"É que tem gente que faz barulho e é sem querer.
Mas tem quem faça de propósito também. - Tem
também. Fico parada um tempo pensando, olhando pra ele, deitada.
Respiro: - Quem faz de propósito deveria morrer,
né?"
Por Rebeca
Rodrigues
Sexta de madrugada...
Indo dormir, um carro passa na rua
acelerando (aparentemente de propósito), fazendo
muito barulho.
Olho pra ele, com muito desconforto:
-Eu acho que esse tipo de gente devia
morrer.
-Morrer? Acho demais. Só porque a
pessoa faz barulho?
-Mas ela faz de propósito!!! Não
respeita pessoas autistas, pessoas com sensibilidade auditiva
sofrem, até os bichinhos sofrem...
Eu odeio barulho. E você também não gosta, que eu sei.
-Não gosto. É que tem gente que faz
barulho e é sem querer.
-Mas tem quem faça de propósito também.
-Tem também.
Fico parada um tempo pensando, olhando
pra ele, deitada. Respiro:
-Quem faz de propósito deveria morrer,
né?
Ele ri, no que responde:
-Não acho que precisava ser feito isso.
Mas podia ser feita alguma intervenção pra essa pessoa
aprender.
-Pode ser. Por exemplo, ela ser mandada
para um mosteiro, cheio de monges budistas, para participar
daquela "terapia do
silêncio".
-Exato. E ele só poderia falar depois
da autorização do monge.
-Sim. Podia ser que ficasse meses, 1
ano assim, em puro silêncio.
-Viu? Seríamos ótimos se tivéssemos que
decidir as coisas do mundo.
-Tratamento de choque!
Quinta...
Na janta, eu e ele, sentados à mesa,
foi mais ou menos assim...
Olhei pra Kemba (nossa outra gata de
estimação), no sofá, sentada de um jeito "Kemba brava", e disse:
-Ela tá muito incomodada, olha, isso é
porque eu não dei sachê do jeito que ela queria... - volto-me para ele e
continuo - E aí? Já terminou seus trabalhos?
-Ainda não, e vou demorar muito ainda
para acabar.
Dou algumas garfadas na comida e digo:
-E aí? Já terminou seus trabalhos?
Me olhou com uma cara de espanto. No
que eu retruco:
-Ah, já sei. Você já tinha me
respondido isso antes.
-Sim. Eu disse "Ainda não, e vou
demorar muito ainda para acabar". Me senti na Matrix.
-Hahahahaha isso deve ter sido muito assustador
pra você... Meu amor, será que estou com perda de
memória recente?
-Não sei. Será?
-Eu acho que não. Nesse caso, eu me
lembrei que havia te perguntado, mas não prestei atenção se você havia
respondido.
-Também acho que foi isso.
Olhei pra Kemba e disse:
-Ela tá muito incomodada, olha, isso é
porque eu não dei sachê do jeito que ela queria.
Me olhou com uma cara de espanto, de
novo. Lá vou eu repetindo frases anteriores.
Ligo a TV. Nenhum canal passando algo
de bom a essa hora. Coloquei no GNT. De repente, a TV desliga.
-Foi você que desligou a televisão?
No que eu retruco, frisando bem:
-QUE EU ME LEMBRE, não.
Rimos muito.
Terça...
Já deitados, por volta de meia-noite, olho
pra ele e digo, sem pestanejar:
-Única coisa que me incomoda é isso.
Toda vez tenho que falar! Eu gostaria que você deitasse embaixo
do sofá!
No mesmo momento eu começo a rir,
escandalosamente. Ele me olha com os olhos arregalados.
-Já basta a Mafalda (nossa gata de
estimação), eu também?! Vá você!
É claro. Eu troquei as palavras. Por
isso ri tanto. Na mesma hora que saiu, percebi. Eu queria dizer
"lençol", ao invés de “sofá”.
Por que saiu sofá? Nem cabe um
ser-humano embaixo dele (exceto a nossa gatinha, que, aqui, também
é considerada um ser humano, e cabe
embaixo dele).
Por que? Nem sequer são palavras
semelhantes. Estou me perguntando até agora.
Preciso de férias.
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