domingo, 18 de fevereiro de 2024

O Espírito do Hardly contra a depressão no primeiro e demais dias nas escolas

 

Personagem Criado por Hanna-Barbera

Estou há alguns anos fora da sala de aula. Mas aposto meu salário que consigo ver na minha “bola de cristal” o que aconteceu no primeiro dia de planejamento. Você foi recebido com um grande sorriso da coordenação, um bombom com alguma frase de efeito e se a coordenadora for uma menina da educação artística, talvez a frase esteja dentro de um coração habilmente produzido por ela. A direção está ao lado rindo e desejando boas vindas e dizendo que estava com saudade de você. Um café com guloseimas estava na mesa, se a direção não for muito mão de vaca. Posso ver a cena: enquanto te cumprimenta pessoalmente, a direção diz:

- Gente, as férias passam muito rápido.

Nota o bronzeado de alguém e procura mostrar empatia enfatizando que teve que voltar antes de todo mundo e que sabe o que estão sentindo; dá uma pausa dramática, suspira e repete:

- As férias voam e a gente nem percebe, não é gente?

Se não estiver muito enganado, a direção não parou por aí. Quando todos se sentaram naquela “confortável cadeira” da sala de planejamento, a direção passou ao discurso motivacional, falando em alto e bom som, que os professores são muito importantes para as crianças, que a nossa profissão é diferenciada, que a gente pode fazer a diferença e que o professor é tão importante que todas as demais profissões dependem da nossa. Com certeza, a frase que encerrou a primeira etapa do seu pequeno discurso foi:

- Nós podemos fazer a diferença na vida dos jovens, seguramente.

E depois de mais um olhar sério a altura do cargo a Direção deve ter profetizado:

- Neste ano vai ser diferente se cada um fizer a sua parte.

Em seguida passou a palavra á coordenação. A coordenação mostrou aquele vídeo no telão com uma narração belíssima e imagens maravilhosas que emocionam. Ao final, disse que neste ano haverá uma grande novidade:

- Seremos mais exigidos. Desta vez teremos que preencher fichas individuais com as habilidades de cada aluno. Ops, corrigindo, a fala foi a seguinte:

- Teremos que inserir tudo na plataforma digital. A novidade que transformará a educação e o seu trabalho.

Quando a coordenação olhou para a sua cara e para a “cara” de todo mundo, ela provavelmente ficou decepcionada. Todos estão com aquele: - “nada a ver; - não acredito, vai começar tudo de novo; - que tédio...” desenhado na testa. Então, a direção intervém e muda o tom. Parte para o papel de autoridade moral e apela para o seu pequeno poder burocrático e proclama em alto e bom som:

- Você já parou pra pensar que muitos colegas não conseguiram uma aula sequer? Simplesmente perderam o emprego, existem milhares de desempregados que desejariam estar no seu lugar, você pelo menos tem salário.

A conclusão mais provável do discurso:

- Você tem de ser profissional. Se você não está contente procure outro emprego que te deixe feliz. Mas se está aqui agradeça a Deus e vista a camisa.

Se você for categoria O ou trabalhar numa PEI ou trabalhar numa escola privada, a direção te lembrou da avaliação 360 e do RH e que estará na mão dela cessar sua designação ou te enviar para os recursos humanos. Mas obviamente, ela não fará isso, a menos que seja obrigada pela sua “falta de profissionalismo e comprometimento.” Que na verdade significa obedecer e cumprir, pacificamente, as ordens do sistema.

A cara de todo mundo, com exceção dos puxa sacos, continuou a mesma. A postura silenciosa da maioria faz a direção cair em si. Ela lembra que vai ter que conviver contigo o ano inteiro e que vai te pedir ajuda para diversos projetos, para obter resultados que agradem a chefia: Supervisão, Dirigente Regional e Governador. Por isso, o Gestor em questão fez mais uma pausa dramática e sem sombra de dúvidas deve ter dito:

- Estamos todos no mesmo barco, não quero fazer isso, sou uma pessoa compreensiva, na verdade eu até concordo com vocês, mas tenho que seguir a lei. Tem coisas que não dependem de mim gente! Eu também sigo ordens superiores.

 Baixando um pouco mais o tom:

- Se a gente se ajudar, tudo fica mais fácil, afinal somos uma equipe. Blá blá blá.

Que tal? Até aqui estou perto do que realmente ocorreu? Se sim! Quer um conselho?

 

1º - No mesmo barco uma ova... use o adjetivo que quiser. Continue com cara de tomate. Num próximo recado a gente te dá detalhes. Mas é aquela cara de: - "pra mim tanto faz". A gestão não saberá se você está triste ou feliz, se concorda ou discorda. Seja o bom profissional de sempre. O Patrão te paga. Você trabalha. Respeite o contrato. E pronto. Você não é a Madre Tereza de Calcutá, nem um vocacionado, nem o amante da educação. Você é um profissional da Educação. Vende sua força de trabalho para o seu empregador. E ele tem de pagar o valor dela e te dar as condições para que você possa consumir sua energia vital durante a jornada combinada. O Resto é conversa mole;

 

2º - A Direção não é sua amiga. A gestão é a voz, a mão, e, quando é conveniente, o chicote do governador na sua unidade de trabalho. O governador, é 1 indivíduo (apenas 1) que ao ser eleito recebe o direito de dar ordens e aplicar a política de plantão para milhares de funcionários. Ele não é nem nunca será capaz de fazer isso sozinho, nem sequer fazer cumprir o que a lei obriga. Por isso, ele retira do nosso meio, pessoas para as quais se paga um pouco mais. São os gestores, gerentes, etc, para que eles mandem e comandem no lugar dele. Esta é a verdade nua e crua. A gestão é o govenador de plantão no seu local de trabalho. O resto é conversa pra boi dormir. Podemos ter um amigo na gestão, uma pessoa que gostamos muito na gerência ou coordenação, mas a gestão e a coordenação não são amigas dos trabalhadores. Elas aplicam o texto da lei. Caso a lei contrarie o seu interesse e os seus direitos e o de todos os funcionários do Estado, os gestores terão que decidir entre o cargo ou a perda dele caso se posicionem do nosso lado.

 

3º - Você pode reclamar a vontade. Na verdade você deve reclamar o tempo todo, deve usar o espírito do Hardly Har har do Hanna-Barbera:



Diga o tempo todo: - "isto não vai dar certo; isto não vai funcionar". É um direito seu dizer aos quatro ventos que você não está gostando do que vê, que está descontente, que tem uma sensação ruim e está sofrendo e que as absurdas exigências diárias que não cabem na sua jornada de trabalho estão te adoecendo. Seja do contra sempre que sentir vontade. A doutrina da obrigatoriedade do pensamento positivo tem enriquecido os patrões, alimentado o seu poder e mantido governadores, prefeitos, patrões em geral no controle da nossa vida e sobretudo provocado doenças em quem trabalha. Engolir o choro, esconder o sofrimento é uma das principais causas da depressão.

 

4º - Nós, os divergentes dizemos: Bota a boca no trombone! Olho vivo na chefia e nos seus "puxa-sacos" e procure aqueles colegas do local de trabalho que você confia. É com eles que você tem de fazer amizade, são eles que podem ser seus amigos. São eles que podem te ajudar, sem que você se dane ainda mais, ao resistir a opressão de todos os dias. E com eles que você deve dizer um grande não para fazer uma grande afirmação:  O Não à sobrecarga de trabalho; não ao controle da sua vida pelas câmaras e plataformas, etc. A rebeldia é o melhor antidepressivo que existe. A Primeira dose do remédio são umas “40 gotas de Não”. Se for arriscado pronunciar a palavra porque vai chamar atenção para você, apenas balance a cabeça para direta e depois pra esquerda junto com seus colegas de trabalho, sempre que a chefia ficar dando ordens por meio de seus discursinhos moralistas e motivacionais. Viva o Espirito do Hardly Har Har.

 

 

 

O Divergente[1]



 

 



[1]Trabalhou por 30 anos na Rede Pública Estadual de Educação como professor de humanas e participou de todas as reuniões de planejamento (com todo tipo de gestão e coordenação), greves, protestos e formação continuada na rede estadual. Atualmente é membro do Coletivo IDE.

 


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