Em artigo
publicado a partir de um relatório da OIT, o jornalista e historiador indiano
Vijav Prashad, chega a conclusões opostas a maioria dos conceitos e categorias
que tem sido produzida na maioria das academias e institutos ligados as pesquisas
na área de ciências:
A saber, estas
pesquisas apontam uma constante queda no emprego, um desemprego estrutural, ou seja,
a redução da população trabalhadora empregada em virtude da introdução permanente
de novas tecnologias no processo de produção e de trabalho. E consequentemente
o fim do trabalho.
Vijav
Prashad aponta o oposto, ou seja, há um aumento absoluto do
capital variável e ao mesmo tempo uma queda relativa da população trabalhadora como
consequência do aumento da composição orgânica do capital, devido a aplicação
crescente de novas tecnologias no processo de trabalho, como a forma de organização
da sociedade é a capitalista, o próprio trabalhador, o capital variável e a
maioria da população está cada vez mais excluída do acesso a bens básicos.
Temos divergências
em relação a algumas conclusões no
artigo que ficarão pra depois. Mas vale a pena não somente ler o artigo, mas sim, refletir por meio dele, as consequências para
a luta de classes.
Coletivo Divergente de Imprensa (CDI)
Boa Leitura
3 de out de 2019
Sobre
iPhone 11, tecnologia e “fim do trabalho” Relatório da OIT joga novas luzes
sobre a automação. Não é o trabalho que declina, mas extração de mais valia. (Vijav
Prashad)
8
de out de 2019 17:09 (há 11 dias)
Sobre
iPhone11, tecnologia e “fim do trabalho”
Relatório da OIT
joga novas luzes sobre a automação. Não é o trabalho que declina, mas extração
de mais valia e desigualdade que disparam. Subcontratados da Apple são
25 vezes mais explorados que tecelões ingleses do século XIX.
"Há mais pessoas
trabalhando, porém, a pobreza continua sendo um
problema sério. As pessoas empregadas aumentaram sua produtividade média e
produzem muito mais hoje do que antigamente. O que as mantém na pobreza, apesar
de sua produtividade aumentada — que vem, em parte, das melhorias tecnológicas
— é que não conseguem usufruir uma parcela maior dos ganhos de produtividade e
da mais-valia total produzida", escreve Vijay Prashad, jornalista,
historiador indiano, diretor do Tricontinental: Institute for Social Research,
editor chefe da LeftWord Books e chefe de redação do Globetrotter, em artigo
publicado por Tricontinental Institute e reproduzido por Outras Palavras,
26-09-2019. A tradução é de Simone Paz.
Eis
o artigo.
Um
relatório recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra: há
agora 3,5 bilhões de trabalhadores no
mundo.
Nunca o número foi tão vasto. A conversa sobre “o fim dos trabalhadores” é
prematura, quando confrontada com o peso desses dados.
A OIT reporta que
a maior parte desses 3,5 bilhões de trabalhadores “enfrentam ausência de bem-estar
material, segurança econômica, igualdade de oportunidades ou possibilidade de
desenvolvimento humano. Estar empregado nem sempre garante uma vida
decente. Muitos trabalhadores precisam aceitar trabalhos pouco atraentes, normalmente
informais (é o chamado trabalho flexível) e caracterizados por baixa
remuneração, além da acesso escasso ou inexistente a proteção social e direitos
trabalhistas”. Embora metade da força de trabalho mundial seja composta por
empregados assalariados, dois milhões de trabalhadores (61% do total) estão no
setor informal.
O relatório da OIT
mostra que o número de trabalhadores pobres diminuiu, em grande parte graças ao
abrangente impacto da China. Há controvérsias nos dados relacionados à pobreza,
já que se desconfia da honestidade das estatísticas apresentadas por muitos
governos. Ainda assim, os dados comprovam que mesmo com os rendimentos dos
pobres aumentando, estes ainda não cresceram o suficiente para tirá-los de fato
da pobreza. Jason Hickel e Huzaifa Zoomkawala expõem como houve poucos ganhos
para a parte mais pobre da humanidade nas últimas décadas. “No interior do 60%
mais pobre da humanidade, o cidadão comum viu sua renda anual crescer somente
1.200 dólares… ao longo de 36 anos”, escreve Hickel. Está longe de ser digno de
celebração.
Mesmo com os dados
evidenciando que os trabalhadores dentro da força de trabalho global não
conseguem encontrar “trabalho decente”, as taxas de produtividade estão muito
mais altas do que antes. Como o relatório da OIT indica, “espera-se que o
crescimento da produtividade entre 2019 e 2021 alcance o seu pico mais elevado
desde 2010, superando a média histórica de 2,1% para o período de 1992-2018”. A
OIT refere-se à média mundial, visto que em muitos países — incluindo os EUA —
o aumento da produtividade tem se mantido estagnado: ou seja, é o crescimento
da produtividade em países como a China que puxa para cima a média global.
Porém, os benefícios do aumento da produtividade não são satisfatoriamente
distribuídos entre os trabalhadores, em termos de aumento salarial proporcional
às suas contribuições. Os benefícios sobem diretamente para os donos do
capital, o que aumenta a concentração de riqueza. O trabalho está produzindo um
excedente maciço, que poderia muito bem ser usado para melhorar o bem-estar
geral da humanidade. Em vez disso, vai parar nos bolsos dos capitalistas.
* * *
No último ano, o
Instituto de Pesquisa Social Tricontinental tentou encontrar formas de explicar
alguns conceitos-chave equivocados.
1. O de que a
força de trabalho mundial diminuiu
As falas sobre
automação e precariedade levaram à suposição de que haveria um declínio do
trabalho, em plano mundial. Não é o caso. Hoje há mais pessoas trabalhando do
que nunca, muitas delas em fábricas — apesar dos “desertos fabris” e do
processo de desindustrialização no Ocidente.
2. O de que a
pobreza diminuiu
Se houvesse menos
gente trabalhando, haveria menos gente ganhando dinheiro — logo, haveria
maiores taxas de pobreza. O fato é: há mais pessoas trabalhando, porém, a
pobreza continua sendo um problema sério. As pessoas empregadas aumentaram sua
produtividade média e produzem muito mais hoje do que antigamente. O que as
mantém na pobreza, apesar de sua produtividade aumentada — que vem, em parte,
das melhorias tecnológicas — é que não conseguem usufruir uma parcela maior dos
ganhos de produtividade e da mais-valia total produzida. Mas o que também
mantém a taxa de pobreza constante é a destruição do estado de bem-estar e de
uma série de provisões, desde subsídios para habitação até cestas de alimentos,
que tem sido tirados de bilhões de pessoas.
Há, de fato, mais
pessoas empregadas, mas elas não são capazes de ganhar a quantia suficiente, do
total da mais-valia que produzem, para superar a linha da pobreza.
O legado da
análise marxista nos fornece um conceito simples: taxa de exploração. Marx, em
O Capital (1867), trata da exploração em duas formas. No plano moral, ele brada
contra a exploração dos trabalhadores, particularmente das crianças. As
terríveis condições de vida e de trabalho desses trabalhadores, enfureceram
Marx, assim como qualquer pessoa sensível. Além disso, no marco de sua ciência,
Marx estudou a forma como os donos do capital contratam trabalhadores comprando
sua força de trabalho. São estes trabalhadores que produzem a mais-valia, cujos
ganhos são expropriados pelos donos do capital graças a seus direitos de
propriedade. Exploração, portanto, é a extração dessa mais-valia pelos donos do
capital aos trabalhadores que a produzem. Marx escreveu que a taxa de
exploração pode ser calculada de forma clara, se usarmos seu aparato
conceitual.
* * *
A Apple acabou de
lançar o iPhone 11. Poucas características o diferenciam do iPhone X, embora a
versão mais cara do novo telefone celular tenha três câmeras. É importante
destacar que a Apple não fabrica esses aparelhos. Eles são manufaturados em
larga escala pela companhia taiwanesa Foxconn, que emprega mais de 1,3 milhão
de trabalhadores apenas na China. O iPhone é obscenamente caro [R$ 8.999 no
Brasil], e a maior parte dos recursos de sua venda vão parar na Apple, não vai
para os trabalhadores nem para a Foxconn. Como a Apple possui a propriedade
intelectual sobre o telefone, ela delega a produção a companhias como a
Foxconn, que fabrica os telefones para o mercado. A Apple devora o grosso dos
lucros graças a este processo.
Cinco anos atrás,
E. Ahmet Tonak realizou um estudo do iPhone 6, analisando-o desde o ponto de
vista da análise marxista da taxa de exploração. Como integrante doInstituto de
Pesquisa Social Tricontinental, Ahmet atualizou suas análises para acompanhar o
iPhone X. Aproveitamos a ocasião para produzir o Caderno nº 2, que explica
alguns dos conceitos centrais da teoria marxista e em seguida utiliza a análise
da taxa de exploração para olhar mais de perto para o iPhone. A taxa de
exploração nos permite demonstrar o quanto o trabalhador agrega valor no
processo de produção. Ela demonstra que, mesmo se o trabalhador recebesse mais,
só pela mágica da mecanização e da administração eficiente do processo de
produção a taxa de exploração aumentaria. Sob o sistema capitalista, é
impossível haver liberdade para o trabalhador.
A descoberta mais
assombrosa da análise é que os trabalhadores de nosso tempo, que fabricam
iPhones, são 25 vezes mais explorados do que os trabalhadores de fábricas
têxteis dos século 19, na Inglaterra. A taxa de exploração dos trabalhadores do
iPhoneé de 2.458%. Esse número nos faz lembrar de que apenas uma parte
infinitesimal da jornada de trabalho vai compor o valor do salário que o
trabalhador recebe; na quase totalidade desta jornada, os operários produzindo
para ampliar a riqueza do capitalista. Quanto maior a taxa de exploração, mais
cresce a riqueza do dono do capital, graças ao trabalho assalariado.
O caderno nº 2 foi
criado com enorme cuidado por nossa Tings Chak e Ingrid Neves. Nós o produzimos
com a esperança de que seja amplamente utilizado em diferentes formas de
educação — seja em escolas de política, com fins acadêmicos ou para o estudo
independente. O texto foi escrito numa linguagem clara e precisa, o seu desenho
foi formulado para melhorar o aprendizado.
* * *
Esta semana, a ONU
organizou cinco reuniões de cúpula sobre a catástrofe climática. Antonio
Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, diz que duas palavras resumem
estes cinco encontros: ambição e ação. Os protestos mundiais para defender o
planeta ocorreram na última sexta-feira (20), e há ainda mais atos marcados na
sequência. Entretanto, as conversas nos encontros da ONU permanecem estagnadas
pela recusa dos EUA e de outros países ocidentais em reconhecer sua grande
responsabilidade na catástrofe, ao terem ultrapassado os limites de suas cotas
de emissão de carbono. A esperança de que esses países contribuíssem para o
Fundo Global para o Climadesmoronou. A quantia mínima necessária é da ordem de
trilhões de dólares, e não os poucos bilhões que foram prometidos. Pouco se
fala em mitigar, em transferir tecnologia, em desigualdade de emissões ou
tantas outras soluções substanciais que atacariam a raiz da crise atual.
Há alguns anos, a
Oxfam lançou um importante estudo que mostrava como a metade mais pobre do
planeta era responsável por apenas 10% das emissões globais, enquanto os 10%
mais rico respondiam por 50% das emissões de carbono. No entanto, como observa
a Oxfam, são as pessoas dos países mais pobres as mais vulneráveis às mudanças
climáticas, muitas vezes erroneamente culpadas por causá-las. A discussão sobre
desenvolvimento não tem ocorrido em paralelo à discussão sobre mudanças
climáticas. Qual o sentido de dizer, para as bilhões de pessoas que produzem
mais-valia, mas vivem em pobreza, que devem reduzir seu consumo? Um estudo
recente da ONU diz que pelo menos 820 milhões de pessoas vivem com fome, e pelo
menos outras 2 bilhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar.
* * *
Não podemos
abordar as mudanças climáticas sem falar em abolir o sistema que vive da fome e
da pobreza da maior parte das pessoas do mundo, e sem reconhecer as sementes
para um futuro melhor que estão sendo plantadas hoje. A corrente de pensamento
crítico latino-americano nos lembra da importância disso. Num relatório feito recentemente,
pelos nossos escritórios em Buenos Aires e São Paulo, José Seoane escreve: “não
se trata apenas de imaginar esses futuros de forma teórica, baseando-nos em
nosso passado; a questão é também refletir e difundir os projetos populares que
estão se desenvolvendo atualmente e antecipar o futuro que estamos buscando”.
Qual o ponto de salvar o planeta enquanto bilhões de trabalhadores morrem de
fome?
O sofrimento não é
uma mercadoria. Não existe mercado primário ou secundário para ele. É terra e
pedras no estômago de um ser humano faminto. Um ser humano trabalhador da
cadeia de produção de um iPhone.
VIJAY
PRASHAD
Vijay Prashad é o diretor
do Tricontinental: Institute for Social Research e editor chefe da LeftWord
Books. É chefe de redação do Globetrotter, um projeto do Independent Media
Institute. Ele escreve regularmente para The Hindu, Frontline, Newsclick e
BirGün.
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