Bruno
Misse
Há algum tempo venho me
questionando sobre o papel social da escola. Em outras palavras, venho buscando
entender o que a escola representa em uma sociedade e qual o objetivo que a escola
busca atingir. Já adianto que ainda não estou pronto para responder essas
questões, porém, já refleti um bocado sobre isso.
Talvez eu pudesse
apresentar algumas das minhas considerações aqui, mas a cada vez que olho, eu
me descubro em uma sociedade mais distante dos ideais teóricos nos quais nos
referenciamos. (Nota mental: difícil
fazer exercícios filosóficos sobre temas atuais numa sociedade líquida). O que pretendo com este texto é expor algo
que vem me angustiando nos últimos tempos e que é apenas uma das dimensões do
questionamento do papel social da escola. Quero discutir a criticidade.
Historicamente, houve
todo um movimento de superar o ensino tecnicista, tecnocrata, por um modelo de
ensino que busca a formação crítica do aluno. Embora eu considere muito
interessante, não pretendo falar sobre a História da LDB, ou as contribuições
de Paulo Freire, para a Educação e o Mundo. Mas, qualquer um que já leu algum documento
educacional, percebe que “formar um cidadão crítico” está presente em todos eles.
Mas pergunto: “crítico a quê, cara pálida?”.
Nos últimos anos, o
Brasil está vem numa marcha a uma distopia, e o que nós, formadores críticos,
estamos fazendo? Resposta: dando aula.
Houve um impedimento
presidencial, e eu estava dando aula.
Legalizaram, na mesma
semana, o motivo deste impedimento, e eu estava dando aula.
Tiraram os Royalties do
pré-sal que iriam para a Educação, e eu estava dando aula.
Prenderam um líder
político, e eu estava dando aula, com convicção.
Espalharam fake News,
elegeram o presidente pelo ódio alheio, mudaram a aposentadoria, tiraram
direitos, e eu estava dando aula.
Houve o retrocesso em
questões, de gênero, meio ambiente, de raça, de religião, de classe social, e
eu... estava.... dando aula...
Agora, que vivemos uma
“pandemia de proporções apocalípticas” (ONU, 2020), EU ESTOU DANDO AULA!
Não sobre como ser
crítico a alguma dessas situações, estou dando aula como se nada estivesse
acontecendo, ensinando álgebra, aritmética, geometria... Estou preocupado com o
ensino propedêutico, tecnicista. Preocupado com o conteúdo, com os dias
letivos, com a integralização de créditos. Com a conclusão do curso!
Como eu vou formar um
cidadão crítico enquanto eu não for crítico a situação?
Em que mundo louco
estamos vivendo? No qual é mais importante preencher um diário, e terminar um
livro didático, do que buscar compreender a situação?
Nesse sentido, a escola
hipocritamente escreve sobre a formação crítica enquanto ajuda a criar um
ambiente alheio às situações atuais. Cria/Forma um grupo de pessoas sem o
preparo necessário para buscar informações sobre a vida pessoal, que acha mais
“fácil” concordar com o que é dito, do que buscar informações para questionar.
Precisamos urgentemente
pensar no papel social da escola, buscar definir os seus objetivos de maneira
clara, e agir segundo essa perspectiva, afinal a educação faz parte da vida de
todos como direito, e é fundamental para que possamos viver em sociedade. Enquanto
não fizermos essa reflexão ficaremos na hipocrisia de buscar a formação de um
cidadão crítico, preparado para enfrentar as situações sociais, o mundo do
trabalho, o ambiente de educação superior, que seja autônomo, ético,
politizado, com domínio do conhecimento historicamente construído e disseminado
pela academia, capaz de interpretar situações reais, problematizando-as e
inferindo conclusões concisas, que foi formado apenas com a preocupação em
cumprir currículo e dias letivos.
Enfim, é angustiante! Mas
como nos diz Heidegger, a angústia é o que nos tira da decadência, é o que nos
move, e faz com que não sejamos seres para a Morte.
Excelente reflexão! É assim que também me sinto: angustiada...essa criticidade, tão idealizada se perde na busca pelo cumprimento do currículo, na preparação para as provas oficiais/vestibulares ou na formação para o mercado de trabalho...e quantas coisas aconteceram enquanto estávamos preocupados com esses "compromissos" ?
ResponderExcluirComo diz Paulo Freire, a Educação só será transformadora quando tiver um fim nela mesma...
Grato pelo comentário.
ResponderExcluirTemos publicado em nosso blog dois artigos muito interessantes de Emilio Gennari, sobre o fracasso escolar e sobre o adoecimento dos trabalhadores da Educação. Ele vai lançar mais luz ainda sobre este debate. Não deixe de consultar.