sábado, 10 de setembro de 2016

A conjuntura brasileira e o "diabo dos números"


Como diria Hans Magnus Eizensberger, é o "diabo do números". Observem como a depender do interesse de quem "dá" a notícia a verdade poderá ser transformada numa mentira e vice-versa: 


“... Desta forma, somente entre 2012 e 2014, foram retirados do caixa da previdência nada menos do que 184 bilhões de reais, dinheiro de sobra para pagar os 111 bilhões de reais de aumento dos gastos que o reajuste do salário mínimo impôs à previdência durante os sete anos considerados pela mídia( Emílio Gennnari)


Desta vez o NORTE volta ao tema da previdência mas pra você ficar atento as estatísticas para que elas não te enganem, melhor, para que os que comandam a economia, o governo e a imprensa não te convençam a aceitar ser sacrificado para salvá-los. Fique atento a mais um excelente artigo de Emílio Gennari.






Emilio Gennari – Educador Popular
E-mail: epcursos@gmail.com








A mágica dos números e os números da realidade

        
Em tempos de vacas magras e baixa popularidade dos governantes, é comum nos depararmos com discursos que ora comemoram qualquer sinal de melhora da economia, ora apresentam um futuro ameaçador caso não se concretizem reformas e ajustes que pioram as condições de vida dos trabalhadores.
         Para que possamos entender como a mágica dos números serve a estes propósitos, usaremos como exemplo a comparação entre os gastos públicos do Japão na área da saúde e os dispêndios públicos e privados do Brasil no mesmo setor. As estatísticas de 2013 revelam uma realidade intrigante: Japão e Brasil gastam em saúde cerca de 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Com base nesta constatação, qualquer ministro, secretário ou candidato poderia alegar que, mais do que aumentar as verbas da saúde, o país precisa de um “choque de gestão” que melhore a utilização e a integração dos recursos existentes.
         Os números que nos igualam ao Japão parecem dar razão a esta posição. Mas, o que eles representam em termos reais? Para responder a esta pergunta, precisamos fazer algumas contas.
         Em 2013, o PIB do Japão foi de 4 trilhões e 920 bilhões de dólares, ao passo que, no mesmo ano, o PIB do Brasil ficou em 2 trilhões e 246 bilhões de dólares. Basta isso para percebermos que a fatia de 8% do montante de riquezas japonês é mais que o dobro da que corresponde ao PIB brasileiro. Se isso não bastasse, ninguém pode esquecer que a população nipônica da época somava cerca de 127 milhões de pessoas, enquanto a brasileira era de 201 milhões. Feitas as contas, temos que, em média, o gasto anual em saúde por habitante, no Japão, foi de 3.212 dólares, ao passo que, no Brasil, foi de apenas 415 dólares na soma entre recursos públicos e privados.
         Se ninguém mente ao afirmar que, pelos critérios utilizados, os dois países investem em saúde a mesma proporção do PIB, também não dá pra negar que a fatia japonesa do gasto por habitante é quase 8 vezes maior do que a nossa, o que possibilita um atendimento bem melhor. Por isso, dizemos que uma coisa é a mágica dos números e outra, bem diferente, a realidade que eles mostram quando se resgata o que é desconsiderado para que as maiorias não percebam o verdadeiro alcance do que está sendo proposto.
         Do exemplo para a realidade, queremos trazer à tona duas situações que marcaram os noticiários recentes a fim de mostrar como ao focar alguns números reais da economia é possível fazer passar despercebidos aspectos fundamentais da realidade e como, ao ampliar o olhar sobre a mesma aparece um quadro bem diferente do imaginado.
         O primeiro caso diz respeito ao desempenho da indústria brasileira. Ao apresentar os resultados de junho, os destaques dos noticiários diziam que o setor começava a reverter a queda dos períodos anteriores e que o crescimento da produção em 1,1% sobre maio sinalizava a confiança que as forças do mercado depositavam no governo Temer. Os elementos incômodos, citados de passagem ou esquecidos, podem ser resumidos nos pontos que seguem:
1.    Em que se baseia o suposto estímulo produzido pelo novo governo se, até o momento, o que ele anuncia pela manhã é corrigido à tarde e negado à noite? No fato de que estes balões de ensaio se transformarão em medidas amargas cujas formulações finais, reduzirão a tensão social esperada em resposta aos estragos produzidos? Concretamente, o que o governo ofereceu à indústria de meados de maio ao final de junho além de vagas promessas futuras? Se a elite considerava o déficit público do governo Dilma, estimado em 96 bilhões de reais para 2016, como gerador de desconfiança nos mercados a ponto de inviabilizar os investimentos, porque os 170 bilhões de reais de déficit do Temer deveriam tranquilizar os mesmos mercados à medida que este aumento não guarda relação com nenhuma política de investimento do Estado a fim de estimular a economia e fazer o país crescer?
2.    A comemoração do resultado positivo de junho ofuscou o fato de que, em relação ao mesmo mês de 2015, a produção do setor havia caído 6% e que, na comparação entre o primeiro semestre de 2016 e o mesmo período do ano anterior, a redução subia a 9,8%. Se isso não bastasse, no mesmo mês da suposta virada, o Ministério do Trabalho informava que a indústria havia eliminado nada menos do que 31.102 postos de trabalho com carteira assinada, uma redução de 0,41% ante maio deste ano. È diante desta catástrofe que o número positivo da produção industrial de junho deve ser lido e relativizado. Que elementos indicam que a indústria tocou o fundo do poço e agora vai voltar a subir? No que se baseia esta afirmação se os investimentos e o consumo continuam caindo? No fato de que, após as seguidas quedas da produção, o termo de comparação é tão baixo que basta pouquíssimo para que apareça um resultado positivo? Mais uma vez, temos muitas perguntas e nenhuma resposta fundamentada por parte da mídia e do governo.
         Estas reflexões ajudam a perceber que, como no caso da saúde, a mágica dos números constrói uma miragem que traz alívio e esperança, enquanto mostra Temer como alguém que, à diferença da Dilma, é capaz de encontrar saídas viáveis. O problema de qualquer miragem é que ela se desfaz quando nos aproximamos com um olhar mais amplo sobre a realidade.
         O segundo exemplo guarda relação com as justificativas que buscam fazer com que a reforma da previdência seja tida como uma tarefa inadiável também pelo povo simples. Em termos de números, nos deparamos com reflexões que assustam quem sequer consegue imaginar o que é um bilhão de reais. De acordo com os dados publicados pela mídia em meados de agosto, a política de reajuste do salário mínimo entre 2008 e 2014 custou aos cofres públicos nada menos do que 179 bilhões e 100 milhões de reais, em valores já reajustados pela inflação, sendo que o montante superaria os 200 bilhões de reais se incluíssemos o ano de 2015. No período considerado, o impacto dos reajustes do salário mínimo (corrigido pela inflação e o crescimento do PIB do período anterior) na previdência social foi de 111 bilhões de reais, ou seja, para cada R$ 1,00 de elevação do mínimo, a despesa anual da previdência aumentava em 267 milhões e 500 mil reais em valores de hoje; números que, de acordo com os analistas de plantão, provariam a insustentabilidade desse tipo de gasto.
         Sorrateiramente, esta “defesa” dos cofres públicos contra o avanço do suposto déficit da Previdência Social aponta em duas direções:
1.    A urgência de rever a política de reajuste do salário mínimo antes de 2017, quando o eventual crescimento do PIB entraria no reajuste de 2019 junto à inflação do período;
2.    A necessidade de desvincular do salário mínimo os benefícios pagos pela previdência, permitindo que sejam bem menores do que o próprio salário mínimo nacional. Aprovada a emenda constitucional que reduz a elevação dos gastos públicos ao limite máximo da inflação apurada no ano anterior, o valor a ser distribuído pelo sistema previdenciário passaria por um crescente encolhimento. Isso se deve à relação entre o aumento anual do número de benefícios pagos e o montante final destinado a este fim que, ao não poder superar a inflação do ano anterior, implicaria numa reposição menor do aumento do custo de vida nos valores a serem recebidos pelos beneficiários.
         Na análise divulgada em 5 de julho, mostramos que a previdência não seria deficitária se o pagamento das contribuições empresariais seguisse as normas legais, mesmo desconsiderando os preceitos que, como na ampla maioria dos países do planeta, incluem outras contribuições para compor o caixa da seguridade social. Agora, queremos voltar nossas atenções para um mecanismo chamado Desvinculação das Receitas da União (DRU), pelo qual os fundos arrecadados para um determinado fim podiam ser usados em outras áreas pelo Executivo federal até 20% de todas as receitas. Ou seja, ao mesmo tempo em que a legislação determinava o que ia compor o caixa da seguridade social, a DRU possibilitava que 20% de todos os seus recursos tivessem outro destino. Desta forma, somente entre 2012 e 2014, foram retirados do caixa da previdência nada menos do que 184 bilhões de reais, dinheiro de sobra para pagar os 111 bilhões de reais de aumento dos gastos que o reajuste do salário mínimo impôs à previdência durante os sete anos considerados pela mídia.
         Se isso não bastasse, acaba de ser aprovada pelo Senado a Proposta de Emenda Constitucional que não só prorroga a DRU até 2023, como amplia de 20% para 30% o total de recursos que podem ser realocados pelo Executivo federal. Com a sanção desta medida, o caixa da seguridade social pode ficar com 120 bilhões de reais a menos já em 2017. Se é verdade que, a cada R$1,00 de reajuste do salário mínimo, temos um aumento anual dos gastos previdenciários de 267 milhões e 500 mil reais, é também verdade que os 120 bilhões de reais da DRU de 2017 seriam suficientes para elevar cada benefício, em média, em 448 reais.
         Mas isso não é tudo. Com reajustes cada vez mais reduzidos, os valores futuros a serem pagos pela previdência podem condenar a maioria dos municípios a uma situação falimentar e impactar negativamente as possibilidades de crescimento do país. Atualmente, em 3.875 dos 5.566 municípios brasileiros, o pagamento dos benefícios previdenciários supera os repasses do Fundo de Participação dos Municípios; e, em 4.589, 82% do total dos municípios, o valor total destes benefícios ultrapassa a arrecadação municipal e é uma das peças-chave que alimenta o comércio e as demais atividades econômicas locais. Encolher progressivamente o montante pago, além de socialmente injusto, significa fazer com que uma parcela crescente de municípios corra o risco de entrar em bancarrota.

         No terreno dos números da realidade, não faltam aspectos preocupantes, parte dos quais comentamos a seguir:
1.    De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho, de janeiro a julho deste ano foram fechadas 623.520 vagas com registro em carteira. Por sua vez, os levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, no segundo trimestre deste ano, o desemprego atingiu 11,3% da população economicamente ativa ante 8,3% no mesmo período de 2015. São 3 milhões e 200 mil pessoas a mais à procura de emprego em relação a 2015.
Graças a esta catástrofe, o número de ocupados que recebem até meio salário mínimo passou de 9 milhões e 23 mil, em 2015, para 10 milhões e 300 mil em março deste ano, sendo que a parcela até 25% do salário mínimo saltou de 4 milhões e 400 mil trabalhadores para 5 milhões e 500 mil. O arrocho produzido pelo desemprego faz com que a capacidade de compra dos salários feche o primeiro semestre deste ano com uma queda de 4,2% sobre o mesmo período do ano passado, depois de descontada a inflação, e que o total de salários pagos na economia tenha encolhido 5,1% na mesma base de comparação. Mais assustador ainda é saber que, segundo os especialistas, a taxa de desemprego deve continuar avançando, pelo menos, até meados de 2017.
2.    Os números do desemprego são apenas o reflexo da freada na atividade econômica dos últimos semestres. Aqui, gostaríamos de citar a situação da indústria automobilística, do comércio varejista e da construção civil. De janeiro a julho deste ano, a produção de veículos nas montadoras caiu 20,4%, em relação aos primeiros sete meses de 2015, e a ociosidade do seu parque industrial está na casa dos 70%. Atualmente, a cadeia produtiva deste setor emprega 126.800 pessoas, 6,6% a menos do que em julho de 2015 e 30.100 trabalhadores a menos em relação a três anos antes. Isso sem contar que, no momento, temos 26.000 trabalhadores do setor em sistemas de redução da jornada e salários ou de suspensão temporária do contrato de trabalho. Esses números tendem a piorar, à medida que a queda das vendas no mercado interno representa um volume de veículos bem maior do que o pequeno aumento que vem sendo registrado nas exportações.
No varejo, a queda nas vendas tem levado muitas lojas a fechar as portas. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio, entre janeiro de 2015 e junho de 2016, descontado o número de lojas abertas no período, 166.900 estabelecimentos comerciais fecharam as portas. Só no primeiro semestre de 2016, foram 67.900 lojas a encerrar as atividades (ante 99.000 ao longo de todo o ano passado), uma média de 377 por dia.
Na construção civil, a redução das atividades entre outubro de 2014 (mês em que inicia a recessão do setor) e julho deste ano, levou à eliminação de 773.124 vagas. No momento, este grande empregador de força de trabalho está funcionando com 57% de sua capacidade de operação e os passos de retomada que vêm ensaiando nos dois últimos meses são pequenos demais para tirá-lo do atoleiro em que se encontra.
Só no primeiro semestre deste ano, as dificuldades enfrentadas nos vários setores da economia elevaram em 6,8% o nível de inadimplência das empresas, obrigando os quatro maiores bancos do país (Banco do Brasil, Itaú, Caixa Econômica Federal e Bradesco) a ampliar em 54 bilhões de reais suas provisões para créditos duvidosos (uma espécie de seguro contra calotes) que, ao todo, somam agora 144 bilhões de reais. Mau sinal para uma economia que anda em marcha ré.
3.    Em julho, a arrecadação federal deu mais um susto ao registrar o pior resultado para o mês desde 2010. Com mais este recuo, nos primeiros sete meses de 2016, entraram no caixa do governo federal apenas 724 bilhões e 673 milhões de reais, 7,11% a menos em relação ao mesmo período do ano passado, depois de descontada a inflação. À medida que a recessão e a manutenção de altos patamares de renúncia fiscal fazem cair a arrecadação em todos os níveis, se reduz também a quantia final sobre a qual incidem os cálculos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para o pagamento do funcionalismo. De um lado, o arrocho a ser promovido pela não recomposição da inflação eleva as tensões entre governos e sindicatos do setor, mas, de outro, torna plausível a justificativa legal pela qual se faz necessário cortar servidores e direitos a fim de não superar o teto estabelecido pela LRF, numa queda de braço onde aumentam as vantagens dos governos em relação à maioria dos servidores.
Ao mesmo tempo, a necessidade de o governo federal não superar o teto estabelecido pelo déficit público, diante de uma arrecadação que não dá sinais de melhora, faz aparecer novas chances de ganhos para a elite rentista do país. Há semanas, o governo federal vem discutindo a possibilidade de securitizar a dívida que os empresários têm com a União como caminho rápido de fazer caixa. Os debates veiculados pela mídia têm deixado escapar dados importantes. Para ajudar na compreensão, transformaremos a precisão dos elementos técnicos num exemplo mais acessível.
Imagine a chamada “dívida ativa da União” como um bloco de promissórias assinadas pelos empresários junto ao governo federal que, em junho deste ano, somavam, 1 trilhão e 580 bilhões de reais. Desse total, o governo reconhece ter chances de receber em torno de 95 bilhões de reais que correspondem aos pagamentos parcelados das promissórias negociadas até junho deste ano. O 1 trilhão e 485 bilhões de reais restantes é admitido como perda pelo próprio Tesouro Nacional.
Mantido como está, o recebimento dos 95 bilhões de reais levaria tempo, algo que o governo não tem face às suas necessidades de caixa e às dificuldades de elevar os impostos. Sabendo que o montante considerado perdido é usado pelo mercado para elevar a margem de risco que cerca os pagamentos futuros já acertados, o governo Temer estuda vender estas promissórias pela metade do preço, o que implica em abrir mão de 47 bilhões e 500 milhões de reais que ficariam com os investidores para protegê-los contra novos possíveis calotes. Realizada a venda das promissórias, a proposta em pauta é de usar 70% do total recebido para amortizar a dívida pública e destinar os 30% restantes aos investimentos.
Assim, os especuladores do mercado ganhariam nas duas pontas: de um lado, graças ao desconto praticado, e, de outro, pela garantia de pagamento dos juros da dívida interna. E isso sem que ninguém pergunte como foi possível alimentar tamanha dívida dos patrões com o governo sem cobranças, garantias ou contrapartidas à altura da situação e aceitar pacatamente que, com a securitização, será possível receber apenas 3% do total devido.
4.    Em tempos de crescimento do desemprego e queda dos salários, falar em condições de trabalho pode soar a luxo desnecessário, mas um dado do Portal da Transparência chamou a nossa atenção. Em 2015, as despesas do Estado com a Secretaria de Inspeção do Trabalho (que realiza a fiscalização do trabalho análogo à escravidão) somaram 2 milhões e 900 mil reais, utilizados para montar 143 operações que resgataram 1010 pessoas de uma situação de trabalho desumana. Até o dia 18 de julho deste ano, esta secretaria havia recebido do governo apenas 68.800 reais, o que corresponde a 5% do total de repasses de 2015, usados em 33 operações que resgataram 188 trabalhadores.
Por si só, o fato de os agentes encarregados de desbaratar processos de trabalho em condições próximas à escravidão poderem contar com valores tão irrisórios, como os recebidos em 2015, já deveria ser motivo de vergonha e de reflexão profunda da sociedade. Mas, quando a esta realidade acrescentamos uma diminuição brutal das verbas é como se o governo sinalizasse que, daqui em diante, não vai haver fiscalização, o que pode gerar situações particularmente graves, sobretudo nas regiões mais distantes dos grandes centros onde os custos das operações de resgate são altos. À elite rentista, bilhões de reais a serem ganhos sem esforço. Aos que deveriam se encarregar de resgatar os trabalhadores de uma situação análoga à escravidão...tostões.

         Para encerrar nosso breve passeio pela realidade do país gostaríamos de partilhar uma pergunta para pensar os possíveis desdobramentos da conjuntura: Concretizado o impeachment da presidente Dilma, até onde vai a paciência do mercado com a demora do governo Temer em realizar o que prometeu no plano “uma ponte para o futuro”, sobre o qual falávamos na análise divulgada em maio deste ano?
         Passados pouco mais de três meses de governo interino, a lua de mel com os agentes dos mercados refletiu mais a sintonia entre o diagnóstico e o reconhecimento da necessidade de reformas, presentes nas posições de todos os atores envolvidos no processo de impeachment, do que os passos concretos em direção à sua viabilização. Sobraram discursos e faltou prática, sobretudo no âmbito da presidência que empurra para o Congresso o ônus de aprovar as medidas amargas desejadas pelas elites e acende uma vela a Deus e outra ao diabo para proporcionar a sua própria sustentação.
         Cientes do desgaste político a que seriam submetidos, os parlamentares se encarregaram de moldar e esvaziar aspectos essenciais das propostas do Executivo e agora pedem bem mais em troca de votos favoráveis. Foi assim com a renegociação das dívidas dos Estados e não será diferente em relação aos ajustes propostos nas contas públicas.
         Entrar no terreno acidentado da reforma trabalhista e previdenciária às vésperas de uma eleição municipal é algo que nenhum partido da base aliada deseja, pelo menos até encerrar a votação do segundo turno. Concretizado o impeachment, ganha força a ideia de colocar a agenda em compasso de espera, resolvendo e encaminhando questões em relação às quais não se esperam manifestações sociais contrárias, limpando a sombra da corrupção projetada por Eduardo Cunha no Congresso Nacional, alinhavando as medidas legais da participação Pública e Privada para os Investimentos e consolidando o terreno para a venda de ativos das estatais. Com isso, digamos que daria para manter a paciência dos mercados em banho-maria até o final de 2016. Temer não deve conseguir virar o ano sem ser cobrado pelo gradualismo e a lentidão das reformas em nome das quais os agentes econômicos o levaram ao comando da administração do país. Ajustar o ritmo da política ao das demandas do mercado será uma batata cada vez mais quente nas mãos da equipe econômica, ainda mais se os futuros desdobramentos das delações premiadas forem usados para assá-la a fogo alto.
         O jeito é continuarmos de olhos nos números da economia que ajudam os trabalhadores a visualizar o movimento da realidade, a relacioná-los com os interesses de classe que estão em jogo e a plantar sementes de rebeldia em seu meio.


         Brasil. 26 de agosto de 2016.