quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Consumo na Sociedade Capitalista: Liberdade ou patologia?









O conselhodaclasse tem a alegria de publicar o instigante Artigo de Ricardo Rodrigues, um Jovem trabalhador psicólogo e amante da literatura, terreno no qual também inicia suas primeiras investidas. De forma leve e precisa e com rigor científico, mas sem perder a espontaneidade, Ricardo Rodrigues, dentre as várias reflexões que sugere, nos propõe em seu texto a paradoxal questão: o Consumo na Sociedade capitalista é Liberdade ou Patologia?


Boa leitura





A CULTURA DE CONSUMO COMO HEGEMÔNICA: PODERIA/DEVERIA A EDUCAÇÃO ENQUANTO MEDIADORA DA EXISTÊNCIA HISTÓRICA MODIFICAR ESSE PANORAMA?


                                                                     Por Ricardo Rodrigues.



No segundo semestre de 2019, me inseri em curso de pós-graduação em Psicopedagogia, em função do bom preço ofertado por instituição de ensino privada – a mesma de minha graduação. Cumpri uma disciplina por completo – Métodos de Pesquisa – e abandonei o curso no decorrer da segunda disciplina. Apesar do preço não salgado do curso, com o salário ínfimo de um ajudante geral, fica um tanto quanto sufocante manter as mensalidades, refeições, gastos com transporte e alguma outra despesa que sempre surge com o andar da carruagem.
 Mas para ser avaliado na única disciplina que cumpri, tive de escrever um artigo utilizando-me de toda a instrumentação exigida pelo método científico. E o desafio maior, foi o de associar um trabalho com caráter de levantamento bibliográfico, ao tema educação. Todas as alunas – eu era o único “macho” do grupo – partiram para as psicopatologias ou questões voltadas ao fracasso escolar. Já eu?? Pensei comigo: “pago mensalidade, disponho-me a ficar por aqui das oito da manhã às cinco da tarde e meus pés doem com estes sapatos apertados que calço... Vou escrever sobre consumo e, com alguma habilidade retórica, associar o tema à educação”.
 E por que consumo? Acredito que, algum tipo de revolução, a superação do capitalismo, só se efetivará, quando a massa consumidora – os proletários – entenderem que não necessitamos, para uma boa vida, da maioria das tralhas que compramos e que, por tanto, talvez não tenhamos de nos submeter aos mais vis empregos – ou” empreendimentos”, do novo homem “livre” – em troca dos mais ridículos salários ou retornos financeiros para a manutenção de uma vida “teatral”, de ilusório conforto.
O texto, aqui, será apresentado de modo bem resumido e e sem a rigidez das exigências técnico-cientificas da academia. A opção por uma linguagem mais coloquial, entretanto, sem abrir mão do rigor do texto científico, tem por objetivo tornar a leitura um pouco mais leve e porque não mais agradável e ainda assim, contribuir para produzir algum tipo de reflexão a você que chegou até este ponto e a quem mais vier a lê-lo. Não citarei todos os autores pesquisados, logo, alguns dados – inclusive de caráter estatístico – ficarão de fora desse resumo. Caso queiram ler o artigo na íntegra e de forma original, é só deixar seu email em nosso blog, que enviamos o texto pra você na íntegra. Espero que goste!

Bauman – o polonês do mundo líquido – e outros cientistas e filósofos, constantemente nos alertam para as consequências que o hábito de consumir de modo descabido, típico de nossa CULTURA DE CONSUMO, pode negativamente nos trazer. E aí, não se trata apenas de cuidados com a biodiversidade do planeta, mas também para com as relações entre humanos, cada vez mais voláteis e superficiais e menos profundas e refletidas, como o são, os hábitos na Cultura de Consumo. Partindo desta problemática, questiono-me: Nossa educação formal colabora com a consolidação da tal Cultura de Consumo ou a contesta? Vamos às bases filosóficas da montagem do raciocínio.
A consciência, ou o que chamamos de consciência, não se forma do nada. Não foram as ideias que alteraram o rumo da vida de nossa espécie ao longo do processo evolutivo. Ideias que se constituem por si, não existem. O homem, ao longo desse processo de evolução, necessitou intervir na natureza para prover sua sobrevivência. Para tal, utilizou-se de ferramentas – instrumentos – para fins de caça, plantio, alimentação, para construir abrigos, etc. A intervenção foi, possivelmente, forçosa. A natureza, indiferente e aleatória como sempre, impeliu o homem a agir.
O ambiente impele e o homem age. Ao agir, internaliza a ação tanto quanto suas consequências. Percebe que seu agir, modificou o meio no qual vive. Passa então, vez ou outra, a altera-lo intencionalmente; propositadamente.  À medida que interfere na natureza e a altera, altera-se concomitantemente. Enriquece o intelecto; aperfeiçoa o ato de pensar. O homem passa a ser o construtor de si e apesar de ainda depender da natureza, buscando nela recursos para continuar a constituir-se, passa também, de certo modo, a dominá-la.
Marx e Engels – dois alemães porretas – diriam que “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência” no livro A Ideologia Alemã e em duas linhas, explicaram de fora mais rebuscada o que escrevi nas dezesseis linhas que antecedem meu pequeno e seguro mergulho no tema. Eis o Materialismo Histórico e Dialético. É na práxis, essa via de mão dupla, na qual o homem transforma o meio e transforma a si ao transformar o meio, é que a humanidade se constitui; se desenvolve.
Lev Semionovitch Vigotski – um soviético que amava aprender – utiliza-se desse método para estudar o desenvolvimento humano. De modo diverso de muitos estudiosos da ciência psicológica que lhe foram contemporâneos, Vigotski vê na maturação biológica, ou seja, na concepção de desenvolvimento psicológico do comportamento e da consciência humana, entendidos como natural e inevitáveis à medida que a base fisiológica do indivíduo evolui, como algo secundário; obviamente necessário – e inevitavelmente, indispensável – mas que não muito significará caso o indivíduo não seja inserido nas relações Histórico-Culturais.
Marx e Engels enfatizam o uso de instrumentos como mediadores de nossa existência histórica, o elo de nossa relação com a natureza que permitiu-nos um salto qualitativo na cadeia evolutiva. Vigotski amplia e traz cientificidade a este conceito ao cunhar o termo Signos para designar uma “nova ferramenta” mediadora de nossas relações histórico-sociais e de nosso processo de ensino/aprendizagem. Este novo signo mediador da relação entre homens e destes com o mundo, seria a Linguagem, mais especificamente, a Fala.
É em especial a fala que proporcionará à criança sua inserção e organização na cultura. A fala será o signo de referência para o sujeito que, ao apreender a cultura, tendo-a como mediadora, desenvolverá o que o autor denomina “Funções Psicológicas Superiores”. Com a fala, realizamos mais um salto qualitativo da habilidade de pensar e isso nos proporciona a possibilidade de atribuir sentidos e significados aos eventos ditos culturais.
Lembrar, comparar, relatar, escolher; dialeticamente os humanos desenvolvem-se interagindo com o meio e com outros humanos. Passamos a ter maior controle em nossa atuação no mundo; vamos distanciando-nos das demais espécies na cadeia evolutiva. A priori, isso se dá nos contextos de educação informal: relações do cotidiano como na família, nas comunidades religiosas, na vizinhança. Posteriormente, na inserção em instituições de ensino formal que vamos criando, com grade curricular e embasamento científico.
Nossa conscientização agora é promovida de forma organizada. A conscientização torna-se consciente. São metodificados os processos de ensino/aprendizagem e a isso damos o nome de educação.
Antônio Joaquim Severino – “um brasileiro do Brasil”– nos ensinará que aí, há mais um salto qualitativo no exercício do pensar. A educação passa a ser também mediadora de nossa existência histórica. A educação de determinada Era será construída e praticada a partir das condições materiais e econômicas da sociedade e poderá ser divergente ou representativa do modelo de produção funcional dessa sociedade no período específico. Em tese, a educação deveria ser promotora de conscientização das contradições sociais e de autonomia do sujeito, contudo, na sociedade neoliberal, onde impera, entre outros aspectos, a Cultura de Consumo, a educação também pode conter características de formação alienante, desumanizadora e despersonalizadora.

“Não há vida se não houver consumo” – Bauman, o polonês, novamente. Não importa se nossa referência é a antiguidade, a sociedade medieval, o mundo industrial ou o pós-industrial do qual alguns já falam. Para que haja vida funcional, tem de haver consumo daquilo que o homem busca na natureza e transforma para atender suas necessidades e caprichos.
O ponto fora da curva dessa lógica encontra-se justamente na sociedade do livre mercado. O homem descobre fontes renováveis ilimitadas de energia que o auxiliam na criação de tecnologias que possibilitam aperfeiçoar a forma de explorar outras fontes de energia e matéria-prima na natureza e dinamizar os processos produtivos, utilizando tais fontes energéticas para por máquinas em funcionamento e ampliar a exploração da força de trabalho humana. Passa-se então a produzir em grandes escalas e o que é produzido, precisa ser consumido. Nasce a sociedade de consumo.
 O tempo passa, o capital evolui e suas estratégias de vendas em massa da sua produção em massa, também. Origina-se aí, a propaganda. Necessidades são criadas e para além do suprimento destas, amplia-se a possibilidade do individuo consumidor seguir renovando-se na medida em que renovam-se os produtos, serviços e – atualmente – as vivências/experiências ofertadas pelo capital.
Publicidades carregadas de apelos emocionais, tanto quanto de personificação, de singularização para atrair o consumidor. O consumidor, ávido por estabelecer-se como um ser único e peculiar neste mundo, internaliza essa singularização; abraça essa personificação. A maioria de nós ledamente crê que o ato de optar por sanar muitas das nossas supostas necessidades expostas em propagandas, é um ato livre e condizente com a ação de um individuo consciente. Contudo, Adorno e Horkheimer – outros dois alemães porretas – nos ensinam que a possibilidade de escolha alimentada pela indústria, é meramente ilusória. Mercadorias, serviços, vivências/experiências, em geral, são demasiadas iguais e nos levam quase que sempre para o mesmo destino – a fantasia de bem-estar a partir do ato de consumir – apesar de, oferecer-nos para tal, caminhos suavemente distintos.
Houveram saltos qualitativos no ato de pensar, primeiramente, a partir do uso de instrumentos – para Marx; “segundamente”, com o surgimento/aperfeiçoamento da linguagem – para Vigotski; e “terceiramente”, com a formação consciente da consciência por meio da educação – para “Severa”. Seriam a propaganda e a publicidade, novas categorias de mediação de nossa existência histórica na sociedade da Cultura de Consumo? Poderíamos/Deveríamos, utilizando-nos da educação, superar esta cultura?
Mais uma vez com Bauman – nosso polonês – constatamos que vivemos em tempos nos quais somos impelidos a consumir, antes mesmo que – e que uma baita contradição – se consuma como um todo, de fato, aquilo que vamos descartar. Produtos, serviços e vivências/experiências, aos nosso olhos, caducam voluvelmente, sem que exauríamos o uso do que viermos a consumir. Tudo fica velozmente ultrapassado. Tudo já não nos serve, antes mesmo de perder por completo sua funcionalidade. E então, nesse mundo de intensa fluidez, onde não há projetos de longo prazo, onde não há acumulo e apego, onde sempre há a necessidade de “renovação”, por que haveríamos de imaginar que, com a educação, teria de ser diferente?
Para o “polaco”, o próprio conhecimento, em outras épocas concebido como aspecto de nossas vidas que poderia ser conservado por longo tempo e que nos auxiliaria sempre na formação de projetos, já não mais possui a característica da longevidade. A educação, na sociedade do livre mercado, também precisa fluir. Há de se atender as demandas dos indivíduos o mais rápido possível.
As avaliações, os pontos, as notas, o diploma. Tudo para o aperfeiçoamento do currículo e para a inserção no mercado ou para nele galgar novos postos, com melhores remunerações. E então, poder consumir “melhor” e mais.
O consumo volúvel, relações interpessoais volúveis, conhecimento volúvel “para ontem”. Há como superar a Cultura de Consumo pela via educacional? As variáveis... Levam a crer que não!!!



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