domingo, 12 de abril de 2020

A hipocrisia da criticidade no cenário atual de Educação





Bruno Misse



Há algum tempo venho me questionando sobre o papel social da escola. Em outras palavras, venho buscando entender o que a escola representa em uma sociedade e qual o objetivo que a escola busca atingir. Já adianto que ainda não estou pronto para responder essas questões, porém, já refleti um bocado sobre isso.

Talvez eu pudesse apresentar algumas das minhas considerações aqui, mas a cada vez que olho, eu me descubro em uma sociedade mais distante dos ideais teóricos nos quais nos referenciamos.  (Nota mental: difícil fazer exercícios filosóficos sobre temas atuais numa sociedade líquida).  O que pretendo com este texto é expor algo que vem me angustiando nos últimos tempos e que é apenas uma das dimensões do questionamento do papel social da escola. Quero discutir a criticidade.

Historicamente, houve todo um movimento de superar o ensino tecnicista, tecnocrata, por um modelo de ensino que busca a formação crítica do aluno. Embora eu considere muito interessante, não pretendo falar sobre a História da LDB, ou as contribuições de Paulo Freire, para a Educação e o Mundo. Mas, qualquer um que já leu algum documento educacional, percebe que “formar um cidadão crítico” está presente em todos eles. Mas pergunto: “crítico a quê, cara pálida?”.

Nos últimos anos, o Brasil está vem numa marcha a uma distopia, e o que nós, formadores críticos, estamos fazendo? Resposta: dando aula.
Houve um impedimento presidencial, e eu estava dando aula.

Legalizaram, na mesma semana, o motivo deste impedimento, e eu estava dando aula.

Tiraram os Royalties do pré-sal que iriam para a Educação, e eu estava dando aula.

Prenderam um líder político, e eu estava dando aula, com convicção.

Espalharam fake News, elegeram o presidente pelo ódio alheio, mudaram a aposentadoria, tiraram direitos, e eu estava dando aula.

Houve o retrocesso em questões, de gênero, meio ambiente, de raça, de religião, de classe social, e eu... estava.... dando aula...

Agora, que vivemos uma “pandemia de proporções apocalípticas” (ONU, 2020), EU ESTOU DANDO AULA!

Não sobre como ser crítico a alguma dessas situações, estou dando aula como se nada estivesse acontecendo, ensinando álgebra, aritmética, geometria... Estou preocupado com o ensino propedêutico, tecnicista. Preocupado com o conteúdo, com os dias letivos, com a integralização de créditos. Com a conclusão do curso!

Como eu vou formar um cidadão crítico enquanto eu não for crítico a situação?

Em que mundo louco estamos vivendo? No qual é mais importante preencher um diário, e terminar um livro didático, do que buscar compreender a situação?

Nesse sentido, a escola hipocritamente escreve sobre a formação crítica enquanto ajuda a criar um ambiente alheio às situações atuais. Cria/Forma um grupo de pessoas sem o preparo necessário para buscar informações sobre a vida pessoal, que acha mais “fácil” concordar com o que é dito, do que buscar informações para questionar.

Precisamos urgentemente pensar no papel social da escola, buscar definir os seus objetivos de maneira clara, e agir segundo essa perspectiva, afinal a educação faz parte da vida de todos como direito, e é fundamental para que possamos viver em sociedade. Enquanto não fizermos essa reflexão ficaremos na hipocrisia de buscar a formação de um cidadão crítico, preparado para enfrentar as situações sociais, o mundo do trabalho, o ambiente de educação superior, que seja autônomo, ético, politizado, com domínio do conhecimento historicamente construído e disseminado pela academia, capaz de interpretar situações reais, problematizando-as e inferindo conclusões concisas, que foi formado apenas com a preocupação em cumprir currículo e dias letivos.

Enfim, é angustiante! Mas como nos diz Heidegger, a angústia é o que nos tira da decadência, é o que nos move, e faz com que não sejamos seres para a Morte.

2 comentários:

  1. Excelente reflexão! É assim que também me sinto: angustiada...essa criticidade, tão idealizada se perde na busca pelo cumprimento do currículo, na preparação para as provas oficiais/vestibulares ou na formação para o mercado de trabalho...e quantas coisas aconteceram enquanto estávamos preocupados com esses "compromissos" ?
    Como diz Paulo Freire, a Educação só será transformadora quando tiver um fim nela mesma...

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  2. Grato pelo comentário.
    Temos publicado em nosso blog dois artigos muito interessantes de Emilio Gennari, sobre o fracasso escolar e sobre o adoecimento dos trabalhadores da Educação. Ele vai lançar mais luz ainda sobre este debate. Não deixe de consultar.

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