Personagem Criado por Hanna-Barbera
Estou há alguns anos
fora da sala de aula. Mas aposto meu salário que consigo ver na minha “bola de
cristal” o que aconteceu no primeiro dia de planejamento. Você foi recebido com
um grande sorriso da coordenação, um bombom com alguma frase de efeito e se a
coordenadora for uma menina da educação artística, talvez a frase esteja dentro
de um coração habilmente produzido por ela. A direção está ao lado rindo e
desejando boas vindas e dizendo que estava com saudade de você. Um café com
guloseimas estava na mesa, se a direção não for muito mão de vaca. Posso ver a
cena: enquanto te cumprimenta pessoalmente, a direção diz:
- Gente, as férias
passam muito rápido.
Nota o bronzeado de
alguém e procura mostrar empatia enfatizando que teve que voltar antes de todo
mundo e que sabe o que estão sentindo; dá uma pausa dramática, suspira e
repete:
- As férias voam e a
gente nem percebe, não é gente?
Se não estiver muito enganado,
a direção não parou por aí. Quando todos se sentaram naquela “confortável
cadeira” da sala de planejamento, a direção passou ao discurso motivacional,
falando em alto e bom som, que os professores são muito importantes para as
crianças, que a nossa profissão é diferenciada, que a gente pode fazer a
diferença e que o professor é tão importante que todas as demais profissões
dependem da nossa. Com certeza, a frase que encerrou a primeira etapa do seu
pequeno discurso foi:
- Nós podemos fazer a
diferença na vida dos jovens, seguramente.
E depois de mais um
olhar sério a altura do cargo a Direção deve ter profetizado:
- Neste ano vai ser
diferente se cada um fizer a sua parte.
Em seguida passou a
palavra á coordenação. A coordenação mostrou aquele vídeo no telão com uma
narração belíssima e imagens maravilhosas que emocionam. Ao final, disse que
neste ano haverá uma grande novidade:
- Seremos mais
exigidos. Desta vez teremos que preencher fichas individuais com as habilidades
de cada aluno. Ops, corrigindo, a fala foi a seguinte:
- Teremos que inserir
tudo na plataforma digital. A novidade que transformará a educação e o seu
trabalho.
Quando a coordenação
olhou para a sua cara e para a “cara” de todo mundo, ela provavelmente ficou
decepcionada. Todos estão com aquele: - “nada a ver; - não acredito, vai
começar tudo de novo; - que tédio...” desenhado na testa. Então, a direção
intervém e muda o tom. Parte para o papel de autoridade moral e apela para o
seu pequeno poder burocrático e proclama em alto e bom som:
- Você já parou pra
pensar que muitos colegas não conseguiram uma aula sequer? Simplesmente
perderam o emprego, existem milhares de desempregados que desejariam estar no
seu lugar, você pelo menos tem salário.
A conclusão mais
provável do discurso:
- Você tem de ser
profissional. Se você não está contente procure outro emprego que te deixe
feliz. Mas se está aqui agradeça a Deus e vista a camisa.
Se você for categoria O
ou trabalhar numa PEI ou trabalhar numa escola privada, a direção te lembrou da
avaliação 360 e do RH e que estará na mão dela cessar sua designação ou te
enviar para os recursos humanos. Mas obviamente, ela não fará isso, a menos que
seja obrigada pela sua “falta de profissionalismo e comprometimento.” Que na
verdade significa obedecer e cumprir, pacificamente, as ordens do sistema.
A cara de todo mundo,
com exceção dos puxa sacos, continuou a mesma. A postura silenciosa da maioria
faz a direção cair em si. Ela lembra que vai ter que conviver contigo o ano
inteiro e que vai te pedir ajuda para diversos projetos, para obter resultados
que agradem a chefia: Supervisão, Dirigente Regional e Governador. Por isso, o
Gestor em questão fez mais uma pausa dramática e sem sombra de dúvidas deve ter
dito:
- Estamos todos no
mesmo barco, não quero fazer isso, sou uma pessoa compreensiva, na verdade eu
até concordo com vocês, mas tenho que seguir a lei. Tem coisas que não dependem
de mim gente! Eu também sigo ordens superiores.
Baixando um pouco mais o tom:
- Se a gente se ajudar,
tudo fica mais fácil, afinal somos uma equipe. Blá blá blá.
Que tal? Até aqui estou
perto do que realmente ocorreu? Se sim! Quer um conselho?
1º -
No mesmo barco uma ova... use o adjetivo que quiser. Continue
com cara de tomate. Num próximo recado a gente te dá detalhes. Mas é aquela
cara de: - "pra mim tanto faz". A gestão não saberá se você está
triste ou feliz, se concorda ou discorda. Seja o bom profissional de sempre. O
Patrão te paga. Você trabalha. Respeite o contrato. E pronto. Você não é a
Madre Tereza de Calcutá, nem um vocacionado, nem o amante da educação. Você é
um profissional da Educação. Vende sua força de trabalho para o seu empregador.
E ele tem de pagar o valor dela e te dar as condições para que você possa
consumir sua energia vital durante a jornada combinada. O Resto é conversa
mole;
2º - A
Direção não é sua amiga. A gestão é a voz, a mão, e, quando é
conveniente, o chicote do governador na sua unidade de trabalho. O governador, é
1 indivíduo (apenas 1) que ao ser eleito recebe o direito
de dar ordens e aplicar a política de plantão para milhares de funcionários.
Ele não é nem nunca será capaz de fazer isso sozinho, nem sequer fazer cumprir o
que a lei obriga. Por isso, ele retira do nosso meio, pessoas para as quais se
paga um pouco mais. São os gestores, gerentes, etc, para que eles mandem e
comandem no lugar dele. Esta é a verdade nua e crua. A gestão é o govenador de
plantão no seu local de trabalho. O resto é conversa pra boi dormir. Podemos
ter um amigo na gestão, uma pessoa que gostamos muito na gerência ou coordenação,
mas a gestão e a coordenação não são amigas dos trabalhadores. Elas aplicam o
texto da lei. Caso a lei contrarie o seu interesse e os seus direitos e o de
todos os funcionários do Estado, os gestores terão que decidir entre o cargo ou
a perda dele caso se posicionem do nosso lado.
3º - Você pode reclamar a
vontade. Na verdade você deve reclamar o tempo todo, deve usar o espírito
do Hardly Har har do Hanna-Barbera:
4º - Nós, os
divergentes dizemos: Bota a boca no trombone! Olho vivo na chefia
e nos seus "puxa-sacos" e procure aqueles colegas do local de
trabalho que você confia. É com eles que você tem de fazer amizade, são eles
que podem ser seus amigos. São eles que podem te ajudar, sem que você se dane
ainda mais, ao resistir a opressão de todos os dias. E com eles que você deve dizer
um grande não para fazer uma grande afirmação:
O Não à sobrecarga de trabalho; não ao controle da sua vida pelas
câmaras e plataformas, etc. A rebeldia é o melhor antidepressivo que
existe. A Primeira dose do remédio são umas “40 gotas de Não”. Se for
arriscado pronunciar a palavra porque vai chamar atenção para você, apenas
balance a cabeça para direta e depois pra esquerda junto com seus colegas de
trabalho, sempre que a chefia ficar dando ordens por meio de seus discursinhos
moralistas e motivacionais. Viva o Espirito do Hardly Har Har.
O Divergente[1]
[1]Trabalhou
por 30 anos na Rede Pública Estadual de Educação como professor de humanas e
participou de todas as reuniões de planejamento (com todo tipo de gestão e
coordenação), greves, protestos e formação continuada na rede estadual.
Atualmente é membro do Coletivo IDE.
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