quarta-feira, 29 de março de 2017

31 de Março ou 1º de Abril? Carta de um Leitor: A Redentora ou de como fomos salvos sabe-se lá de quem!


Carta de um Leitor

Estamos perto do aniversário de uma cinquentona. Há o que comemorar? O passado a condena, mas há quem a chame de redentora. O Norte publica a carta de um de nossos leitores: João B. da Silva. Em estilo livre e a partir da percepção de quem viveu o período, nosso leitor diz o que pensa da ditadura Civil/Militar que governou o Brasil de 1964 a 1985, e ainda apresenta excelentes dicas de leitura. No final você decide: 31 de março ou 1º de abril?

A Redentora ou de como fomos salvos sabe-se lá de quem!


Dia 31 de Março de 2017, a “Redentora” faz 53 anos. Não conheces a “Redentora”? Onde se já se viu? Como bom anfitrião devo apresenta-la a vocês.

A “Redentora” é o golpe militar de 1964 que resultou em 20 anos de governos militares. Os saudosistas, as viúvas da dita cuja a chamam de “Revolução de 1964”. Bom..... Revolução não foi não! A ordem constituída não foi abalada. Os empresários, banqueiros e outros da turma continuaram enriquecendo, ainda mais graças a ela,  “A Redentora”) e o povo simples continuou empobrecendo. Então como apresenta-la? A redentora? A gloriosa? A Revolução de 64?

Em Primeiro lugar vamos a “questão da data. ” O golpe, permitam-me chama-lo assim, ocorreu de fato no dia 1º de abril. Mas sabe como é, não é mesmo? Não ficaria bem para os golpistas, um evento tão importante começar no dia da mentira. Daí, atrasaram o relógio para a madrugada de 31 de março. Lindo né? A dita cuja já nasceu mentindo.

Mas é a questão de por que ela veio?....... A resposta das viúvas é simples e direta: Ora, veio para nos salvar!?! Salvar do que? Perguntam os incautos. A “Redentora” nos salvou do comunismo, claro ... esse treco que a gente não sabe bem o que é mas que, segundo a turma da ditadura e na boa linguagem da caserna e dos seus inimigos civis, seria uma ideologia estranha a índole do nosso povo. Disseram que seria instaurada uma ditadura comunista, ateísta, e outros “istas” que iriam reprimir, torturar e matar. E, pasmem! Para nos salvar de tudo isso, abnegadamente, sem maiores interesses (um carguinho aqui, uma mamata ali que ninguém é de ferro) reprimiram, torturam e mataram....
Não sei bem do que fui salvo. No ginásio éramos obrigados (eu disse obrigados, quase a “manu militare”) a desfilar, ficar em posição de sentido, agitar bandeirinhas, quando tudo que queríamos era brincar, jogar bola, ter a primeira namorada ... Havia uma prática de deixar um aluno marcando quem bagunçava na aula na saída do (a) professor (a). Praticamente um curso de delação infantil. Evoluímos claro, agora já estamos na delação premiada.

Uma professora, particularmente fascista (outra ora falamos desse negócio de fascismo) dizia que eles (os comunas, verdadeira encarnação do tinhoso) iriam acabar com nossas casas, tirar nossos empregos, cassar nossos direitos sociais, políticos, trabalhistas, gerar uma miséria extrema, que haveria violência por todo lado e, pior, acabariam com a religião.

Ué? Mas a violência, pobreza, etc, só aumentaram. Talvez sejam os comunistas infiltrados. Vai saber né! Segundo a professora era um povo ruim ... até criancinhas comiam!?!  Quanto a religião vou dispensar comentários. Eu acho que passamos bem sem os Edir Macedo, Malafaia, Valdomiro, e demais Bispos et caterva que a “Redentora” de um jeito ou de outro ajudou a parir. Como disse antes, não sei bem do que fui salvo.

Não deu muito certo essa coisa de nos salvar. A miséria, pobreza, violência só aumentaram. Não vejo muito sentido em nos salvar da miséria gerando mais miséria. Mas, sei lá, “os caras são tudo estudado”, vai ver sabem coisas que o povo simples não sabe.

E a “Redentora” se esforçou. Reprimiu, torturou e matou por 20 anos. Pensa que é fácil. Torturador também é gente!!??!! Coitados, magina o cansaço. Torturar todo santo dia, estuprar, matar e tudo pela gente, pra nos salvar desse tal de comunismo.

20 anos a cansaram, coitadinha, fez tanto por nós e acabamos indo pra rua para pedir o fim dela. Somos muito ingratos mesmos! Queríamos umas bobagens como liberdade, mais direitos para o povo simples, menos pobreza e miséria, coisa de comunista, segundo os defensores da “Redentora”.

Veio a tal da liberdade, aos trancos e barrancos, as viúvas da “Redentora” sempre atuantes para nosso país não virar uma Cuba, credo não? Já pensou morar num pais comunista onde saúde e educação são para todos e de forma gratuita? Ainda bem que as viúvas estão sempre a postos.

No meio dessa liberdade veio que um operário e virou presidente da república, fez umas coisinhas ai pro povo simples, emprego, saúde, educação, essas coisas que podem te transformar num comunista se você se acostumar com elas. Ai deu BO. As viúvas da “Redentora” não lidam bem com domésticas pegando avião, filhos do povo simples frequentando universidades.  Imagina, mais a madame não poder tratar a doméstica como escrava? Onde já se viu? Que absurdo dessa gentinha que não sabe seu lugar. Coisa de comunista. Só pode.

Essa “gente de bem”, “bem nascida”, “de berço” foi a rua para acabar com essa “pataquada”. Que negócio é esse do povo simples não saber o seu lugar. Doméstica é doméstica, porteiro é porteiro, se cada um souber o seu lugar seremos todos felizes.

Nossa classe média, fiel avalista da “Redentora” voltou as ruas para pedir a volta da dita cuja. Marcharam por ela em 1964. Participaram do Impeachment de 2016. Foi a coisa mais linda a classe média, que nunca passou dificuldade desfilando de camisa verde amarela e batendo panela contra a corrupção. Vocês precisavam ver. Tudo bem que um monte desse povo aí dos desfiles, foi sendo indiciado e preso por, ora essa, corrupção. Mas, como dizem as viúvas “é diferente”, “não é a mesma coisa”.

A “Redentora” tá feliz. “Devagarinho” tá sendo ressuscitada. Tá na maior alegria. Toda aquela gente pedindo para ela voltar para reprimir, torturar e matar. Imagina a emoção da dita cuja.

Eu não tenho saudade. Não curti apanhar da policia ou ter uma arma apontada na faculdade por um oficial da PM. Pasmem ! Me chamou de comunista, eu? Os caras são foda mesmo. Virei comuna sem saber.

Não estou muito a fim da volta dela. Acho que um monte de gente a quer de volta, mas não sabe o que tá querendo, são ignorantes, tem medo e é disso que a “Redentora” se alimenta.

Se a gente não conhece o passado corre o risco de sofrer com o futuro. O estudo, a reflexão e a análise crítica são as únicas formas de compreender o horror que foi aquilo e lutar para que a “Redentora” não volte. Não é nada, não é nada, mas um monte de gente escreveu sobre a “Redentora”. Visões diferentes, abordagens diferentes, mas vale o esforço da leitura para depois fazer uma análise. Precisamos disso. O povo simples também.


Segue algumas dicas

01. 1964. Jorge Ferreira e Angela de Castro Gomes. Editora Civilização Brasileira

02. Ideais Traídos (este foi escrito pelo General Silvio Frota, um dos maiores defensores da “Redentora”. Recomento porque é importante saber como esse povo pensa). Jorge Zahar Editor

-03. História Indiscreta da Ditadura e da Abertura. Brasil 1964-1985, Editora Record

04. A Coletânea de Elio Gaspari sobre a Redentora:

- A ditadura envergonhada
- A ditadura escancarada
- A ditadura derrotada
- A ditadura encurralada
- A ditadura acabada

Gaspari não é nenhum petralha/esquerdizande/guevarista. Longe disso. Teve acessos aos círculos do poder e arquivo dos militares (que como sabemos só liberam informação para quem confiam) A leitura vale pela riqueza de informações. Feita em estilo jornalístico permite conhecer bem o período. Insisto. O cara não é critico da “Redentora”.


05. Combate nas Trevas. Jacob Gorender. Um clássico.

06. Forças Armadas e Politica no Brasil (José Murilo de Carvalho), Jorge Zahar Editor

07. Dos filhos deste solo. Nilmário Miranda. Boitempo editora

08. A Lei da Selva (sobre a guerrilha do Araguaia, que mais preocupou as viúvas) Hugo Studart.  Geração Editorial

09. Operação Araguaia Tais Morais e Eumano Silva, Geração Editorial.

10. A coleção “História Geral da Civilização Brasileira”, Editora Bertrand Brasil, Sérgio Buarque de Holanda, dá uma visão geral do Brasil desde o descobrimento e tem um bom capitulo sobre os militares. Detalhe. A obra toda tem uns 20 volumes ou mais.

Todos esses livros, notadamente os do Elio Gaspari tem enormes bibliografias que remetem a livros, artigos, documentários muito bons.

Aqui foi só uma tentativa de ajudar a deixar a “Redentora” descansando na lata de lixo da história que é o lugar dela.

João Batista da Silva

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