Algo
que sempre parecia distante da realidade ou coisa de filmes de ficção, de
repente se tornou o centro das atenções e o que, para muitos, é apenas
resultado da fúria da natureza ou do “criador” contra a espécie humana após
anos de exploração e destruição é, na verdade, uma somatória de diversos
fatores.
As
fortes chuvas atingiram 463 dos 497 municípios do Rio Grande do Sul (Carta
Capital), no entanto, 336 decretaram estado de emergência (Clima Info) com
resultados devastadores, milhares de famílias desabrigadas crescente número de
mortos (157 em 20/05, Carta Capital) e desaparecidos (88 em 20/05, Carta
Capital) e podemos inserir nessa lista, a dificuldade no transporte (inclusive
das vítimas), na evacuação das áreas atingidas e a insegurança alimentar,
energética e sanitária, afinal a distribuição de água foi evidentemente afetada
e o risco de contaminação e surtos de diversas doenças é iminente. O resultado
não poderia ser diferente, pois em dez dias (entre 24/04 e 04/05) choveu cerca
de ¼ do esperado para um ano, em números, seriam aproximadamente 420 mm dos
1.500 mm esperados para um ano no estado inteiro do Rio Grande do Sul (Jornal
da USP). Em suma, as fortes chuvas que atingiram e devastaram o estado são
resultantes da combinação de fatores como as mudanças climáticas em curso, fim
do fenômeno natural El Niño, forte bloqueio atmosférico nas regiões centrais do
país (o que impede que a massa de ar frio avance e “disperse” a chuva) e tudo
isso ainda sendo potencializado pela crescente destruição ambiental, ou seja,
não é obra do acaso, não é “natural” ou “castigo”. É, na verdade, fruto de anos
de desmatamento, queimadas, queima de combustíveis fósseis, desrespeito a
natureza e o uso indiscriminado de agrotóxicos que contaminam (na verdade,
envenenam) o solo, os alimentos que chegam às nossas mesas, a água e coloca em
risco a vida de muitos insetos essenciais para a polinização, ou seja,
compromete toda a biodiversidade. É fato, eventos extremos relacionados ao
clima seja de calor ou tempestades serão cada vez mais frequentes.
Apesar
da chuva intensa (acima do esperado para o tempo descrito), culpar as forças da
natureza é simplista demais e não analisa o problema como um todo, afinal o
governo sabia e ignorou porque não era conveniente agir. Em menos de 1 ano, o
RS já registrou 4 tragédias climáticas sendo elas em junho/2023 (com 16 mortos
e mais de 3,2 mil desabrigados), em setembro/2023 (com 54 mortes e mais de 20
mil desabrigados), em novembro/2023 (com 5 mortes e mais de 28 mil
desabrigados) e agora em maios/2024 – com dados ainda sendo contabilizados
(Justiça Eco, 2024). Evidenciando que não há “surpresas” nesse cenário,
a infeliz e triste “surpresa” fica apenas para aqueles vivenciaram as cenas de
destruição, que perderam suas casas, entes queridos e suas vidas.
A
destruição, a exploração da natureza e dos recursos naturais, bem como da mão
de obra, é fruto das políticas que sempre favorecem o capital. É algo baseado
única e exclusivamente na obtenção do lucro e concentração de bens nas mãos dos
senhores do poder. Diante disso, a crise ambiental e climática são inevitáveis,
mas o grau dos danos e tragédias que isso causará principalmente aos mais
vulneráveis depende do monitoramento, combate ao negacionismo, garantia de
proteção ambiental, da visibilidade e exercício das práticas indicadas por
estudos científicos sérios, mas, principalmente, requer que a vida seja
priorizada ao invés do capital. É pensar a vida além do Capitalismo e da
banalização da “proteção e preservação” do meio ambiente, afinal o que vemos hoje
são práticas ditas como “sustentáveis”, mas que, na verdade, apenas amenizam ou
disfarçam danos e continuam a serviço do capital. É preciso pensar a
biodiversidade como toda forma de vida que ela verdadeiramente representa e a
espécie humana como integrante desse cenário. É preciso preservar (ou salvar –
se assim preferir) a natureza e não o Capitalismo!
Em
2015, o relatório intitulado “Brasil 2040”, solicitado pela Presidência da
República foi resultado de um estudo que analisou impactos em infraestrutura,
agricultura, energia, entre outros – foi feito por vários órgãos de pesquisa do
país e custou R$ 3,5 milhões (Intercept – Brasil, 2024) e, embora seja uma
situação extremamente triste, diante deste documento, não é possível afirmar
que foi totalmente inesperada. No entanto, cabe aqui as perguntas:
Por
que nada foi feito?
Por que as pessoas não foram alertadas?
Poderia responder de forma bastante simplista
culpando esse ou aquele governo, a imprevisibilidade da natureza, “o criador
e seus castigos”, ou ainda que o “tal” relatório apontava probabilidades,
mas não “certezas absolutas” (afinal, por que salvar vidas, cidades e a
natureza seria importante, não é mesmo? – contém ironia). Enfim, inúmeras são
as justificativas para “salvar o Capitalismo”, no entanto, a resposta soa de
forma constrangedora, revoltante e irônica: Porque não era conveniente agir e
porque a prioridade nesse sistema é o acúmulo de capital, manutenção da
burguesia e a exploração da classe trabalhadora, do meio ambiente, dos recursos
naturais e de tudo que for possível e a favor de manter a riqueza nas mãos da minoria,
a fim de manter o Sistema funcionando (custe o que custar), o mesmo sistema que
banaliza (e sacrifica se preciso for) a vida humana, a biodiversidade e toda a
natureza. Infelizmente, é preciso reconhecer que nesse Sistema a prioridade não
é (e nunca será) a vida, seja ela qual for (a sua, a minha, dos comparsas de
trabalho, dos amigos, familiares e até dos outros seres vivos com os quais
dividimos esse planeta).
É
válido ressaltar que, o mesmo relatório, fez projeções alarmantes e
preocupantes para os próximos anos de 2040, 2070 e 2100. Não são meras
“previsões” sem nexo ou baseadas em “achismos”, são projeções baseadas em
estudos, modelos e é consenso no meio científico que eventos extremos (como as
chuvas no RS) serão cada vez mais frequentes em várias áreas. Em outras palavras, não quero ser portadora
de más notícias, portanto é evidente que esse sistema já não nos basta mais. É
ele ou a vida!
T.V.A.F. – Uma mulher Inconformada e Divergente
CLIMA INFO. Com tragédia climática, governo e Congresso costuram “orçamento de guerra” para reconstruir Rio Grande do Sul. Disponível em: < https://climainfo.org.br/2024/05/06/com-tragedia-climatica-governo-e-congresso-costuram-orcamento-de-guerra-para-reconstruir-rio-grande-do-sul/ >. Acesso em 08 de Maio, 2024.
CARTA CAPITAL. Número de mortos no Rio Grande do Sul sobe para 157; 88 ainda estão desaparecidos. Disponível em: < https://www.cartacapital.com.br/sociedade/numero-de-mortos-no-rio-grande-do-sul-sobe-para-157-88-ainda-estao-desaparecidos/ >. Acesso em 20 de maio, 2024.
CORTÊS, P. L. Chuvas no Rio Grande do Sul devastam o Estado, provocando mortes e o deslocamento de populações. Jornal USP. Disponível em: < https://jornal.usp.br/radio-usp/chuvas-no-rio-grande-do-sul-devastam-o-estado-provocando-mortes-e-o-deslocamento-de-populacoes/ >. Acesso em 06 de maio, 2024.
DIAS, T. Enchentes no RS: Leia O Relatório de 2015 que projetou o desastre – e os Governos escolheram engavetar. Intercept Brasil. Disponível em: < https://www.intercept.com.br/2024/05/06/enchentes-no-rs-leia-o-relatorio-de-2015-que-projetou-o-desastre-e-os-governos-escolheram-engavetar/ >. Acesso em 08 de maio, 2024.
JUSTIÇA ECO. Observatório da Justiça e Conservação. Vídeos e análises disponíveis em: < https://justicaeco.com.br/>. Acesso em 08 de maio, 2024.
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