terça-feira, 25 de outubro de 2022

Brasil: realidades e desafios do “Datapovo - Notas de Conjuntura

 

      

                                         

     

O resultado das eleições realizadas no dia 2 de outubro surpreendeu os institutos de pesquisa, deixou perplexos os setores progressistas e mostrou que a ultradireita brasileira conta com um apoio que nem ela esperava ter.

Como é possível que a população tenha elegido com uma votação tão expressiva figuras que se destacaram por atuarem na contramão do que seria esperado pelos Ministérios que ocupavam? 

Será que o povo já esqueceu a política criminosa levada adiante pelo Presidente da República durante a pandemia e a forte expansão da pobreza que marcou o seu mandato? (Emilio Gennari)





Brasil: realidades e desafios do “Datapovo1

 

 

            

O resultado das eleições realizadas no dia 2 de outubro surpreendeu os institutos de pesquisa, deixou perplexos os setores progressistas e mostrou que a ultradireita brasileira conta com um apoio que nem ela esperava ter.

 

Como é possível que a população tenha elegido com uma votação tão expressiva figuras que se destacaram por atuarem na contramão do que seria esperado pelos Ministérios que ocupavam? Será que o povo já esqueceu a política criminosa levada adiante pelo Presidente da República durante a pandemia e a forte expansão da pobreza que marcou o seu mandato?

 

O primeiro indício de que havia algo intrigante na leitura que o povo faz da realidade estava na distância entre o peso que as pessoas davam a determinados problemas sociais e as prioridades com as quais os setores progressistas disputavam o pleito. Desmatar, devastar terras e comunidades indígenas, ficar sem casa, ganhar salários baixos, trabalhar na informalidade, passar necessidade e ser submetido à brutalidade das ações policiais nunca ocuparam um lugar de destaque entre as principais preocupações da população.

 

Um segundo elemento guarda uma relação direta com o fato de as pesquisas qualitativas raramente trazem explicações abrangentes quanto aos critérios que levam os indivíduos a optarem por um determinado candidato. A possibilidade de retratar este universo demanda uma sensibilidade apurada para entender o que o povo realmente pensa e uma abertura capaz de captar os sentimentos que não se traduzem em palavras, tarefas que só podem ser desempenhadas com uma inserção que vai muito além dos contatos esporádicos dos entrevistadores e de alguns militantes dos movimentos com as periferias.

Mas, afinal, o que é que os setores progressistas não viram na hora de traçar as estratégias de campanha e projetar os resultados que esperavam alcançar?

Começaremos a responder a esta pergunta partilhando o conjunto de anotações e reflexões oriundas do diálogo direto com as pessoas, das entrevistas divulgadas pela mídia e dos estudos que se colocaram nossas mesmas indagações.

 

Trata-se de ensaiar alguns passos que ajudem a entender a complexidade do momento e a buscar os antídotos para o veneno que o bolsonarismo distribui sem cessar.

 

            1. O que a direita viu e usou sem pudores.

 

Numa análise divulgada em setembro de 2018, constatávamos que, para a maioria do povo simples, a crise vivida pela sociedade não deitava raízes no campo da economia, e sim na deturpação dos valores morais. As entrevistas e pesquisas disponíveis na época não revelavam sinais de que as pessoas viam algum nexo tanto entre as relações de poder e a formação dos modelos históricos de família, como entre as dificuldades econômicas e os problemas que levam à desintegração do núcleo familiar.2

Concretamente, a matar a família eram os casamentos homoafetivos, as diferentes identidades sexuais e a negação dos valores tradicionais pelas novas gerações que, com a sua falta de disciplina e de respeito, geravam uma infinidade de tensões desagregadoras. Por outro lado, o desemprego, a fome, a falta de moradia, os baixos salários, a insegurança de quem precisa ganhar hoje o que gasta amanhã não passavam de problemas sempre presentes e que poderiam ser resolvidos com a união do núcleo familiar, com a força da fé e a prática dos valores tradicionais. Daí que, se todos tivessem Deus no coração, recebessem uma educação no estilo antigo, se afastassem dos vícios, do crime e do que pode levar a família tradicional à sua desagregação, as crises deixariam de marcar os passos da vida coletiva. 

Quatro anos depois, não só constatamos que esta continua sendo a base a partir da qual um número crescente de pessoas interpreta os problemas sociais, como identificamos em vários setores uma repulsa ainda maior em relação a qualquer violação da chamada "ordem natural das coisas". O crescimento das igrejas evangélicas pentecostais e a ampliação das bases do catolicismo tradicional explicam parte desta evolução. Contudo, nenhuma pregação teria tanto efeito se ela não se alimentasse das experiências pessoais dos fiéis, criando assim um círculo pelo qual as vivências de cada um comprovam a pregação de padres e pastores na mesma proporção em que estas fortalecem e confirmam a importância dos valores tradicionais para as mudanças que ocorreram em suas vidas.

Concretamente, é inegável que muitos fiéis encontraram nas igrejas a ajuda de que precisavam para pôr fim à violência doméstica, para sair das drogas, abandonar o alcoolismo, o jogo e o crime, e isso levou a uma melhora das condições de vida, das perspectivas de futuro e das relações com os demais. A igreja transformou seu dia-a-dia, deu sentido e esperança diante das agruras do cotidiano e, por isso mesmo, estas pessoas têm o vivido como prova material de que a recuperação do indivíduo e o papel da família neste processo são capazes de vencer as dificuldades econômicas e de construir um mundo melhor

 

A solidez desta convicção é comprovada por um dado da pesquisa Datafolha, publicado no jornal El País, em 25 de setembro deste ano. Para 60% dos fiéis das igrejas evangélicas e dos setores do catolicismo tradicional é preferível votar em um candidato que coloca Deus acima de tudo e defende os valores da família tradicional a outros que apresentam boas propostas econômicas. E tem mais. O fato de Bolsonaro se definir cristão, ser duro contra o crime, condenar as drogas e o aborto consegue a proeza de fazer com que muitas pessoas que perderam parentes pelo coronavírus perdoem as atitudes nefastas por ele assumidas durante a pandemia. Basta isso para entendermos a importância crucial da tradição e do elemento religioso na visão de mundo de uma parcela importante da população.

 

Presente no senso comum das pessoas simples, esta ordem de prioridades foi incorporada e absolutizada pelos grupos de poder da nossa sociedade. O conservadorismo traduzido pelo lema "Deus, Pátria e Família" consegue matar dois coelhos com uma paulada só. De um lado, se constitui como apelo a valores que a ampla maioria dos indivíduos não tem a menor condição de questionar. De outro, trata-se de algo tão genérico e adaptável às conveniências do momento que não faltam possibilidades de entrar em sintonia com o papel que a fé dos simples desempenha na orientação de sua rotina diária. Desta forma, ao manter os olhos de muitos voltados ora para o céu, ora para os motivos que colocam em segundo plano a condução da economia e das relações sociais, a direita multiplica as possibilidades de aprofundar a exploração do trabalho e a devastação dos recursos naturais sem reações significativas por parte da população.

 

Mas será possível que ninguém percebe a contradição gigantesca entre um Bolsonaro que coloca Deus acima de todos e a sua defesa da tortura, da pena de morte, das execuções sumárias nas favelas e os discursos cheios de ódio contra quem não pensa e age como ele?

 

Infelizmente, não só é possível, como tem uma explicação que guarda uma relação direta com o cotidiano das pessoas. A seguir vamos esboçar alguns elementos que permitem visualizar tanto a possibilidade de ocultar as contradições entre o dizer e agir do Presidente da República, como calar os questionamentos que a sua incoerência pode gerar.

 

O primeiro deles deita raízes no que significa para o senso comum a necessidade de "eliminar o mal pela raiz". Longe de entender que o esforço deve se concentrar na destruição das contradições que sustentam a marginalização social e geram o caldo de cultura que favorece o crime organizado, para o povo simples, eliminar o mal implica em eliminar quem o pratica. Afirmada por quem se diz cristão, a ideia pela qual bandido bom é bandido morto é simplesmente absurda. A explicação demanda um pouco de paciência, mas ajuda a perceber as dificuldades que encontramos na disputa das ideias com o bolsonarismo e com o próprio povo.

 

Os evangelhos mostram claramente que Jesus condena o pecado, mas ama o pecador. Diante da mulher adúltera, o filho de Deus não diz "atirem pedras à vontade, pois esta mulher, além de pecadora, é uma destruidora de lares e Moisés tinha toda razão em dizer que gente dessa laia não merece compaixão". Ao contrário, Jesus salva a sua vida do apedrejamento, perdoa a adúltera e recomenda que ela não volte a pecar. Situações semelhantes ocorrem em outras passagens, mostrando que o cristão deve agir para que o pecador tenha as condições de se redimir e fazer o bem. Neste sentido, agir para eliminar alguém, quem quer que seja, pode ser tudo, menos cristão.

 

Ao falar para o mundo grego, os escritos do Apóstolo Paulo traduzem isso de forma ainda mais explícita quando afirmam que o corpo de qualquer ser humano é parte do corpo de Cristo. De consequência, matar, torturar, perseguir, impor qualquer sofrimento a um ser humano é matar, torturar, perseguir, fazer sofrer o próprio Cristo. Por isso, os cristãos defendem a vida, em qualquer momento, em qualquer situação, o tempo todo.

 

Parece claro que bastaria pensar nisso para perceber que atribuir a Deus a missão de matar, torturar, excluir e eliminar pessoas que, pelas convicções do Presidente da República e os interesses da ultradireita, não merecem misericórdia e compaixão, é transformar o ódio em virtude, a marginalização em mérito, a destruição do pecador e do diferente em dever ditado por Deus. Este passo faz com que o Bolsonaro e seus apoiadores encarnem a suprema manifestação do mal, claro, do ponto de vista do cristianismo.

 

Por que, então, há um verdadeiro abismo entre a fé que as pessoas afirmam professar e as ações que deveriam ser o espelho dos valores nos quais acreditam?

 

Além da “fragilidade da natureza humana” a nosso ver, uma das peças-chave está nos limites que as pessoas colocam às suas crenças religiosas. Concretamente, cada um quer um Deus que está ao seu lado, que conforta na angústia, protege do mal, dá uma forcinha para conseguir o sucesso almejado, mas não um Deus que mexe com o que foi conquistado, com os negócios dos quais nasce o bem-estar, ainda que manchados por uma série de injustiças, violências e abusos.

 

Não podemos esquecer que a ampla maioria das pessoas adapta Deus ao seu universo moral, às próprias necessidades, desejos de sucesso e projetos de vida a ponto de colocá-lo na obrigação de fazer o que lhe pede em troca de alguma oferenda. Ou seja, ao escolher uma determinada igreja, o fiel não busca uma orientação de vida que coloque em cheque o mundo de pensamentos e ações que faz seu dia-a-dia “render”, e sim que confirme e dê solidez às convicções que guiam os seus planos e as ações em andamento.

 

Basta escavar um pouco a camada superficial das afirmações dos que se autodenominam “bons cristãos” para descobrir o que elas, de fato, procuram ocultar com esse Deus customizado à imagem e semelhança das próprias demandas. À medida que erradicar o mal é sinônimo de bandido bom é bandido morto, ninguém estranha que esta “solução definitiva” seja aplicada a qualquer caso, independentemente da sua gravidade. Mas, quando ponderamos a relação entre os valores materiais e o preceito cristão de defender a vida incondicionalmente, percebemos que o diabo mora nos detalhes. Ninguém duvida, por exemplo, que roubar o celular de uma pessoa coloca o criminoso do lado do mal. Contudo, se furtar o aparelho é fazer algo errado, mas matar para recuperá-lo é aceitável, significa que a vida cedeu o lugar à propriedade como aspecto mais sagrado do universo de convicções pessoais ao qual Deus precisa se adaptar.

 

Esta convicção tão comum entre a população ganha tons bem mais perversos quando os grupos de poder afirmam que todos devem andar armados para defender a si próprios, suas famílias e as propriedades que possuem de qualquer pessoa que venha ameaçá-las. Obviamente, ninguém questiona a que preço esta acumulação aconteceu, quantos país e mães de família foram explorados e depauperados para que poucos se apropriassem das riquezas que não produziram e nem mesmo como a marginalização dos empobrecidos alimentou a violência e o crime diante da impossibilidade de conseguir por outros meios os recursos de que precisavam para sobreviver. Grandes e pequenos proprietários, ricos e pés-rapados que se vangloriam de suas merrecas, cristãos de qualquer denominação e igreja, fazem questão de ocupar seu lugar nas fileiras do contingente que defende a pena de morte, deseja se armar para proteger o que tem, mas não move um dedo para eliminar as injustiças que degradam e violentam a vida de milhões de seres humanos.

Ou seja, a defesa da vida vale apena em situações restritas que não afetam a propriedade, como no caso do aborto. Para todas as outras, não faltam armas, balas, matadores de aluguel, ameaças e execuções tanto daqueles que roubam, como daqueles que denunciam quanto a vida da coletividade é devastada pelos interesses de poucos. Claro que, para colocar o coração em paz, sobram bênçãos, terços, orações, cultos e rituais que transformam a prosperidade em benção de Deus e apontam os problemas sociais como fruto da ação de um demônio que, por sinal, costuma agir muito entre os pobres, mas nunca entre os grupos de poder.

 

Fizemos esse longo trajeto para mostrar, de um lado, a dificuldade de compreender o universo do povo por parte de quem pede, inocentemente, ao Lula de convencer os evangélicos a votarem no PT. E, de outro, a ingenuidade de uma militância que acredita conquistar corações e mentes graças a um simples encadeamento lógico de pensamentos e princípios alheios à realidade da qual se alimentam as convicções populares.

 

Contudo, esta é apenas uma parte do arcabouço que o bolsonarismo vem montando desde as eleições de 2018 e que, nos últimos quatro anos, foi capaz de envolver milhões de pessoas que estão na base da pirâmide social e sem cujos votos a ultradireita não teria chegado aonde chegou. No próximo capítulo, vamos esboçar as linhas mestras da estrutura que possibilitou a consolidação do bolsonarismo no meio popular.

 

            2. O mundo paralelo que oculta o Brasil real.

 

Ao que tudo indica, as medidas econômicas com as quais Bolsonaro procurou aumentar a aprovação do seu governo, por si só, não seriam suficientes para levá-lo ao segundo turno das eleições com a votação expressiva que ele teve. Do mesmo modo, está claro que os apelos a Deus e aos valores tradicionais dialogam com um setor específico da população, mas não têm o mesmo peso entre as pessoas que não frequentam nenhuma igreja, que construíram famílias que em nada se assemelham às tradicionais ou que, apesar de serem vítimas do racismo, da homofobia, do machismo e da violência doméstica votam para reelegê-lo.

Então, como explicar o apoio que ele recebeu de setores contra os quais seus discursos e ações sempre se posicionaram?

 

Olhando a trajetória construída pelo bolsonarismo, temos a clara impressão de que o conjunto de elementos utilizados para ganhar as eleições de 2018 construiu as bases sobre as quais o atual Presidente da República, os ministros do seu governo e os grupos que servem de caixa de ressonância de seus atos e palavras teceram a trama de um mundo paralelo ao Brasil real.

 

Imagens, mensagens, entrevistas, movimentos de rua, frases a efeito, soluções salvadoras e ameaças que alimentavam o medo de um futuro mais difícil bombardearam a razão, reduziram a ciência a uma opinião qualquer e transformaram suposições em fatos. A enxurrada de meios com os quais o bolsonarismo deturpou a realidade e criou polêmicas sem fim levou um contingente expressivo de pessoas a embarcar numa realidade que não conta com nenhuma base material comprovável.

 

Quanto mais Bolsonaro e seus seguidores conseguiram calar os gritos do Brasil real, mais emplacaram o mundo paralelo no qual, sem a menor necessidade de coerência, se definiam o certo e o errado, os inimigos e os aliados, quem era do bem e aqueles que queriam o mal para o país. Ao alimentar esta falsa realidade, os bolsonaristas criaram o caos, mantiveram as adesões dos mais fervorosos, apontaram o judiciário e os limites da legislação como obstáculos a serem removidos e convocaram todos a participar de uma cruzada destinada a romper as amarras que impedem o exercício da liberdade individual em todos os seus aspectos e independentemente das consequências que produzem.

 

No meio popular, a incorporação dos elementos deste mundo ocorria à medida que as pessoas encontravam neles as explicações e os sentidos dos acontecimentos que estavam em sintonia com suas próprias crenças e percepções e viam nas ações presidenciais as expressões fervorosas que traduziam parte dos seus próprios valores. Quanto mais esse processo dava novos passos, mais os indivíduos perdiam o contato com o mundo real, se sentiam confortáveis em sua omissão diante dos problemas sociais e abandonavam qualquer reflexão crítica que pudesse devolvê-los à realidade material.

 

A nosso ver, isso se deve, fundamentalmente, a ação simultânea de dois fatores. O primeiro deles foi introduzido desde o início de 2019, quando o Presidente da República e os ministros do seu governo deram vida a uma sequência ininterrupta de polêmicas em relação a uma grande quantidade de temas. A velocidade com a qual uma questão se sobrepunha à anterior comprometia a capacidade de reação dos parlamentares, das instituições e dos movimentos organizados da sociedade civil. Quando as respostas destes atores começavam a aparecer, a polêmica já era outra e os novos assuntos simplesmente enterravam os velhos na vala comum do esquecimento, deixando-os sem resposta.

 

Somente quando os absurdos levavam a momentos de forte rejeição (como no caso dos protestos de maio de 2019 e dos que foram organizados após as ameaças de golpe em maio-junho de 2020), o governo recuava quanto bastava para que o silêncio deixasse as manifestações de descontentamento falando sozinhas. Por outro lado, à medida que os protestos nunca atingiram os interesses econômicos dos grupos de poder, que o Congresso nunca pautaria o impeachment do Presidente e que os militares não criticavam suas ações, não havia nenhuma razão para se preocupar excessivamente com eles.

 

O segundo elemento crescia à sombra do primeiro e o alimentava com os resultados que produzia. A identidade com o bolsonarismo, e o consequente acesso ao mundo paralelo, não tinham como base nenhum programa econômico ou político-partidário em volta do qual se discutiam o projeto de país e quem pagaria a conta das medidas que estavam sendo adotadas. Ao contrário, esta construção era cuidadosamente levantada através do dialogo com os sentimentos da papulação, da manipulação de suas emoções e, sobretudo, do medo. Pouco a pouco, as pessoas aceitavam como única verdade a que fazia seus corações pulsarem na mesma frequência ditada pela identidade com o bolsonarismo.

Podemos verificar a eficácia deste conjunto de elementos na dedicação com a qual os moradores do mundo paralelo partilhavam as "descobertas" veiculadas pelas notícias falsas com o círculo de amigos e conhecidos mais próximos. Quanto mais tenebroso e assustador era o fantasma que tomava conta dos seus pensamentos, mais as pessoas sentiam que estavam participando de uma missão que levaria mais gente a conhecer a “verdade verdadeira”, a descobrir interesses ocultos, a desmascarar supostas conspirações e a não se deixar enganar pelos acontecimentos do mundo real. Neste contexto, duvidar da realidade paralela ou aceitar qualquer crítica vinda de fora era tido como sinônimo de conivência com o que destrói a liberdade de expressão, a Pátria, a família e a religião.

 

A impermeabilidade dos seguidores do bolsonarismo leva a crer que não são poucos os que estão no limiar do fanatismo. E, aqui, o problema mais sério está no fato de que não é possível convencer um fanático de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências, mas tão somente nos elementos do seu mundo e nas expressões com as quais se identifica. Basta olhar, por exemplo, o que está ocorrendo em várias igrejas do país.

 

Na tentativa de forçar a votar no Bolsonaro os 4 em cada 10 evangélicos que se recusam a fazê-lo e os cristãos das igrejas mais tradicionais que criticam o bolsonarismo, os líderes religiosos destas instituições não se limitam a ameaçá-los individualmente com os castigos divinos, mas chegam a puni-los com a exposição a situações constrangedoras no interior das celebrações e com a expulsão dos seus templos. Ou seja, em nome da fé, da família, da liberdade de culto e dos valores cristãos, os próprios padres e pastores se encarregam de realizar hoje as perseguições contra os fiéis que atribuem a uma eventual vitória do Lula no segundo turno das eleições.3 E isso com a convicção de estar contribuindo com a missão de deter o comunismo e o império do mal da qual o atual Presidente teria sido encarregado por Deus. Se isso não é fanatismo...então é loucura...

 

A única chance de esvaziar a bolha do mundo paralelo no qual muitos vivem e pensam o cotidiano se apresenta quando a realidade atinge diretamente as suas próprias vidas, submetendo suas crenças a uma verdadeira prova de fogo. Ainda assim, temos a impressão de que a resistência a voltar ao mundo real, que costuma ser cruel com qualquer devaneio, tende a se manter até que o mundo paralelo no qual acreditam desaba sob o peso da sua própria inconsistência. Contudo, este momento traumático, por si só, não garante que tomem consciência dos enganos nos quais incorreram e que optem por uma nova escala de valores.

 

Ou seja, estamos diante de uma situação que, ao envolver indivíduos das diferentes classes sociais, credos religiosos, gêneros e etnias, promete dar muitas dores de cabeça, mesmo que Bolsonaro não seja reeleito. Por isso, para vencer a ultradireita não basta condená-la como fascista (algo que as pessoas comuns não fazem a menor ideia do que seja), mostrar suas mazelas e nem apenas virar os votos que hoje buscam reeleger o Bolsonaro. É preciso entender os estragos que o mundo paralelo produziu na leitura que as pessoas fazem da realidade e como estes mesmos estragos seguirão alimentando a oposição ao governo Lula, caso vença e consiga assumir a Presidência da República.

 

O bolsonarismo, que é muito maior do que o Bolsonaro, entrou nos poros da sociedade, permeia a forma pela qual muitas pessoas interpretam o mundo e continuará se espalhando, independentemente dos resultados do segundo turno. As eleições de 2 de outubro mostraram apenas que, para muita gente, o pensamento da ultradireita significa muito mais do que nós gostaríamos.

 

Para combatê-lo, é necessário que os setores progressistas entendam as razões da raiva, da frustração, do medo e os anseios das pessoas que criaram as condições para que o bolsonarismo se enraizasse no senso comum e se mantivesse vivo, apesar da destruição com a qual Bolsonaro construiu um país para poucos. Entender como e por que nascem estes sentimentos, mapear os aspectos das relações econômicas, políticas e sociais que estão envolvidos em sua produção e a mescla de angústias e esperanças que abriram alas para a extrema direita fazer o seu jogo é um passo tão urgente quanto imprescindível.

 

Mergulhar no meio popular para ouvir e entender “o sentir do povo” diante da realidade vai demandar tempo, desprendimento, energias e paciência, mas é o único caminho que pode nos fornecer os elementos sem os quais não conseguiremos encontrar um antídoto para o veneno de gosto doce e efeitos amargos que a ultradireita distribui gratuita e generosamente no país inteiro.

 

            Emilio Gennari, 18 de outubro de 2022.

 

 

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(1Para escrever este texto, além das reflexões e anotações recolhidas ao longo dos últimos 6 meses, lançamos mão da leitura do livro de Giuliano da Empoli, Engenheiros do caos, Ed Vestígio, São Paulo, 2019 e de:

https://elpais.com/ideas/2022-09-25/evangelicos-el-codiciado-voto-que-puede-decantar-las-elecciones-en-brasil.html

https://elpais.com/internacional/2022-09-25/leandro-vieira-a-un-proyecto-equivocado-de-brasil-le-interesa-transformar-la-cultura-en-algo-banal.html

https://elpais.com/internacional/2022-09-24/lula-y-la-izquierda-brasilena-suenan-con-una-victoria-en-primera-vuelta.html

https://elpais.com/internacional/2022-09-26/ultimos-rezos-por-la-victoria-de-bolsonaro-oh-senor-deten-la-avalancha-del-mal.html

https://elpais.com/internacional/2022-10-03/las-elecciones-en-brasil-en-seis-claves.html

https://elpais.com/internacional/2022-10-03/el-bolsonarismo-exhibe-su-fortaleza-y-el-congreso-de-brasil-seguira-con-mayoria-conservadora.html

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63111639

https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-63126278

https://elpais.com/internacional/2022-10-03/vencer-al-bolsonarismo-va-a-ser-mucho-mas-dificil-de-lo-que-imaginabamos.html

https://elpais.com/internacional/2022-10-04/las-urnas-dan-a-bolsonaro-un-enorme-poder-en-el-congreso-y-los-estados-pese-a-la-victoria-de-lula.html

https://elpais.com/opinion/2022-10-04/brasil-no-resuelve.html

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63142103

https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniao-e-sociedade/2022/08/33-tiveram-comida-insuficiente-em-casa.shtml

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62668831

https://elpais.com/internacional/2022-10-09/el-rincon-de-brasil-donde-mas-triunfa-bolsonaro.html

Acessos realizados entre 01 de julho e 06 de outubro de 2022.

 

(2) Estamos nos referindo ao texto "O que o povo vê em Bolsonaro", disponível em: https://drive.google.com/file/d/1KzIfaGIrVvI1LzRbJqH0_WYn_NJ2uGGB/view?usp=drivesdk

 

(3) A reportagem completa sobre este tema encontra-se em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63285936 Acesso em 18/10/2022.

 

 


domingo, 9 de outubro de 2022

Chile: por que a nova Constituição foi rejeitada?

              Notas de Conjuntura 

03 de outubro de 2022 

Emilio Gennari


Chile: por que a nova Constituição foi rejeitada?1

 

            No dia 4 de julho, a Assembleia Constituinte entregava ao Chile o texto da nova Constituição que, três meses depois, seria submetido à aprovação popular. O seu conteúdo progressista refletia a presença das forças políticas comprometidas com as demandas apresentadas nas manifestações de outubro de 2019. Contudo, no dia 4 de setembro, com 61,88% dos votos válidos a favor da rejeição, a população dizia NÃO aos direitos que iriam beneficiá-la.

            Como explicar um resultado aparentemente tão contraditório?

            Entre os materiais aos quais tivemos acesso, salta aos olhos o fato de os setores progressistas acusarem o povo de não ter lido o texto da Nova Constituição e ter se deixado levar pelas notícias falsas alardeadas nas redes sociais. Os grupos conservadores, por sua vez, afirmavam que os motivos da rejeição deviam ser procurados na ausência de diálogo no interior da Assembleia Constituinte, cuja maioria não precisava dos seus votos para produzir o texto, no desrespeito aos valores cristãos de uma parte significativa dos chilenos e no fato de as mudanças radicais introduzidas no texto desconsiderarem o necessário gradualismo do qual a sociedade precisa para assimilá-las.

            O material ao qual tivemos acesso surpreende pelo fato de as declarações dos setores progressistas não citarem os interesses econômicos dos grupos de poder que a nova Constituição estava ferindo, uma razão mais que suficiente para esperar que os empresários apresentassem como ameaça para o país aquilo que, na verdade, minava somente os seus lucros.

            Estranhamente, estes elementos eram silenciados mesmo após as reações do mercado financeiro na segunda-feira, dia 5 de setembro, evidenciarem que os endinheirados estavam comemorando a vitória do NÃO no plebiscito. Bastaram poucas horas para que os títulos negociados na Bolsa de Valores registrassem uma valorização de 6,2% e o peso chileno começasse a reverter a trajetória de desvalorização na qual se encontrava há pouco mais de três meses ao avançar 4,2% em relação ao dólar.

            Nas páginas que seguem, reunimos o que, a nosso ver, os debates em volta dos aspectos mais polêmicos procuraram esconder, os elementos das cotidianas preocupações dos chilenos que não encontravam respostas no texto da nova Constituição, as incertezas com as quais a direita jogou para levar a maioria da população a rejeitar o que, na verdade, feria mortalmente os interesses de poucos.

 

            1. Os pontos críticos da nova Constituição.

            Iniciamos nossas reflexões resgatando os pontos em volta dos quais sobraram polêmicas, dúvidas e notícias falsas:

1. O texto da nova Constituição apresentava o Chile como Estado Plurinacional e Intercultural, formado pelos onze povos e nações indígenas presentes no território nacional (Mapuche, Aymara, Rapa Nui, Lickanantay, Quéchua, Colla, Diaguita, Chango, Kawashkar, Yaghan e Selk'nam).

Além disso, a nova Carta Magna previa a criação de Autonomias Regionais Indígenas, cujos poderes seriam estabelecidos em lei complementar, mas proibia que sua atuação viesse a separar estes povos do Estado do Chile. Do mesmo modo, reconhecia também os sistemas jurídicos que os povos originários utilizam no interior de suas comunidades para a administração da justiça. O texto especificava claramente que estes sistemas deviam agir respeitando a Constituição e os tratados internacionais, sendo que qualquer conflito com a legislação vigente seria dirimido pela Suprema Corte do país. 

Atenta aos abusos que, há séculos, ferem a vida dos povos indígenas, a nova Carta Magna determinava também que suas comunidades deviam ser consultadas e expressar o seu consenso em aspectos que afetassem os seus direitos.

2. A proposta de Constituição reconhecia também o exercício livre, autônomo e não discriminatório dos direitos sexuais e reprodutivos e estabelecia que o Estado devia garantir as condições necessárias para proteger tanto para a gravidez, o parto e a maternidade, como a interrupção voluntária da gravidez. O direito ao aborto, como os demais aspectos deste item, seria regulamentado por lei complementar, onde os congressistas definiriam as formas que protegeriam a mãe e o nascituro.

3. A instituição do "Estado de bem-estar social" abriria as portas para o Chile oferecer bens e serviços públicos abrangentes. Os artigos correspondentes sublinhavam que é dever do Estado zelar pela educação, moradia, saúde, previdência e trabalho a fim de garantir esses direitos à população.

No campo da seguridade social, enquanto a lei atual permite que as pessoas destinem 100% dos seus recursos a operadoras privadas de saúde, a proposta dos Constituintes previa a criação de um Sistema Nacional de Saúde que receberia todas as contribuições obrigatórias destinadas a esta área, deixando em aberto a possibilidade de o cidadão contratar um seguro de saúde privado. No caso das aposentadorias, o Estado iria garantir benefícios básicos uniformes a serem concedidos por instituições públicas ou privadas.

O caráter social do Estado também se expressava através do direito à cidade e à moradia digna, do reconhecimento do trabalho doméstico e da criação de um Sistema de Atenção Integral às pessoas que fosse universal e solidário.

4. Ao definir que a água é um bem inapropriável, o texto contraria frontalmente a Constituição em vigor, pela qual os direitos privados sobre as águas, reconhecidos ou constituídos de acordo com a lei, conferem aos seus titulares a propriedade privada desse bem. Ou seja, a proposta estabelecia que a água não pode ser privatizada por quem quer que seja e definia as necessidades básicas da população como prioritárias em relação a outros usos.

Diante das mudanças climáticas em curso, as preocupações com a ecologia e a diminuição dos gases do "efeito estufa" levaram os Constituintes a afirmar que a natureza também tem direitos e que o Estado e a sociedade tinham o dever de protegê-los e respeitá-los.

5. A administração do Estado continuaria nas mãos do Presidente da República e do seu governo. O Senado seria extinto. A Câmara dos Deputados e das Deputadas permaneceria com 155 membros. Contudo, os mandatos destes parlamentares seriam reduzidos dos atuais oito anos para apenas quatro e a reeleição consecutiva seria autorizada somente uma vez. Previa-se também a criação de uma Câmara Regional dedicada a legislar sobre questões de interesse local, respeitando, obviamente, os marcos legais da nação.

            A seguir, vamos apresentar como os grupos conservadores usaram aspectos destes direitos para convencer a maioria da população a rejeitar o texto da nova Constituição.

 

            2. O que levou o povo a optar pelo NÃO

            Para compreender a ação da direita, precisamos detalhar alguns elementos e resgatar o contexto em que os setores conservadores convenceram o povo a rejeitar a nova Constituição. Em algumas passagens, teremos que demorar um pouco mais em relação a outras, mas a paciência que isso demanda será compensada pela compreensão de como a direita conseguiu dialogar com o senso comum e de quanto o distanciamento da realidade do povo impediu à esquerda de neutralizar o poder de persuasão deste diálogo.

            Começaremos com as posições relativas a cada um dos pontos listados no capítulo anterior:

1. Povos originários e comunidades indígenas: apesar de o reconhecimento dos sistemas jurídicos próprios e das autonomias estar sempre vinculado ao respeito da legislação vigente e não poder ser usado para sustentar movimentos separatistas, os setores conservadores se aproveitaram da falta de compreensão das pessoas simples para insuflar que o texto abria as portas à fragmentação do território e do Estado e que a autonomia e a adoção de sistemas jurídicos próprios faziam com que nem todos os chilenos fossem iguais perante a lei.

Desta forma, os indígenas, que representam 13% da população, apareciam como privilegiados, quando, historicamente, foram, e continuam sendo, marginalizados, espoliados e excluídos do debate público. Ou seja, o que se destinava a superar algumas das formas de discriminação e a preservar a cultura de suas comunidades foi apresentado como caminho para que uma minoria da população tivesse um tratamento privilegiado em relação aos demais.

Esta cortina de fumaça visava esconder duas questões de fundo. A primeira delas deita raízes no fato de que, para existirem, as autonomias econômicas, políticas, jurídicas, administrativas e as próprias culturas das comunidades indígenas precisam que a propriedade da terra seja um direito coletivo inviolável. Concretamente, isso significa que, além de assegurar os territórios que continuam nas mãos dos povos originários seria necessário reverter as desapropriações ilegais ocorridas pelas incursões do agronegócio nas áreas indígenas, conforme descrevemos em um texto anterior ao falar dos Mapuches.3

A prova de que os empresários conseguiram fisgar o senso comum da população foi registrado nas sondagens anteriores ao plebiscito. Os resultados aos quais tivemos acesso mostram que 38% dos entrevistados afirmavam que, com o reconhecimento dos sistemas jurídicos próprios, chilenos e povos originários não seriam iguais perante a lei e 31% diziam que, com a plurinacionalidade e a autonomia, o país corria o risco de se dividir. Uma porcentagem sem dúvida muito significativa diante do resultado do plebiscito.

A possibilidade de a autonomia ser um passo rumo à fragmentação do país e de o respeito dos sistemas jurídicos próprios criarem uma desigualdade de tratamento perante a lei simplesmente desconsideram a realidade. De um lado, o Chile não seria o primeiro país do mundo a reconhecer a plurinacionalidade, a autonomia e os sistemas jurídicos dos povos originários. Situações semelhantes integram as relações com os povos originários em países como Bolívia, Equador, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália sem que isso represente uma forma de garantir privilégios, alimente separatismos ou crie injustiças em relação aos demais cidadãos. 

De outro, a prática da justiça, segundo os usos e costumes das comunidades indígenas, é bem mais criteriosa em punir, fazer cumprir as penas e viabilizar as devidas reparações pelo mal cometido. Logo, o que era visto como uma forma vantajosa de driblar da lei, na verdade submete os culpados a um rigor maior.

Concretamente, os ricos arrastaram um número significativo de pessoas simples em nome de uma igualdade perante a lei que a riqueza de poucos sempre violou e de uma suposta unidade nacional que, na quase totalidade das vezes, colocou a maioria da população a serviço dos interesses capitalistas.

2. A defesa da legalidade do aborto caiu como uma bomba entre os setores vinculados ao catolicismo. A falta de clareza em algumas formulações se somou à indignação da igreja e de parte considerável dos fiéis que acusavam os Constituintes de permitir a interrupção da gestação até o nono mês de gravidez.

De fato, o texto da nova Carta Magna reconhece a interrupção da gravidez como direito, mas tirar esse direito do papel depende de uma lei complementar na qual os parlamentares iriam detalhar cada passo. Ou seja, a princípio, nada impede que a regulamentação do direito ao aborto crie mecanismos para proteger os direitos da mãe e do nascituro. Mas, em sã consciência, quem conseguiria a ponderação necessária para perceber isso depois de se sentir profundamente ferido em seus valores e convicções?

Temos aqui o exemplo de uma situação em que, longe de abrir caminhos para a compreensão da amplitude dos direitos que estavam sendo garantidos à maternidade, as reações emocionais levaram a desconsiderar totalmente esses direitos para focar as atenções no aborto legal que, em relação ao todo, era apenas a menor parte do que os Constituintes procuravam garantir. Desta forma, a criança foi jogada fora com a água do banho e a banheira vazia faz tudo voltar a estaca zero.

3. No interior das propostas de construção do Chile como "Estado de bem-estar social", duas questões deixaram a população ressabiada e temerosa. A primeira delas se refere à definição da "educação como direito social". Apesar de o texto garantir a existência e o desenvolvimento da educação particular subvencionada pelo Estado, as pessoas desconfiaram que a escola pública seria priorizada em detrimento da privada.

Esta preocupação guarda uma relação direta com o fato de, atualmente, as famílias apostarem nas instituições privadas de ensino devido à baixa qualidade das escolas públicas. Concretamente as pessoas se perguntavam: depois que as medidas previstas pelos Constituintes forem transformadas em políticas de Estado, vou ter que colocar meu filho na escola pública? E a resposta era tão clara quanto a pergunta: se for assim...vou votar contra.

A segunda questão dizia respeito à propriedade dos Fundos de Pensão que hoje se encontram nas mãos das seguradoras privadas. O texto da nova Constituição afirmava que todas as pessoas têm direito à seguridade social e que o Estado criará um sistema público destinado a este fim. Ao deixar que a lei complementar detalhe os passos futuros deste item, a proposta dos Constituintes nada diz em relação ao que aconteceria com as quantias depositadas nos atuais fundos de pensão em caso de morte do seu titular.

A dúvida de um número considerável de pessoas pode ser traduzida nesta pergunta: se tudo será direcionado para o bem-estar social e o caráter solidário do sistema de seguridade vai prevalecer sobre o atual, quem vai herdar o valor acumulado no fundo de pensão quando da morte do titular? O Estado vai usar esse dinheiro para alimentar a nova seguridade social? Ou, sendo uma propriedade pessoal, os valores depositados serão herdados pelos descendentes?

Estas breves colocações nos ajudam a perceber como as pessoas estavam interessadas em respostas concretas para questões que marcam o cotidiano e o futuro de suas famílias, cuja importância ganha destaque em relação ao reconhecimento de um direito coletivo maior pelo qual o Estado se compromete a não deixar ninguém desamparado.

4. Para entender como o fim da propriedade privada da água pudesse alimentar a rejeição à nova Constituição, precisamos resgatar a situação atual e seus reflexos na vida das pessoas. Pelas leis vigentes, a Direção Geral da Água (DGA), que funciona como uma espécie de agência reguladora, entrega gratuitamente o direito de uso da água (estabelecido em litros por segundo) às pessoas e empresas que o solicitam. A concessão certifica que uma pessoa física e/ou jurídica é proprietária de uma determinada quantidade de água (superficial e/ou subterrânea) e registra este direito em cadastros específicos.

A realidade do Chile revela que 80% dos recursos hídricos são explorados por empresas privadas, principalmente do setor agrícola, da mineração e da geração de energia.  A legislação prevê a possibilidade de limitar a entrega da água em situações de escassez, mas até para fazer isso é necessário enfrentar os interesses e as ações dos grupos de poder.

Desde o fim da ditadura militar, em 1990, os governos tentaram reformar o Código das Águas em 8 ocasiões, sendo que nenhuma delas vingou. Entre os principais opositores, encontramos a Sociedade Nacional da Agricultura que reúne as principais empresas do setor agrícola do país.

Em 2017, foi aprovada uma lei que regula os serviços sanitários locais e cujos artigos poderiam trazer algum alívio à população atingida pela escassez de água. Contudo, nenhum direito previsto por esta norma conseguiu ser aplicado à medida que ela ainda não foi regulamentada.

Diante deste cenário, você acha mesmo que a agroindústria aceitaria o fim da privatização da água? Mas, sabendo que o povo seria beneficiado pela “desprivatização” ampla geral e irrestrita, como é que os empresários conseguiram convencer quem sofre pela escassez da água a votar NÃO no plebiscito?

Vamos responder a estas duas questões usando como exemplo a realidade em que se encontra a comunidade Petorca, situada a 220 km a noroeste de Santiago, onde o rechaço ao texto da nova Constituição ganhou 56% dos votos válidos. Nesta localidade, os fazendeiros que cultivam abacates para exportação usaram a água disponível para garantir a qualidade dos seus produtos em prejuízo dos cultivos que proporcionavam a sobrevivência dos camponeses da região. Pouco a pouco, a escassez agravada pelos períodos de seca inviabilizou os plantios dos pequenos proprietários, forçando-os a se tornarem assalariados dos fazendeiros.

Sabendo que Petorca concentra mais da metade da produção nacional de abacates e que para ter um kg deste produto são necessários cerca de 600 litros de água, não é difícil perceber que manter esta cultura é privar as pessoas da água de que precisam.

O problema é que, sem este cultivo, quase metade dos trabalhadores ficaria sem saber onde arranjar condições para sustentar as próprias famílias e a outra metade, que vive do comércio informal, veria aumentar significativamente as dificuldades para vender os seus produtos. Concretamente, para a quase totalidade dos moradores de Petorca, acabar com a privatização da água seria sinônimo de passar fome durante períodos longos demais para apostar na mudança sugerida pela nova Constituição.

5. Em relação à reforma administrativa, o texto procurava equilibrar a centralização típica do presidencialismo, com a descentralização das decisões relativas às questões regionais. Por outro lado, a extinção do Senado, a redução do mandato parlamentar e da possibilidade de reeleição se apresentavam como temas intragáveis aos políticos de plantão.

Se, de um lado, é impossível avaliar de antemão as vantagens e os problemas reais das futuras Câmaras Regionais, as chacotas e ataques lançados contra elas soaram a vingança dos parlamentares que viram suas chances de permanecerem no cargo reduzidas e ameaçadas de extinção.

O fim do Senado concentrou os maiores ataques dos partidos conservadores. E não é para menos. Nas eleições de 2021, direita e esquerda tiveram o mesmo número de senadores, o que ofereceu à primeira a chance de, nesta legislatura, barrar com certa facilidade as propostas que remam contra os seus interesses. Ou seja, o Senado é hoje o espaço onde a direita tem um poder de barganha suficiente para arrancar concessões e impor derrotas aos projetos de lei da atual coalizão de governo.

Por isso, longe de ser fruto de sérias preocupações com o futuro do Legislativo, a bandeira do NÃO levantada nesta questão visava apenas garantir os espaços conquistados e, obviamente, a possibilidade de aumentá-los nos próximos pleitos.

            Diante deste quadro, percebemos que os ataques dos setores mais conservadores ocorreram em várias frentes, o que permitiu consolidar uma progressiva expansão do clima de rejeição ao texto da nova Constituição frente ao qual a manifestação multitudinária de apoio ao SIM, realizada em 1 de setembro nas ruas da capital, não teve nenhum efeito. 

            Encerrada esta parte, vamos refletir sobre os comentários que apontam a não leitura da nova Constituição por parte do povo como uma das principais explicações pela vitória do NÃO no plebiscito.

 

            3. Os problemas de a esquerda ficar longe do povo

            O resumo dos principais avanços da nova Constituição deixa a impressão errônea de estarmos diante de um texto que definia os direitos e os deveres de forma simples e acessível às pessoas com os mais diferentes níveis de escolaridade. Infelizmente, não é assim. 

            Com seus 11 capítulos, 388 artigos e 57 normas transitórias, a redação da nova Carta Magna era árida e não cativava o leitor a buscar nela as respostas de que precisava. O uso de termos jurídicos, de palavras oriundas das ciências sociais e de conceitos complexos apenas aumentava o número de chilenos que, mesmo lendo seus enunciados, não poderiam compreender o significado, o alcance e os limites que estabeleciam.

            Durante a sua formulação e após a divulgação no início de julho deste ano, as polêmicas entre advogados constitucionalistas em relação a alguns artigos revelavam que havia pontos obscuros que davam margem a interpretações divergentes. O debate nos meios jurídicos ganhou tons preocupantes quando alguns integrantes da Assembleia Constituinte que ajudaram a redigir os artigos em questão afirmaram que tampouco poderiam sanar as dúvidas dos juristas.

            Quando somamos a isso o fato de o texto não responder às preocupações reais das pessoas comuns e passar longe da capacidade de entendimento da maioria dos votantes, resta a impressão de que, durante os 12 meses de trabalho dos Constituintes, sobrou zelo na escolha dos termos e faltaram contatos com a população que, teoricamente, era o principal destinatário da nova Carta Magna.

            Esta realidade foi constatada nas visitas que os próprios membros da comissão pela aprovação, vinculados ao governo de Gabriel Boric, realizaram em inúmeras regiões do país. Em suas viagens e reuniões, se depararam com a necessidade de ter que explicar do início ao fim as peças-chave da nova Constituição que, na maioria das vezes, eram rejeitadas pelo simples fato de não serem entendidas.

            Do mesmo modo, ter perdido o contato com o povo alimentou nos defensores do SIM a confiança cega de que, por conter direitos que o beneficiariam, o texto ganharia facilmente o apoio de que precisava para ser aprovado. Infelizmente, a realidade mostrou exatamente o contrário. A não compreensão dos artigos da Constituição despertou dúvidas em volta de questões extremamente sensíveis para as pessoas comuns que, ao não serem sanadas, deram origem a temores que a direita alimentou, insuflou e explorou como quis.

            O primeiro passo nesta direção colocava o centro do debate no "como eu serei pessoalmente atingido pelas mudanças que serão introduzidas na vida do país" após a aprovação da nova Carta Magna. À medida que o apelo a votar pela “mudança” tinha presença assegurada entre os defensores da aprovação, não foi difícil para a direita alimentar os temores de que a dita “mudança” poderia não ser na direção esperada. Desta forma, as pessoas passavam da esperança em um futuro melhor à incerteza que nascia da possibilidade de os direitos coletivos implicarem em perdas individuais. E foi justamente nesta passagem que a direita agigantou o medo para impedir qualquer reflexão crítica.

            Um exemplo vai ajudar a entender esta dinâmica. Entre as frases mais usadas no período anterior ao plebiscito estavam as que acusavam a nova Constituição de não proteger a propriedade privada. O conteúdo e a forma como eram veiculadas provocava no receptor da mensagem uma reação emocional que levava a repassar o mesmo conteúdo dizendo: "Você viu? Se não protege a propriedade...vão poder tomar o que é teu!".

O governo ser de esquerda e o texto da nova Constituição trazer o fim da propriedade privada da água, apresentar vários bens como "impropriáveis" e reafirmar o direito de o Estado expropriar bens de particulares em benefício da coletividade (um conceito que, por sinal, já estava presente na Constituição de 1980 e no Código Civil chileno) faziam soar o alarme de que, por exemplo, a casa dos pais poderia não ser herdada pelos filhos.

            Quem estava interessado em espalhar notícias falsas não apostava na comprovação jurídica da veridicidade de suas palavras. Bastava a ele plantar dúvidas que estimulassem uma rejeição imediata e, com base neste sentimento, ia adubando com novas dúvidas as incertezas por elas produzidas. À medida que o centro das preocupações se deslocava dos direitos e dos benefícios coletivos para o âmbito estritamente individual, as pessoas não trocariam o certo, ainda que limitado e sofrido, pelo incerto que prometia um bem maior, mas que se trazia uma ameaça velada ao que possuíam.

            Fazer as pessoas voltarem à lógica do texto, acalmar seus temores e manter a objetividade, seria, por si só, uma tarefa difícil à medida que, por seu caráter necessariamente abrangente, uma Constituição se detém nos direitos gerais e não envereda em seus desdobramentos com exemplos e descrições pormenorizadas. Agora, sabendo que a maioria dos eleitores, ainda que lessem o texto preparado pelos Constituintes, esbarrariam nas dificuldades que impediam a sua compreensão profunda, podemos concluir que os defensores do SIM estavam diante de uma missão quase impossível.

            O aumento das preocupações em relação ao futuro é outro elemento que eleva a propensão da população a não enveredar em caminhos incertos. O Chile vive um clima bem diferente tanto em relação ao dos protestos sociais do último trimestre de 2019, quanto diante do desempenho econômico de 2021, ano em que o PIB cresceu 11,7%. A sensação de incerteza aumentou muito em 2022 com a perspectiva de o país encerrar o ano com um crescimento de 1,9% e enfrentar uma retração de 0,5% do PIB em 2023.

            Além disso, os chilenos foram às urnas sentindo o peso de uma inflação anual que fechou agosto em 13%, o desgaste no poder de compra dos salários e a diminuição das vendas do comércio, de cujas atividades muitos trabalhadores informais extraem o sustento de suas famílias. Por sua vez, o déficit de 8,5% do PIB nas contas públicas e uma arrecadação insuficiente impedem de satisfazer as crescentes demandas sociais e de manter o investimento público na infraestrutura, na saúde e na educação.3 Ou seja, uma situação que, ao prometer mais desemprego e dificuldades, por si só, aconselha o povo a garantir o que tem e a não dar sopa ao azar.

            Estas constatações permitem afirmar que os chilenos preferem a Constituição de Pinochet aos avanços introduzidos pelos Constituintes?

            Certamente não. De um lado, é importante lembrar que a Constituição de Pinochet foi redigida em 1980 e, desde então, passou por várias reformas. O texto vigente leva a assinatura do ex-presidente da República Ricardo Lagos que, em 2005, retirou da Constituição de Pinochet uma parte significativa dos marcos que refletiam o autoritarismo da ditadura militar. Apesar deste esforço, a Carta Magna atual ignora, por exemplo, a existência dos povos indígenas e inúmeros direitos sociais. Por isso, a construção de um Chile mais democrático e igualitário demanda, necessariamente, ir além das importantes, porém limitadas, reformas introduzidas por Ricardo Lagos.4

            Não foram poucos os defensores da aprovação que, para influenciarem as pessoas a votarem no SIM, afirmavam que o plebiscito colocava os chilenos diante de uma escolha histórica entre a Constituição para o Chile do século XXI e a de Pinochet. Diante da derrota, os setores mais conservadores que, na eleição para a Presidência de 2021, apoiaram o ultradireitista José Antonio Kast, do Partido Republicano, se apropriaram deste discurso para afirmar que a maioria da população se reconhecia nos fundamentos constitucionais lançados por Pinochet. Sendo assim, o próximo passo seria a convocação de um plebiscito para que a população decidisse se desejava realmente avançar rumo a uma nova Carta Magna ou se queriam uma atualização do texto vigente.

            A direita tradicional, composta por Renovação Nacional, União Democrática Independente e Evolución Politica (com 18 dos 50 senadores eleitos e 52 dos 155 deputados), apoia uma nova Constituinte, mas vai negociar cada detalhe do processo a ser iniciado. Este agrupamento defende que o Chile seja um Estado social de direito, com ênfase no fortalecimento dos direitos sociais, mas sempre num contexto de igualdade perante a lei e de respeito à liberdade das pessoas, o que implica em manterem intactas todas as estruturas e instituições privadas; fecha questão em volta da unidade da nação chilena; da existência de um Congresso formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado; exige a proteção do direito à vida, do meio-ambiente e da propriedade privada (ampliando-a aos Fundos de Pensão e ao aproveitamento das águas); quer a promoção da igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres; demanda a consagração expressa dos Carabineros (uma força policial que corresponde à nossa tropa de choque) e das forças da ordem em geral num capítulo específico da nova Carta Magna; defende o direito de escolha no campo da educação, da saúde e da previdência; e a manutenção de um Banco Central autônomo. Ou seja, uma Constituição que exclui justamente os principais avanços da proposta derrotada e confirma a defesa disfarçada dos interesses que levantamos no capítulo anterior.

            Concretamente, além da vitória do NÃO dar novo alento à direita, as discussões relativas à retomada do processo Constituinte elevam as forças conservadoras a protagonistas do cenário político por incorporar as preocupações populares implícitas no voto pela rejeição. O aumento do poder de barganha deste setor está no fato de o governo depender estruturalmente dos seus votos para ter os 4/7 necessários para definir o que irá acontecer de agora em diante.

            Em sentido oposto, está mais do que claro que o Presidente da República, Gabriel Boric, errou ao vincular a aprovação da nova Constituição ao apoio popular ao seu governo. Para ele, o sucesso do SIM coroaria o processo Constituinte no qual se envolveu pessoalmente desde novembro de 2019, quando era deputado. Seu crescimento no campo da política institucional chilena e sua liderança estiveram associados, desde o início, à elaboração de uma nova Constituição.

            Aprovar a nova Carta Magna seria dar um empurrão ao governo que andava mal das pernas. Basta pensar que a pesquisa CADEM, realizada em agosto, mostrava que 56% dos entrevistados reprovavam o governo Boric e somente 39% diziam que o novo Presidente estava no caminho certo (uma perda de 20 pontos percentuais em relação à popularidade de Boric em março deste ano, quando assumiu o governo do país).

            Neste cenário, o NÃO à nova Constituição foi recebido como um balde de água fria que impõe mudanças de rumo imediatas. Não por acaso, dois dias após o plebiscito, ocorreu a troca de dois ministros por duas personagens da antiga política de “Concertación” realizada pela coalizão de centro-esquerda que conduziu a primeira etapa da transição democrática a partir de 1990. Apesar das fortes críticas que Boric e a geração que o acompanha fizeram aos trabalhos desses governos durante os protestos estudantis, o NÃO à nova Constituição impôs a necessidade de colocar pessoas que têm trânsito em vários partidos políticos a fim de negociar um entendimento que permita dar início a uma nova Constituinte.

            Com a faca e o queijo na mão, a direita não se deixará pressionar pelo governo em termos de prazos e condições para que este possa aliviar rapidamente o peso da derrota no plebiscito e a perda do capital político que Boric havia investido na aprovação.

            Ao encerrar estas reflexões, é impossível não lembrar de uma frase que um dos meus mestres, o professor da Unicamp Edmundo Fernandez Dias, repetia quando algum aluno culpava o povo pelo desfecho indesejado de um determinado acontecimento histórico. Sorrindo, ele sempre lembrava que, ao apontar o indicador contra as pessoas simples...nunca vemos que há três dedos olhando para nós a fim de cobrar as nossas responsabilidades pelos erros cometidos na condução dos movimentos.

            A derrota amargada pela esquerda chilena no plebiscito de 4 de setembro exige que esta avaliação seja profunda e alerta os grupos irmãos do continente quanto aos riscos de uma falta de inserção no meio popular que impede de ouvir suas preocupações, dificulta o trabalho de conquistar corações e mentes e transforma os militantes em vanguardas de si mesmos.

 

            Emilio Gennari, Brasil, 03 de outubro de 2022.

 

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(1) Os dados que serviram de base à elaboração das nossas reflexões e parte dos elementos para aprofunda-las foram divulgados em:

- https://elpais.com/chile/2022-07-04/la-convencion-chilena-entrega-el-texto-definitivo-de-la-nueva-constitucion.html

- https://elpais.com/chile/2022-07-14/por-que-parte-del-centroizquierda-de-chile-no-aprueba-la-nueva-constitucion.html

- https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-62245073

- https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-62600803

- https://elpais.com/chile/2022-08-24/un-nuevo-camino-para-chile.html

- https://elpais.com/chile/2022-08-26/claves-del-plebiscito-por-una-nueva-constitucion-en-chile-del-estallido-social-al-estado-social-de-derecho.html

- https://elpais.com/opinion/2022-08-22/el-derecho-constitucional-al-cuidado-en-chile-un-cambio-del-pacto-social.html

- https://elpais.com/chile/2022-08-27/las-encuestas-en-chile-dan-ventaja-al-rechazo-a-la-nueva-constitucion-con-un-gran-contingente-de-indecisos.html

- https://elpais.com/chile/2022-08-27/el-gobierno-feminista-de-gabriel-boric.html

- https://elpais.com/chile/2022-08-27/el-proceso-constituyente-chileno-en-su-hora-final.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-02/javier-macaya-la-derecha-chilena-tiene-un-compromiso-con-la-continuidad-del-proceso-constituyente.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-01/las-incognitas-del-plebiscito-constitucional-anaden-incertidumbre-a-la-economia-chilena.html#?rel=mas

- https://elpais.com/chile/2022-08-31/la-plurinacionalidad-de-la-nueva-constitucion-no-genera-consenso-entre-los-chilenos.html#?rel=mas

- https://elpais.com/chile/2022-08-28/el-proyecto-de-nueva-constitucion-es-malito-asi-que-conviene-rechazarlo-y-hacer-uno-mejor.html#?rel=mas

- https://elpais.com/chile/2022-09-03/no-existe-consenso-frente-al-plebiscito-entre-los-cuatro-presidentes-de-la-democracia.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-03/por-que-cientos-de-miles-de-personas-en-el-cierre-de-campana-del-apruebo-en-chile-no-son-garantia-de-triunfo.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-01/plebiscito-constitucional-2022-papeleta-donde-votar-y-como-ubicar-la-mesa-de-votacion.html

- https://elpais.com/chile/2022-08-11/el-oficialismo-chileno-se-compromete-a-moderar-la-propuesta-de-nueva-constitucion-tras-el-plebiscito.html#?rel=mas

- https://elpais.com/chile/2022-09-02/chile-y-su-porfia-constitucional.html

- https://elpais.com/america-colombia/2022-09-02/el-referendo-constitucional-chileno-una-mirada-de-un-extranjero.html

- https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62772664

- https://elpais.com/chile/2022-09-04/apruebo-o-rechazo-seis-preguntas-y-respuestas-sobre-el-resultado-del-plebiscito-por-nueva-constitucion-en-chile.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-04/que-pone-en-juego-el-gobierno-de-gabriel-boric-en-el-plebiscito-por-una-nueva-constitucion.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-03/claudia-pizarro-en-el-apruebo-nos-pasamos-aclarando-noticias-falsas-sin-hablar-de-lo-positivo-de-la-constitucion.html#?rel=mas

- https://elpais.com/chile/2022-09-03/andres-velasco-el-texto-constitucional-propuesto-no-es-tan-progresista-como-parece.html#?rel=mas

- https://elpais.com/chile/2022-09-04/chile-vota-dividido-el-destino-de-la-nueva-constitucion.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-04/perfil-del-votante-chileno-quienes-estan-detras-del-rechazo-y-el-apruebo-a-la-nueva-constitucion.html

- https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/09/04/chile-rejeita-nova-constituicao-em-plebiscito-diz-imprensa-local.ghtml?utm_source=share-universal&utm_medium=share-bar-app&utm_campaign=materias

- https://elpais.com/chile/2022-09-04/plebiscito-2022-para-la-nueva-constitucion-de-chile-en-vivo-boric-en-chile-nuestras-diferencias-las-resolvemos-con-mas-democracia-nunca-con-menos.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-05/las-cinco-claves-que-explican-el-rechazo-de-los-chilenos-a-la-nueva-constitucion.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-04/que-pone-en-juego-el-gobierno-de-gabriel-boric-en-el-plebiscito-por-una-nueva-constitucion.html

- https://elpais.com/america-colombia/2022-09-05/petro-sobre-la-victoria-del-no-en-el-plebiscito-de-chile-revivio-pinochet.html

- https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-62790749

- https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-62791126

- https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-62791747

- https://elpais.com/chile/2022-09-05/gabriel-boric-prepara-un-nuevo-proceso-constituyente-para-chile.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-05/plebiscito-en-chile-para-una-nueva-constitucion-resultado-y-reacciones.html

- https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-62792215

- https://elpais.com/chile/2022-09-05/los-mercados-celebran-el-rechazo-a-la-propuesta-constitucional-chilena.html

- https://elpais.com/opinion/2022-09-05/chile-abre-una-nueva-etapa.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-05/en-chile-fracaso-el-maximalismo-progresista.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-07/boric-se-abraza-a-la-memoria-de-la-transicion-para-relanzar-su-gobierno.html

- https://elpais.com/america-futura/2022-09-10/los-desafios-de-la-apuesta-chilena-por-el-oro-verde.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-10/ricadro-lagosboric-esta-entendiendo-que-la-gradualidad-es-importante-para-darle-legitimidad-a-los-cambios-profundos.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-07/cristian-warnken-en-chile-vamos-de-refundacion-en-refundacion.html#?rel=mas

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- https://elpais.com/elpais/2019/03/21/planeta_futuro/1553160674_048784.html#?rel=mas

- https://elpais.com/chile/2022-09-06/boric-alista-un-cambio-de-ministros-a-menos-de-48-horas-de-la-derrota-en-el-plebiscito-constitucional.html#?rel=mas

- https://elpais.com/chile/2022-07-02/boric-presenta-la-reforma-tributaria-con-la-que-busca-financiar-la-mitad-de-su-programa-de-gobierno.html#?rel=mas

- https://elpais.com/chile/2022-09-25/la-ocde-da-un-espaldarazo-a-la-reforma-tributaria-de-boric-en-un-complejo-panorama-economico.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-24/la-derecha-en-chile-pone-limites-al-contenido-de-la-nueva-constitucion.html

- https://elpais.com/argentina/2022-09-16/mauricio-moreno-chile-no-aguanta-otro-fracaso-constitucional.html

- https://elpais.com/chile/2022-05-28/salvador-millaleo-la-violencia-previsiblemente-va-a-escalar-en-la-zona-mapuche.html#?rel=mas

- https://elpais.com/america-futura/2022-09-30/la-energia-solar-se-abre-paso-en-el-pais-de-las-minas-y-para-las-minas.html

- https://elpais.com/chile/2022-09-30/boric-si-la-democracia-no-resuelve-los-problemas-la-gente-se-desencanta.html

Todos os acessos foram realizados entre os dias 04 de julho e 29 de setembro de 2022.

 

(2) Estamos nos referindo ao texto Notas sobre as eleições no Chile, disponível em: https://drive.google.com/file/d/14iqzeoKchDswTxBtXfzeNg_mSLEql6Au/view?usp=drivesdk

 

(3) A proposta de Reforma Tributária, entregue pelo governo ao Congresso Nacional no dia 1º de julho, promete aumentar a arrecadação em 3,6% do PIB (cerca de 10,5 bilhões de dólares) nos próximos quatro anos. O governo propõe a instalação de um royalty sobre a atividade mineradora das empresas que produzem anualmente mais de 50.000 toneladas de cobre refinados, uma elevação dos impostos sobre as pessoas físicas com uma renda anual superior a quatro milhões de pesos (cerca de 3% dos assalariados do país), enquanto os tributos corporativos cairiam de 27% para 25% a fim de incentivar ações e investimentos que elevam a produtividade das empresas e da economia. O projeto de lei propõe também: um imposto sobre o patrimônio de 1% destinado a tributar os ativos que variam de 6 mil unidades fiscais anuais (UTA) a 18 mil UTA (entre US$ 4,9 milhões e US$ 14,7 milhões) e uma alíquota de 1,8% para ativos acima de 18 mil UTA; o fim de algumas isenções fiscais; e planos para melhorar a fiscalização e impedir a evasão e a elisão fiscal.

Maiores informações em: https://www.bnamericas.com/pt/analise/impactos-da-reforma-tributaria-para-o-setor-empresarial-e-mineracao-no-chile e em: https://istoe.com.br/governo-reduz-projecao-com-arrecadacao-da-reforma-tributaria-no-chile/ Acessos em: 29/09/2022.

 

(4) Esta percepção se fazia presente desde a campanha presidencial de 2009, quando a necessidade de uma nova Carta Magna voltou a aparecer. Entre 2014 e 2018, o governo de Michelle Bachelet se realizou um processo de envolvimento cidadão para formular a proposta de uma nova Constituição. O projeto final foi apresentado nos últimos dias do seu mandato e, na administração de Sebastián Piñera, presidente do Chile entre 2019 e março de 2022, simplesmente não avançou.