Adeus ano velho
Feliz Ano
Novo
Que tudo se
Realize
No Ano que
Vai Nascer
Será?
Antes ou
depois de cantar dê uma olhadinha no que vem por aí.
Emílio com
seu radar sempre antenado e seu olho de lince, traça um panorama pra 2022.
Será melhor
do que este no qual o povo teve que fazer fila para pegar ossos no lugar da
carne?
Não deixe de
dar aquela espiadinha.
|
Análise de Conjuntura
23 de dezembro de 2021 |
________________________________________________________________________
Brasil – 2022: os trabalhadores em meio à
tempestade
Emilio Gennari
Em 2021, o Brasil que a elite foi construindo
durante o governo Bolsonaro ganhou uma de suas expressões mais reais em Cuiabá,
capital de Mato Grosso. No Estado onde, em média, os pecuaristas criam 9 bois
para cada habitante, uma longa fila de moradores da capital se forma todos os
dias na porta do Atacadão de Carnes do bairro CPA 2 para garantir um dos
pacotes de ossos que o açougue distribui gratuitamente.1
Trata-se
de uma fila disciplinada, de gente ordeira que aguarda pacientemente a sua vez
e cujo sentimento de gratidão aumenta na medida em que, diante dos insistentes
pedidos dos mais pobres, muitos açougues passaram a vender os ossos que antes
doavam.
Prova
material do fracasso do agronegócio em produzir o bem-estar num estado com
muita terra e pouca gente, esta cena é um retrato da resignação que,
dia-após-dia, leva as pessoas a aceitarem a sua condição em nome de um destino
que tem tudo de humano e nada de divino.
Situações
igualmente desconcertantes se repetem em muitas outras cidades do país em formas
e dimensões diferentes. A capital do Estado mais rico da federação abriga um
número crescente de pessoas que, sem renda suficiente para alugar uma casa ou
um barraco de favela, foram forçadas a procurar na rua um espaço onde abrigar a
própria família.
Na Praça
da Sé de São Paulo, na entrada do Parque Trianon, em plena Avenida Paulista, em
qualquer canto onde dê para colocar uma surrada barraca de camping, esticar uma
lona ou se abrigar embaixo do carrinho com o qual recolhem materiais
recicláveis durante o dia, milhares de moradores são a prova viva de um sistema
que, em nome da propriedade e da especulação imobiliária, mantém cerca de
290.000 imóveis vazios.2
Com
raras possibilidades de acesso à água potável, sem serviços higiênicos,
dependendo frequentemente da caridade alheia para encontrar algo para comer,
milhares de famílias vivem, literalmente, ao "Deus dará".
Como é
possível que isso esteja acontecendo num país que, entre outubro de 2020 e
setembro de 2021, criou mais de nove milhões de empregos?
A
seguir, vamos responder a esta pergunta analisando os principais elementos que,
ao longo de 2021, colocaram a classe trabalhadora numa tempestade que, ao que
tudo indica, continuará em 2022.
1.
Quando trabalhar não impede de empobrecer
Muitos
analistas e comentaristas econômicos comemoraram o anúncio de que, no terceiro
trimestre deste ano, a taxa de desemprego havia caído para 12,6% da força de
trabalho. A ênfase das manchetes foi sendo redimensionada à medida que 54% das
vagas criadas era de empregos sem carteira assinada ou de trabalhos que o povo
chama de "bicos" por oferecerem uma renda magra e incerta.3
Com base
nesta constatação, parte considerável dos meios de comunicação concluiu que a
queda de 4% no rendimento médio real dos ocupados, apontada pelo IBGE, tinha
como base a precariedade das ocupações criadas pelo crescimento econômico e a
inflação.
Aparentemente,
trata-se de uma conclusão que faz todo sentido à medida que os números da
realidade levam a privilegiar este olhar. Mas, basta ler atentamente as
planilhas para suspeitar que o processo de empobrecimento da população esconda
outros fatores. Vamos iniciar a nossa análise resgatando os dados apresentados
pelo IBGE:4
Quadro 1 - Rendimento médio real habitual das
pessoas ocupadas
Indicadores |
Salário médio no 3º tri 2021 (R$) |
Variação em relação ao 2º tri 2021 |
Variação em relação ao 3º tri 2020 |
Setor privado com carteira assinada |
2.354,00 |
- 3,0% |
- 6,5% |
Setor
privado sem carteira assinada |
1.591,00 |
-
4,5% |
-
11,5% |
Trab.
doméstico com carteira assinada |
1.320,00 |
-
3,7% |
-
6,8% |
Trab.
doméstico sem carteira assinada |
791,00 |
-
1,8% |
-
4,5% |
Setor
público com carteira assinada |
3.837,00 |
-
6,1% |
-
10,7% |
Militar e
Funcionário público estatutário |
4.383,00 |
-
4,3% |
-
10,4% |
Setor
público sem carteira assinada |
2.252,00 |
-
5,2% |
2,1% |
Empregador
com CNPJ |
6.596,00 |
0,3% |
-
17,7% |
Empregador sem CNPJ |
3.766,00 |
-
7,0% |
-
15,4% |
Conta própria com CNPJ |
3.257,00 |
0,3% |
-
2,4% |
Conta própria sem CNPJ |
1.433,00 |
-
1,9% |
-
7,9% |
Massa de rendimento real mensal habitual dos
ocupados (milhões de R$) |
223.549 |
-
0,1% |
-
0,7% |
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IBGE.
O quadro 1 revela que somente o empregador e o
trabalhador por conta própria, ambos com CNPJ viram seus ganhos aumentarem em
0,3%, acima da inflação na comparação com o segundo trimestre de 2021.
A situação piora drasticamente quando os números de julho
a setembro deste ano são confrontados com os do mesmo trimestre de 2020. Neste
período, somente os trabalhadores do setor público sem carteira assinada
apresentam um ganho de 2,1%. O resultado positivo deste núcleo de trabalhadores
informais se deve, fundamentalmente, à baixa base de comparação do terceiro
trimestre de 2020. Neste período, apesar de a economia do país crescer 7,8%, os
ganhos do grupo apresentavam uma elevação de apenas 0,2% em relação ao
trimestre anterior, conforme mostram as planilhas do IBGE.5
Em relação ao funcionalismo público estatutário e com
carteira assinada, as fortes perdas registradas nas duas bases de comparação
ocorrem por causa do congelamento dos salários diante de uma inflação que
atinge seguidamente novos patamares.
À medida que os assalariados de todos os grupos registram
uma queda da sua renda, não surpreende que os empregadores que atuam na
economia formal apresentem um ganho real diante do segundo trimestre deste ano.
O resultado negativo em relação ao período de julho a setembro de 2020 se deve
à sua elevada base de comparação. De fato, no terceiro trimestre de 2020, estes
empregadores registravam uma elevação real dos seus ganhos de 8,1% em relação
ao trimestre anterior, 0,3 ponto percentual acima do crescimento do PIB destes
meses.6
Graças à redução generalizada da renda real do trabalho
em julho, agosto e setembro de 2021, temos que, apesar de o país apresentar um
aumento de 9 milhões e 537 mil vagas em relação a um ano antes, a soma dos
rendimentos dos quase 93 milhões de ocupados mostra uma queda de 0,7% ante o
valor apurado no mesmo período de 2020.
Uma renda total menor
apesar do maior contingente de pessoas que trabalham é a expressão numérica do
empobrecimento dos assalariados. E, à medida que um bolo menor é dividido entre
um número de ocupados, a diminuição do desemprego não tem efeito algum na
elevação do consumo e, de consequência, como fator que ajuda a sustentar o
crescimento do PIB.7
Enquanto a renda
real dos ocupados caia, o lucro líquido das empresas listadas na Bolsa de
Valores corria em direção oposta. Vejamos o que dizem os balanços consolidados
entre outubro de 2020 e setembro de 2021:8
Quadro
2: Lucro líquido das empresas listadas na Bolsa de Valores
Trimestre |
Crescimento do PIB em relação ao trimestre anterior |
Lucro líquido (R$ bilhões) |
Variação percentual em relação ao mesmo trimestre do ano anterior |
4º Trimestre de 2020 |
3,1% |
155 |
143,4% |
1º
Trimestre de 2021 |
1,3% |
90,2 |
-
- - |
2º
Trimestre de 2021 |
-
0,4% |
157 |
1.615,0% |
3º
Trimestre de 2021 |
-
0,1% |
128,2 |
125,0% |
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Economática
O quadro 2 revela que, no quarto trimestre de 2020,
quando a economia registrava um crescimento de 3,1% em relação aos três meses
anteriores, a soma dos lucros líquidos das empresas listadas na BOVESPA somava
155 bilhões de reais, 143,4% superior à registrada no mesmo período de 2019,
quando a pandemia não despertava preocupações.
No primeiro trimestre de 2021, a redução do ritmo de
crescimento do PIB em relação aos três meses anteriores encolheu os lucros
líquidos para pouco mais de 90 bilhões de reais, mas não a ponto de colocar os
balanços das empresas aquém das expectativas do mercado. A impossibilidade de
calcular a variação em relação ao mesmo período de 2020 se deve ao fato de que,
entre janeiro e março do ano passado, os balanços apresentaram um prejuízo de
62 bilhões e 912 milhões de reais.
Seguindo com o quadro 2, percebemos que, no segundo
trimestre de 2021, foi registrado o maior montante de lucros líquidos, e isso
apesar de o PIB ter caído 0,4% em relação aos três meses anteriores. A elevadíssima
percentual de crescimento se deve à baixíssima base de comparação do ano
passado. De fato, em função da forte redução das atividades econômicas
provocada pelas medidas de distanciamento social e a consequente queda do
consumo, os resultados positivos acumulados naquele período somaram apenas 9
bilhões de reais.
No terceiro trimestre deste ano, quando a economia do
país marcava uma nova desaceleração, a soma dos lucros líquidos alcançou a
marca dos 128 bilhões de reais, um aumento de 125,0% ante os meses de julho,
agosto e setembro de 2020.
Balanços tão positivos numa economia que caminha para a
estagnação não podem ser explicados apelando apenas ao faturamento, ainda mais
quando a economia caminha para a recessão. O levantamento das negociações
sindicais que não conseguiram recompor as perdas salariais, realizado pelo
DIEESE ajuda a visualizar um dos caminhos trilhados pelo aumento da exploração:9
No gráfico 1, a cor azul da primeira linha mostra a
porcentagem das negociações salariais que conseguiram aumentos acima da
inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). A segunda
tonalidade representa os acordos salariais cujos reajustes empataram com a
inflação acumulada nos últimos doze meses. Por fim, em vermelho, o tom predominante
nos meses de 2021, visualizamos a parcela das negociações que não conseguiram
sequer repor as perdas, obtendo reajustes abaixo do INPC.
As colunas que se referem
aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2020 mostram que a porcentagem das
negociações coletivas que não conseguiram repor a inflação na data-base mais
que dobra em relação aos meses de agosto e setembro, enquanto aquelas que
alcançaram algum ganho real caem para menos da metade na mesma base de
comparação.
Entre janeiro e março
de 2021, com a economia reduzindo o passo da recuperação para 1,3%, e o peso
das demissões típicas dos meses de dezembro e janeiro dando o ar da graça,
61,2% dos acordos negociados no primeiro mês de 2021 não conseguiram repor o
INPC. Em fevereiro e março, este patamar caiu progressivamente para 54,3%,
quase 13 pontos percentuais acima do patamar de dezembro de 2020.
No segundo trimestre, o
PIB apresenta uma retração de 0,4%, mas, neste período, os acordos coletivos
sem reposição caem para 39,1% do total negociado, o patamar mais baixo do ano,
ao passo que aqueles que apresentam ganhos reais alcançam os 28,2%. Boa parte
deste resultado, a nosso ver, deve ser atribuída à combinação de dois
elementos: o fato de que, nestes meses, a negociar são categorias com maior
poder de barganha e que as manifestações pelo impeachment do Presidente da
República revelam um crescente descontentamento social.
Entre agosto e setembro
de 2021, a participação popular nos protestos pelo "Fora Bolsonaro"
foi encolhendo a olhos vistos, a taxa de desemprego caiu para 12,6% da força de
trabalho, mas o número de desocupados e subocupados se manteve elevado quanto
bastava para negar a reposição integral do INPC em 57,2% dos acordos assinados
no mês de julho; em 43,9%, em agosto; e em 50,1% em setembro.
O mês de outubro, como
mostraremos mais adiante, começa a refletir as perspectivas de um ulterior
esfriamento da economia promovido pelo aumento da taxa de juros, pela elevação
do clima de incerteza que a promessa de novos aumentos da taxa SELIC traz em
seu bojo e pelo completo esvaziamento das manifestações favoráveis ao
afastamento do Presidente da República. Neste cenário, a não reposição das perdas
inflacionárias alcança 65,1% dos acordos assinados neste mês, o maior patamar
do período considerado.
Ainda segundo o DIEESE,
entre janeiro e outubro de 2021, temos que, em média, 49,8% dos acordos
coletivos apresentam reajustes inferiores ao INPC; 33,4% empatam com a
inflação; e somente 16,8% obtêm ganhos reais. O tamanho do arrocho salta aos
olhos quando consideramos que, em 2018 e 2019, as negociações sindicais não
conseguiram a reposição das perdas salariais, respectivamente, em 9,3% e 23,9%
dos acordos assinados. Em 2020, com a crise econômica encolhendo o PIB em 4%,
este número atingiu 38,5%.10
Outro aspecto que
evidencia o arrocho salarial é o fato de que entre janeiro e outubro de 2021,
10,5% dos acordos estabeleceram que a reposição da inflação seria em duas ou
mais parcelas. Ou seja, além de não haver reposição integral do INPC para quase
metade das categorias que negociaram neste período, o reajuste concedido
ocorrerá no espaço de alguns meses, quando a elevação da inflação tiver
neutralizado, parcial ou totalmente, a porcentagem aplicada aos salários. Em
2018 e 2019, esta parcela dos acordos não passou de 2,3% do total e subiu para
2,7%, em 2020.11
Resgatar o que
aconteceu com as campanhas salariais do período permite questionar abertamente
as posições que apontam a elevação dos preços e a precariedade das vagas
criadas como as únicas responsáveis pela queda do valor real da renda do
trabalho.
Não negamos que a
inflação tenha corroído o poder de compra dos salários, mas isso ocorreu paralelamente
ao aumento da exploração do trabalho, sinalizado pelos lucros apresentados nos
balanços das empresas e pela não reposição da inflação acumulada.
Desconsiderar estes
fatores passa longe de ser um mero esquecimento. Quando os economistas com
espaço nos grandes meios de comunicação apontam o aumento dos preços como o
grande responsável pela redução do poder de compra dos salários, as ideias de
cortar os gastos governamentais e aumentar os juros para deter a escalada da
inflação se apresentam automaticamente como apropriadas e desejáveis.
Desta forma, os grupos
de poder usam o consenso em torno deste aspecto da realidade que está sob os
olhos de todos para ocultar o aumento da exploração dos trabalhadores e levar o
povo simples a aceitar com naturalidade que os bancos e os grandes investidores
do mercado financeiro ganhem ainda mais dinheiro em prejuízo dos setores menos
favorecidos da sociedade.
2. Quem engorda o
dragão da inflação?
Quase todos os dias, os
noticiários tecem comentários sobre o aumento dos preços e apresentam as
queixas dos consumidores. O retrato da realidade é pintado com as cores do
sofrimento das pessoas na luta cotidiana para conseguir sobreviver.
Os problemas começam
quando se investigam as origens da inflação e se agravam na hora de mostrar
quem ganha com a política de preços praticada em vários setores da economia.
Num passe de mágica, todos os setores sociais parecem igualmente atingidos pelo
dragão da inflação cujo cardápio apresenta uma relação de pratos baseada em quantidades
de mercadorias, relações de mercado, cotações das moedas e das ações, mas,
estranhamente, sem nenhum cozinheiro e dono do restaurante responsável pelos
pratos do dia. É como se as coisas ganhassem vida e tomassem decisões por conta
própria para, em seguida, impor sem cerimônias suas determinações aos seres
humanos.
A "alta do
dólar", por exemplo, é constantemente citada por todos os veículos de
informação como um elemento inflacionário. Para a maioria da população que
nunca soube o que é ter uma nota de dólar na carteira, é impossível entender o
que valoriza esta moeda diante do real e o impacto que a própria valorização
tem no preço das mercadorias que adquire. Vamos tentar explicar isso passo a
passo.
Começamos lembrando que
o dólar dos Estados Unidos é uma moeda aceita no mundo inteiro. Por isso mesmo,
ela utilizada na compra e venda de mercadorias entre os países, em operações
financeiras internacionais, pelas pessoas que viajam a turismo ou a negócio,
mas também como reserva de valor nos momentos de incerteza quanto ao futuro da
economia mundial.
Comprar dólares é muito
fácil...basta ter dinheiro. O Banco Central dispõe de uma reserva considerável
desta moeda por ser a instituição oficial através da qual exportadores,
importadores e investidores trocam seus reais por dólares ou vice-versa. Mas o
Banco Central não é o único agente do mercado a ter uma reserva da moeda
estadunidense. Há uma quantidade considerável dela nas casas de câmbio, nos
cofres dos bancos privados e das empresas e até mesmo no bolso das pessoas que
tem bastante dinheiro.
A quantidade de reais
necessária para comprar um dólar é influenciada por vários fatores econômicos
que não vamos analisar neste estudo. Aqui, iremos focar as nossas atenções em
um dos elementos que, nos três últimos anos, tem sido um dos grandes
responsáveis pela elevação do dólar em relação ao real: a desconfiança dos
investidores na possibilidade de os rumos do país não proporcionarem os ganhos
que almejam.
Sempre que as ações
governamentais turvam as perspectivas futuras de curto e médio prazo alterando,
por exemplo, algumas leis, editando decretos, criando gastos públicos que
elevem a incerteza quanto à capacidade de o Estado honrar todos os seus
compromissos financeiros, quem tem muito dinheiro compra uma quantidade
considerável de dólares a fim de enviá-los para o exterior ou, simplesmente,
para guardá-los nos cofres como forma de preservar o valor das quantias de
moeda nacional que acumulou ao longo do tempo.
Vamos mostrar como isso
funciona através de um acontecimento.
Entre julho de 2020 e
junho de 2021, a política e as declarações do governo Bolsonaro agiram como uma
verdadeira usina de incertezas. A desconfiança em relação ao futuro do país fez
com que, de acordo com o relatório do Banco Central, os proprietários de
empresas sediadas no Brasil remetessem ao exterior uma quantia que era 23
bilhões de dólares superior ao montante de recursos que outros empresários
trouxeram de fora para investir no país neste período.12
Esta saída de dinheiro
criou dois problemas. O primeiro na taxa de câmbio, pois, ao usar uma quantidade
enorme de reais para comprar tantos dólares, os investidores ampliaram muito a
demanda da moeda estadunidense e isso contribuiu para a sua valorização. O
segundo pelo fato de que, o saldo negativo produzido com o envio de dólares ao
exterior diminuiu a quantidade de moeda estadunidense da qual o país dispõe
para demandas futuras, fragilizando as possibilidades de evitar novas
desvalorizações do real. Ou seja, não só os capitalistas usaram os lucros conseguidos com o trabalho dos
seus empregados para investir em alguma subsidiária no exterior, e não para gerar empregos e
renda no Brasil, como pioraram as condições com as quais o país pode enfrentar
as demandas de moeda estrangeira que aparecem diante das futuras adversidades.
Em 2021, muitas pessoas e empresas trocaram seus reais
por dólares para preservar seus recursos diante do aumento da incerteza no
campo da política e da economia. Ainda que tenham mantido as notas adquiridas
no Brasil, contribuíram para que a demanda geral da moeda estadunidense
mantivesse a taxa de câmbio acima dos R$
5,19 por dólar durante todo o ano de 2021. Este patamar é bem superior à faixa entre os R$ 3,80 e os R$ 4,20 que o Ministro da Economia,
Paulo Guedes, considera ideal para o Brasil.13
Sabendo disso, vamos começar a entender o efeito da
desvalorização do real nos preços das mercadorias que compramos. Sempre que
alguém adquire matérias-primas, insumos ou manufaturados no exterior
desembolsando R$ 5,19 por cada dólar é claro que ele vai precisar de uma maior
quantidade de reais em relação aos períodos em que, por exemplo, a taxa de
câmbio não passava dos R$ 4,00 por dólar.
Basta esta simples observação para entender que qualquer
mercadoria produzida no Brasil a partir de produtos comprados no exterior vai
sair mais cara em função da desvalorização da nossa moeda. As coisas pioram
ainda mais quando, por alguma razão, a demanda mundial de algum produto cresce
em relação à disponibilidade do mesmo. Neste momento, quem importa tem que
arcar com a desvalorização de real que já estava presente e com o aumento dos
preços em dólares em função da escassez da mercadoria da qual ele precisa.
Quando isso acontece, o povo pode acabar pagando duas
vezes pela desvalorização da moeda nacional: a primeira em função de uma
elevação ainda maior dos custos de produção pela alta dos preços
internacionais; e a segunda pelo fato de que, quando se trata de uma mercadoria
que também é produzida e exportada pelo Brasil, os empresários passam a cobrar
em reais o correspondente ao que receberiam em dólares dos países compradores.
Mais uma vez, lançaremos mão de alguns acontecimentos
para ilustrar o que acabamos de descrever.
Ao longo de 2021, a Petrobrás cansou de repetir que os
combustíveis são cotados em dólares e acompanham os preços do mercado
internacional de hidrocarbonetos. Isso faz com que, apesar de o Brasil ser
autossuficiente na produção de petróleo e 94% do produto refinado no país ser
oriundo dos poços do pré-sal, os preços dos combustíveis e demais derivados têm
como base a variação do preço do barril de petróleo cotado no mercado mundial.
Desta forma, quanto maior a quantidade de dólares por barril e quanto mais
desvalorizada for a nossa moeda, mais elevados serão os preços em reais dos
produtos que saem das refinarias.
Isso ocorre porque, ao contrário do que muitos imaginam,
a Petrobras não é uma empresa a serviço "do povo brasileiro", ou
seja, uma companhia petrolífera que visa ir ao encontro das necessidades dos
habitantes do país cobrando, por exemplo, um valor bem mais
"camarada" pelos produtos que coloca no mercado. Se agisse assim, os
enormes lucros apresentados em seus balanços iriam murchar a ponto de levar os
investidores a se desfazerem das ações da empresa. E hoje cerca de 43% das
ações da Petrobras estão nas mãos de investidores estrangeiros, 20% são de
investidores nacionais e o Estado brasileiro detém apenas aproximadamente 37%.
Por isso, a fim de evitar uma forte desvalorização da empresa e apesar de os
custos de extração do petróleo do pré-sal diminuírem com o aprimoramento das
tecnologias utilizadas, a Petrobrás adota o valor internacional do barril como
principal referência para os seus preços.
Agora pare e pense. No início de janeiro deste ano, o
preço do barril de petróleo WTI, usado como referência pela Petrobrás, era
vendido no mercado internacional por 48 dólares. Mas, no dia 17 de dezembro a
sua cotação nas Bolsas de Valores havia subido para 70 dólares, uma elevação de
45,8%.
Neste mesmo período, o dólar passou de R$ 5,19 para R$
5,70, uma valorização de 9.8%. Quando somamos os efeitos da composição destes
dois fatores ao fato de que, para atender à demanda do país, parte da gasolina
e do óleo diesel deve ser importada do exterior, obviamente, pelos preços
internacionais definidos em dólares, fica claro porque, neste mesmo intervalo
de tempo, os preços dos dois combustíveis nas refinarias da Petrobrás sofreram
um aumento de, respectivamente, 67,9% e 65,5%.14
Sabendo que, ao aumentar os preços dos combustíveis, se
elevam os custos do transporte, qual foi a participação destes aumentos nos
preços do arroz, do feijão, da salada, da carne, enfim, de tudo o que as
pessoas consomem diariamente? Mas, à medida que todos os derivados de petróleo
utilizado nas indústrias químicas, na produção de fertilizantes, borrachas e
dos mais diferentes tipos de plásticos sofrem destes mesmos aumentos e, em
algum momento, não é difícil entender que as quantias desembolsadas pelos
consumidores em dezembro deste ano foram bem maiores em relação às de janeiro.
Enquanto o povo empobrece sob o peso dos seguidos
aumentos de uma longuíssima lista de produtos produzidos a partir do petróleo,
o governo federal e um punhado de acionistas nadam de braçadas nos lucros
oriundos destes mecanismos que determinam os preços nas refinarias. Basta
pensar que, por exemplo, no segundo trimestre deste ano, a Petrobrás registrou
um lucro líquido de 42 bilhões e 900 milhões de reais. Este resultado fabuloso
permitiu à empresa antecipar a distribuição de dividendos num total de 31
bilhões e 600 milhões de reais assim divididos: 11 bilhões e 600 milhões de
reais para o governo brasileiro e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES); 12 bilhões e 800 milhões de reais para acionistas não
brasileiros; e 7 bilhões e 700 milhões de reais para os acionistas privados
brasileiros.15 Enquanto milhões de pessoas viam seus sofrimentos
aumentarem a cada elevação dos preços dos combustíveis, o governo federal e um
punhado de endinheirados nadavam de braçadas nas na maior quantidade de
dinheiro que saís dos bolsos dos consumidores para as piscinas olímpicas dos
seus cofres.
Além do preço do petróleo, também contribuem para a alta
de preços a elevação das tarifas de energia, problemas climáticos como geadas,
estiagens, chuvas em excesso ou fora de época tiveram um papel importante na
redução da oferta de alimentos em nível local e internacional. Prova disso é
que, nos doze meses até outubro de 2021, a cesta de produtos que estão na base
da alimentação mundial, definida pela FAO (o órgão das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura), apresentou a maior elevação dos últimos dez anos
com uma alta de 31,3%.16
No Brasil, de acordo com o IBGE, nos doze meses até
setembro deste ano, as intempéries geraram uma perda de 24% na produção anual
do café e de 7,6% na da cana-de açúcar. Neste mesmo período, os problemas
climáticos atingiram estas mesmas culturas em outras regiões do planeta,
elevando os preços mundiais cobrados em dólares. O resultado final entre a
disponibilidade dos estoques já existentes, a quebra das safras, a
desvalorização do real diante do dólar e a alta das cotações internacionais fez
com que os cafeicultores brasileiros cobrassem, em média, 34,0% a mais em cada
saca de café vendida no mercado nacional e os usineiros tornassem o preço do
açúcar 47,8% mais salgado em relação ao mesmo período do ano anterior.17
Infelizmente, o aquecimento global impede que possamos
considerar eventos ligados ao clima como algo passageiro e a agricultura é, sem
dúvida, o setor que mais sofre com estes fenômenos. Porém, este que é um sério
problema para os pobres, faz a festa do agronegócio brasileiro que cobra no
mercado interno valores em reais bem próximos ao que recebe em dólares por cada
unidade dos mesmos produtos vendidos a outros países. Sim, eu sei que os
"coitadinhos dos latifundiários" pagaram mais caro pelos insumos e
implementos agrícolas importados e pagos em dólares, mas o maior volume da
moeda estadunidense proporcionado pela alta dos preços mundiais de suas
exportações cobriu com sobras a desvalorização do real.
O que as estatísticas traduzem com uma inflação de 10,74%
nos doze meses até novembro de 2021, ganhou as cores da penúria na mesa de um
número crescente de famílias. Segundo uma pesquisa do Instituto Datafolha,
divulgada no dia 29 de setembro, em 2021, em torno de 85% dos brasileiros
haviam diminuído o consumo de algum alimento; 67% comiam menos carne vermelha e
cerca de 35% ingeriam menos arroz e feijão, base da alimentação do povo.18
Como é possível que isso esteja acontecendo num país que
é considerado o celeiro do mundo? Será que o governo não tem nenhuma reserva
que permita baratear os preços dos alimentos sempre que clima, câmbio e volumes
exportados elevam os preços a ponto de as pessoas não terem outra saída a não
ser a de apertar os cintos?
A utilização dos estoques reguladores no Brasil sempre
encontrou uma oposição acirrada de quantos se beneficiam dos preços altos.
Apesar de a sua manutenção e utilização ser fortemente recomendada pela FAO a
fim de proporcionar pelo menos três meses de segurança alimentar à população do
país, a partir de 2013, o Estado brasileiro foi esvaziando os armazéns da
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).
Alegando custos elevados de manutenção dos estoques,
desperdícios e problemas de distribuição, os orçamentos destinados à sua
formação começaram a encolher no governo da Presidente Dilma Rousseff. Esta
política foi se intensificando com Michel Temer e ganhou dimensões trágicas com
Bolsonaro.
De acordo com a própria CONAB, em outubro deste ano, os
seus armazéns guardavam apenas 21.500 toneladas de arroz (suficientes para
alimentar a população brasileira por menos de um dia), 34.700 toneladas de
milho (equivalente ao consumo de um dia e meio) e uma tonelada de café. Nem um
grama de açúcar, feijão, farinha de mandioca, soja e amendoim. A confirmação de
que este é o resultado de uma política deliberada do governo atual, veio com
Guilherme Bastos, presidente da CONAB, segundo o qual o governo "tem que
estar fora do estoque regulador".19
Trocado em miúdos, enquanto uma série de fatores contribui
para elevar fortemente os preços dos alimentos, o governo brasileiro optou por
deixar os armazéns vazios e os preços nas gôndolas dos supermercados totalmente
livres para subirem ao sabor dos acontecimentos. Desta forma, quem sempre
ganhou muito dinheiro com a fome do povo pode fazer isso com a liberdade de
quem sequer teme que as quantias armazenadas pelo Estado possam encolher os
lucros que a escassez possibilita.
Conhecer alguns dos pratos que integram o cardápio do
dragão da inflação e trazem muito dinheiro ao dono do restaurante, ajuda a
entender a insistência da mídia em apresentá-los como próprios da dieta do
mercado e, sobretudo, a perceber que a aparente naturalidade com a qual são
apresentados é um ótimo artifício para ocultar quem ganha com a utilização dos
seus ingredientes.
3. Em 2022,
decolaremos rumo ao abismo?
No dia 20 de agosto deste ano, o Ministro da Economia
tentou tranquilizar economistas e investidores, dizendo: "o Brasil está
decolando neste momento".20 Trata-se de uma afirmação que Paulo
Guedes vem repetindo desde maio de 2019,21 mas, até agora, o avião
Brasil continua taxiando na pista, com pouco combustível, uma carga excessiva
de privilégios nos porões e uma tripulação que não titubeia em devorar seus
recursos para beneficiar os interesses de poucos.
Os números do PIB do segundo e do terceiro trimestre
mostram uma aeronave com o trem de pouso preso no buraco que os tecnocratas
chamam de "recessão técnica" e que o povo teme ser o sinal do início
de novas dores. Longe das miragens governamentais, vamos verificar o que, de
fato, aconteceu com a economia brasileira durante os dez primeiros meses deste
ano.22
Quadro 3: Desempenho mensal do Comércio Ampliado,
da Indústria e do Setor de Serviços entre janeiro e outubro de 2021 em relação
ao mês anterior
Meses de 2021 |
Comércio Ampliado (%) |
Indústria (%) |
Setor de Serviços (%) |
Janeiro |
- 2,3% |
0,2% |
0,6% |
Fevereiro |
3,5% |
-
1,0% |
4,0% |
Março |
-
5,1% |
-
2,8% |
-
3,0% |
Abril |
3,8% |
-
1,4% |
0,9% |
Maio |
3,2% |
1,2% |
1,9% |
Junho |
-
2,6% |
-
0,3% |
1,8% |
Julho |
1,4% |
-
1,4% |
1,1% |
Agosto |
-
3,0% |
-
0,8% |
0,4% |
Setembro |
-
1,1% |
-
0,6% |
-
0,6% |
Outubro |
-
0,9% |
-
0,6% |
-
1,2% |
Fonte: Elaboração própria a
partir dos dados do IBGE.
Antes de comentar os dados do quadro 3, dois
esclarecimentos se fazem necessários. O primeiro deles diz respeito à escolha
destes setores. Apesar de o comércio ampliado ter seu desempenho incluído no
balanço dos serviços, achamos importante separá-lo à medida que ele espelha a
evolução das compras de mercadorias por parte das pessoas. O segundo, diz
respeito à exclusão da agropecuária que, com uma participação de apenas 6,8% no
PIB do país, aguarda o resultados de todas as safras colhidas em 2021 para mensurar
o seu desempenho.23
Olhando para a coluna do comércio ampliado, percebemos
que o volume de vendas de um mês para outro alterna períodos de crescimento a
outros de forte queda. O impacto da elevação dos juros, do progressivo
esgotamento das poupanças das famílias com menor renda, da inflação e da
redução real da renda do trabalho são visíveis na sequência de resultados
negativos em julho, agosto e setembro. O resultado destes fatores ganha força
nos três últimos meses quando as vendas apresentam seguidas quedas, sendo que,
na comparação entre outubro 2021 e o mesmo mês de 2020, o comércio ampliado
apresenta uma redução de 7,1% no volume de vendas.
A situação da indústria é ainda mais preocupante. A
variação dos estoques disponíveis explica as diferenças de desempenho em
relação à demanda do comércio. Com um aumento da produção somente nos meses de
janeiro e maio, a indústria, que representa 20,5% do PIB, encerra outubro de
2021 com uma produção 7,8% menor em relação à registrada no mesmo mês de 2020.
As coisas não foram piores à medida que, graças aos juros baixos na primeira
parte do ano, a construção civil, cuja produção é incorporada à da indústria,
acumulou um crescimento de 8,8% nos dez primeiros meses de 2021 em relação ao
mesmo período de 2020.24
A redução das medidas de isolamento social impostas pelo
combate à pandemia foi um elemento essencial para a recuperação do setor de serviços.
Mas, à medida que suas atividades incorporam o desempenho do comércio e guardam
uma relação direta com a demanda da indústria, a partir do mês de maio,
assistimos a uma progressiva redução do ritmo de crescimento. As quedas de 0,6%
em setembro e de 1,2% em outubro acenderam um sinal de alerta quanto à
possibilidade de o desempenho negativo deste setor, que representa 72,7% do PIB
brasileiro, se somar à fragilidade da indústria rumo a uma desaceleração da
economia ainda maior da que é constatada pelos números do PIB do segundo e do
terceiro trimestre.
Neste cenário de encolhimento da produção da riqueza com
inflação elevada, o aumento da taxa de juros SELIC, promovida pelo Banco
Central para conter a elevação dos preços, terá um efeito adverso no crescimento
da economia e nas contas públicas.
À medida que é bem mais fácil ganhar dinheiro aplicando
no mercado financeiro do que se aventurando no terreno da produção de
mercadorias, os empresários tendem a frear seus investimentos produtivos. Por
sua vez, os financiamentos mais caros levam as pessoas a reduzir as compras.
Desta forma, as engrenagens da economia reduzem a sua movimentação e colocam a
possibilidade de um novo aumento do desemprego.
Uma primeira estimativa do impacto negativo da SELIC foi
recentemente divulgada pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção
(CBCI). De acordo com a entidade, o setor deve encerrar 2021 com uma expansão
de 7,6% em relação a 2020. Este resultado positivo, que teve como componente
essencial uma taxa de juros para financiamentos imobiliários entre as mais
baixas das três últimas décadas, será obtido apesar de uma queda de 14,1% do
valor financiado pelo crédito imobiliário que utiliza o FGTS, num claro sinal
de que a redução do número de trabalhadores com carteira assinada e da sua
renda real encolheram a demanda de moradias. Com base na projeção de um
crescimento do PIB entre 0,5% e 1%, em 2022, e de uma taxa SELIC em 11,5% em
dezembro do ano que vem, as estimativas da CBIC mostram que a indústria da
construção civil deverá registrar um crescimento de apenas 2% em relação ao
patamar de 2021.25
As preocupações com o futuro do país se ampliam à medida
que a elevação da taxa SELIC aumenta os juros a serem pagos e o ritmo de
crescimento da dívida interna. Para temos uma ideia dos montantes envolvidos,
vamos aos dados do Banco Central. Entre 1º de janeiro e 30 de setembro de 2021,
a taxa SELIC passou de 2% para 6,25%.26 Neste período, foram pagos
305 bilhões e 453 milhões em juros da dívida interna que, por sua vez, atingiu
5 trilhões e 443 bilhões de reais.27
Sabendo que 2022 começará com a SELIC em 9,25% e poderá
encerrar o ano em 12,5%, qual será o montante de juros a serem pagos sobre uma
dívida que não para de crescer? Quanto deste volume de dinheiro acabará nos
cofres dos bancos privados e dos empresários que investem no mercado
financeiro? De onde o governo tirará parte do dinheiro de que precisa para
conter o ritmo do endividamento que as parcelas dos juros devidos prometem
acelerar? Da assistência à população? Dos investimentos em infraestrutura ou em
ciência e tecnologia? Qual será o impacto destes cortes no crescimento
econômico e nas condições de vida da população?
De uma coisa temos certeza: o governo não apertará o
cerco aos sonegadores cujas práticas retiram da arrecadação valores suficientes
para pagar os juros da dívida interna sem recorrer a novos empréstimos.28
A relação entre sonegação e gastos públicos voltou a ser
debatida com a apresentação do relatório "Estado Atual da Justiça
Fiscal" da Rede de Justiça Fiscal, em meados de novembro deste ano. De
acordo com as estimativas apresentadas, em 2020, a perda de arrecadação com a
remessa de dólares para os paraísos fiscais somou 8 bilhões e 170 milhões de
dólares.
Este dinheiro equivale a 46 bilhões e 569 milhões de
reais pelo câmbio do dia 17/12/2021 (R$ 5,70) e cobriria a quase totalidade dos 47 bilhões de reais necessários para
pagar o auxílio Brasil de R$ 400,00 por mês a 17 milhões de famílias, até
dezembro de 2022. Mas, como todos sabem, apertar os sonegadores é mexer nos
mecanismos que ampliam a acumulação dos ricos e nenhum governante quer provar
do veneno deles.29
Estagnação econômica
que tende a se agravar em função das medidas para conter a inflação; queda na
renda real do trabalho; indústria e serviços encolhendo suas atividades; e
ampliação da precarização do trabalho são os componentes que, se nada for feito
para sustentar o crescimento econômico, projetam para 2022 um PIB entre uma
recessão de 0,5% e um crescimento de 0,3%. A se confirmarem estas projeções, o
Brasil vai decolar sim, mas é em direção ao abismo.
A tragédia humana para
a qual estamos caminhando já é visível nos dados da Segurança Pública do Estado
de Goiás. De acordo com a versão impressa
do jornal O Popular do dia 30 de outubro de 2021, entre julho e outubro deste
ano, uma em cada cinco prisões em flagrante foi de pessoas que roubaram para
poder comer.
Ao condenar quem viola
a propriedade para matar a fome, as elites que consideram normal sonegar os
impostos vêm se preparando para defender as propriedades que acumularam, caso
as detenções e a violência policial não dê conta de manter os pobres em seu
devido lugar.
De acordo com o Sistema
Nacional de Armas (SINARM) da Polícia Federal, em 2018, foi registrada uma
média diária de 46 armas para uso de civis. Entre janeiro de 2019 e fevereiro
de 2021, este montante pulou para 378 armas, um aumento de 787,5%.30
Se a fome levar à agitação social, e esta a ameaçar os bens dos grupos de
poder, ninguém duvide, os famintos serão recebidos à bala.
Que democracia é possível construir nestas condições? De
que liberdade a classe trabalhadora pode desfrutar numa sociedade pronta a
sacrificar vidas para preservar riquezas e propriedades?
Ao chegar nos últimos dias de 2021, sabemos que a
tempestade não dará trégua e tornará mais
assombrosa a escuridão da noite na qual mergulhamos. Uma
escuridão produzida pela nossa incapacidade de transformar conformismo em
indignação, fome em revolta, resignação em resistência ativa. Vencer esta escuridão
depende da nossa capacidade de abrir caminhos caminhando na realidade do povo.
Emilio
Gennari, Brasil, 23 de dezembro de 2021.
(1)
Maiores informações podem ser encontradas em: https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2021/07/17/acougue-tem-fila-para-doacao-de-ossos-em-cuiaba-para-familias-carentes.ghtml
A média foi calculada dividindo o número de cabeças
de gado estimado na Pesquisa Pecuária Municipal, do IBGE, pela população
calculada pelo IBGE em 3.567.234 moradores, em 2020. Dados disponíveis em: https://sba1.com/noticias/noticia/15523/Mato-Grosso-continua-na-lideranca-com-o-maior-rebanho-bovino-do-pais
e em https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/mt.html
Todos os acessos foram realizados em 30/11/2021.
(2) Dados publicados em: https://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2021/06/09/abandono-em-sp-prefeitura-notifica-predios-e-terrenos-vazios-no-centro-mas-apenas-10percent-cumprem-obrigacoes-de-lei-contra-ociosidade.ghtml Acesso realizado em 28/11/2021.
(3) Em:
https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/11/30/desemprego-fica-em-126percent-no-3o-trimestre-aponta-ibge.ghtml Acesso realizado em 05/12/2021.
(4) Dados publicados em: https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Mensal/Quadro_Sintetico/2021/pnadc_202109_quadroSintetico.pdf Acesso realizado em 8/12/2021.
(5) Os dados PIB de 2021 e a tabela completa da renda
média real dos salários do terceiro trimestre de 2020 encontram-se disponíveis,
respectivamente, em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/32387-pib-fica-em-0-1-no-terceiro-trimestre-influenciado-por-queda-na-agropecuaria
e em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/263a4e6b9a1239e3674736af70371e2b.pdf
Acessos realizados em 01/12/2021.
(6)
Idem
(7)
A conclusão a que chegamos parece contrastar com o aumento de 0,9% no consumo
das famílias registrado nos cálculos do PIB do terceiro trimestre. Não podemos
esquecer que este resultado não está vinculado apenas à renda do trabalho, e
sim a uma combinação de fatores. Em nossos estudos pudemos apurar, por exemplo,
que a retirada de dinheiro da caderneta de poupança foi crescendo com a alta
dos preços e a defasagem entre os rendimentos desta aplicação e a inflação
acumulada. Foi assim que, nos primeiros nove meses de 2021, os saques da
caderneta superaram os depósitos em mais de 23 bilhões de reais. Os dados
citados foram retirados de: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/29521-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-14-6-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-30-3-no-trimestre-encerrado-em-setembro
e de https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/10/27/selic-a-775percent-veja-como-fica-a-rentabilidade-da-poupanca-e-de-outros-investimentos.ghtml
Acessos realizados em 03/12/2021.
Por
outro lado, o aumento do endividamento registrado no terceiro trimestre deste
ano é mais um elemento que aponta o empobrecimento ao qual foi submetida a
população do país. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio, o número
de brasileiros endividados passou de 69,7% dos consumidores, em junho de 2021,
para 74,0% em setembro, um aumento de pouco mais de 4 pontos percentuais em um
único trimestre. Dados extraídos de: https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/08/05/endividamento-chega-a-recorde-de-714percent-dos-brasileiros-segundo-a-cnc.ghtml
e de https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/10/4953473-tres-a-cada-quatro-brasileiros-estao-endividados-mostra-pesquisa.html
Acessos realizados em 30/11/2021.
(8) Os dados do quadro 2 foram copilados
a partir das informações fornecidas pelas matérias que seguem:
- https://www.euqueroinvestir.com/lucro-empresas-sobe-4tri20/
Todos os
acessos foram realizados em 03/12/2021.
O ritmo
de crescimento trimestral do PIB no período considerado consta das estatísticas
do IBGE em:
https://www.ibge.gov.br/
Acesso realizado em 05/12/2021.
(9)
Em: https://www.dieese.org.br/boletimnegociacao/2021/boletimnegociacao14.pdf Acesso realizado em 30/12/2021.
(10)
Dados publicados em: https://www.dieese.org.br/boletimnegociacao/2020/boletimnegociacao02.html
e em: https://www.dieese.org.br/boletimnegociacao/2020/boletimnegociacao04.html
Acessos realizados em 06/12/2021.
(11) Dados publicados em: https://www.dieese.org.br/boletimnegociacao/2021/boletimnegociacao14.pdf
e em: https://www.dieese.org.br/balancodosreajustes/2018/estPesq90BalancoReajuste2018.html Acessos realizados em 06/12/2021.
(12) Em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/07/27/bens-de-brasileiros-no-exterior-chegam-a-us-558387-bilhoes-em-2020-informa-banco-central.ghtml
Acesso realizado em 23/09/2021.
(13) O dólar dos Estados Unidos é
considerado uma moeda forte em relação ao real pelo fato de representar uma
economia que gera, anualmente, cerca de dez vezes mais riqueza que a do Brasil.
Justamente por isso, comprar dólares é uma forma de criar uma "reserva de
valor" bem mais sólida da que seria possível tendo o real como moeda
guardada como reserva para se proteger de eventos adversos.
Os valores que definem a faixa ideal da troca de
reais por dólar foram recentemente anunciados pelo próprio Paulo Guedes,
conforme mostra a reportagem divulgada em: https://www.metropoles.com/brasil/guedes-diz-que-dolar-nao-cai-por-excessos-de-bolsonaro-e-do-stf Acesso realizado em 01/12/2021.
(14)
As informações citadas no texto e outras que ajudam a compreender melhor a formação
dos preços da Petrobrás podem ser encontradas em:
- Iargo
de Souza Santos, Evolução da indústria de gás
natural no Brasil: do monopólio estatal ao ‘novo mercado de gás’. Monografia de graduação em Economia, realizada sob a orientação da
profª Christiane Campos, UFS, São Cristóvão, 2021.
- https://br.investing.com/commodities/crude-oil
- https://m.br.investingcom/currencies/usd-brl
- https://www.ie.ufrj.br/images/IE/IEnaMidia/2021/04/UOL%2017-04%20Edmar%20de%20Almeida.pdf
- https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50316414
- https://setcemg.org.br/reajuste-de-preco-de-diesel/
-
Todos os
acessos foram realizados em 21/12/2021.
(15)
Dados publicados em: https://economia.uol.com.br/colunas/2021/08/11/petrobras-distribui-lucros-a-custa-de-consumidores.htm
Acesso realizado em 20/11/2021.
(16)
Em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2021/11/04/precos-dos-alimentos-no-mundo-atingem-maior-patamar-em-10-anos-diz-fao.ghtml Acesso realizado em 08/12/2021.
(17)
Estas e outras informações sobre o mesmo tema estão disponíveis em:
- https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59423471
- https://br.investing.com/commodities/us-sugar-no11-historical-data
- http://portalweb.cooxupe.com.br:8080/portal/precohistoricocafe.jsp
- https://www.cepea.esalq.usp.br/br/indicador/etanol.aspx
Todos os
acessos foram realizados em 07/12/2021.
(18) Em: https://economia.uol.com.br/noticias/afp/2021/09/29/aumento-dos-precos-dos-alimentos-atinge-os-brasileiros-mais-vulneraveis.htm?cmpid=copiaecola Acesso realizado em 09/12/2021
(19) Estas e outras informações estão
disponíveis em: https://diplomatique.org.br/no-pais-do-agro-estoques-estrategicos-de-alimentos-viram-coisa-do-passado/ Acesso realizado em 16/12/2021.
(20) Em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2021/08/20/guedes-brasil-esta-decolando-neste-momento.htm Acesso realizado em 18/12/2021
(21) A declaração foi dada no dia 30 de
maio de 2019, no âmbito do esforço governamental para aprovar a reforma da
previdência. Em: https://noticias.r7.com/economia/de-julho-em-diante-brasil-comeca-a-decolar-diz-paulo-guedes-30052019 Acesso realizado em 18/12/2021
(22)
A tabela foi elaborada a partir dos dados divulgados em:
Todos os acessos foram realizados em 08/12/2021
(23) Esta e as demais porcentagens referentes à
participação de cada setor no PIB do Brasil tem como base o desempenho de 2020,
calculado pelo IBGE, disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/263a4e6b9a1239e3674736af70371e2b.pdf
Acesso realizado em 09/12/2021.
(24)
Os dados referentes à construção civil encontram-se detalhados por trimestre
em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/ff9e77d3dcb5549cb326387ae740afab.pdf
Acesso realizado em 8/12/2021.
(25)
Em: https://6minutos.uol.com.br/negocios/cbic-preve-alta-de-2-no-setor-da-construcao-em-2022-apos-expansao-de-76-em-2021/
Acesso realizado em 17/12/2021.
(26) Em: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros Acesso realizado em 30/11/2021.
(27)
Em: https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:41762 Acesso realizado em 30/11/2021.
(28) Mostramos isso no texto: Emilio
Gennari, Um mergulho no mar dos impostos, divulgado em 10/04/2021 e
disponível através do link https://drive.google.com/file/d/1AmIehRv3Av-qOWH6bTBfys-3lpXkxp6C/view?usp=drivesdk
(29) Em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59299901
Acesso realizado em 01/12/2021.
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