 km de Trípoli, fogem de uma história de angústias e sofrimentos tão grandes que esta travessia extremamente arriscada se apresenta como a única saída diante do que enfrentariam se ficassem no continente africano.


A breve descrição que Carola faz dos riscos de percorrer esta rota em um bote inflável ajuda a entender a gravidade da situação:

“O Mar Mediterrâneo é mais perigoso do que a maioria dos turistas pensa: o tempo pode virar repentinamente, e aí um bote inflável com quatro câmaras de ar não oferece muita proteção. Basta que uma dessas câmaras comece a esvaziar para que o bote superlotado afunde.

(...) Quase ninguém aí sabe nadar, e, com o mar agitado, é muito grande o risco de arrebentar uma das câmaras ou até o chão do bote. O resgate fica então ainda mais difícil, porque, como era de se esperar, o pânico aumenta.

         


Os galões com gasolina que eles recebem para a viagem muitas vezes não têm tampa, e, quando o bote vira, o combustível vaza no mar em torno das pessoas que se debatem na água. Basta um pequeno gole que a pessoa já desmaia e se afoga. Os refugiados viajam sentados nas bordas do bote inflável; no meio, mulheres grávidas e crianças pequenas. Sempre que vejo essa cena, fica evidente para mim o risco que correm”.[29]

Além de carregar o estigma da cor e da clandestinidade, todos os africanos deixam o continente de mãos abanando e desembarcam no litoral italiano no limite de suas forças e sem documentos. O cotidiano nos campos de acolhida não tarda em mostrar que, para os autóctones, eles não passam de um problema que adorariam não ter que enfrentar. Ao sair destes espaços de confinamento, a discriminação e a necessidade de sobreviver em um ambiente hostil fazem com que ter um emprego por um salário bem inferior ao que um italiano receberia por um trabalho igualmente duro, insalubre e desgastante, seja visto pelos imigrantes como uma benção e como uma dívida de gratidão a ser constantemente cobrada por quem ofereceu a vaga. E isso apesar de as estatísticas oficiais mostrarem que, há quase uma década, a economia do país não pode dispensar esta força de trabalho pelo simples fato de que os empregadores não encontrariam nenhum autóctone para colocar em seu lugar.[30] 

De braços abertos à imigração nos momentos em que a Itália precisava urgentemente de pessoas que se submetessem a qualquer sacrifício, o governo começou a criar obstáculos à chegada dos africanos à medida que a economia atingia o nível “ideal” de desocupação em volta do qual era possível manter os salários em patamares que favoreciam a ampliação dos lucros sem agravar os problemas sociais. Ultrapassado esse limite de segurança, a legislação começou a construir os pressupostos que limitavam as condições de asilo a casos que dificilmente englobariam quem estava fugindo da pobreza e da guerra.

As portas da legalização dos imigrantes foram quase completamente fechada em dezembro de 2018. A aprovação da lei número 132 instituiu uma lista de países que, teoricamente, não ofereciam motivos para uma solicitação de asilo e decretou o fim da proteção por razões humanitárias. Com esta medida, a Itália não só deixaria de acolher pessoas que fugiam de conflitos, catástrofes naturais ou de outras situações de emergência fora da União Europeia, como deportaria homens e mulheres que, em seus países de origem, corriam o risco de serem perseguidos e escravizados.

Ao mesmo tempo, a estrutura municipal destinada a prestar serviços aos imigrantes passava a ser disponibilizada apenas para quem já contava com o reconhecimento internacional do status de refugiado e para os estrangeiros menores de idade não acompanhados pelos pais. Quem tivesse a sorte de não sair dos centros de acolhimento para a deportação não poderia ter acesso a um trabalho formal, aos serviços públicos e aos aluguéis subsidiados das casas populares.

 Basta pouco para entender que, ao colocar o imigrante na necessidade de enfrentar a luta pela sobrevivência sem nenhuma das ajudas com as quais contava no período anterior, o governo o empurrava a atravessar a fronteira entre a legalidade e o crime. O tempo revelaria que isso servia como uma luva para que as estatísticas fornecessem à direita os dados da segurança pública dos quais precisavam para restringir ainda mais a aceitação dos imigrantes.

Em 2019, o Ministro do Interior do governo italiano, Matteo Salvini, emitiu um decreto que previa multas entre 20.000 e 50.000 euros a qualquer embarcação que violasse a proibição de entrar nas águas territoriais do país. Apresentada como uma medida para combater os traficantes de seres humanos e conter a imigração clandestina, a sua aplicação ao longo do primeiro semestre daquele ano levou a uma sucessão de situações que contradiziam os objetivos da medida. De fato, o fechamento dos portos italianos era imposto somente aos navios das ONGs comprometidas com as operações de busca e salvamento em mar aberto e não aos traficantes que continuavam agindo impunemente.[31]

Prova disso é que, de acordo com os dados do próprio Ministério do Interior, 50% dos desembarques eram constituídos por embarcações de todos os tipos e tamanhos que conseguiam completar a travessia; 38% eram fruto dos resgates efetuados por navios mercantes, barcos de pescadores, embarcações da Guarda Costeira italiana e da Agência Europeia da Guarda de Fronteira e Costeira (Frontex); e apenas 12% dos salvamentos anuais eram realizados por navios de ONGs.[32]

É neste contexto que, no dia 12 de junho de 2019, o navio de salvamento Sea-Watch 3, capitaneado por Carola Rackete, resgatou 42 migrantes de origem africana à deriva num bote inflável. Começava neste momento uma longa série de contatos com as autoridades italianas e de Malta para permitir que estas pessoas pudessem ser desembarcadas em um porto dos dois países.  Desde o início, Matteo Salvini recusou a possibilidade de o Sea-Watch 3 entrar em águas territoriais italianas, o que forçou a capitã a ancorar o navio em águas internacionais, a 15 milhas náuticas de Lampedusa. E, para dissuadir a capitã quanto à possibilidade de usar a ilha como ponto de desembarque, Salvini ordenou que uma lancha da Guarda Costeira vigiasse de perto qualquer movimentação do navio.

           


A situação a bordo do Sea-Watch 3 tornava-se cada dia mais difícil. Segundo o próprio depoimento de Carola:


“Todos os dias, eu recebia relatórios da equipe médica, dos psicólogos e da tripulação. Tudo estava piorando. O navio não está preparado para ter 40 pessoas a bordo durante tantos dias. Não havia privacidade. Eles não podiam tomar uma ducha e os banheiros químicos não funcionavam. Toda essa gente vem de um país em guerra civil, tinham sofrido abusos e torturas. Não tínhamos uma perspectiva clara do que iria acontecer no futuro próximo e isso aumentou a ansiedade a ponto de algumas pessoas ameaçarem se suicidar. Eram pessoas que já tinham tentado fazer isso. A equipe médica nos deixou muito claro que já não podia garantir a segurança delas por mais tempo”.[33]

Após 15 dias de espera sob um sol escaldante, sem nenhuma esperança de uma resposta positiva e diante dos relatórios que sinalizavam a crescente possibilidade de as pessoas se lançarem ao mar, Carola toma uma decisão que pode lhe custar muito caro. Por volta da uma e meia da madrugada do dia 29 de junho de 2019, a capitã entra na sala de comando e grava uma mensagem em vídeo destinada à direção da ONG:

Sei que é arriscado e que provavelmente vou perder o navio, mas os 42 náufragos estão exaustos. Vou levá-los para um lugar seguro. Estou certa que a justiça italiana reconhecerá que o direito marítimo e os direitos humanos superam a segurança e a jurisdição da Itália sobre as águas territoriais. Por isso, enfrentarei tudo o que vier. Mas agora só quero que estas pessoas possam ir para terra”. [34]

Em seguida, avisa o pessoal de bordo da sua decisão, levanta a âncora, liga os motores e coloca a proa em direção ao porto de Lampedusa. Instantes depois, a lancha da Guarda Costeira envia a ordem de parada imediata. Esta mensagem será repetida outras duas vezes, sem obter resposta. Mais rápida, a embarcação da Guarda Costeira entra no porto antes do navio e ocupa o único espaço onde o mesmo poderia atracar. Comandando pessoalmente as operações de aproximação, Carola não detém a manobra. Lancha e navio se tocam. A primeira acaba batendo no cais, mas consegue sair do aperto sem consequências para a embarcação e os agentes que a tripulavam.

Avisado do ocorrido, Salvini aciona o judiciário que, menos de uma hora depois, emite uma ordem de prisão da comandante por favorecer a imigração clandestina, resistir e agir com violência contra um navio de guerra. São acusações que podem custar a Carola entre 3 e 12 anos de prisão em regime fechado e uma multa de 50.000 euros, além da apreensão do navio. Às 2.50 hs, os policiais efetuam a prisão em flagrante.

  No cais do porto, poucos aplaudem o gesto da capitã. Uma turma insolitamente numerosa, se aglomera pedindo que os agentes a algemem enquanto proferem todo tipo de insulto. No que se configura como o retrato de um racismo que muitos praticam, mas negam verbalmente, parte dos presentes chama Carola de “vendida” pelo fato de ser uma branca que salva migrantes negros. Outro grupo grita que ela deveria ter vergonha do que fez. E, no meio da multidão, alguém levanta a voz para desejar que seja estuprada por cada um dos africanos que salvou.[35]


No rosto de Carola, os sinais de cansaço e de incerteza diante do que virá cedem o lugar à serenidade de quem sabe ter feito a coisa certa e cujo único incômodo está no fato de desembarcar antes dos imigrantes. A preocupação el relação ao que aconteceria com eles a acompanhará durante o interrogatório na delegacia, noite adentro. A insistência com a qual perguntava se haviam desembarcado se acalmará ao receber a notícia de que estavam em terra firme pela boca do comandante da Polícia Aduaneira, por volta das 5 da manhã, duas horas antes de ser levada à prisão domiciliar, já que, em Lampedusa, não há presídios e nem celas de detenção provisória

A notícia da sua prisão dividiu opiniões. As mensagens de apoio e recriminação do seu ato se multiplicavam em todos os espaços. O gesto de Carola havia se tornado um divisor de águas diante do qual não havia neutralidade possível. Pessoas simples manifestavam uma posição contrária à do governo escrevendo frases em pedaços de pano que penduravam nas janelas e nas grades dos edifícios. Faixas e cartazes pedindo a sua libertação desfilavam nas passeatas organizadas em cidades da Itália e da Alemanha. Na Áustria, alguns ativistas esperaram a chegada do Presidente da República da Itália, Sergio Mattarella, em visita oficial ao país, gritando “Carola livre” e levantando cartazes com os dizeres “Ajudar um ser humano não é crime”.[36]

Neste contexto, mais o Ministro do Interior, Matteo Salvini, atacava Carola com todo tipo de acusação e baixaria, mais gente se solidarizava com a capitã. Até meados de julho, a coleta organizada na Itália e na Alemanha entregou à Sea-Watch cerca de um milhão e 400 mil euros para custear os gastos do processo e pagar as multas correspondentes.[37] Informada das diferentes expressões de solidariedade que estava recebendo, Carola fez sair da prisão domiciliar uma mensagem escrita numa folha de caderno:

“Amo muito vocês, mantenham-se firmes. Não se preocupem”.[38]

No dia 2 de julho de 2019, o veredicto do magistrado encarregado de analisar as acusações contra a comandante no processo que convalidaria a sua prisão destruiu as principais acusações contra ela. Para o juiz, não havia nenhum crime de resistência à ordem de um público oficial e nem violência contra um navio de guerra, pelo simples fato de que Carola agiu no cumprimento do seu dever e a sua ação de socorro às vítimas terminava apenas quando os migrantes estivessem em um porto seguro. Do mesmo modo, o magistrado afirmava com todas as letras que a lancha da Guarda Costeira não podia ser considerada uma embarcação de guerra e as explicações da manobra que a capitã ofereceu foram mais que suficientes para mostrar que não havia a menor intenção de afundá-la e nem de colocar em perigo a vida dos seus ocupantes.

A sentença que livrava Carola do processo criminal foi saudada como uma vitória da solidariedade. Todos tinham bons motivos para voltar a sorrir...à exceção de Matteo Salvini que, irritado com a soltura da Capitã, decretou a sua imediata expulsão do país.

Mas o próprio judiciário fez ele engolir o desejo de vingança. Horas depois do pronunciamento do Ministro, o tribunal vetava a expulsão até completar o julgamento do segundo processo, promovido pelo próprio Salvini e marcado para o dia 9 de julho. Nele, a Capitã era acusada de favorecimento à imigração clandestina pelo fato de ter escolhido o porto de Lampedusa como destino final no lugar de levar os refugiados para Trípoli, cujas autoridades portuárias haviam aberto a possibilidade do desembarque.

Inconformado com o desenrolar dos acontecimentos, o Ministro do Interior instilava o seu ódio nas redes sociais numa sequência de investidas que deveriam envergonhar qualquer cidadão comum, que dirá um Ministro de Estado, católico praticante e devoto de Nossa Senhora a ponto de andar sempre com o terço pendurado no pescoço. Acirradas pelas intervenções do próprio Salvini nas redes sociais, as ameaças contra Carola, iniciadas logo após o desembarque, se agravaram. Os advogados de defesa decidiram escondê-la em lugar seguro para preservar a sua incolumidade até o dia do segundo julgamento.[39]

Na sessão que analisou o favorecimento à imigração clandestina, o juiz viu cada elemento da acusação derreter diante do depoimento da Capitã e da impossibilidade de os Promotores sustentarem os argumentos com os quais buscavam incriminá-la. O veredicto reconheceu que a escolha de Lampedusa não foi instrumental e sim obrigatória, à medida que o porto de Trípoli, na Líbia, não poderia ser considerado seguro, conforme mostrava o relatório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, no qual sublinhava-se que milhares de seres humanos entre solicitantes de asilo, refugiados e migrantes que desembarcavam no país eram detidos arbitrariamente e torturados. Do mesmo modo, a acusação de favorecer o tráfico ilegal de pessoas entre a África e a Itália desabava diante da simples constatação que a atividade de salvamento não proporcionava nenhum tipo de lucro ou dividendo.

Numa declaração aos meios de comunicação, o juiz comentou que a escolha da Capitã havia se baseado num princípio tão simples e evidente que se explicava por si só, mas que o Ministro do Interior conseguiu colocar publicamente de cabeça para baixo: o princípio segundo o qual pegar um barco civil para entrar no mar a fim de salvar a vida dos migrantes não podia ser considerado um ato criminoso.[40]

Enquanto a comandante provava na justiça que as razões do seu gesto eram superiores às proibições de um Estado que expunha os migrantes africanos à morte, o debate sobre o tema continuava na mídia, nas redes sociais e nos fóruns internacionais. Em 3 de outubro de 2019, dia do migrante e data em que se lembram as 368 vítimas do naufrágio ocorrido nas proximidades de Lampedusa em 2013, Carola foi convidada a participar do evento sobre os fluxos migratórios organizado pela Comissão das Liberdades Civis do Parlamento Europeu.

O Ministro do Interior da Itália também marcou presença e foi o primeiro a falar. Após expor a sua posição sobre os acontecimentos do final de junho, encerrou a intervenção dizendo que a atitude da Sea-Watch e da Capitã haviam sido uma ofensa para o seu país. E, dirigindo-se diretamente a Carola, sentenciou:

“Você não deveria estar aqui, e sim numa cadeia!”.

Os deputados de direita do Parlamento Europeu aplaudiram as suas palavras. Mas a alegria durou pouco. Após a intervenção de Salvini, a Capitã leu um discurso breve e contundente. Carola se dirigiu aos presentes com a mesma determinação, simplicidade e clareza que a levaram a desobedecer a uma proibição que colocava em riscos vidas humanas. Um trecho da sua fala atingiu em cheio a hipocrisia que possibilitava à Europa-das-palavras ocultar a Europa-dos-fatos:

“Nenhuma das minhas experiências anteriores foi tão frustrante como estar no meio do mar durante 17 dias, tendo que explicar às pessoas que nós as havíamos salvado, mas que os países não as queriam. O berço dos direitos humanos, a Europa, não achava que podíamos colocar os pés no seu território. Só recebi muitas atenções por parte das instituições dos seus países depois de entrar no porto.

Mas onde vocês estavam quando pedíamos ajuda em todos os canais diplomáticos e midiáticos possíveis? Onde vocês estavam quando a única a responder foi Trípoli, a capital do país onde as pessoas sofrem abusos sistemáticos contra seus direitos fundamentais? Depois de 17 dias tive que entrar no porto, não como provocação, mas sim como ato de responsabilidade em relação às pessoas embarcadas e em relação à mim mesma”.[41]

A prolongada salva de palmas da maioria dos presentes não baixou a guarda desta mulher que, dois meses antes, viu a União Europeia erguer o muro da rejeição aos seus pedidos de socorro como se os imigrantes africanos fossem portadores de uma epidemia de peste e não náufragos em busca de um porto seguro.[42] Carola sabia que, passada a comoção despertada pela sua desobediência, tudo voltaria ao que era antes e que isso não era por acaso. Numa entrevista ao jornal El Mundo, em 30 de outubro do mesmo ano, ela afirmou com todas as letras:

“Na missão para a qual me ofereci como voluntária na Sea-Watch por falta de pessoas que tivessem estudado náutica e estivessem dispostas a assumir riscos legais, comprovei que a essência do debate não está no resgate em si mesmo e sim em quem se resgata. Isto é racismo”.[43]

Um ano depois da sua prisão, diante da persistente criminalização dos resgates no Mediterrâneo, a Capitã reafirmaria com palavras mais duras o mesmo conceito:


“A nossa tripulação estava no mar porque sabemos que os Direitos Humanos são universais e que as leis do mar não ligam para passaportes.

Todos os cidadãos da União Europeia devem saber que as pessoas que estão se afogando no Mediterrâneo não são vítimas de um acidente inesperado ou de um desastre natural.

Afogam-se porque a União Européia quer que se afoguem, para assustar aqueles que poderiam tentar a travessia. Afogam-se porque a Europa lhes nega o acesso a rotas seguras e não lhes deixa opção a não ser a de arriscar suas vidas no mar.

As pessoas que resgatamos podem ter perdido muitas coisas em suas vidas, mas não perderam suas próprias vozes e são elas que, com suas próprias experiências, são as especialistas. Se queremos superar o racismo estrutural, devemos nos colocar de lado e ouvi-las”.[44]

O processo contra Carola Rackete foi arquivado em 23 de dezembro de 2021, quando foi contestado o último recurso do Ministério Público para o qual as condições do navio e dos embarcados não justificavam que a Capitã violasse a proibição de entrar no porto de Lampedusa. Para convencer o juiz do contrário, bastou que Carola lembrasse que não havia tomado aquela decisão no calor dos acontecimentos e sim, como havia seguidamente declarado à justiça italiana e à mídia, em função dos relatórios alarmantes dos profissionais e voluntários que cuidavam dos imigrantes. O veredicto que colocava um ponto final às ações impetradas contra Carola Rackete, afirmava que um navio em mar aberto não podia ser considerado um lugar seguro. Além de estar submetido a eventos meteorológicos adversos, as suas condições reais não permitiam que se respeitassem os direitos fundamentais das pessoas socorridas. Por isso, ela tinha o dever de desembarcar os imigrantes.

Nesta altura das nossas reflexões, há uma pergunta que ainda precisa ser respondida. Se as coisas eram tão evidentes, por que o Ministro do Interior da Itália insistiu nas suas posições apesar das seguidas derrotas?

A razão é muito simples. Na madrugada do dia 29 de junho, a entrada do Sea-Watch 3 em Lampedusa tornava visível quem estava defendendo a vida e quem aprovava normas que violavam direitos humanos fundamentais e a legislação internacional. Ao assumir todos os riscos e ao repetir que voltaria a tomar as mesmas decisões, Carola restabelecia a primazia da vida sobre qualquer outro interesse. O seu gesto funcionava como uma espécie de antídoto ao veneno que os preconceitos contra os imigrantes haviam injetado na população ao mesmo tempo em que despia a realidade dos disfarces que a cobriam.

Um antídoto que aumentava a sua eficácia na exata medida em que a desobediência da capitã se tornava objeto do ódio de quem precisava do preconceito para manter a confiança de uma população ensinada a apontar nos imigrantes, e não no avanço da exploração capitalista, a explicação dos males que a afligem. Por isso, quanto mais Salvini agia para destruir Carola, mais as breves respostas da Capitã o desmascaravam e cobriam de vergonha quem, ao defender o governo, acabava justificando que os náufragos africanos deviam ser abandonados à própria sorte.

Reconhecer que Carola estava certa, decretaria a morte política de Salvini como um dos líderes da direita italiana da época. Restava a ele a escolha de aumentar a dose de ódio na esperança de que o tempo apagasse a memória dos fatos e que a diminuição do efeito do antídoto permitisse que as vítimas do capitalismo mundial fossem novamente relegadas ao papel de bode expiatório das políticas antissociais dos países onde buscam refúgio.

Ciente desta realidade, Carola usa as palavras finais do seu livro para convidar à desobediência civil. Convencida de que a possibilidade de um mundo mais justo nasce da nossa capacidade de perturbar a ordem, a Capitã escreve:

“Muitas pessoas acham que a desobediência civil é um problema, porque causa tumulto e perturba a ordem.

Vivemos numa época em que a ordem está errada e é destrutiva.

Essa ordem precisa ser perturbada, caso contrário pessoas morrem.

Se não a perturbamos, continuaremos permitindo que o sistema - com sua crença no crescimento constante - nos roube algo que é incrivelmente precioso e irrecuperável.

Porque não vão parar por decisão própria.

E porque não podemos aceitar que, em nome da ordem, o sistema faça com que a maioria seja roubada, iludida e oprimida.

Só precisamos entrar em ação de verdade, ao invés de seguir acreditando que, se fizermos a vontade daqueles que estão no poder, nossos direitos e nosso futuro estarão garantidos.

O problema é a obediência civil, não a desobediência civil.

Em vez de ter falsas esperanças, vamos agir.” [45]

É com estas palavras que seguimos a viagem pela resistência que, na quarta parte do nosso resgate, percorrerá os enfrentamentos que, tendo a música e a poesia como expressão da revolta, fazem a sua eco chegar até nós.[46]

 

 

 



[1] Mais informações sobre este período podem ser encontradas em: Leandro Karnal, Marcus Vinícius de Morais, Luiz Estevam Fernandes e Sean Purdy, História dos Estados Unidos , das origens ao século XXI. Ed. Contexto, São Paulo, 2012.

[2] Todos os trechos aos quais faremos referência ou que citaremos literalmente de agora em diante foram extraído do livro de Rosa Parks, My Story, Ed. Dial Book, Nova Iorque, edição digitalizada de 2012, disponível em: https://www.dirzon.com/Doc/Details/telegram%3ARosa%20Parks%20-%20My%20Story%20by%20Rosa%20Parks.pdf  

Do mesmo modo, as imagens utilizadas nesta parte do estudo foram divulgadas no próprio livro de Rosa Parks e nas páginas eletrônicas: https://vein.es/rosa-parks/   e https://www.hypeness.com.br/2017/02/imagens-de-quando-a-segregacao-racial-era-legal-nos-eua-nos-lembram-a-importancia-de-se-combater-o-racismo-hoje/

Acessos realizados em 09/10/2023.

[3] Entre o final do século XVIII e o início do XIX, a segregação racial ganhou o apoio da ciência. Joseph Arthurde Gobineau (1816-1882), filósofo francês e principal defensor da ideia de superioridade da raça branca é considerado o pai do racismo moderno. A partir de suas teorias, foram produzidos vários trabalhos que defendiam a ideia de raças diferentes entre a espécie humana. As teorias raciais surgiram e ganharam força à medida que os países europeus se tornavam nações imperialistas que submetiam outros territórios e suas populações a uma dura dominação. A ideia foi adotada no mundo todo e ganhou proporções astronômicas com o surgimento do nazismo. As descobertas científicas das últimas décadas destruíram cientificamente os pressupostos que sustentavam as teorias de Gobineau. A genética mostrou que todos os seres humanos têm a mesma coleção de genes. As diferenças mais aparentes (cor da pele, textura dos cabelos, formato do nariz) entre um negro africano e um branco nórdico são determinadas por apenas 0,005% do genoma humano. Há um amplo consenso entre antropólogos e geneticistas que, do ponto de vista biológico, não é possível falar em raças humanas, mas tão somente em etnias. A segunda verdade fundamental que está na base desta amplíssima igualdade dos 25.000 genes humanos deita raízes no fato de que somos todos de origem africana. A nossa espécie (Homo Sapiens) evoluiu na África – ainda que ninguém possa dizer com exatidão em que época e região. O achado fóssil mais recente, no Marrocos, indica que os traços anatômicos dos seres humanos modernos apareceram por volta de 300 mil anos atrás. No período seguinte, alguns grupos humanos começaram a se deslocar para outras regiões da África e do planeta. Ao ficarem isolados uns dos outros, as adaptações ao ambiente externo deram origem a populações com novas características somáticas.

Mais elementos sobre esta questão podem ser levantados nos estudos que seguem:

- FLEMING , C. M. ; MORRIS , A. Theorizing Ethnic and Racial Movements in the Global Age: Lessons from the Civil Rights Movement. Sociology of race and ethnicity , jan . 2015.

- STEINBERG, S. The ethnic myth: race, ethnicity, and class in America. 3. ed. Nova York: Beacon Press, 2001.

[4] Rosa Parks, My Story, pg. 22

[5] Idem, pgs 52-53.

[6] Idem, pg. 67.

[7] Idem, pg. 67- 68.

[8] Ralph Abernathy era ministro da igreja batista, amigo e mentor de Martin Luther King na luta pelos direitos civis dos negros.

[9] Em: https://vein.es/rosa-parks/  Acesso em 26/10/2023.

[10] Para termos uma ideia da repressão desencadeada pela polícia, basta pensar que, durante os quase doze meses de paralisação, os agentes prenderam 11.291 pessoas. Maiores detalhes sobre a greve dos Mineiros de 1984 podem ser obtidos em: https://en.m.wikipedia.org/wiki/UK_miners%27_strike_(1984%E2%80%9385)#:~:text=The%20miners'%20strike%20of%201984,NCB)%2C%20a%20government%20agency

 Acesso realizado em 04/11/2023

[11] Resumimos em breves palavras o conteúdo da matéria sobre o assunto publicada no Morning Star, no dia 21 de março de 1986, e disponível em:  https://morningstaronline.co.uk/a-772e-pits-and-perverts-the-legacy-of-communist-mark-ashton  Acesso realizado em 05/11/2023.

[15] Idem.

[16] Idem.

[18] Em: http://lgsm.org/our-history/228-lesbians-and-gays-support-the-miners  Acessos realizado 26/10/2023.

Vale lembrar que, nesta altura dos acontecimentos, outros dez grupos de lésbicas e gays de outras cidades do país já haviam seguido o modelo do LGSM, coletando e enviando fundos para sustentar os grevistas de outras comunidades mineiras próximas ao local onde atuavam.

[21] Ian MacGregor e Arthur Scargill eram as principais lideranças do NUM, o Sindicato Nacional dos Mineiros. A citação foi extraída de:  https://workingclasshistory.com/podcast/e23-25-lesbians-gays-support-the-miners/  Acesso realizado em 08/10/2023.

[22] Idem.

[24] A forma como o decreto era redigido e divulgado levou muitas pessoas a entenderem que o seu conteúdo proibia que os governos locais distribuíssem qualquer material (livros, folhetos, peças de teatro, etc.) que não mostrassem as relações homossexuais como algo anormal e condenável. Professores e professoras tinham medo de discutir a homossexualidade com seus alunos e muitos grupos de apoio a estudantes gays e lésbicas foram fechados pelas direções de escolas e universidade por medo de atentar contra a lei. Ou seja, a aprovação do artigo 28, revogado pelo governo trabalhista em julho de 2000, representou um verdadeiro revés em relação aos avanços que as organizações de lésbicas e gays haviam conseguido introduzir na sociedade britânica. Maiores informações sobre o tema podem ser encontradas em: https://en.wikipedia.org/wiki/Section_28  Acesso realizado em 13/10/2023.

[27] Além das fontes citadas nas notas anteriores, a construção deste capítulo do estudo consultou:

- Carla Elizabeth Gaynor, Affect, Coalitional Politics, and Pride: Imagining Activism through Lesbians and Gays Support the Miners and the United Kingdom Miners’ Strike of 1984-5, Dissertação de mestrado em Artes da Comunicação e Estudos de Retórica, Universidade de Siracusa, 2017

- https://lgbtplushistorymonth.co.uk/2014/02/lesbians-and-gays-support-the-miners-in-their-protests-for-coal-not-dole/

- https://www.bbc.com/news/uk-wales-62998313

- https://tribunemag.co.uk/2022/06/lesbians-and-gays-support-the-miners-strike-pride-1984-mike-jackson

- https://wvminewars.org/news/2023/7/7/pride-and-solidarity-lesbians-and-gays-support-the-miners

- https://review.gale.com/2017/05/03/lesbians-and-gays-support-the-miners/

- https://www.rs21.org.uk/2014/09/21/dear-love-of-comrades-remembering-lesbians-and-gays-support-the-miners/

- https://lgbtlawyers.co.uk/2021/02/23/mark-ashton-life-and-legacy/

- https://www.sbs.com.au/whats-on/article/the-unlikely-alliance-of-gays-lesbians-and-miners-unite-and-fight-in-pride/6m2b2255f

- https://westerngazette.ca/culture/an-unlikely-pair-lesbians-and-gays-support-the-miners/article_498259c8-3d0d-11e9-9f62-7bf8c3915e97.html

- https://www.coaltowncoffee.co.uk/blogs/news/pride-and-solidarity

- https://epicchq.com/story/remembering-mark-ashton-a-proud-advocate-of-socialism-and-gay-rights/

- https://dailyyonder.com/women-miners-history-of-1980s-labor-strikes/2021/09/06/

- https://www.youtube.com/watch?v=lHJhbwEcgrA  (documentário)

Todos os acessos foram realizados entre 24/09/2023 e 07/11/2023.

[28] Idem. Pg. 41-43.

[29] Em: Carola Rackete, É hora de agir - um apelo à última geração, Ed. Arquipélago, Porto Alegre, 2019. Pg. 33.

[30] Dados e maiores informações sobre o tema podem ser obtidos em: Una panoramica delle migrazioni per lavoro in Italia - nota tennica, Escritório da OIT para a Itália e San Marino, 2022, divulgado em: https://www.laboratoriofuturo.it/ricerche/gli-immigrati-nelleconomia-italiana-tra-necessita-e-opportunita/ OIT  Acesso realizado em 01/10/2023.

[31] O aprofundamento deste tema pode ser realizado consultando os textos que seguem:

- Benedetta Possamai, La porta é aperta, ma sul retro: le politiche migratorie europee e l’integrazione dei migranti in Italia, trabalho de graduação em Mediação Linguística e Cultural, Universidade de Bolonha, 2018.

- Eva Garau, Gli studi sull’immigrazione: il caso italiano. Em: Rivista dell’Istituto di Storia dell’Europa Mediterranea, Nº 5/11 dezembro de 2019  pg. 123-148.

- Giuliano Tardivo, Il caso Italia tra boom migratorio e crisi politica - riflessioni su un paese malato. Em: Revista Castellano-Manchega de Ciencias Sociales, Nº 9, pg. 205-216, 2008.

- Luca Gatto Le politiche d’asilo fra Unione Europea e Italia, Dissertação de Mestrado apresentada à faculdade de Ciências Políticas e sociais da Universidade de Bolonha, 2019.

- María Coco, Políticas migratorias en Italia y España: dos paises en comparación (Punto de vista romanista), tese de doutorado apresentada no departamento de Ciências Sociais e Jurídicas da Universidade de Córdoba, 2022.

- Maurizio Ambrosini, Politiche Migratorie, Universidade de Milão, Departamento de Ciências Políticas e Sociais, sem data

- Associazione per gli Studi Giuridici sull’Immigrazione, Analisi critica del c.d. “Decreto sicurezza bis” relativamente alle disposizioni inerenti il diritto dell’immigrazione, ASGI, setembro de 2019, em: https://www.studocu.com/it/document/universita-degli-studi-della-campania-luigi-vanvitelli/diritto-pubblico-e-costituzionale/2019-commento-decreto-sicurezza-bis-13-9/6433862

- Íntegra do Decreto Sicurezza bis está disponível em: https://images.go.wolterskluwer.com/Web/WoltersKluwer/%7B97ec704f-1881-4aa7-9327-53646f683c4b%7D_decreto-legge-53-2019.pdf?_ga=2.32502398.1158212881.1699553077-184971624.1699553077&_gl=1*mxj4b4*_ga*MTg0OTcxNjI0LjE2OTk1NTMwNzc.*_ga_B95LYZ7CD4*MTY5OTU1MzA3Ni4xLjAuMTY5OTU1MzA3Ni4wLjAuMA

- Politiche di Immigrazione em: https://www.voltitalia.it/wp-content/uploads/2022/05/politiche-immigrazione.pdf

- https://www.lenius.it/politiche-immigrazione-ue/

- https://www.cartacapital.com.br/mundo/italia-endurece-politica-migratoria-e-reduz-protecao-humanitaria/

Todos os acessos foram realizados entre 01/09/2023 e 13/10/2023.

[32] Dados divulgados em: https://www.vita.it/per-una-politica-migratoria-fuori-dallemergenza/  Acesso realizado em 15/11/2023.

[35] O vídeo com a gravação deste momento encontra-se na página eletrônica: https://twitter.com/davidefaraone/status/1144884337114066946?s=20  Acesso realizado em 09/09/2023.

[42] Esta afirmação consta de uma mensagem que Carola divulgou pelo Twitter após o evento, mas a cujo texto original não conseguimos ter acesso.

[45] Em: Carola Rackete, É hora de agir - um apelo à última geração, Ed. Arquipélago, Porto Alegre, 2019. Pg. 166-167.

[46] Além das fontes citadas nas notas anteriores, a construção deste capítulo do estudo consultou:

- http://www.vita.it/it/article/2019/09/05/la-denuncia-per-diffamazione-aggravata-di-carola-va-a-segno-salvini-in/152574/

- https://www.globalist.it/news/2022/02/03/carola-rackete-con-me-salvini-ha-perso-io-ero-dalla-parte-giusta-della-storia/

- https://www.dw.com/pt-br/o-que-est%C3%A1-em-jogo-no-caso-da-capit%C3%A3-que-ajudou-refugiados/a-49444370

- https://www.dw.com/pt-br/a-capit%C3%A3-que-desafiou-autoridades-para-salvar-refugiados/a-49420934

- https://www.elconfidencial.com/mundo/2019-06-27/ong-salvamento-maritimo-se-rebelan_2092650/

- https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/06/30/autoridades-europeias-apoiam-a-capita-do-sea-watch-presa-na-italia.ghtml?utm_source=share-universal&utm_medium=share-bar-app&utm_campaign=materias 

- https://www.publico.pt/2019/06/28/mundo/noticia/alema-tornase-simbolo-antipopulismo-durante-impasse-migratorio-italia-1878088

- https://www.publico.pt/2019/06/28/mundo/noticia/alema-tornase-simbolo-antipopulismo-durante-impasse-migratorio-italia-1878088

- https://www.publico.pt/2018/06/05/mundo/noticia/acabou-o-recreio-facam-as-malas-e-partam--diz-salvini-aos-imigrantes-1833213

- https://www.publico.pt/2018/11/29/mundo/noticia/primeira-vitoria-legislativa-salvini-deputados-aprovam-lei-limita-pedidos-asilo-1852894

- https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/19/internacional/1547907496_895013.html#?rel=mas

- https://www.corriere.it/cronache/19_luglio_02/sea-watch-carola-rackete-torna-libera-gip-non-ha-convalidato-l-arresto-6cde4f34-9ce5-11e9-b87c-e5d25052c984.shtml 

- https://www.repubblica.it/cronaca/2019/07/02/news/inchiesta_carola_sea_watch_agrigento-230128225/ 

- https://www.repubblica.it/cronaca/2019/07/01/news/inchiesta_agrigento_carola_espulsione-301001387/

- https://www.ilmessaggero.it/italia/sea_watch_3_ultima_ora_matteo_salvini_attracca_lampedusa_28_giugno_2019-4586003.html 

- https://www.rainews.it/archivio-rainews/media/Sea-Watch-nel-porto-di-Lampedusa-arrestata-la-comandante-Carola-Rackete-2023e838-cb8c-4305-9f3d-a1483b7fc2d1.html#foto-8

- https://www.repubblica.it/cronaca/2019/07/01/news/carola-230033015/

- https://www.avvenire.it/amp/attualita/pagine/archiviata-l-inchiesta-su-carola-rackete-la-comandante-della-sea-watch-aveva-il-dovere-di-sbarcare-i-naufraghi

- https://www.forestalinews.it/carola-rackete-capitana-della-nave-sea-watch/

- https://www.lavocedivenezia.it/nave-sea-watch-migranti-sbarcati-comandante-carola-rackete-ce-lha-fatta-ma-e-arrestata/ 

- https://stranieriinitalia.it/attualita/sbarcati-i-migranti-della-sea-watch-arrestata-la-comandante-rischia-fino-a-dieci-anni-di-carcere/amp/

- https://www.agi.it/cronaca/sea_watch_capitana_arrestata-5741999/news/2019-06-29/amp/

- https://www.agi.it/cronaca/arrestata_comandante_rackete_sea_watch-5743629/news/2019-06-29/

- https://www.agi.it/cronaca/sea_watch_salvini_comportamento_criminale_della_comandante-5742697/news/2019-06-29/

- https://www.agi.it/cronaca/carola_rackete_piazzapulita_salvini-6214715/news/2019-09-19/

- https://www.agi.it/cronaca/carola_rackete_querela_salvini-5818550/news/2019-07-11/

- https://www.agi.it/cronaca/sea_watch_nessun_pentimento-5749991/news/2019-07-01/

- https://www.agi.it/estero/raccolta_fondi_per_carola_sea_watch-5748221/news/2019-06-30/

- https://www.agi.it/cronaca/sea_watch_carola_rackete_scuse-5747551/news/2019-06-30/

- https://www.agi.it/cronaca/sea_watch_olanda_scarica_comandante_carola-5747398/news/2019-06-30/ 

- https://www.corriere.it/cronache/19_giugno_26/sea-watch-3-ong-tedesca-donate-aiutare-capitano-carola-salvare-migranti-4cc605b0-97e6-11e9-ab34-56b2d57d687f_amp.html

- https://www.ilpost.it/2019/06/27/capitana-seawatch-carola-rackete/?amp=1

- https://www.tvsvizzera.it/tvs/qui-italia/scontro-salvini-ong_sea-watch--carola-rackete-interrogata-ad-agrigento/45106426

- https://www.tvsvizzera.it/tvs/qui-italia/migranti_la-sea-watch-forza-il-blocco--salvini---nessuno-sbarcher%C3%A0-/45058876 

- https://www.republica.com/internacional/la-capitana-del-sea-watch-3-describe-a-salvini-como-un-racista-peligroso-20190706-1249985945/

- https://www.dw.com/pt-br/o-que-est%C3%A1-em-jogo-no-caso-da-capit%C3%A3-que-ajudou-refugiados/a-49444370 

- https://www.dn.pt/mundo/migracoes-estrelas-alemas-de-televisao-recolhem-mais-de-355-mil-euros-a-favor-carola-rackete-11061570.html

- https://www.repubblica.it/cronaca/2019/06/29/news/sea_watch_atracca_porto_lampedusa-229893050/?ref=RHPPTP-BL-I229666996-C12-P2-S1.12-T1

- https://www.clarin.com/mundo/carola-rackete-joven-capitana-barco-migrantes-entro-italia-permiso_0_o0zvopRUe.html

- https://www.bbc.com/mundo/noticias-internacional-48833864

- https://setemargens.com/capita-do-navio-salva-vidas-que-forcou-bloqueio-italiano-foi-ilibada-em-tribunal/

- https://www.eldiario.es/desalambre/salvini-carola-rackete-actuo-cumpliendo_1_1459264.html

Todos os acessos foram realizados entre 01/07/2023 e 30/11/2023.

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