terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Crônicas

 

                                                                                

 "É que tem gente que faz barulho e é sem querer.    Mas tem quem faça de propósito também.  - Tem também. Fico parada um   tempo pensando,  olhando pra ele, deitada. Respiro: - Quem faz  de propósito deveria morrer, né?"  

                                                                                                   

 Por Rebeca Rodrigues

 

 

Sexta de madrugada...

 

Indo dormir, um carro passa na rua acelerando (aparentemente de propósito), fazendo

muito barulho. 

Olho pra ele, com muito desconforto:

-Eu acho que esse tipo de gente devia morrer.

-Morrer? Acho demais. Só porque a pessoa faz barulho?

-Mas ela faz de propósito!!! Não respeita pessoas autistas, pessoas com sensibilidade auditiva 

sofrem, até os bichinhos sofrem... Eu odeio barulho. E você também não gosta, que eu sei.

-Não gosto. É que tem gente que faz barulho e é sem querer.

-Mas tem quem faça de propósito também.

-Tem também.

Fico parada um tempo pensando, olhando pra ele, deitada. Respiro:

-Quem faz de propósito deveria morrer, né?

Ele ri, no que responde:

-Não acho que precisava ser feito isso. Mas podia ser feita alguma intervenção pra essa pessoa 

aprender.

-Pode ser. Por exemplo, ela ser mandada para um mosteiro, cheio de monges budistas, para participar 

daquela "terapia do silêncio".

-Exato. E ele só poderia falar depois da autorização do monge.

-Sim. Podia ser que ficasse meses, 1 ano assim, em puro silêncio.

-Viu? Seríamos ótimos se tivéssemos que decidir as coisas do mundo.

-Tratamento de choque!

 

Quinta...

Na janta, eu e ele, sentados à mesa, foi mais ou menos assim...

Olhei pra Kemba (nossa outra gata de estimação), no sofá, sentada de um jeito "Kemba brava", e disse:

-Ela tá muito incomodada, olha, isso é porque eu não dei sachê do jeito que ela queria... - volto-me para ele e continuo - E aí? Já terminou seus trabalhos?

-Ainda não, e vou demorar muito ainda para acabar.

Dou algumas garfadas na comida e digo:

-E aí? Já terminou seus trabalhos?

Me olhou com uma cara de espanto. No que eu retruco:

-Ah, já sei. Você já tinha me respondido isso antes.

-Sim. Eu disse "Ainda não, e vou demorar muito ainda para acabar". Me senti na Matrix.

-Hahahahaha isso deve ter sido muito assustador pra você... Meu amor, será que estou com perda de 

memória recente?

-Não sei. Será?

-Eu acho que não. Nesse caso, eu me lembrei que havia te perguntado, mas não prestei atenção se você havia respondido.

-Também acho que foi isso.

Olhei pra Kemba e disse:

-Ela tá muito incomodada, olha, isso é porque eu não dei sachê do jeito que ela queria.

Me olhou com uma cara de espanto, de novo. Lá vou eu repetindo frases anteriores.

Ligo a TV. Nenhum canal passando algo de bom a essa hora. Coloquei no GNT. De repente, a TV desliga.

-Foi você que desligou a televisão?

No que eu retruco, frisando bem:

-QUE EU ME LEMBRE, não.

Rimos muito.

 

Terça...

Já deitados, por volta de meia-noite, olho pra ele e digo, sem pestanejar:

-Única coisa que me incomoda é isso. Toda vez tenho que falar! Eu gostaria que você deitasse embaixo 

do sofá!

No mesmo momento eu começo a rir, escandalosamente. Ele me olha com os olhos arregalados.

-Já basta a Mafalda (nossa gata de estimação), eu também?! Vá você!

É claro. Eu troquei as palavras. Por isso ri tanto. Na mesma hora que saiu, percebi. Eu queria dizer 

"lençol", ao invés de “sofá”.

Por que saiu sofá? Nem cabe um ser-humano embaixo dele (exceto a nossa gatinha, que, aqui, também 

é considerada um ser humano, e cabe embaixo dele).

Por que? Nem sequer são palavras semelhantes. Estou me perguntando até agora.

Preciso de férias.

 

 

 

 

 

 

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