“Os ventos da indignação nunca pararam de fazer ressoar as letras e as melodias que falavam de resistência e de liberdade. Atentos às sementes de rebeldia que a criatividade dos simples semeou nas páginas do tempo, vamos resgatar a greve operária na cidade de Lawrence, nos EUA. Seguiremos para a Itália, onde as trabalhadoras dos arrozais cantavam para fomentar a união e a luta. Encerraremos esta etapa na Rússia com as músicas de jovens mulheres que fizeram tremer os alicerces do Kremlin.”(E.G)
A história dos movimentos sociais revela que poemas e canções de
protesto nasceram da vontade de expressar em músicas e versos os sofrimentos do
cotidiano e a necessidade de vencer a passividade dos oprimidos. Enraizadas no
terreno do vivido, as palavras cantadas e declamadas convidavam a resistir e a
somar forças para mudar os rumos do presente.
Os grupos de poder procuraram deter estes corais de vozes que semeavam
ideias e colhiam ações. Em nome de uma paz social que só beneficiava os seus
interesses, usaram a violência policial, as prisões e os assassinatos para
calar quem, vencido o medo, questionava uma ordem invariavelmente apresentada
como justa e natural.
Os ventos da indignação nunca pararam de fazer ressoar as letras e as
melodias que falavam de resistência e de liberdade. Atentos às sementes de
rebeldia que a criatividade dos simples semeou nas páginas do tempo, vamos
resgatar a greve operária na cidade de Lawrence, nos EUA. Seguiremos para a
Itália, onde as trabalhadoras dos arrozais cantavam para fomentar a união e a
luta. Encerraremos esta etapa na Rússia com as músicas de jovens mulheres que
fizeram tremer os alicerces do Kremlin.
4.1 Lawrence, 1912: a greve do pão e das rosas
Em 1910, o operariado da cidade de Lawrence, no estado de Massachusetts,
fornecia 25% dos tecidos fabricados nos Estados Unidos. O fato de a força de
trabalho ser majoritariamente composta por imigrantes estrangeiros não afetava
a produção e os lucros empresariais.[1] Conhecer algumas
palavras em inglês e prestar atenção ao que faziam os colegas era mais que
suficiente para assimilar as tarefas a serem desempenhadas.
Para os patrões, as barreiras linguísticas eram uma benção. Com os
operários não conseguindo se comunicar entre si no ambiente de trabalho e
seguindo hábitos culturais que dificultavam o entrosamento fora do ambiente
fabril, a probabilidade de uma greve prolongada era considerada inexistente.
Esta convicção era fortalecida por dois elementos igualmente
importantes. O primeiro deles deitava raízes nas condições de vida miseráveis
produzidas pelos baixos salários. Com a fome marcando presença constante nas
famílias operárias, perder dias de pagamento por ter aderido a uma paralisação
era um luxo que ninguém podia se permitir. Por outro lado, a quase totalidade
dos empregados ganhava ordenados dos quais era impossível descontar a
mensalidade das filiações sindicais. Isso fazia com que os dirigentes das
principais entidades representativas do setor (vinculadas à Federação Americana
do Trabalho - AFL, pela sigla em inglês) sequer aparecessem na cidade.
Verdade que, em Lawrence, já haviam marcado presença também alguns
dirigentes da Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW, pela sigla em inglês),
uma central sindical de tendência anarquista, mas as pouquíssimas adesões
conseguidas não preocupavam os empresários. Some isso ao fato de que, desde a
fundação da cidade, em 1845, nunca haviam ocorrido paralisações que não
pudessem ser imediatamente resolvidas com a demissão dos agitadores e entenderá
por que os patrões se sentiam seguros e confiantes de que nada ameaçaria seus
lucros.
A exploração do trabalho se refletia no panorama desolador em que vivia
o operariado. A maioria morava em cubículos e, para reduzir o peso do aluguel e
da calefação no orçamento doméstico, era comum que mais famílias se apinhassem
no mesmo espaço. Do mesmo modo, a penúria forçava os pais a violarem a lei que
não permitia o trabalho fabril de menores de 14 anos. Apesar da consciência dos
riscos a que estavam submetidas as crianças, a maioria costumava mentir a idade
dos filhos para que os magros salários por eles recebidos reduzissem o peso de
suas necessidades nos gastos familiares.[2]
Com a carne alçada à categoria
de “bem de luxo”, a dieta diária era à base de pão, melaço e feijão. A
desnutrição abria caminhos às doenças que matavam metade das crianças das
famílias operárias antes dos seis anos de idade. Quem escapava deste flagelo
não podia certamente esperar um futuro róseo. A soma de desnutrição,
insalubridade das moradias e das fábricas, exaustão provocada pela jornada
semanal de 56 horas, acidentes e doenças reduzia a esperança média de vida dos
operários a 39 anos e 6 meses.[3]
Neste contexto, trabalharem todos e incessantemente aparentava ser a
única forma de não aumentar os sofrimentos a que uma família era submetida. A
revolta perdia seguidamente a batalha contra o conformismo de uma classe que,
em pequena parte, havia participado de alguma luta em seu país de origem, mas
que, ao procurar um futuro melhor nos EUA, apostava no sacrifício pessoal para
dar aos filhos o que os adultos não iriam ter.
Em 1911, a redução do trabalho semanal de 56 para 54 horas, determinada
pela Assembleia Legislativa de Massachusetts a partir de 1º de janeiro de 1912,
fortalecia a crença de que as coisas iriam melhorar. Contudo, no dia 11 do
mesmo mês, quando haveria o primeiro pagamento após a lei entrar em vigor, o
operariado de Lawrence se deparou com uma surpresa amarga. Ao contar o
dinheiro, as mulheres polonesas da Everett Cotton Mill foram as primeira a
perceber que as duas horas a menos da jornada semanal haviam sido descontadas
dos ordenados. Os 30 centavos de dólar tirados de cada uma delas eram o preço
dos três pães que, a partir de agora, elas não poderiam mais comprar. A dieta
que já era pobre, seria ainda mais fraca. Sem pensar duas vezes, as operárias
da Everett desligaram os teares.
Na manhã seguinte, a constatação do desconto em outras fábricas fez a
raiva se espalhar como um rastilho de pólvora. Metade do operariado da cidade
entrou em greve imediatamente e, três dias depois, milhares de homens, mulheres
e crianças se dirigiram às empresas que ainda estavam trabalhando para forçar a
paralisação das atividades. Uma semana depois, o maquinário das indústrias
têxteis de Lawrence estava às moscas.[4]
Uma mangueira anti-incêndio usada para afastar um piquete móvel nos
primeiros dias da greve. |
Ambos perceberam logo que as barreiras linguísticas estavam entre as
primeiras dificuldades a serem superadas. Apenas 8% dos grevistas havia nascido
nos Estado Unidos e, ainda que todos conhecessem palavras ou frases em inglês,
era impossível usar esta língua para os contatos que a greve demandava.[5] Foi assim que os
sindicalistas criaram um comitê composto por dois representantes de cada grupo
étnico. Além de assumirem o comando da paralisação e se capacitarem para as
negociações, cabia a eles reunir as demandas dos operários e traduzir os pontos
principais de cada reunião nos 25 idiomas falados nas fábricas.
A ampliação dos laços de solidariedade entre as famílias das diferentes
nacionalidades foi outro elemento essencial para contornar as dificuldades
imediatas. Para dar conta dos rigores do inverno, carvão para a calefação e
para cozinhar, roupas quentes, cobertores, alimentos, bem como qualquer doação
recebida, eram partilhados segundo as necessidades e as disponibilidades do
momento. Com os recursos disponíveis, foi montado também um refeitório no qual
os grevistas poderiam comprar uma refeição a preço de custo enquanto seus
filhos e filhas comiam gratuitamente um prato de comida quente. Equipes de
operários e operárias fizeram com que este serviço funcionasse durante parte
considerável da paralisação.
Autoridades e empresários não demoraram a perceber que a resistência
organizada pela IWW dificilmente seria vencida sem medidas drásticas. Numa
escolha coordenada com o aparato repressor, o chefe da Companhia Americana da
Lã, William Wood, contratou um agente funerário local para plantar dinamite nos
locais onde os grevistas costumavam se reunir. A descoberta dos explosivos
pelas forças de segurança desacreditaria a greve e justificaria que a mesma
fosse sufocada num banho de sangue. Felizmente, o tiro saiu pela culatra, pois
um grupo de grevistas encontrou os jornais com as matérias que anunciavam os
resultados das batidas policiais antes que as mesmas tivessem sido realizadas.[6]
Fracassado o primeiro plano, a segunda tentativa visava neutralizar os
sindicalistas da IWW. No dia 29 de janeiro, a milícia encurralou um grande
grupo de manifestantes. Depois de vários empurrões, um tiro matou Annie Lo
Pizzo, uma mulher de 34 anos que participava dos protestos. A polícia acusou
Joseph Ettor e Arturo Giovannitti pelo assassinato. Os dois sindicalistas, que
sequer se encontravam no lugar na hora do disparo, foram presos sem direito a
fiança. Em abril, um mês após o encerramento da greve, José Caruso, foi detido
sob a mesma acusação. Todos foram absolvidos no dia 26 de novembro depois de
inúmeros protestos de rua e embates jurídicos.[7]
De esquerda para direita: José Caruso, Joseph Ettor e Arturo
Contudo, a prisão de Ettor e Giovannitti não teve o efeito esperado. A IWW enviou imediatamente Elizabeth Gurley Flynn e Bill Haywood para substitui-los. A avaliação dos acontecimentos levou os sindicalistas recém-chegados a mostrarem que provações, agressões e violências contra agentes e edifícios voltariam como um bumerangue que atingiria os grevistas com força muito maior.
Desde o início, as autoridades vinham justificando a crescente repressão
como resposta às ações dos grevistas que eram reprovadas pela população. Entre
os casos registrados pelas crônicas policiais, resgatamos o que ocorreu quando
três operárias se depararam com um agente que caminhava sozinho sobre uma ponte
próxima ao parque fabril. Aceleraram o passo, investiram contra ele, tiraram a
arma, o porrete, o distintivo e as calças, deixando-o amarrado nos seus
suspensórios sobre o chão gelado. Ao comentar o ocorrido, o promotor distrital
disse:
“Um policial pode lidar com dez homens, enquanto são necessários 10
policiais para lidar com uma mulher”.[8]
Se, de um lado, estas palavras soavam como um elogio à determinação e à
coragem das operárias, de outro, eram o prenúncio de que a violência policial
aumentaria ainda mais. A própria Elizabeth, ao narrar os acontecimentos
posteriores, escreveu em sua autobiografia:
“À medida que o terrível inverno da Nova Inglaterra se arrastava, o
terror e a violência aumentavam. Em 19 de fevereiro de 1912, policiais com
cassetetes derrotaram 100 mulheres que estavam na manifestação. Ao desferir um
único golpe certeiro, o cassetete derrubava a mulher no chão como um tiro e,
instantaneamente, a polícia a atacava puxando-a de todas as maneiras
possíveis”.[9]
Os fatos mostravam que estava na hora de empregar a bravura para
garantir a continuidade da greve e não para ações que aumentariam a fúria com a
qual os policiais investiam contra os manifestantes. As mulheres compreenderam
logo que manter a paralisação total do trabalho era o golpe mais forte que o
operariado podia desferir naquele momento e que todos os esforços deviam ser
dirigidos para que as fábricas permanecessem inoperantes. Por isso, assumiram a
dianteira dos piquetes móveis e das manifestações; trataram de acalmar os
ânimos de quem não via a hora de ir pelas vias de fato; se encarregaram de
manter um trabalho de contrainformação com os comerciantes e as pessoas que se
encontravam nas lojas, ruas e praças de Lawrence para ampliar o apoio à greve.
Só uma coisa não mudou: o operariado de Lawrence estava sempre cantando.
Ao falar disso em sua reportagem na The American Magazine, Ray Stannard Baker
escreve:
“É a primeira greve onde vi as pessoas cantarem. Não esquecerei tão cedo
a curiosa elevação, o estranho fogo repentino das nacionalidades misturadas nas
reuniões da greve, quando irrompiam na linguagem universal da canção. Não
cantavam só nas reuniões, mas também nas casas de sopa [onde havia refeições
gratuitas para as crianças] e nas ruas”.[10]
Em línguas diferentes a depender da composição étnica do piquete, os
imigrantes encontravam nos cantos de luta conhecidos e nos que foram criados
durante a greve a expressão comum de uma revolta que unia, marcava presença em
todos os bairros da cidade e assustava quem sempre havia apostado na sua
passividade. A letra da música “No bom e velho piquete” é a única que a nossa
pesquisa conseguiu recuperar. Nela, os grevistas ironizam Mr. Lowe, dono de uma
das grandes fábricas de Lawrence, e colocam a sindicalista da IWW, Elizabeth
Gurley Flynn, na chefia. Vamos à letra:
No bom e velho piquete, no bom e velho piquete.
Os trabalhadores vêm de todos os lugares,
de quase todos os climas.
Os gregos e os polacos estão muito fortes,
os alemães estão o tempo todo,
Mas queremos ver mais irlandeses,
no bom e velho piquete.
No bom e velho piquete, no bom e velho piquete,
vamos vestir o Sr. Lowe de macacão
e [fazê-lo] desistir de beber vinho.
Então Gurley Flynn será o chefe.
Elizabeth Gurley Flynn, em 1913. |
Os grevistas usarão diamantes no bom e velho piquete.[11]
Era no bom e velho piquete que todas as etnias experimentavam o
significado e o poder da sua união. Uma união que queria o patrão de macacão
sendo obrigado a renunciar aos prazeres da vida, simbolizados pelo vinho, e a
sindicalista no comando da geração e da distribuição da riqueza. Realizada esta
mudança, a vida mudaria radicalmente. O bom e velho piquete, criado para ter de
volta os três pães tirados de suas mesas pelos descontos da redução da jornada,
faria com que, graças às vitórias alcançadas, os grevistas usariam diamantes ao
participar de um futuro bom e velho piquete.
Bill Haywood, em 1916. |
Viver o cotidiano do movimento permitia que as pessoas transitassem da
reivindicação que lhe havia dado origem, para a defesa do direito à vida e ao
respeito do trabalho e do trabalhador. Esta evolução nascia de uma união que,
ao incorporar as formas de resistência e cooperação de cada grupo étnico,
superava as barreiras criadas pelas fronteiras dos países de origem.[12]
“Somos trabalhadores industriais do mundo”.[13]
Bill Haywood, em 1916. |
“Nós, os 20.000 trabalhadores têxteis de
Lawrence, estamos em greve pelo direito de viver livres da escravatura e da
fome; livre de excesso de trabalho e de salários
insuficientes; livres de um estado de coisas que tinha se tornado tão
insuportável e fora do nosso controle a tal ponto que fomos obrigados a marchar
para fora dos currais de escravos de Lawrence em resistência unida contra os
erros e injustiças de anos de escravatura assalariada.
Em nossa luta, sofremos e suportamos
pacientemente os abusos e as calúnias dos proprietários das fábricas, do
governo municipal, da polícia, da milícia, do governo estadual, do legislativo
e do juiz do tribunal de polícia local. Sentimos que, por uma questão de
justiça com os nossos colegas trabalhadores, deveríamos neste momento dar a
conhecer as causas que nos levaram a atacar os proprietários das fábricas de
Lawrence.
Afirmamos que, como membros úteis da
sociedade e como produtores de riqueza, temos o direito de levar uma vida
decente e honrada; que deveríamos ter casas e não barracos; que
deveríamos ter alimentos limpos e não adulterados e a preços elevados; que
deveríamos ter roupas adequadas ao clima e não roupas de má
qualidade. Para garantir comida, vestuário e abrigo suficientes numa
sociedade composta por uma classe de ladrões, por um lado, e por uma classe
trabalhadora, por outro, é absolutamente necessário que os trabalhadores se
unam e formem um sindicato, organizando os seus poderes de tal forma que lhes
pareça mais provável atingir sua segurança e felicidade.
A prudência, na verdade, ditará que as
condições há muito estabelecidas não devem ser alteradas por causas leves ou
transitórias e, portanto, toda a experiência tem mostrado que os trabalhadores
estão mais dispostos a sofrer, enquanto os males são sofríveis, do que a
corrigi-los, atacando a miséria a que estão habituados. Mas quando uma
longa série de abusos e maus-tratos, que perseguem invariavelmente o mesmo
objetivo, evidencia o desígnio de reduzi-los a um estado de mendicância, é seu
dever resistir a tais táticas e ter novas proteções para a sua segurança
futura. Tal tem sido o sofrimento paciente destes trabalhadores têxteis, e
tal é agora a necessidade que os obriga a lutar contra a classe proprietária
das fábricas.
A história dos atuais usineiros é uma
história de seguidos abusos, todos tendo por objetivo o estabelecimento de uma
tirania absoluta sobre estes trabalhadores têxteis. Para provar isto,
deixemos que os fatos sejam apresentados a todos os homens e mulheres de
pensamento correto do mundo civilizado. Estes usineiros recusaram-se a
reunir-se com os comités de grevistas. Recusaram-se a considerar as suas
reivindicações de qualquer forma que fosse razoável ou justa.
Eles, na segurança de seus suntuosos
escritórios, atrás de robustos portões e fileiras cerradas de baionetas e
cassetetes de policiais, desafiaram o Estado, a cidade e o povo. Na
verdade, a cidade de Lawrence e o governo de Massachusetts tornaram-se
criaturas dos proprietários das fábricas. Declararam que não negociarão
com os grevistas até que estes voltem à escravatura contra a qual se
rebelam.
Eles deixaram os trabalhadores famintos e os
levaram a tal ponto que suas casas não são mais lares, na medida em que as mães
e as crianças são levadas pelos baixos salários a trabalharem ao lado do pai na
fábrica por um salário que significa a mera sobrevivência e a morte
prematura. A grande taxa de mortalidade de crianças com menos de um ano de
idade em Lawrence prova que a maioria destas crianças morrem porque passaram
fome antes do nascimento. E aqueles que sobrevivem à fome tornam-se vítimas
da desnutrição.
A brutalidade da polícia ao lidar com os
grevistas despertou-nos para um estado de oposição rebelde a todos esses
métodos de manutenção da ordem. Os crimes da polícia durante este
enfrentamento estão quase além da imaginação humana. Eles arrastaram
meninas de suas camas à meia-noite. Bateram nos manifestantes em todas as
oportunidades. Arrastaram crianças dos braços das mães e com os seus
porretes bateram em mulheres grávidas. Eles colocaram pessoas na prisão
sem qualquer motivo. Eles impediram as mães de enviarem os seus filhos
para fora da cidade e agarraram violentamente as crianças e as mães e
atirando-as em carroças de patrulha como se fossem lixo.
Eles causaram a morte de um grevista ao levar
os grevistas a um estado de violência. Eles prenderam e espancaram rapazes
e prenderam moças inocentes que nada haviam feito.
A milícia usou todos os tipos de métodos para
derrotar os grevistas. Eles golpearam um menino com a baioneta. Eles
espancaram os grevistas. Eles receberam ordens de atirar para
matar. Eles assassinaram um jovem, que morreu em consequência de uma
baioneta nas costas. Ameaçaram de morte um grevista se ele não fechasse a
janela de sua casa. Eles ameaçaram ficar nesta cidade até o fim da
greve. Eles atacaram um cidadão com baionetas porque ele não se movia
rápido o suficiente. E eles detiveram na ponta da baioneta centenas de
cidadãos e veteranos da Guerra Civil.
Lawrence 1912: um piquete móvel encurralado pelas baionetas da
milícia.
Lawrence 1912: grevistas reunidos no Common. |
A prefeitura negou
aos grevistas o direito de desfilar pelas ruas. Eles abreviaram as
reuniões públicas ao recusar aos grevistas o uso da Câmara Municipal e dos
espaços públicos para reuniões públicas. Eles transformaram os edifícios
públicos da cidade em hospedarias para um exército de mercenários e
açougueiros. Negaram aos grevistas o direito de usar o Common para
reuniões de massa e ordenaram à polícia que afastasse as crianças dos seus
pais, e são responsáveis por toda a violência e brutalidade por parte da polícia.
Todas as nações do mundo estão representadas
nesta luta dos trabalhadores por mais pão. O filho louro do Norte marcha,
lado a lado, com seu irmão moreno do Sul. Eles trabalharam juntos na
fábrica para um único chefe. E agora uniram-se numa grande causa e puseram
de lado todos os preconceitos raciais e religiosos em prol do bem comum,
determinados a obter uma vitória sobre a ganância dos proprietários das
fábricas corruptos e insensíveis, que governaram este povo durante tanto tempo
com o chicote da fome e do desemprego.
Proscritos, com os filhos tirados deles,
privados dos seus direitos perante a lei, cercados pelas baionetas da milícia e
conduzidos para cima e para baixo nas ruas da cidade por um corpo policial
superalimentado e arrogante, nós, trabalhadores têxteis, filhos e filhas da
classe trabalhadora, apelamos a todo o mundo civilizado para testemunhar o que
sofremos nas mãos dos mercenários da classe proprietária das
fábricas. Estes homens e mulheres não podem sofrer por muito mais
tempo; eles serão obrigados a levantar-se em revolta armada contra os seus
opressores se for permitido que a atual situação continue em Lawrence.[14]
À medida que o tempo passava e os patrões se recusavam a negociar, a solidariedade escasseava. As doações eram insuficiente para que os filhos e filhas das famílias operárias de Lawrence não sentissem ainda mais fome e frio. As doenças e as mortes se tornaram mais frequentes e o sofrimento gerado pelas perdas estava abalando o espírito de luta e a coragem que mulheres e homens vinham demonstrando desde o início da paralisação.
Esta foto apareceu na primeira página do The Day Book, em 21/02/1912 e
retrata a chegada de um grupo de crianças de Lawrence em Nova Iorque. Na faixa
principal: “Um dia lembraremos do exílio!”
A situação foi amenizada
quando, acatando a sugestão dos sindicalistas da IWW, as crianças foram passar
um tempo nas casas de quem dispunha de melhores condições econômicas.
|
No dia 24 de fevereiro de 1912, cerca de 40 crianças acompanhadas por
suas mães aguardavam na estação ferroviária da cidade o trem que as levaria
para Filadélfia. A polícia interveio com requintes de crueldade. Bateu em todo
mundo e prendeu muitas mulheres e crianças. Uma mãe grávida abortou. Levadas à
delegacia, as mulheres se recusaram a pagar a fiança em sinal de protesto e
optaram por ficarem presas, incluídas as que estavam com crianças de colo.
A aprovação do acordo que marcou o fim da greve. |
Desmascarados e encurralados, os patrões tiveram que ceder. No dia 14 de
março, o acordo votado em praça pública previa aumentos salariais de 5% a 25%,
a semana de 54 horas, o pagamento em dobro das horas extras, o fim dos prêmios
de produção (cujas regras remuneravam poucos enquanto forçavam todos a
trabalharem muito mais) e a não punição dos grevistas.[16]
|
Os versos que seguem com a
correspondente tradução em português foram musicados anos depois. Você pode ter
acesso a uma das versões pelo link https://drive.google.com/file/d/1TF6bcLghGVGwMIAv5Kg7wPUfNY_1eZt0/view?usp=drivesdk
Bread and Roses[17]
[Pão e Rosas]
As we go marching,
marching in the beauty of the day
[À medida que
marchamos, marchamos na beleza do dia]
A million darkened
kitchens, a thousand mill lofts gray
[Um milhão de
cozinhas escuras, mil sótãos de moinho cinzentos]
Are touched with all
the radiance that a sudden sun discloses
[São tocados com todo
o brilho que um sol repentino revela]
For the people hear
us singing: bread and roses, bread and roses
[Pois o povo nos ouve
cantando: pão e rosas, pão e rosas]
As we go marching,
marching, we battle too for men
[À medida que
marchamos, marchamos, nós também lutamos pelos homens]
For they are women's
children and we mother them again
[Pois eles são filhos
de mulheres e nós somos mães deles novamente]
Our lives shall not
be sweatened from birth until life closes
[Nossas vidas não
serão suadas do nascimento até que a vida termine]
Hearts starve as well
as bodies.
[Os corações morrem
de fome assim como os corpos.]
Give us bread, but
give us roses!
[Deem-nos pão, mas
deem-nos rosas!]
As we go marching,
marching, unnumbered women dead
[À medida que
marchamos, marchamos, inúmeras mulheres mortas]
Go crying through our
singing heir ancient call for bread
[Vão chorando através
do nosso canto seu antigo clamor por pão]
Small art and love
and beauty their drudging spirits knew
[Pequena arte, amor e
beleza seus espíritos oprimidos conheciam]
Yes, it is bread we
fight for, but we fight for roses too
[Sim, é pelo pão que
lutamos, mas também lutamos pelas rosas]
As we go marching,
marching, we bring the greater days
[À medida que
marchamos, marchamos, nós trazemos os melhores dias]
The rising of the
women means the rising of the race
[Pois a ascensão das
mulheres significa a ascensão da raça]
No more the drudge
and idler - ten who toil where one reposes
[Chega de escravo e
preguiçoso - dez que trabalham duro onde um repousa]
But the sharing of
lives glories. Bread and roses, bread and roses.
[Mas a partilha das
glórias de vidas. Pão e rosas, pão e rosas]
Os historiadores ainda discutem se as mulheres de Lawrence usaram os
termos pão e rosas em seus cantos, cartazes, palavras de ordem, passeatas e
demais momentos da luta. O importante para nós é constatar que elas encarnaram
cada palavra do poema. Os dois meses de luta aos quais dedicaram corpo e alma
eram o sol que iluminava as cozinhas escuras e os sótãos cinzentos onde a vida
era consumida sem esperança na dura exploração do trabalho e nos sofrimentos de
uma existência miserável.
Sim, em cada instante da greve elas viviam o antigo clamor por pão de
milhões de vítimas da desnutrição, mas também a luta pelas rosas, ou seja,
pelas coisas boas da vida. Nas ruas e praças de Lawrence, as mulheres não
pediam licença para assumir o comando, simplesmente, faziam a luta acontecer ao
batalharem, lado a lado, com os homens. Na dianteira dos momentos mais duros e
perigosos, elas marcavam os passos do longo caminhar para uma realidade na qual
não haveria ninguém que fosse escravo e nenhum preguiçoso que ficasse olhando
dez que se esfolavam de tanto trabalhar. Um mundo onde todos trabalhariam para
viver e a “partilha das glorias da vida” distribuiria entre todos as riquezas
produzidas.
No dialogo entre a arte e os movimentos, o próprio Oppenheim oferece o
seu poema a mulheres diferentes. Na publicação de dezembro de 1911, o havia
dedicado às “Mulheres do Ocidente” das quais teria ouvido a expressão “pão e
rosas” pela primeira vez. Em 1915, quando os seus versos foram publicados no
livro The Cry for Justice: An Anthology of the Literature of Social Protest (O
Clamor pela Justiça: uma Antologia da Literatura do Protesto Social), o poeta
ofereceu a sua arte às mulheres de Lawrence. Ao fazê-lo, escreve:
“Numa passeata de grevistas em Lawrence, Massachusetts, algumas jovens
carregavam uma faixa com os dizeres: Queremos pão e rosas também!”.[18]
Passado mais de um século daquele longínquo primeiro trimestre de 1912,
anualmente, no dia 1º de maio, o Heritage Festival de Lawrence celebra a
diversidade étnica e a história das lutas operárias da cidade. A música “Pão e
Rosas” continua sendo cantada neste evento e em várias outras manifestações de
protesto como o legado de uma construção que ainda não terminou.[19]
Das fábricas de Lawrence, seguimos agora para os arrozais do norte da
Itália onde outros cantos marcaram o ritmo do trabalho e da luta.
4.2 Itália 1880-1965: as mulheres dos arrozais enfrentam seus feitores
Entre maio e junho de cada ano, nas planícies formadas pelo rio Pó, no
norte da Itália, grupos de mulheres saiam dos vilarejos onde moravam para
trabalhar nos arrozais. Eram chamadas de “mondine” por realizarem a “monda”, ou
seja, a erradicação das ervas daninhas que sufocariam os pés de arroz a serem
transplantados. Parte destas trabalhadoras sazonais morava nas proximidades dos
campos de cultivo e parte vinha de outras regiões.
Trazer gente de fora tranquilizava os fazendeiros. As mulheres dos
vilarejos a centenas de quilômetros dos arrozais não se conheciam e, de
consequência, levariam mais tempo para tecer laços capazes de dar vida a
qualquer forma organizada de protesto nos 45-55 dias em que trabalhariam
juntas. Do mesmo modo, o fato de encararem a viagem em vagões ferroviários
destinados ao transporte do gado para se esfolarem em um ambiente infestado por
ratos, sanguessugas, insetos e cobras d’água eram um sinal de que a pressão da
miséria familiar desaconselharia a perder dias e horas de serviço.
Um celeiro adaptado para servir de dormitório.
Ao desembarcar nas estações ferroviárias mais próximas, as mondinas
colocavam nos ombros os sacos de tecido ou as pequenas malas de papelão com
seus pertences e se dirigiam aos celeiros que serviam de dormitório. Colchões
de palha e alguns fios de varal eram tudo o que encontravam naquelas
acomodações improvisadas. A água para beber e cozinhar vinha dos poços cavados
nas proximidades do alojamento, mas para lavar roupas, louças e tomar banho, as
mulheres contavam apenas com algum riacho próximo.
As condições de trabalho da limpeza do terreno e do plantio das mudas.
Descalças no meio da lama, sob a chuva ou o sol, as mulheres formavam
filas paralelas que seguiam em marcha ré nas quadras de terra que lhes eram
destinadas durante uma jornada que variava de dez a doze horas diárias. A
necessidade de avançarem juntas para garantir um trabalho sem falhas levava as
mais rápidas a ajudarem as mais lentas, criando assim importantes momentos de
solidariedade.[20]
Os elementos que acabamos de listar permitem perceber que o equilíbrio
entre a necessidade de se conformar para garantir algum recurso que minorasse a
miséria e a possibilidade de alguma expressão revolta era sempre instável e
incerto. O passado já havia mostrado aos fazendeiros que o fato de as mulheres
não se conhecerem, por si só, não impedia que elas paralisassem o serviço
naquele que era um momento delicado do cultivo do arroz.
Por outro lado, levar um grupo a sair do conformismo para a indignação
e, desta, para a resistência organizada não era uma tarefa simples nas 7-9
semanas em que as pessoas trabalhavam juntas. As concepções religiosas que
associavam a pobreza à vontade divina impregnavam o imaginário popular. Muitos
padres pregavam o respeito sagrado às autoridades, apontavam o empregador como
alguém sem o qual as pessoas não teriam sequer o pouco que conseguiam e
afirmavam que o inferno era o destino de quem subvertia a ordem. Some o efeito
apaziguador destes elementos ao medo que as mondinas tinham de não serem
contratadas no ano seguinte e entenderá por que estimular a rebeldia demandava
superar uma longa série de bloqueios e preocupações. Inúmeros os relatos de
mães que, diante da exaustão das filhas ou de suas expressões de revolta
reafirmavam a necessidade de aceitar a própria sina dizendo:
“Temos que ficar caladas. Eles é que mandam. Se nos rebelamos, para nós,
não haverá mais trabalho”.[21]
Como organizar a resistência num cenário onde a resignação era de casa?
O primeiro passo veio da resposta ao silêncio imposto durante o
trabalho. Os feitores proibiam às mulheres de conversarem durante a monda. De
um lado, temiam que, ao se distraírem, elas tanto reduziriam o ritmo de
trabalho, como deixariam para trás parte das ervas daninhas. De outro, patrões
e encarregados temiam que estes contatos verbais, cujo conteúdo não conseguiam
ouvir, fossem confabulações com as quais as mondinas preparavam alguma
“vingança”. Por isso, as repreensões não dispensavam gritos, palavrões,
ameaças, blasfêmias e, não poucas vezes, o capataz interrompia a conversa
descendo nas costas das conversadeiras o bastão no qual se apoiava.
Foi para reagir a esta proibição que as mondinas começaram a entoar
músicas conhecidas nos ambientes rurais da época. O repertório incluía letras
que falavam de amor e de saudade, de patriotismo e da coragem de corpos
especializados do exército. Outras
ironizavam normas morais da igreja, faziam gozação das “pessoas de bem”
que as discriminavam por sua condição social e até se aventuravam nos terrenos
proibidos de uma sexualidade sempre apontada como algo pecaminoso e degradante.
Punir todas elas por cantarem juntas seria impossível e contraproducente, pois
estimularia a vontade de dar o troco aumentando o volume da voz ou respondendo
às humilhações sofridas com músicas e atitudes mais raivosas e ofensivas.
Passado algum tempo, o cantarem juntas produziu uma convergência de
interesses. As mondinas conseguiam aliviar o cansaço, esquecer as dores do
corpo, fazer o tempo passar mais depressa e até dar algumas risadas. Patrões e
capatazes viram que, quanto mais animado o ritmo, mais as mulheres aceleravam a
execução das tarefas. Foi assim que eles mesmos passaram a interromper os
silêncios pedindo que cantassem músicas
animadas. O que nenhum deles esperava é que isso poderia se tornar uma forma de
articular a resistência e medir a disposição para a luta.
Não demorou muito para que as melodias mais conhecidas servissem de base
para letras que ironizavam feitores e fazendeiros sem que estes entendessem que
estavam falando deles ou que jogos de rimas improvisadas se tornassem uma
espécie de código para reduzir coletivamente o ritmo de trabalho. Daí para
letras de denúncia, protesto e resistência foi um passo.[22] A seguir, vamos
apresentar algumas das músicas “rebeldes” de acordo com o período histórico em
que nasceram e se disseminaram entre as mondinas do vale do Pó.
Cantada em dialeto desde o final do século XIX, Senhor patrão das lindas
calças brancas (Sciur padrun da li béli
braghi bianchi) usa a ironia para chamar o patrão de vagabundo. Vamos
acompanhar a letra que, se quiser, você pode ouvir em https://drive.google.com/file/d/1VBl5M-VmM-IzXEN7oQYZuV313Yh2ajJG/view?usp=drivesdk :
Sciur padrun da li béli braghi bianchi,
[Senhor patrão das lindas calças brancas]
fora li palanchi, fora li palanchi,
[solta o dinheiro, solta o dinheiro]
sciur padrun da li béli braghi bianchi,
[Senhor patrão das
lindas calças brancas]
fora li palanchi ch’anduma a cà.
[Solta o dinheiro que vamos para casa].
Ascuza, sciur padrun s’a l’èm fat tribulèr,
[Desculpe senhor patrão se o fizemos penar]
iera li prèmi vòlti, iera li prèmi vòlti,
[eram as primeiras vezes, eram as primeiras vezes]
Ascuza, sciur padrun s’a l’èm fat tribulèr,
[Desculpe senhor patrão se o fizemos penar]
l’era li prèmi volti, ch’a’n saiévum cuma fèr.
[Eram as primeiras vezes, não sabíamos como fazer]
Sciur padrun da li béli braghi bianchi,
[Senhor patrão das lindas calças brancas]
fora li palanchi, fora li palanchi,
[solta o dinheiro, solta o dinheiro]
sciur padrun da li béli braghi bianchi,
[Senhor patrão das
lindas calças brancas]
fora li palanchi ch’anduma a cà.
[Solta o dinheiro que vamos pra casa].
E non va piú a mesi e nemmeno a settimane
[Já não é questão de meses e nem de semanas]
La va a poche ore, la va a poche ore
[É questão de poucas horas, é questão de poucas horas]
E non va piú a mesi e nemmeno a settimane
[Já não é questão de meses e nem de semanas]
La va a poche ore, e poi dopo andiamo a cá.
[É questão de poucas horas, e depois vamos para casa]
Sciur padrun da li béli braghi bianchi,
[Senhor patrão das lindas calças brancas]
fora li palanchi, fora li palanchi,
[solta o dinheiro, solta o dinheiro]
sciur padrun da li béli braghi bianchi,
[Senhor patrão das
lindas calças brancas]
fora li palanchi ch’anduma a cà.
[Solta o dinheiro que vamos pra casa].
E quando o treno scefla e i mundéin a la stassion
[E quando o trem assobia e as mondinas estão na estação]
con la cassietta in spala, con la cassietta in spala;
[Com a malinha no ombro, com a malinha no ombro]
E quando o treno scefla e i mundéin a la stassion
[E quando o trem assobia e as mondinas estão na estação]
con la cassietta in spala, su e giú per i vagon!
[Com a malinha no ombro, caminhando pelos vagões!]
Sciur padrun da li béli braghi bianchi,
[Senhor patrão das lindas calças brancas]
fora li palanchi, fora li palanchi,
[solta o dinheiro, solta o dinheiro]
sciur padrun da li béli braghi bianchi,
[Senhor patrão das
lindas calças brancas]
fora li palanchi ch’anduma a cà.
[Solta o dinheiro que vamos pra casa].
Cantada com a vontade de se ver livre do
trabalho penoso do arrozal, a letra ironiza os fazendeiros do começo ao fim.
Identificar o patrão como o homem das lindas calças brancas num cenário onde as
mondinas trabalhavam no meio do barro é dizer que ele não faz nada e desfruta
do bom e do melhor. É contra essa figura que as mulheres costumavam gritar para
que soltasse o pagamento que elas queriam voltar para casa.
Na primeira estrofe, as mondinas pedem
desculpas por terem feito o patrão penar alegando que eram novatas e não sabiam
fazer o serviço. Ora, não havia nada complexo ou que demandasse experiência nas
tarefas que executavam. A parte mais difícil era aprender a lidar com a fadiga,
a fome, a sede e a sensação de esgotamento físico que crescia ainda mais no
final da temporada. Poupar energias, reduzir coletivamente o ritmo ou parar
quando uma mondina passava mal gerava uma demora que fazia o patrão penar pelas
horas ou dias de pagamento a mais que deveria desembolsar. Enquanto o “penar”
das mondinas ocorria sob o peso do trabalho, o “penar” do patrão que nada fazia
se limitava à dor no coração pelo dinheiro a mais que devia pagar.
Anos depois, em algumas regiões, as
trabalhadoras acrescentaram uma estrofes
explicitando que o fazendeiro era uma pessoa muito boa só para pedir que
se apressassem e fizessem as mãos andarem com a velocidade de um trem. Em outra
versão, acrescentaram uma descrição do trabalho que alterava as operações para
a limpeza do terreno. No lugar de erradicar as plantas daninhas, a letra,
sempre cantada em dialeto, convidava a quebrá-las, arrancando apenas a parte
acima da raiz. Desta forma, ninguém poderia dizer que as ervas não haviam sido
removidas, mas, ao crescerem rapidamente graças às raízes que continuavam no
solo, reduziriam a produção de arroz. Tudo leva a crer que, em determinados
momentos de tensão, a música convidava a uma forma de sabotagem.[23]
A luta pela jornada de oito horas marca as
greves das mondinas desde a segunda metade do século XIX. Entre os
enfrentamentos mais duros, lembramos os que ocorreram na região de Vercelli,
norte da Itália, quando, em junho de 1882, as manifestações pedindo aumento de
salário e redução da jornada recuaram apenas depois que a polícia prendeu 19
mulheres.
Quase seis anos depois, no dia 29 de maio, os fazendeiros do município
de Trino, no vercellese, afixaram um aviso na praça principal dizendo que o
pagamento diário seria de 80 centavos de Lira para um trabalho que se
estenderia durante as horas de luz da jornada. A notícia acendeu a revolta em
todos os arrozais. Um rio de gente percorreu as ruas do vilarejo usando trapos
de tecidos amarrados em pedaços de madeira como se fossem bandeiras.
Fazendeiros e autoridades locais chamaram a cavalaria que prendeu 60 mulheres,
das quais 25 foram condenadas a um ano e 12 dias de prisão. Assustados, os
patrões aumentaram o pagamento para uma Lira e 25 centavos, mas mantiveram a
duração da jornada.[24]
Região do Piemonte com a localização de Vercelli e do “vercellese” em
verde claro. |
Para termos uma ideia de como a revolta vinha se generalizando, ainda em
junho de 1882, na cidade de Molinella, cerca de 30 km a leste de Bologna, as
greves varriam os arrozais com as mesmas reivindicações. Os protestos foram
contidos com uma ação de morde-assopra da maçonaria local. De um lado, os
fazendeiros solicitaram ao governador que mandasse policiais e soldados para
controlar a situação com o uso da força. De outro, prometeram à população que
realizariam estudos para melhorar a situação das trabalhadoras locais.
|
M |
No dia 24 de maio de 1886, a história se repetia, desta vez com requintes de crueldade. As mondinas iniciavam uma greve para reduzir a jornada de trabalho e aumentar de 70 centavos para uma Lira o pagamento diário. Policiais e soldados entraram em cena para bater, prender e intimidar as grevistas. Apesar disso, longe de recuar, a greve se espalhou nas regiões próximas.[26] Nas duas décadas seguintes, as coisas não seriam diferentes.
É neste contexto que, em 1906, nasce a música As oito horas (Le otto
ore) que você pode ouvir através do link https://drive.google.com/file/d/1V-aHjktKsdk9j7eOV7VAaOv4I3xVOj4Z/view?usp=drivesdk
Le otto ore
Se otto ore vi
sembran poche, provate voi a lavorar
[Se oito horas
parecem poucas, experimentem vocês a trabalhar]
Se otto ore vi
sembran poche, provate voi a lavorar
[Se oito horas
parecem poucas, experimentem vocês a trabalhar]
E proverete la
differenza di lavorare e di comandar
[E experimentarão a
diferença entre trabalhar e mandar]
E proverete la
differenza di lavorare e di comandar.
[E experimentarão a
diferença entre trabalhar e mandar]
Se otto ore son
troppo poche, chi non lavora non mangerá.
[Se oito horas são
poucas demais, quem não trabalha não comerá]
Se otto ore son
troppo poche, chi non lavora non mangerá.
[Se oito horas são
poucas demais, quem não trabalha não comerá]
E quei vigliacchi di
sfruttatori saranno loro a lavorar.
[E aqueles covardes
de exploradores serão eles a trabalhar]
E quei vigliacchi di
sfruttatori saranno loro a lavorar.
[E aqueles covardes
de exploradores serão eles a trabalhar]
Construída sobre a melodia da música “A Bandeira Tricolor” (La Bandiera
tricolor) que corria de boca em boca desde 1840, a letra rebate a ideia,
comumente defendida pelos fazendeiros, pela qual trabalhar apenas 8 horas era
pouco demais para o salário pago. A resposta cantada pelas mulheres colocava as
coisas em pratos limpos. De um lado, apelava à diferença entre trabalhar e
mandar, afirmando que os patrões não trabalhavam, mas apenas davam ordens.
Sendo assim, nenhum deles sabia o que era se esfolar na monda durante dez-doze
horas.
De outro, se as oito horas eram
poucas demais pelo salário pago, os fazendeiros que não trabalhavam, então, não
deveriam ter direito a comer e, no futuro projetado a partir de uma reviravolta
das relações de produção, seriam “aqueles covardes de exploradores a
trabalhar”. Impossível não ver neste verso a influência das ideias anarquistas
e comunistas que usavam estas expressões simples e diretas para visualizar as
mudanças que levariam a um mundo de justiça e igualdade.
Cópia do jornal A Risaia de 17 de junho de 1911
|
La Lega
Sebben che siamo donne, paura non abbiamo
[Apesar de sermos mulheres, medo é o que não temos]
Per amor dei nostri figli, per amor dei nostri figli
[Por amor dos nossos filhos, por amor dos nossos filhos]
Sebben che siamo donne, paura non abbiamo
[Apesar de sermos mulheres, medo é o que não temos]
Per amor dei nostri figli, in lega ci mettiamo
[Por amor dos nossos filhos, nos unimos na liga]
A oilí oilí oilá e la lega crescerá
[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]
E noialtri lavoratori, e noialtri lavoratori
[E nós trabalhadores, e nós trabalhadores]
A oilí oilí oilá e la lega crescerá
[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]
E noialtri lavoratori vogliam la libertá
[E nós trabalhadores queremos a liberdade]
E la libertá non viene perché non c’é l’unione
[E a liberdade não vem porque não há união]
Crumiri col padrone, crumiri col padrone
[Pelegos com o patrão, pelegos com o patrão]
E la libertá non viene perché non c’é l’unione
[E a liberdade não vem porque não há união]
Crumiri col padrone son tutti da ammazzar
[Pelegos com o patrão são todos pra matar]
A oilí oilí oilá e la lega crescerá
[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]
E noialtri lavoratori, e noialtri lavoratori
[E nós trabalhadores, e nós trabalhadores]
A oilí oilí oilá e la lega crescerá
[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]
E noialtri lavoratori vogliam la libertá
[E nós trabalhadores queremos a liberdade]
Sebben che siamo donne, paura non abbiamo
[Apesar de sermos mulheres, medo é o que não temos]
Abbiam delle belle buone lingue, abbiam delle belle buone lingue
[Temos línguas bem afiadas, temos línguas bem afiadas]
Sebben che siamo donne, paura non abbiamo
[Apesar de sermos mulheres, medo é o que não temos]
Abbiam delle belle buone lingue e ben ci difendiamo
[Temos línguas bem afiadas e nos defendemos bem]
A oilí oilí oilá e la lega crescerá
[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]
E noialtri lavoratori, e noialtri lavoratori
[E nós trabalhadores, e nós trabalhadores]
A oilí oilí oilá e la lega crescerá
[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]
E noialtri lavoratori vogliam la libertá
[E nós trabalhadores queremos a liberdade]
E voialtri signoroni che ci avete tanto orgoglio
[E vocês ricaços que tens sempre tanto orgulho orgulho]
Abbassate la superbia, abbassate la superbia
[Diminuam a soberba, diminuam a soberba]
E voialtri signoroni che ci avete tanto orgoglio
[E vocês ricaços que tens sempre tanto orgulho]
Abbassate la superbia e aprite il portafoglio
[Diminuam a soberba e abram a carteira]
A oilí oilí oilá e la lega crescerá
[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]
E noialtri lavoratori, e noialtri lavoratori
[E nós trabalhadores, e nós trabalhadores]
A oilí oilí oilá e la lega crescerá
[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]
E noialtri lavoratori vogliamo la libertá
[E nós trabalhadores queremos a liberdade]
Considerada a primeira canção da luta proletária das mulheres italianas,
A Liga convida à união de todas as mondinas questionando os aspectos centrais
do senso comum da época. À fragilidade, ao medo, à suposta incapacidade de
lidar com a política, ao papel de mãe cuja preocupação com os filhos leva a
mulher a se afastar de tudo o que poderia trazer consequências negativas para a
família, as mondinas opõem a adesão à Liga como o ato de quem não tem medo de
lutar e luta porque ama os próprios filhos. Não o amor de quem, por temer as
privações que a própria luta pode trazer, prefere não se envolver em nada, mas,
sim, o amor de uma mãe que, se unindo à liga, quer para os filhos um futuro
livre da escravidão da miséria.
E a fazer a liga crescer será, justamente, esta luta pela liberdade. Uma
liberdade que não vem por falta de união e pela divisão criada pelos pelegos
(crumiri). O recado para eles é límpido e cristalino: não haverá piedade para
quem, sendo trabalhador, trai a sua classe para beneficiar a si próprio. Daí
que eles sofrerão o mesmo destino dos patrões: são todos pra matar.
A terceira estrofe responde ao preconceito dos homens que intimavam as
mulheres a se calarem por não saberem nada, por falarem à toa ou por terem a
língua solta. A eles, as mondinas declaram em alto e bom som que têm línguas
bem afiadas e se defendem muito bem. Desta forma, também não precisam de
ninguém que fale por elas, pois a ampliação das fileiras da Liga dará conta de
fazer ressoar a voz que se ergue dos arrozais.
A música se encerra com um recado aos fazendeiros que aponta os
primeiros passos do movimento: vocês que estão sempre cheios de orgulho,
enfrentarão nossa luta pela liberdade que os fará baixarem a crista e abrirem a
carteira para aumentarem os nossos salários. O futuro em direção ao qual a Liga
caminha tem nesta queda de braço, de igual para igual, o seu primeiro passo.
Mas, o que nunca veio de mãos beijadas ficaria ainda mais difícil durante o fascismo. Em fevereiro de 1927, por exemplo, devido à queda dos preços do arroz e com o consentimento dos sindicatos fascistas, os patrões da região de Vercelli decidiram reduzir os salários das mondinas em 30%. Nas semanas até maio, quando iniciavam os trabalhos nos campos de cultivo, grupos de trabalhadoras realizaram uma série de reuniões clandestinas nos principais centros produtores para articularem a defesa dos salários.
No dia 10 de junho de 1944, na região de Bologna, foi publicado o jornal “A Mondariso” (sinônimo de mondina que era mais usado na Emilia Romagna).[31] Impresso clandestinamente, o material informava das vitórias obtidas em algumas greves realizadas na região, pedia apoio à luta partisan e trazia a pauta de reivindicações que seria adotada na paralisação de 1200 mondinas de Molinella entre os dias 13 e 17 do mesmo mês.
Cópia do primeiro número de “La Mondariso”. |
Apesar do grande número de pessoas detidas, as manifestações
continuaram. No dia 15, partisans armados apareceram nos arrozais e os
fascistas recuaram. A greve conseguiu manter a jornada de 8 horas, trouxe um
pequeno aumento dos salários, a suspensão dos trabalhos quando dos alarmes
antiaéreos e o não desconto das horas perdidas durante os bombardeios.
Numa luta que somava forças contra a ditadura fascista, nas semanas
seguintes, os partisans dificultaram a colheita do milho na mesma região.
Incendiaram e explodiram algumas colheitadeiras, mataram vários milicianos
fascistas que faziam a escolta armada dos equipamentos, esconderam e
distribuíram entre os assalariados agrícolas o milho subtraído aos fazendeiros.[32]
O fim da segunda guerra mundial, em 1945, trouxe alívio e novas
preocupações. Os cinco anos até 1950 foram particularmente duros para a classe
trabalhadora italiana. O país enfrentava os problemas da reconstrução num
cenário de miséria e desemprego que levou muita gente a migrar para Bélgica,
Suíça, Alemanha, França e outras nações europeias. O governo eleito não só
continuava tratando os protestos sociais como caso de polícia, como havia
criado corpos de agentes treinados para reprimir greves e manifestações
populares com requintes de crueldade. Em 1949, por exemplo, seis mondinas foram
assassinadas por eles durante uma manifestação em Molinella.[33]
Desarmamento dos grupos partisans, fome, desemprego e repressão faziam
com que os patrões tivessem faca e queijo na mão na hora de decidir como e
quanto aprofundar a exploração. E, para piorar as coisas, grande parte dos
políticos de centro, que haviam apoiado a resistência ao fascismo e conheciam
por dentro a organização dos trabalhadores, defendiam abertamente os interesses
empresariais como parte do compromisso para a reconstrução do país.
Esta realidade que negava as esperanças alimentadas durante a luta
contra o fascismo e justificava os retrocessos nas relações de trabalho se
refletia na mescla de sofrimento e revolta expressa neste que é um dos
primeiros cantos das mondinas do pós-guerra: “Diremos adeus ao senhor patrão”
(Saluteremo il signor padrone) que você pode ouvir em italiano acessando o link
https://drive.google.com/file/d/1Twin86785h6neD5D9Wj3t1HsZU55POov/view?usp=drivesdk
Saluteremo il signor
padrone
Saluteremo il signor
padrone per il male che ci ha fatto
[Diremos adeus ao
senhor patrão pelo mal que nos fez]
che ci ha sempre
maltrattato fino all’ultimo momen’
[Ele que sempre nos
maltratou até o último momento]
Saluteremo il signor
padrone con la sua risera neta
[Diremos adeus ao
senhor patrão com o seu arrozal limpo]
pochi soldi in la
casseta e i debiti da pagar
[Pouco dinheiro na
mala e as dívidas para pagar]
Macchinista,
macchinista faccia sporca, metti l’olio nei stantuffi
[Maquinista (de
trem), maquinista cara suja, põe óleo nos pistões]
di risaia siamo stufi, di risaia siamo stufi.
[estamos fartas de arrozal, estamos fartas de arrozal]
Macchinista,
macchinista faccia sporca, metti l’olio nei stantuffi
[Maquinista (de
trem), maquinista cara suja, põe óleo nos pistões]
di risaia siamo stufi, a casa nostra vogliamo andar.
[Estamos fartas de arrozal, queremos ir para a nossa casa]
Con un piede, con un piede sulla staffa e quell’altro sul vagone
[Com um pé, com um pé no estribo e o outro no vagão]
Ti saluto cappellone, ti saluto cappellone.
[Adeus chapelãozão, adeus chapelãozão]
Con un piede, con un piede sulla staffa e quell’altro sul vagone
[Com um pé, com um pé no estribo e o outro no vagão]
ti saluto cappellone, a casa nostra vogliamo andar.
[Adeus chapelãozão, queremos ir para a nossa casa].
À diferenças das músicas apresentadas
anteriormente, não encontramos aqui nem a ironia do Sciur Padrun, nem o
protesto de Le otto ore e, menos ainda, a garra de La Lega. A carga de
sofrimento vivida no trabalho foi traduzida com a vontade de dizer adeus ao
patrão e ao arrozal limpo que consumiam a vida das mondinas. A revolta nascida
dos maus tratos se amplia na percepção do magro salário para pagar as dívidas,
mas não vai além da vontade de nunca mais voltar àquela exploração. Contudo,
para a grande maioria daquelas mulheres, a chance de realizar este desejo em
curto prazo era remota.
Em meio às contradições do pós-guerra e
irmanadas no sofrimento do arrozal, as mondinas levariam um tempo para resgatar
a identidade coletiva de resistência que, durante décadas, esteve na base de
suas lutas. Uma das expressões musicais que retoma este processo apareceu em
1950, quando Pietro Besate, um dirigente comunista de Vercelli, diretamente
envolvido com a luta delas, escreveu uma letra que percorreria todos os
arrozais da Itália do norte.
Composta tendo como base a melodia de “A
andorinha” (La rondinella), uma antiga canção popular do vale do Pó, as
estrofes resgatam a identidade destas trabalhadoras, os momentos marcantes de
sua história de luta e o orgulho por um trabalho desprezado pelas “pessoas de
bem”. Mais uma vez, você pode ouvir a música através do link https://drive.google.com/file/d/1V6_URihr9jw5KAsEK1As1Ll6FnXLl4Mq/view?usp=drivesdk
Son la mondina, son
la sfruttata
Son la mondina, son
la sfruttata, son la proletaria che giammai tremó
[Sou a mondina, sou a
explorada, sou a proletária que nunca tremeu]
Mi hanno uccisa e
incatenata, carcere e violenza, nulla mi fermó.
[Me mataram e
acorrentaram, cárcere e violência, nada me parou]
Coi nostri corpi
sulle rotaie, noi abbiamo fermato il nostro sfruttator
[Com nossos corpos
nos trilhos, nós paramos o nosso explorador]
C’é tanto fango nelle
risaie, ma non porta macchia il simbol del lavor
[Há muita lama nos
arrozais, mas não há manchas no símbolo do trabalho]
Ed ai padroni farem la guerra, tutte unite insieme noi la vincerem
[E faremos guerra aos patrões, todas juntas, unidas, nós a venceremos]
Non piú sfruttati sulla terra, ma piú forti dei cannoni noi sarem
[Nunca mais explorados sobre a terra, e seremos mais fortes dos canhões]
Questa bandiera gloriosa e bella noi l’abbiam raccolta e la porterem piú
su
[Esta bandeira gloriosa e bela nós a recolhemos e a ergueremos ainda
mais]
Dal Vercellese a Molinella, alla testa della nostra gioventu
[Da região de Vercelli a Molinella, à frente da nossa juventude]
E lotteremo per il lavoro, per la pace e il pane e per la libertá
[E lutaremos pelo trabalho, pela paz, pelo pão e pela liberdade]
E costruiremo un mondo nuovo, di giustizia e di vera civiltá
[E construiremos um mundo novo, de justiça e de verdadeira civilização].
A letra resgata a firmeza e a
força de uma mulher que, submetida às formas mais duras de exploração e
violência, nunca vacilou na luta a ponto de, em junho de 1909, usar o próprio
corpo para parar a corrida do trem onde os patrões traziam centenas de mulheres
contratadas para substituir as mondinas que haviam paralisado o trabalho na
região de Vercelli.[34]
A música traz também o orgulho do
próprio ofício. Ao dizer que “há muita lama nos arrozais, mas não há manchas no
símbolo do trabalho”, as mulheres contestavam quantos, em seus vilarejos de
origem, fossem eles ricos ou remediados, consideravam sua labuta sazonal como
algo típico de gente miserável, ignorante, desprezível e de comportamentos
moralmente condenáveis. De alguma forma, era como se a lama que, no final da
jornada, cobria as pernas e os braços das mondinas fosse a marca registrada de
um trabalho privo de qualquer dignidade. Neste contexto, afirmar o orgulho do
próprio ofício era o primeiro passo para ir à luta de cabeça erguida.
A estrofe seguinte afirma com
todas as letras o objetivo desta luta: fazer guerra aos patrões com uma união
mais forte dos canhões para que não haja mais exploração sobre a terra.
Novamente, mais do que a uma figura de linguagem, o texto se refere a situações
históricas conhecidas desde 1906, quando peças de artilharia manuseada por
soldados do exército foram posicionadas nas rotas de acesso aos campos de
cultivos e às casas dos fazendeiros para impedir que as mondinas em greve se
aproximassem delas.
Da esquerda para a direita: Maria, Kat e Nádia. |
Os versos seguintes traçam uma ponte entre passado, presente e futuro. O fim da exploração é a bandeira que as mondinas recolhem do passado e erguem ainda mais. Uma bandeira que, da região de Vercelli a Molinella, lugares que, desde o início, conheceram os maiores enfrentamentos com os patrões, será colocada à frente da juventude como um guia para o futuro. Este objetivo maior começa com o compromisso imediato de lutar pelo trabalho, pela paz, pelo pão e pela liberdade que seguiam ameaçados no pós-guerra e sem os quais não haveria um mundo novo, de justiça e de verdadeira civilização.
Nos anos de 1960, a mecanização
começou a tomar o lugar das mondinas. Hoje, o ronco dos tratores é o único
barulho a romper o silêncio dos arrozais. Mas, em várias cidades do norte da
Itália, ainda é comum encontrar grupos folclóricos que, em suas apresentações,
fazem ecoar as letras destas músicas.
Do vale do Pó, seguimos agora para
Moscou, onde um grupo punk usa suas composições para questionar o autoritarismo
de quem busca se eternizar no poder.
4.3 Pussy Riot: palavras quebrarão cimentos
Moscou, 17 de agosto de 2012, três jovens
mulheres exibiam aos fotógrafos a sentença que as condenava a dois anos de
reclusão numa colônia penal. A serenidade com a qual Maria Alyokhina (de 24
anos, também conhecida pelo apelido de Mascha), Yekaterina Samutsevich, (Kat,
de 30 anos) e Nadezhda Tolokonnikova (Nàdia, de 22 anos) recebiam o veredicto
da Corte expressava a consciência de que elas, apesar de presas, eram mais
livres de quem se submeteu aos ditames do poder para calar as suas vozes.
Fora do tribunal, uma turma que torcia pelo
reconhecimento da sua inocência sofreu as investidas de uma dura repressão
policial. Rapidamente, a notícia da
condenação desencadeou protestos no mundo artístico fora da Rússia,
manifestações populares pela revogação da pena em várias cidades europeias e
grupos de apoio começaram a se formar para dar o suporte possível às
condenadas.[35]
Mas quem são essas jovens que, como
integrantes do grupo Pussy Riot (a Revolta da Buceta) estavam sendo condenadas
por encenarem uma música na Catedral do Cristo Salvador em Moscou? Por que as
canções do grupo soavam como uma ameaça nos círculos do poder controlados por
Vladimir Puttin? É o que vamos resgatar a seguir.
As trajetórias que levaram Maria, Kat e Nádia
a Pussy Riot partem de experiências bem diferentes. Maria deu os primeiros
passos da militância coletando assinaturas contra a derrubada de uma floresta
onde seria construída a mansão de Dimitri Medvedev, braço direito de Puttin.
Sem nunca ter feito isso e sem contar com o apoio de ativistas experientes em
seu círculo de amigos e conhecidos, ela coletou 4.300 assinaturas em uma semana
e ampliou o apoio ao movimento entrando em contato com artistas e estudantes de
um grupo ambientalista da Universidade Estatal de Moscou.
Maria com o filho Filipp. |
Crescida num ambiente conservador e considerada pela imprensa como a mais quietinha do grupo, Kat foi encaminhada pelo pai à área de programação de computadores. Formada, conseguiu empregos mal-remunerados na cidade onde morava e, em seguida, entrou na equipe que estava construindo um novo submarino para a marinha militar. Na hora de se deslocar para a cidade onde seriam feitos os testes finais do equipamento, o pai impediu que ela fosse. Apesar de autoritária, a decisão se revelou providencial. De fato, a rápida propagação de um incêndio durante as avaliações de desempenho do submarino matou e feriu várias pessoas da sua antiga equipe.
Kat, em 2013. |
Decidida a mudar de carreira, se matriculou em um curso de fotografia. Em dezembro de 2007, os professores encarregaram a turma de retratar as eleições parlamentares que ocorreriam naquele mês. Com credenciais fornecidas pela prefeitura, os alunos foram às zonas eleitorais para dar conta do trabalho escolar. Mas, longe de encontrar alguém que facilitasse as coisas, vários estudantes foram agredidos, presos ou expulsos sem terem feito nada que justificasse as hostilidades sofridas.
De corredor em corredor, as duas mulheres
retrataram a si mesmas procurando o local de votação até serem expulsas pelos
seguranças. Dias depois, Kat conheceu Nádia durante uma mostra estudantil da
escola de fotografia e decidiu se unir a ela e a Piêtia, o marido, para dar
continuidade às ações do Voiná, um grupo que fazia protestos performáticos em
Moscou contra a corrupção e as manobras espúrias das autoridades.[37]
Ao chegar sozinha na capital da Rússia com
apenas 16 anos de idade, Nádia teve que se virar para sobreviver. Em suas idas
e vindas, entrou em contato com os integrantes do Grupo Voiná e se uniu a eles
nas ações de protesto. Na época, o clima político do país era marcado por um
processo de expansão das relações de poder de Puttin. As alianças com a elite
russa lhe permitiam controlar a televisão e a maioria das rádios locais, o que
acabava deixando a oposição com pouquíssimo espaço na mídia.
Na tentativa de esboçar uma reação, entre
2005 e 2008, uma coligação de forças heterogêneas lideradas pelo campeão de
xadrez Gárri Kaspárov, um dos homens mais respeitados e amados da Rússia,
organizou as Marchas dos Descontentes. A crescente repressão policial conseguiu
acabar com esses protestos que chegaram a reunir mais de 5.000 pessoas.
Diante deste cenário, Nádia percebia que,
apesar dos focos de descontentamento, a esmagadora maioria da população estava
encantada com o consumismo possibilitado pela recuperação econômica dos
primeiros dois mandatos de Puttin. Um encantamento que, além de anestesiar suas
consciências diante da repressão dos opositores, garantia que Puttin
transferisse seus votos para o fiel escudeiro Dimitri Medvedev, de cujo governo
seria o Primeiro-Ministro.
Mas, o que fazer para provocar uma reflexão
que a maioria queria evitar?
Nádia com a filha Gera. |
Dois anos depois, outros integrantes pintaram
o gigantesco contorno de um pênis em metade de uma ponte levadiça em frente da
sede do Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB, sucessor da KGB), na
cidade de São Petersburgo. No dia seguinte, quando a ponte foi erguida, o pênis
ficou ereto bem diante das janelas da sede. A cena foi filmada e divulgada com
o título “Foda-se a FSB”.
Apesar da ousadia, estas ações passaram longe
de atingir seu objetivo, mas eram o passo possível para quem, com pouquíssimos
recursos financeiros, buscava uma forma de protesto que forçasse as pessoas a
pensarem. O grupo Voiná se desfez tempos depois quando parte dos seus
integrantes que haviam optado por destruir viaturas policiais foi preso pelos
agentes.[38] Vontade de dar
continuidade aos protestos não faltava, só restava escolher o caminho que
melhor permitiria fazer isso com recursos limitadíssimos e diante de uma
polícia atenta às movimentações de velhos e novos opositores.
O primeiro passo para a formação de um novo
grupo foi dado por Nádia e Kat que, sem nenhuma formação musical, pegaram uma
faixa da banda punk britânica Cockney Rejects e, com um gravador digital,
sobrepuseram ao texto original a letra de “Mate o machista” que haviam acabado
de escrever. Desde o início, decidiram que as apresentações em público seriam
feitas usando vestidos, meias e balaclavas de cores vivas para mostrar que o
traje era intencional e para manter o anonimato das integrantes.
Com o apoio de outras pessoas para realizar
as filmagens, as apresentações da música que convidava as mulheres a saírem das
prisões do machismo e a virarem feministas eram sempre feitas em locais
proibidos. Mas, para criticar o sistema, era necessário não só ampliar o grupo,
como lançar mão de ideias que denunciassem claramente o autoritarismo de
Puttin.[39]
Sem divulgar os nomes e os rostos dos
integrantes por motivos de segurança, o grupo se apresentou pela primeira vez
como Pussy Riot no dia 7 de novembro de 2011 com a música “Solte os
paralelepípedos”:
Solte os paralelepípedos
Os eleitores estão enfiados em salas de aula
Cabines de votação aumentam o fedor de salas sufocantes,
Cheiro de suor e cheiro de controle,
Os pisos foram varridos e a estabilidade foi servida.
Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!
Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!
Os sanitários foram limpos, as garotas vestidas à paisana,
o fantasma de Zizek desceu pela descarga,
A floresta Khimki foi cortada, Tchírikova, chutada das eleições,
as feministas despachadas em licença maternidade.
Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!
Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!
Nunca é tarde demais para assumir o comando.
Cassetetes são empunhados, os gritos ficam mais altos.
Estique os músculos de braços e pernas.
E o policial irá lamber você entre as pernas.
Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!
Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!
O ar egípcio é bom para os pulmões,
Transforme a Praça Vermelha na Praça Tahir,
Passe um dia inteiro entre mulheres fortes,
Pegue um picador de gelo na varanda e solte os paralelepípedos.
Tahir! Tahir! Tahir! Bengasi!
Tahir! Tahir! Tahir! Trípoli!
O açoite feminista é bom para a Rússia.[40]
Cantada e gritada ao estilo punk, a letra
convidava a sair dos ambientes impregnados de controle dos processos eleitorais
para tomar as ruas e, a exemplo do que era comum em várias cidades europeias,
soltar os paralelepípedos a fim de usá-los como armas contra os policiais
encarregados de reprimir os manifestantes.
As “garotas à paisana” são uma alusão às
agentes disfarçadas que, desde as primeiras apresentações públicas de “Mate o
Machista” acompanhavam as performances do grupo. Como parte do sistema, a ação
delas buscava acabar com tudo o que se opunha a Puttin. Dos escritos de Slavoj
Zizek que negava a autoridade e a falsa liberdade de escolha alardeada pela
sociedade pós-moderna à resistência contra o corte da floresta, da exclusão do
pleito de Tchírikova às feministas, tudo devia ser jogado pela descarga,
esquecido, banido ou colocado no lugar que o poder havia lhe destinado.
Diante de todas as investidas que sufocavam
as esperanças de mudança, Pussy Riot declarava que nunca é tarde para assumir o
comando, para reagir, para encher os pulmões com o mesmo ar da Primavera Árabe,
dos protestos na praça Tahir, no Egito, e em outras capitais da região. Uma
mudança que começaria na convivência com mulheres fortes, feministas, prontas a
pegar o picador de gelo para levantar os paralelepípedos.
O vídeo da música viralizou e Pussy Riot
chegou à imprensa. Uma matéria dizia:
“Parece que novos malucos urbanos estão à solta no país. Um grupo
feminista, que se autointitula Pussy Riot, é formado por cinco garotas que usam
máscaras e, cantando muito mal, berram canções que falam da tirania do trabalho
doméstico, da tripla jornada de trabalho das mulheres, de tendências
revolucionárias contemporâneas e das maneiras certas de subjugar os homens. E
elas cantam apenas em lugares onde isso é ilegal, como no teto dos ônibus ou no
metrô”.[41]
A banda achou perfeito o comentário, à medida
que considerava as intervenções não autorizadas pelas autoridades como um
princípio central da sua ação. Razões para isso não faltavam. Com Puttin
apertando o cerco, qualquer manifestação realizada com a permissão do poder
público nunca seria vista como um questionamento ou uma ameaça, mas tão somente
como algo cuja mensagem seguia o fluxo definido pelo Kremlin. Por isso, apesar
dos riscos que comportava, usar os espaços proibidos era a única forma de
chamar a atenção para a crítica que a performance queria veicular.
Enquanto isso, a repressão não perdia tempo e
investia duramente contra todas as marchas de protesto que denunciavam as
fraudes ocorridas na eleição parlamentar de 5 de dezembro de 2011. Centenas de
pessoas foram detidas e novas manifestações foram convocadas pedindo a sua
libertação. Numa delas, Nádia e Kat também foram presas e passaram a noite na
delegacia. Ao serem soltas, ambas tinham claro qual seria o próximo lugar em
que Pussy Riot se apresentaria: o Centro de Detenções Especiais número 1, onde havia
dezenas de condenados por participarem dos protestos.
No dia 14 de dezembro, subiram no telhado da garagem do presídio. Puxada
a escada para impedir que a polícia subisse no lugar onde estavam, vestiram as
balaclavas, desenrolaram uma faixa com as palavras “liberdade de protesto” e
começaram a cantar:
Hora de aprender a
ocupar as praças,
Poder para as massas,
fodam-se os líderes.
A ação direta é o
futuro da humanidade.
LGBT, feministas,
levantem-se pela pátria!
Morte ao cárcere, liberdade
para os protestos!
Façam os policiais
trabalharem pela liberdade,
Os protestos servem
para melhorar o clima,
Ocupem as praças,
tornem a posse pacífica,
Desarmem todos os
policiais.
Morte ao cárcere,
liberdade para os protestos!
Encham as cidades, as
ruas e as praças.
Há muito a fazer na
Rússia, [policiais] deixem de comer ostras,
Abram as portas,
joguem fora suas dragonas,
venham e experimentem
a liberdade conosco.
Morte ao cárcere,
liberdade para os protestos! [42]
Enquanto cantavam, vários rostos apareceram nas janelas do Centro de
Detenção e a segunda vez em que Pussy Riot entoou “Morte ao cárcere!” os
detentos responderam “liberdade para os protestos!”. Em seguida, cantaram todos
juntos “O povo unido jamais será vencido!” Terminada a apresentação, as
integrantes do grupo baixaram a escada e desceram. Ninguém tentou detê-las.
Nas duas semanas seguintes, houve uma profusão de manifestações contra
Puttin e pela libertação dos presos políticos. Pussy Riot entrou na dança.
Centenas de pessoas participavam de reuniões nas que haviam se tornado
“oficinas de protestos” para preparar ações em vários pontos de Moscou. Os
acontecimentos mostravam que Pussy Riot havia conseguido dar vida a um
movimento muito maior, mas, ao mesmo, tempo, sabia que, ao se tornarem comuns,
estas manifestações deixariam de incomodar os detentores poder.
Ao pensar em algo mais arrojado, o grupo planejou uma ação na Praça
Vermelha onde havia uma estrutura conhecida como Lobnoie Mesto, uma plataforma
circular, de pedra, com cerca de 13 metros de diâmetro e 2 metros e meios de
altura. Era deste lugar que, a partir de 1600, os czares liam à população os
seus decretos e seria deste lugar a 200 metros do Kremlin que Pussy Riot
gravaria uma nova apresentação.
No dia 20 de janeiro de 2012, a banda subiu na estrutura e se posicionou
de uma forma que dificultasse a sua retirada da plataforma por parte da
polícia. Vestidas as balaclavas e com suas roupas coloridas, cantaram a letra
desta música cujo clipe você pode ver acessando https://youtu.be/5C4ZvODrazE?feature=shared :
Uma fila de rebeldes
se dirige para o Kremlin.
As janelas do FSB
estão estourando.
As vadias mijam nas
calças atrás das paredes vermelhas.
Riot está abortando o
sistema!
Apresentação do Pussy Riot no Lobnoie Mesto |
Um motim russo, o
chamariz do protesto.
Um motim russo,
Puttin mijou nas calças.
Um motim russo mostra
que nós existimos.
Um motim russo, riot,
riot.
Saia, Viva na Vermelha,
Mostre liberdade,
raiva cívica.
Cansada da cultura de
histeria masculina.
O culto à liderança
está apodrecendo o cérebro.
A religião ortodoxa é
um pau duro.
O regime quer
censurar seus sonhos.
É hora de entender,
hora de confrontar.
Um bando de vadias do
regime machista
Está implorando
perdão ao exército feminista.
Um motim russo, o
chamariz do protesto.
Um motim russo,
Puttin mijou nas calças.
Um motim russo mostra
que nós existimos.
Um motim russo, riot,
riot.
Saia, Viva na
Vermelha,
Mostre liberdade,
raiva cívica.[43]
Os agentes da segurança presidencial cercaram o local assim que as oito
mulheres começaram a cantar mas não conseguiram tirá-las de lá. No final da
apresentação, todas acabaram na delegacia. Completada a identificação, foram
liberadas.
O vídeo tornou Pussy Riot ainda mais conhecida. As revistas de Moscou
entrevistaram o grupo e fotografaram alguns ensaios, querendo saber qual seria
a próxima ação. Enquanto isso, os protestos cresciam como uma boa de neve e
Puttin, preocupado em contê-los, mobilizou um dos seus principais aliados: a
igreja ortodoxa. No dia 3 de fevereiro, véspera de uma grande marcha,
sacerdotes de todo o país instruíram seus paroquianos a se absterem de
protestar.
|
À direita, o Patriarca da igreja ortodoxa Cirilo |
Após várias discussões, a Catedral do Cristo Salvador, onde estava sendo
exposto o cinto do manto de Nossa Senhora, foi apontada como o local da nova
apresentação. Para não ser confundida com um ato de profanação e desrespeito
aos fiéis, ela não ocorreria durante uma celebração e nem no altar principal da
igreja. Tudo devia deixar claro que se tratava de um protesto contra Puttin. No
dia 21 de fevereiro de 2012, Pussy Riot entrou na catedral e foi ao altar
secundário escolhido para a apresentação. Desembrulhados os equipamentos e
vestidas as balaclavas, as integrantes começaram a cantar:
Virgem Maria, Mãe de
Deus, livre-nos de Puttin,
livre-nos de Puttin,
livre-nos de Puttin.
A apresentação na Catedral. |
Veste negra, dragonas
douradas
Todos os paroquianos
rastejando em reverência
O fantasma da
liberdade está no céu
O orgulho gay está
sendo mandado para a Sibéria acorrentado.
O chefe da KGB [Puttin], sua mais
alta Santidade,
Para não ofender a
divindade,
as mulheres devem
parir e amar.
Merda, merda, merda
santa!
Merda, merda, merda
santa!
Virgem Maria, Mãe de
Deus, vire feminista
Vire feminista, vire
feminista.
A igreja reverencia
ditadores podres
Limusines pretas
formam a procissão da Cruz
Vá à aula e traga seu
dinheiro!
O patriarca Gundiaiev
[sobrenome secular de
Cirilo] acredita em Puttin
Puta, melhor seria
acreditar em Deus.
O Santo Cinto de
Nossa Senhora não pode substituir as manifestações
A própria virgem está
protestando conosco!
Virgem Maria, Mãe de
Deus, livre-nos de Puttin,
livre-nos de Puttin,
livre-nos de Puttin.[45]
A intervenção da segurança e de alguns fiéis reduziram a 40 segundos o
tempo em que foi possível cantar parte da letra. Kat, que aguardava o grupo do
lado de fora, recebeu o cartão de memória com a filmagem e o levou a um lugar
seguro. Antes que a polícia chegasse, as integrantes que haviam participado
direta e indiretamente da ação, uma dezena ao todo, conseguiram deixar o local
e se dirigir ao ponto de encontro combinado. No esconderijo, montaram um clipe
de um minuto e meio de duração replicando imagens e buscando completar a letra
por outros meios, conforme você pode verificar em https://youtu.be/1s-ZN2yZzWw?feature=shared A gravação não era
de qualidade e, apesar de considerar o vídeo como o pior já produzido pelo
grupo, decidiram divulgá-lo.
Todas sabiam que a polícia estaria à procura delas e, apesar de os
rostos terem sido ocultados pelas balaclavas, as integrantes mais conhecidas
deveriam tomar cuidados adicionais para não serem presas. Por razões de
segurança, decidiram sair de Moscou rumo a uma área rural distante dos grandes
centros. Duas semanas depois, acreditando que as coisas haviam se acalmado,
voltaram à capital.
Enquanto isso, os jornalistas continuavam mandando e-mails para o grupo
pedindo que concedesse entrevistas. Para atender as solicitações, Nádia, Kat e
Maria iam aos cafés no centro de Moscou com seus notebooks, respondiam e-mails
e, após configurar uma conexão segura pelo Skype, se dirigiam ao banheiro com
três balaclavas nas mãos. Uma sentava no
vaso com o computador no colo e as demais se espremiam em volta dela. Rostos
cobertos, satisfaziam a curiosidade dos jornalistas.[46]
Na aparente calmaria do momento, policiais à paisana estavam apertando o
cerco e, durante uma saída do esconderijo, um grupo de agentes prendeu Nádia,
Maria e Kat, levando-as para a delegacia. A notícia percorreu rapidamente os
caminhos da comunicação eletrônica. Um grupo de apoio se formou espontaneamente
para arrecadar dinheiro, comida e o que pudesse ser de alguma ajuda.
Apesar das privações e das pressões dos investigadores, em nenhum
momento dos quase cinco meses transcorridos entre a detenção e o julgamento, as
três integrantes revelaram os nomes das pessoas envolvidas na ação. Saber que
seriam punidas não tirava delas a força necessária para enfrentar aqueles
momentos de cabeça erguida.
Em 1 de agosto, o jornal britânico The Guardian divulgou uma longa
matéria sobre o grupo na qual dizia:
“As integrantes de Pussy Riot não são apenas as revolucionárias mais
legais que se possa encontrar, são também as mais simpáticas”. (...) Elas são
as filhas que qualquer pai ou mãe teria orgulho de ter. Inteligentes,
engraçadas, sensíveis e sem medo de lutar por suas convicções. Uma delas fez
questão de me dizer como a ‘gentileza’ é parte importante da ideologia do
grupo. Elas também fizeram muito mais para expor a falência moral do regime de
Puttin do que qualquer outra pessoa. Nenhum político, jornalista, figura de
oposição ou personalidade pública criou tamanha agitação. Tampouco inflamou um
debate potencialmente tão significativo. Talvez o mais incrível de tudo - mais
incrível até de se autodenominarem feministas numa terra esquecida pelos
direitos das mulheres - tenha sido o que fizeram com arte”.[47]
No dia 3, o primeiro dia do julgamento, a defesa de Pussy Riot leu a
declaração de Nádia relativa às acusações que pesavam sobre o grupo. Suas
palavras diziam:
“Acreditamos que a arte deva ser acessível ao público, e, por essa
razão, nós nos apresentamos em uma variedade de locais. Nunca tivemos a
intenção de desrespeitar o público em nossos concertos (...). A canção ‘Mãe de
Deus, livre-nos de Puttin’ reflete a reação de muitos de nossos concidadãos ao
apelo do patriarca para que os fiéis votassem em Puttin nas eleições de 4 de
março. Compartilhamos o desagrado de nossos compatriotas com a perfídia,
traição, hipocrisia e corrupção que as autoridades atuais têm cometido (...).
Nossa ação não foi motivada pelo ódio à ortodoxia russa, que valoriza as mesmas
qualidades que nós: caridade, misericórdia, perdão. Nós estimamos a opinião dos
fiéis e queremos que fiquem do nosso lado, opondo-se ao regime autoritário
(...). Se nossa performance pareceu ofensiva a alguém, lamentamos muito (...).
Acreditamos que fomos vítimas de um mal-entendido.
Eu insisto em que aspectos éticos e legais sejam separados uns dos
outros. A avaliação ética que eu mesma faço da nossa ação é a seguinte:
cometemos um erro levando o gênero que temos desenvolvido, uma performance punk
política, para a catedral. Mas, naquela ocasião, não pensamos que a nossa ação
pudesse ser ofensiva para alguém. Vínhamos nos apresentando em diversos locais
de Moscou, desde setembro de 2011: no teto de um ônibus, no metrô, em frente ao
Centro de Detenções Especiais Número Um, em lojas de roupas... E fomos
recebidas com bom humor em todos os lugares. Se alguém se ofendeu com nossa
performance na Catedral do Cristo Salvador, estou preparada para admitir que
cometemos um erro ético. Mas foi isso, um erro: não tínhamos a intenção de
ofender (...) e peço desculpas por isso”. [48]
Terminada a leitura, o promotor apresentou rapidamente as acusações,
deixando a entender que, em algum momento antes da apresentação na Catedral,
Nádia começou uma conspiração com Maria, Kat e outras pessoas desconhecidas dos
investigadores, com o objetivo de realizar um ato de vandalismo, mostrando
claro desrespeito pela sociedade e ódio religioso. O fato de a Oração Punk
citar claramente Puttin foi propositadamente omitido até mesmo no vídeo da
acusação que retratava os acontecimentos na Catedral.[49] A condenação das
três estava decidida antes dos debates no tribunal. Restava saber de quantos
anos seria a pena.
Condenadas a dois anos de reclusão numa colônia penal, todas recorreram
da sentença. Apenas Kat, que sequer havia entrado na igreja, teve sucesso e foi
libertada. No início de novembro de 2012, Maria e Nádia foram encaminhadas a
colônias penais diferentes onde foram submetidas a condições degradantes.
A descrição que Nádia fez chegar além dos muros da prisão numa sequência
de mensagens repassadas clandestinamente revelou o que ninguém, por medo das
retaliações ou por falta de meios, havia conseguido dar a conhecer.
Selecionamos alguns trechos que ajudam a entender o cotidiano das presidiárias
e as relações que a direção do presídio construía para romper a resistência
delas e isolar Nádia das demais:
“Meu turno inteiro trabalha de 16 a 17 horas por dia na oficina de
costura, das sete e meia da manhã à meia-noite e meia. Na melhor das hipóteses
temos quatro horas de sono por noite. Temos um dia de folga uma vez a cada mês
e meio.
(...) Uma atmosfera de ameaça e ansiedade permeia a zona de produção.
Constantemente privadas do sono, avassaladas pela corrida sem fim para cumprir
as cotas de proporções desumanas, as condenadas estão sempre a ponto de sofrer
um colapso, gritam umas com as outras, brigam pelos motivos mais
insignificantes. Recentemente, uma jovem foi esfaqueada na cabeça com uma
tesoura porque não entregou um par de calças a tempo. Outra tentou abrir a
própria barriga com um serrote. Ela foi impedida de terminar o serviço.
(...) Há um sistema largamente implementado de punições extraoficiais
para manter a disciplina e a obediência. As prisioneiras são forçada a
permanecer na passagem entre duas áreas da colônia até que as luzes sejam
apagadas, o que significa que estão proibidas de irem até os alojamentos, seja
outono ou inverno. Na segunda unidade, onde vivem as deficientes e as idosas,
havia uma mulher que, depois de passar um dia neste local de passagem, sofreu
ulcerações pelo frio tão graves que teve de amputar os dedos das mãos e um dos
pés. Os diretores também podem ‘cancelar o saneamento’ [proibir as
prisioneiras de se lavarem ou fazerem as necessidades] e ‘fechar a lojinha e
o salão de chá’ [proibir as prisioneiras de comer a própria comida e tomar
qualquer bebida].
(...) As condições sanitárias na prisão são calculadas para fazer a
prisioneira se sentir como um animal imundo e desamparado. Embora existam salas
de higiene nos dormitórios, uma ‘sala de higiene comunitária’ foi criada para
fins corretivos e punitivos. Essa sala pode acomodar cinco pessoas, mas todas
as 800 prisioneiras são mandadas pra lá a fim de se lavarem. Não podemos nos
lavar nas salas de higiene de nossos alojamentos: isso seria muito fácil. Há
sempre uma debandada na ‘sala de higiene comunitária’ quando as mulheres com
suas banheirinhas tentam lavar seu ‘ganha-pão’ (como são chamadas na Mordóvia)
o mais rápido que podem, subindo umas em cima das outras. Temos permissão para
lavar os cabelos uma vez por semana. Entretanto, mesmo esse dia de banho é
cancelado. Uma bomba vai quebrar ou o encanamento vai entupir. Em algumas
ocasiões, toda a minha unidade ficou sem banho por duas ou três semanas.
Quando o encanamento entope, a urina jorra das salas de higiene e
pedaços de fezes saem voando. Aprendemos a desentupir os canos nós mesmas, mas
não dura muito tempo: logo entopem novamente. A prisão não tem uma
desentupidora manual para limpar os canos. Podemos lavar roupas uma vez por
semana. A lavanderia é um cômodo pequeno com três torneiras de onde sai um
filete de água.
As condenadas sempre recebem pão amanhecido, leite generosamente
batizado com água, painço excepcionalmente rançoso e apenas batatas podres,
aparentemente com os mesmos fins corretivos. Neste verão, uma grande quantidade
de sacos cheios de batatas pretas e viscosas foi trazida para a prisão. E nos
alimentaram com elas”.[50]
Saber que fora do presídio havia grupos de apoio e que a detenção de
Nádia despertava a atenção do mundo, permitia que ela desfrutasse de alguns
“privilégios”:
“Se você não fosse Tolokonnikova, já teria levado porrada há muito
tempo, disseram colegas da prisão que tinham laços estreitos com os diretores.
É verdade: outras pessoas são espancadas. Por não serem capazes de manter o
ritmo. Batem nelas nos joelhos, no rosto. As próprias condenadas dão essas
surras e nada acontece sem a aprovação e o conhecimento dos diretores. Um ano
atrás, antes de eu chegar aqui, uma cigana foi surrada até a morte na terceira
unidade. (A terceira unidade é a ‘panela de pressão’: prisioneiras que os
diretores querem que sejam submetidas a surras diárias são mandadas pra lá).
Ela morreu na enfermaria da IK-14 [sigla da colônia penal]. A administração
conseguiu encobrir o fato de que ela foi espancada até a morte: a causa oficial
da morte foi atribuída a um derrame. Em outro bloco, as costureiras novas que
não conseguem manter o ritmo de trabalho eram despidas e forçadas a trabalhar nuas.
Ninguém ousa reclamar com os diretores, porque tudo o que eles irão fazer é
sorrir e mandar a prisioneira de volta ao dormitório, onde ela irá apanhar sob
as ordens dos mesmos diretores. Para o diretor da prisão, essa prática é um
método conveniente para obrigar as condenadas a obedecer a um regime totalmente
ilegal.” [51]
Contudo, esses “privilégios” eram pagos a caro preço. À medida que se
tratava de uma presa que podia dar problemas, Nádia era isolada das demais
presidiárias, quem se relacionava com ela era severamente punida e suas
tentativas de melhorar as condições de vida na colônia penal viraram um tiro no
pé:
“Em maio de 2013, meu advogado, Dimítri Dinze, apresentou à promotoria
uma queixa sobre as condições na IK-14. O vice-diretor da prisão, o
tenente-coronel Kupríianov, imediatamente tornou as condições da colônia
insuportáveis. Era uma revista atrás da outra, uma enxurrada de relatórios
disciplinares sobre todas as minhas conhecidas, a apreensão de roupas quentes e
ameaças de apreensão também dos sapatos de inverno. No trabalho, eles se vingam
distribuindo tarefas complicadas, aumentando as cotas e inventando defeitos. A
supervisora da unidade vizinha, braço direito do tenente-coronel Kupríianov,
incitou abertamente as prisioneiras a sabotar as peças pelas quais eu era
responsável na zona de produção, para que houvesse uma desculpa para me
mandarem para a solitária por ‘destruir propriedade pública’. Ela também mandou
que as condenadas de sua unidade arranjassem briga comigo.
(...) É possível tolerar qualquer coisa, desde que afete somente você.
Mas o método de correção coletiva na prisão é diferente. Implica que a sua
unidade ou até mesmo a prisão inteira terá que aguentar o castigo junto com
você. A coisa mais vil é que isso inclui as pessoas com as quais você passou a
se preocupar. Uma das minhas amigas teve seu pedido de liberdade condicional
indeferido, algo pelo qual ela vinha trabalhando havia sete anos, cumprindo
diligentemente suas cotas na zona de produção. Ela foi repreendida por tomar
chá comigo. O tenente-coronel kupríianov a transferiu para outra unidade no
mesmo dia. Outra de minhas conhecidas próximas, uma mulher muito culta, foi
jogada na panela de pressão para ser espancada todos os dias porque havia lido
e discutido comigo um documento do Ministério da Justiça intitulado
‘Regulamento Interno das Instituições Correcionais’. Foram apresentados
relatórios disciplinares sobre todas as que conversavam comigo. Doía saber que
as pessoas com as quais eu me preocupava eram obrigadas a sofrer. Rindo, o
tenente-coronel Kupríianov me disse então: ‘Você, provavelmente, não tem mais
nenhuma amiga!’. Ele explicou que tudo isso estava acontecendo por causa das
queixas do Dinze.”[52]
Mergulhada nesta realidade cruel, em 23 de setembro de 2013, Nádia
inciou uma greve de fome para protestar contra os abusos a que todas as
internas estavam submetidas. A centenas de km de distância, Maria, que vivia
uma realidade parecida, havia iniciado dias antes a mesma forma de protesto. As
condições em que se encontrava, permitiam ao seu corpo suportar melhor os
problemas que a falta de alimentos impunha. Nádia, que já estava fragilizada
por meses de maus tratos, privação do sono e subnutrição adoeceu rapidamente e
foi internada duas vezes.
No dia 23 de dezembro, a um passo das olimpíadas de inverno de Sochi,
Puttin anistiou Maria e Nádia a fim de amenizar as críticas internacionais que
vinha recebendo. Ao sair do presídio, Nádia o “agradeceu” por ter encurtado em
dois meses a duração da pena gritando:
“Uma Rússia sem
Puttin!”.[53]
Maria declarou aos jornalistas que, se pudesse escolher, rejeitaria a
anistia. E acrescentou:
“Não tenho medo de
mais nada”.[54]
Em sua autobiografia, ela resumiria a trajetória que a levou a esta
afirmação:
“Quando fui presa por protestos políticos, aprendi que a prisão não
apenas ensina você a cumprir as regras. Ela ensina você a pensar que você nunca
pode quebrá-las. É inevitável que os portões da prisão se abram em algum
momento. Mas isso não significa que você saia da categoria ‘prisioneiro’ e vá
direto para a categoria ‘livre’. A liberdade não existe a menos que você lute
por ela todos os dias. E ações quebram o medo”.[55]
Passo a passo, Pussy Riot deixaria de ser uma banda para se tornar um
movimento que incorpora mais pessoas e novas formas de expressar suas
mensagens, mas sem perder o caráter feminista e de oposição a Puttin. Você pode
ter uma ideia deste percurso através da playlist do YouTube em: https://youtube.com/playlist?list=PL0NKMJYMKLy2ooaY1Ern7kF7JnXz49nmo&feature=shared
Fora da prisão e consciente de que as ações de Pussy Riot haviam
colocado Presidente russo sob pressão, Kat teve muito trabalho para se livrar
das acusações que o primeiro recurso deixava em aberto. Perguntada se voltaria
a apoiar a apresentação na Catedral, a resposta curta e grossa foi: Sim. Entre
final de 2013 e o inicio de 2014, defendeu abertamente o boicote às olimpíadas
de inverno em Sochi como forma de protestar contra os abusos de Puttin. Após
este período, não conseguimos informações sobre ela.[56]
Do dia em que foram colocadas em liberdade até o momento em que
escrevemos, Nádia e Maria receberam prêmios, lutaram pelos direitos dos presos
nas colônias penais, organizaram turnês para protestar contra a invasão russa
da Ucrânia e arrecadar fundos para o país, atenderam a inúmeros pedidos de
entrevistas, postaram protestos nas redes sociais contra a prisão de Alexander
Navalny, advogado e ativista da oposição,[57] e voltaram a ser
detidas por suas manifestações públicas.
A pressão em volta de ambas foi crescendo. Sob o peso das ameaças, Nádia
se viu forçada a deixar a Rússia em 2021, mas nunca desistiu de lutar pelos
seus ideais. Em 1 de abril de 2023, as criticas à guerra e ao autoritarismo de
Puttin fizeram com que o Kremlin colocasse o seu nome na lista dos criminosos
mais procurados por Moscou.[58] Recentemente, acusou
publicamente o Presidente russo de ter envenenado Navalny enquanto se
encontrava detido numa colônia penal masculina.[59]
O destino de Maria não foi diferente. Sempre seguida pela polícia, entre
novembro de 2021 e abril de 2022, ela foi presa dez vezes por suas críticas à
guerra na Ucrânia. Resolveu deixar o país no início de maio, quando soube que
sua prisão domiciliar seria convertida em detenção numa colônia penal.
Disfarçada de entregador de comida por aplicativo, saiu de Moscou e entrou na
Lituânia com a ajuda de amigos.[60] Contudo, esta
escolha difícil não a tirou da luta à qual dedicou mais de dez anos da sua
vida.
Maria aparece em primeiro plano em um vídeo gravado depois da sua saída
do país. A música “O Lago dos Cisnes” é
um protesto contra a propaganda que o Estado russo faz da guerra na Ucrânia. O
pano de fundo é constituído pelas aulas de patriotismo que as escolas ministram
no país inteiro impondo, por exemplo, que os alunos a escreverem cartas de
apoio aos soldados nas frentes de batalha. Numa delas, cujo texto inspirou a
letra da música, Timofey, aluno da quinta série, quer que os soldados voltem
para casa e que não matem pessoas em solo estrangeiro. Por esse gesto, a
criança e os pais foram duramente repreendidos pela professora e pelas
autoridades. Vamos agora à tradução da letra, cujo clipe você pode assistir em:
https://youtu.be/OfPyPB5rBiA?si=L1Q82K5R3LWyVrTs
O Lago dos Cisnes.
O
veneno passa pela TV a cabo
Deixa
aqui o que chega e o que ainda não foi deixado
"menino
crucificado" no quadro de avisos
Quantos
foram matar acreditando nos assassinos?
Os
mapas dos impérios estão fluindo mirra
O
valor da vida é superestimado
As
mulheres deveriam parir mais
Não
tenham pena dos soldados
As
mulheres vão parir mais
Eles
não nos consideram humanos aqui
Ninguém
é esquecido, nada é esquecido
Os
veteranos comem de um cocho vazio.
A
felicidade da pátria é mais preciosa que a vida
A
felicidade da pátria é mais preciosa que a vida
Democracia
soberana
Interesses
nacionais
Ataque
preventivo
Gesto
de boa vontade
Nem
tudo é tão simples
Eles
estão se bombardeando
Desacreditando
o exército
Valores
tradicionais
Otimização
de despesas
Crescimento
negativo
Recuo
estratégico
Importação
substituição
A
vontade de milhões
A
denúncia é um dever de patriota
Mobilização
parcial
Desnazificação
Cinza
nuclear
Alinhamento
de fronteiras
Palmas
Fumaça
Colapso
Sem
pânico
Não
vamos te perdoar e vamos pisotear os restos
A
torre Ostankino vai queimar lindamente!
Metade
do país ficou desabrigada
Carrascos
com dragonas bebem
Unidades
de bloqueio, marcha de prisioneiros
O
oficial está esperando por você na maternidade
Uma
criança costura um manto militar
Campo
russo
De
campos de execução
Em
uma bolsa preta batizada
Um
noivo russo vai para casa
A
vida com um arame preso até o ânus
Uma
convocação, vodca no ônibus, adeus
Mamãe
tricota um colete à prova de balas contra o frio
A
irmã está na prisão pelos slogans antiguerra
Substituindo
importações por ratos mortos
Substituindo
homens por carneiros talentosos
Substituindo
cérebros por “Rússia hoje”
O
inverno sai, o inferno chega
Mulheres
e crianças gritam em agonia
Tchekistas
bebem chá assistindo o pôr do sol
Ninguém
ouvirá seu apelo
A
guarda nacional atira direto na multidão
Não
é uma derrota, mas um reagrupamento
Não
uma carga 200, mas uma nova embalagem
Sepulturas
fraternas cavadas de acordo com os padrões
Pedimos
desculpas pelo transtorno
Pedimos
desculpas pelas falhas
A
guerra é uma celebração e está tudo bem
Não
vamos te perdoar e vamos pisotear os restos
A
torre Ostankino vai queimar lindamente.
As estrofes colocam frente a frente as principais expressões utilizadas
pela propaganda oficial e a dura realidade da crise econômica, dos sacos pretos
com os cadáveres dos soldados, das aberrações e dos crimes cometidos nos campos
de batalha. Uma crise cujos limites são testados e ampliados, mas cuja gravidade
é anunciada no próprio título da música. O espetáculo de dança “o Lago dos
Cisnes” era sempre transmitido pela televisão soviética sempre que o país
atravessava tempos difíceis.
A letra é marcada também pelos contrastes entre o cotidiano das pessoas
simples e o dos “homens do poder”. Enquanto a mãe tricota um colete primaveril
à prova de bala, a irmã é presa por se manifestar contra a guerra, cérebros que
deveriam ser usados para refletir criticamente sobre a realidade são
substituídos por programas de televisão que pensam no lugar das pessoas,
mulheres e crianças gritam em agonia, mas os Tchekistas (como eram chamados os
membros de uma das primeiras organizações da polícia secreta soviética) bebem
chá assistindo o pôr do sol, alheios ao drama dos russos cujos filhos estão nos
campos de batalha.
O grito da resistência passa pela declaração de que Puttin não será
perdoado pelos crimes que cometeu, verá seus restos pisoteados e assistirá à
torre de Ostankino, de onde sai o sinal de rádio e televisão para cerca de 15
milhões de pessoas na área da capital, queimar lindamente. É assim que o vídeo
reafirma a luta que Pussy Riot continua travando desde o início das suas ações.[61]
Maria, Nádia, kat, os e as demais integrantes de Pussy Riot, bem como as
mondinas da Itália do Norte e as mulheres que fizeram a greve de Lawrence
acontecer não são seres sobre-humanos que não conhecem o medo e a dor. São
pessoas comuns, cuja ação usou a música e a poesia para sacudir o conformismo,
declarar guerra à resignação e levar as vítimas da opressão a lutarem pela
liberdade.
[1] De acordo com o Censo de 1910, 85.892 pessoas viviam em Lawrence.
Desse total, 42.526 (48,0%) haviam nascido no exterior. De cada 100
trabalhadores empregados na indústria têxtil, 74 eram estrangeiros ou filhos
estadunidenses de país nascidos fora do país. Estes e outros detalhes sobre a
composição da população e da força de trabalho de Lawrence podem ser
encontrados em:
- Antony Russo, The Massachusetts Labor Movement - Collective
voices: The Textile Strike of 1912, Secondary Social Studies Curriculum Guide,
1990, disponível em: https://archives.lib.state.ma.us/server/api/core/bitstreams/30d9be73-b6a0-4370-9380-e4422075a290/content Acesso realizado em 10/02/2023
- Robert Forrant e Jurg Siegenthaler, The great Lawrence Textil
Strike of 1912 - New Scholarship on the Bread & Roses Strike, Ed.
Routledge, Londres e Nova Iorque, 2014.
[2] Em: https://www.connexions.org/CxLibrary/Docs/CxP-Lawrence_Textile_Strike_1912.htm Acesso em 22/02/2024.
[3] Em: https://libcom.org/article/lawrence-textile-strike-1912-sam-lowry e em: https://dp.la/exhibitions/breadandroses/workerslife/working Acessos realizados em 23/02/2024.
[4] Estas e outras informações encontram-se em:
- Antony Russo, The Massachusetts Labor
Movement - Collective voices: The Textile Strike of 1912, Secondary Social Studies Curriculum Guide,
1990 https://archives.lib.state.ma.us/server/api/core/bitstreams/30d9be73-b6a0-4370-9380-e4422075a290/content - https://archive.iww.org/content/bread-and-roses-hundred-years/
- https://dp.la/exhibitions/breadandroses/strike Acessos realizados em
10/02/2024.
[5] Em: Renato Lalli, Arturo Giovannitti. Poesia, cristianesimo e
socialismo tra le lotte operaie del primo Novecento americano, Editoriale
Rufus, Campobasso 1981, pp. 92-93.
[6] Em: Cameron, Ardis. Radicals of the Worst Sort: Laboring Women in
Lawrence, Massachusetts, 1860-1912. University of Illinois Press, 1995.
[7] Em: Robert Forrant e Jurg Siegenthaler, The great Lawrence Textil
Strike of 1912 - New Scholarship on the Bread & Roses Strike, Ed.
Routledge, Londres e Nova Iorque, 2014.
[8] A frase e o caso foram registrados em:
- Robert Forrant e Jurg Siegenthaler, The
great Lawrence Textil Strike of 1912 - New Scholarship on the Bread & Roses
Strike, Ed. Routledge, Londres e Nova Iorque, 2014.
- https://dp.la/exhibitions/breadandroses/strikers/workers Acesso realizado em 23/02/2024
[9] Em: https://dp.la/exhibitions/breadandroses/strikers/elizabeth-gurley-flynn Acesso realizado em 23/02/2024
[10] Em: https://www.zinnedproject.org/materials/bread-and-roses-song/ Acesso em 14/02/2024.
[11] Em: Antony Russo, The Massachusetts Labor Movement - Collective
voices: The Textile Strike of 1912, Secondary Social Studies Curriculum Guide,
1990 https://archives.lib.state.ma.us/server/api/core/bitstreams/30d9be73-b6a0-4370-9380-e4422075a290/content
- https://archive.iww.org/content/bread-and-roses-hundred-years/ Acesso realizado em
10/02/2024.
[12] Em: Edoardo Puglielli, Umberto Postiglione e il grande sciopero di
Lawrence (1912), Società Filosofica Italiana Sezione di Sulmona ‘Giuseppe
Capograssi’ junho de 2015.
[13] Em: Hubbard, Andrew, "Bread and Repression, Too: The Battle
for Labor’s Memory and the Lawrence Textile Strike of 1912" (2018).
Honors Theses. 1672. Disponível em: https://digitalworks.union.edu/theses/1672 Acesso realizado em 23/02/2024.
[14] Em: https://www.learningforjustice.org/classroom-resources/texts/proclamation-of-the-striking-textile-workers-of-lawrence Acesso realizado em
23/02/2024
[15] Estas e outras informações podem ser encontradas em:
- Edoardo Puglielli, Umberto Postiglione e il grande sciopero di
Lawrence (1912), Società Filosofica Italiana Sezione di Sulmona ‘Giuseppe
Capograssi’, junho de 2015.
- Hubbard, Andrew, "Bread and Repression, Too: The Battle for
Labor’s Memory and the Lawrence Textile Strike of 1912" (2018). Honors
Theses. 1672. https://digitalworks.union.edu/theses/1672 Acesso realizado em 23/02/2024.
[16] Estas e outras informações podem ser encontradas em:
- Hubbard, Andrew, "Bread and
Repression, Too: The Battle for Labor’s Memory and the Lawrence Textile Strike
of 1912" (2018). Honors Theses. 1672. https://digitalworks.union.edu/theses/1672 Acesso realizado em 23/02/2024.
- Robert Forrant e Jurg Siegenthaler, The
great Lawrence Textil Strike of 1912 - New Scholarship on the Bread & Roses
Strike, Ed. Routledge, Londres e Nova Iorque, 2014.
- https://dp.la/exhibitions/breadandroses/mobilizing-beyond-lawrence/childrens-exodus Acesso realizado em
23/02/2024.
[17] Texto conforme consta da divulgação em: https://shortcutsamerica.com/2013/03/08/r/ Acesso realizado em
24/02/2024
[18] Estas e outras informações estão disponíveis em:
- https://dp.la/exhibitions/breadandroses/strike/provocations
- https://jewishcurrents.org/the-lawrence-textile-strike
- https://en.wikipedia.org/wiki/Bread_and_Roses
- https://shortcutsamerica.com/2013/03/08/r/
Acessos realizados em 24/02/2024.
[19] Para completar e verificar as informações sobre a greve de Lawrence,
também lançamos mão dos sites que seguem:
- https://dp.la/exhibitions/breadandroses/end?item=98
- https://dp.la/exhibitions/breadandroses/strike/community-responds?item=80
- https://dp.la/exhibitions/breadandroses/strikers/workers?item=43
- https://reuther.wayne.edu/node/8239
- https://www.massmoments.org/moment-details/bread-and-roses-strike-begins.html
- https://dp.la/exhibitions/breadandroses/workerslife/working
- https://libcom.org/article/lawrence-textile-strike-1912-sam-lowry
- https://isreview.org/issue/86/bread-and-roses/index.html
- https://workerspower.uk/bread-and-roses-the-1912-lawrence-textile-strike/
- https://www.connexions.org/CxLibrary/Docs/CxP-Lawrence_Textile_Strike_1912.htm
- https://www.wikiwand.com/en/Bread_and_Roses_Strike
Acessos realizados entre 01/12/2023 e
24/02/2024.
[20] Estas e outras informações estão disponíveis em:
- https://www.paginatre.it/quando-le-mondine-mandavano-avanti-leconomia-del-nord/
- https://hermesmagazine.it/article/food/il-riso-amaro-delle-mondine
- https://www.milanofree.it/milano/tradizioni/mia-nonna-era-una-mondina.html
- https://terzomillennio.uil.it/blog/mondine-di-vercelli/
- https://laconfraternitadellapizza.forumfree.it/?t=73251186
Todos os acessos foram realizados entre
03/01/2024 e 05/03/2024.
[21] O contexto e a expressão em versos desta realidade cruel constam
também do repertório do coral das mondinas da cidade de Bentivoglio, nas
proximidades de Bolonha, formado por trabalhadoras dos arrozais que mantêm viva
a memória do trabalho e da luta. Os versos, recitados em italianos, estão
disponíveis em: https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=OzOJ49Hswr8
Acesso realizado em 06/03/2024.
[22] Estas e outras informações estão disponíveis em:
- https://www.storicang.it/a/le-mondine-dai-canti-di-lavoro-ai-canti-di-lotta_15537
- https://www.terracanto.org/it/il-canto-delle-mondine/
- https://www.patriaindipendente.it/terza-pagina/pentagramma/il-canto-collettivo-dellemancipazione/
- https://bambolediavole.wordpress.com/2016/06/08/saluteremo-il-signor-padrone-il-canto-delle-mondine/
Todos os acessos foram realizados entre
03/01/2024 e 05/03/2024.
[23] Em: https://it.m.wikipedia.org/wiki/Sciur_padrun_da_li_beli_braghi_bianchi Acesso realizado em
05/03/2024.
[24] Em: https://www.noidonne.org/articoli/se-otto-ore-vi-sembran-poche-00665.php e em: http://www.asvercelli.beniculturali.it/index.php?it/212/se-otto-ore-vi-sembran-poche Acesso realizado em
05/03/2024.
[25] Em: https://www.bibliotecasalaborsa.it/bolognaonline/cronologia-di-bologna/1882/sciopero_a_molinella
Acesso realizado em 05/03/2024.
[26] Em: https://www.bibliotecasalaborsa.it/bolognaonline/cronologia-di-bologna/1886/scioperi_nella_bassa
Acesso realizado em 05/03/2024.
[27] Estas e outras informações foram publicadas em:
- https://www.storicang.it/a/le-mondine-dai-canti-di-lavoro-ai-canti-di-lotta_15537
- https://www.milanofree.it/milano/tradizioni/mia-nonna-era-una-mondina.html
- https://terzomillennio.uil.it/blog/mondine-di-vercelli/
- https://ilgiornaledelpo.it/le-mondine-se-otto-ore/
- https://cgil-vcval.eu/la-storia-di-una-conquista/
- https://www.risoitaliano.eu/se-otto-ore-ci-sembran-tante/
- https://www.noidonne.org/articoli/se-otto-ore-vi-sembran-poche-00665.php
- http://www.asvercelli.beniculturali.it/index.php?it/212/se-otto-ore-vi-sembran-poche
Acessos realizados em 05/03/2024.
[28] Estas e outras informações foram publicadas em:
- http://cgil-vcval.eu/la-storia-di-una-conquista/
- https://www.risoitaliano.eu/se-otto-ore-ci-sembran-tante/
Acessos realizados em 05/03/2024.
[29] Esta informação foi extraída do livro de Giuseppe Vettori, Canzoni italiane di protesta 1794-1974 - dalla Rivoluzione francese alla repressione cilena, Newton Compton Editori, Roma 1974.
[30] Em: https://www.infoaut.org/storia/30-giugno-1927-le-mondine-in-sciopero Acesso em 05/03/2024.
[31] Em: https://storiedimenticate.wordpress.com/2013/06/10/10-giugno-1944-nasce-la-mondariso/
Acesso realizado em 25/03/2024.
[32] Em: https://www.storiaememoriadibologna.it/molinella-bo-100-luogo Acesso realizado em 26/03/2024.
[33] Em: https://bambolediavole.wordpress.com/2016/06/08/saluteremo-il-signor-padrone-il-canto-delle-mondine/
Acesso em 05/03/2024.
[34] Este acontecimento marcou a
história do período a ponto da revista semanal “Domenica del Corriere” usar
como capa um desenho que retratava esta ação. Disponível
em: https://www.lookandlearn.com/history-images/M283307/Sciopero-dei-mondarisi-nel-Vercellese-come-le-risaiuole-tentarono-impedire-il-viaggio-ai-liberi Acesso realizado em
09/03/2024.
[35] Você pode ter acesso às fotos de várias manifestações pedindo a
libertação de Maria, Kat e Nádia em: https://www.voanews.com/a/punk_band_wanted_band_members_flee_russia_to_avoid_arrest/1495972.html e no final da matéria em: https://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2012/08/17/veja-o-video-e-a-letra-da-musica-que-levou-a-prisao-das-integrantes-do-pussy-riot.htm? Acessos realizados em 12/03/2024.
[36] Resumimos aqui as informações contidas no livro de Masha Gessen,
Palavras quebrarão cimentos - a paixão de Pussy Riot, Ed. Martins Fontes,
São Paulo 2014., pg. 91-104.
[37] Idem, pg 55-63.
[38] Idem, pg 40-51.
[39] Idem, pg 76-79.
[40] Idem, pg. 82-83.
[41] Idem, pg. 83.
[42] Idem, pg. 109-110.
[43] Idem, pg. 114-115.
[44] Idem, pg. 118-119.
[45] Idem,
pg. 127-128.
[46] Idem, pg. 129-137.
[47] Idem, pg. 165.
[48] Idem,
pg. 169.
[49] Idem,
pg. 201.
[50] Idem,
pg. 299-315.
[51] Idem,
pg. 303-304.
[52] Idem,
pg. 306-307.
[53] Em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/12/integrantes-da-banda-pussy-riot-criticam-putin-apos-serem-soltas.html?utm_source=share-universal&utm_medium=share-bar-app&utm_campaign=materias Acesso realizado em
13/03/2024.
[54] Idem.
[55] Em: Maria Alyokhina, Riot Days, Ed. Hedra, São Paulo, 2020.
[56] Em: https://www.ft.com/content/107bf382-43f4-11e2-a48c-00144feabdc0 Acesso realizado em
19/03/2024.
[57] Maiores informações sobre a trajetória de Alexander Navalny podem ser
encontradas em: https://pt.euronews.com/2024/02/16/quem-era-alexei-navalny-e-como-e-que-ele-se-tornou-o-mais-feroz-opositor-de-putin
Acesso realizado em 14/03/2024.
[58] Em: https://sol.sapo.pt/2023/04/01/membro-das-pussy-riot-estara-numa-lista-de-criminosos-da-russia/
Acesso realizado em 05/03/2024.
[59] Em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c80nj6re46ro e em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/o-que-sabemos-sobre-a-morte-de-alexei-navalny-opositor-de-vladimir-putin/ Acessos realizados em
14/03/2024
[60] Em: https://revistamarieclaire.globo.com/Feminismo/Politica/noticia/2022/05/maria-alyokhina-quem-e-ativista-que-desafia-governo-russo-e-fugiu-disfarcada.html Acesso realizado em
05/03/2024.
[61] Além dos textos e links citados nas notas anteriores, a reflexão
sobre o grupo Pussy Riot contou também com os materiais divulgados nos sites
que seguem:
- https://www.dw.com/pt-br/pussy-riot-pede-a-sa%C3%ADda-de-putin-do-poder/a-17327105
- https://rollingstone.uol.com.br/musica/pussy-riot-lanca-manifesto-contra-putin-e-guerra-na-ucrania/
- https://gizmodo.uol.com.br/russia-coloca-cantora-do-pussy-riot-na-lista-de-mais-procurados-do-pais/
- https://en.wikipedia.org/wiki/Pussy_Riot
- https://www.youtube.com/watch?v=T_CkcCLX2ss
- https://youtu.be/9HOPw9yM9pc?si=WEgevAOBADEPRT3T
Todos os acessos foram realizados entre 1 de
fevereiro e 14 de março de 2024.
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