terça-feira, 20 de maio de 2025

A RICA OFERTA DA VIÚVA POBRE

 

Uma mulher. Viúva. E pobre. Dificilmente uma pessoa estaria em uma condição pior no contexto da sociedade que faz fundo ao mundo bíblico.  Ela poderia ser de outra etnia ou religião. Poderia se doente. Mas a menção de que era uma mulher viúva e pobre já é suficiente para a narrativa bíblica apresentar alguém em situação de vulnerabilidade social. O episódio em questão encontra-se em Marcos (12:41-44) e em Lucas (21:1-4) e é assim: “Jesus sentou-se em frente do lugar onde eram colocadas as contribuições, e observava a multidão colocando o dinheiro nas caixas de ofertas. Muitos ricos lançavam ali grandes quantias.  Então, uma viúva pobre chegou-se e colocou duas pequeninas moedas de cobre, de muito pouco valor.  Chamando a si os seus discípulos, Jesus declarou: “Afirmo-lhes que esta viúva pobre colocou na caixa de ofertas mais do que todos os outros. Todos deram do que lhes sobrava; mas ela, da sua pobreza, deu tudo o que possuía para viver”.

  Farei alguns destaques sobre detalhes dessa passagem bíblicas. Primeiramente, utilizando a palavra “contribuições” que aparece no começo do texto bíblico em questão. Uma multidão de pessoas colocava nas caixas de oferta as suas contribuições. Ora, contribuir é participar de uma obra coletiva. Se ninguém contribuir, o trabalho não será concluído, mantido ou sequer iniciado. Há um serviço a ser feito, que será melhor executado se houver contribuição. Esta pode ser financeira, em mão de obra e até em apoio moral. O importante é contribuir. Há algo que se apresenta que necessário para a vida da pessoa, levando-a a contribuir com esse algo e, assim, manter aquilo que lhe traz satisfação pessoal e atendimento às suas necessidades.

  Um segundo destaque que que faço é sobre o detalhe das grandes quantias que eram lançadas na caixa de ofertas. Ficamos sabendo, pela fala de Jesus, que essas grandes quantias eram sobras dos ricos que ali contribuíam. Não eram, portanto, voluntárias, mas uma espécie de descarte daquilo que não faria falta. Se não vai faltar para mim, então tudo bem...

O próximo destaque tem a ver com essa “falta”. A oferta da viúva, pobre, é feita com duas moedas de cobre, as quais o próprio texto qualifica como “de pouco valor”. Pela fala de Jesus, ficamos sabendo que aquela mulher contribuiu com “tudo o que possuía para viver”! Na fala do Mestre, ouvimos que os ricos deram daquilo que lhes sobrava, mas aquela mulher, viúva e pobre, “da sua pobreza deu tudo o que possuía para viver”. Para ela, aquela contribuição faria falta...

  Por que, então, ela contribuiu? Se usássemos o que, grosso modo, tem se apregoado por muita gente por aí, e que até se tornou resposta pronta, é que ela seria mais uma vítima da estrutura religiosa, sendo induzida, ou mesmo enganada, a fim de dar seu dinheiro para a instituição. Em palavras diretas, ela seria explorada em sua fé por uma rede religiosa institucionalizada. 

  Cabe ressaltar, para fins do desenvolvimento deste texto, que essas ofertas e contribuições eram para a manutenção do templo que, na época, estava em construção. Em 40 a.C., Herodes, o Grande, foi aclamado rei da Judeia pelo senado romano. Para fortalecer sua posição de governante e conquistar simpatia dos judeus, Herodes empreendeu uma reforma grandiosa no Templo que havia sido reconstruído no período do exílio babilônico por Zorobabel.

  Nos tempos de Jesus, o Templo empregava uma multidão de trabalhadores. Estimativas apontam ente 10 a 15 mil pessoas, havendo menções que chegam a 18 mil... Culturalmente, o Templo exercia forte influência no imaginário popular, que tinha nesse espaço, considerado sagrado, uma referência para a fé que vinha de seus mais remotos ancestrais. Grosso modo, o povo judeu encontrava no Templo o vislumbre de sua esperança pela redenção nacional, aguardada como restauração da independência de Israel, que estava, na época, sob dominação romana e, ainda antes disso, sofrera com a dominação de babilônios, persas e macedônios. O Templo simbolizava a presença do divino no meio do povo, ou no centro da vida nacional judaica, apontando para a esperança do cumprimento de velhas profecias que anunciavam a chegada de um libertador, o Messias, o ungido de Deus que surgiria para restaurar o culto no Templo, libertar Israel do jugo do invasor e conduzir o povo sob a lei de Moisés.

    Aquela mulher, viúva e pobre, ofertou duas moedas de cobre.  Fiz uma pesquisa rápida e rasteira sobre essas moedas de cobre mencionadas no texto bíblico. As moedas de cobre eram usadas como troco e para pequenas transações, já que as moedas de ouro e prata tinham valores muito elevados para o dia a dia. Elas eram usadas para comprar alimentos, mercadorias e outros bens do cotidiano. A moeda romana de cobre, chamada de "asse", era a moeda de cobre mais comum no mundo bíblico, sendo frequentemente dividida em partes menores para facilitar o troco. No tempo de Jesus, um ceitil ou asse equivalia à décima sexta parte de um denário. Ressalto que um denário equivalia ao salário de um dia de serviço do trabalhador na estrutura do império romano. Ora, se era isso, vemos que quela mulher renunciou a sua capacidade de comprar alimentos para participar da manutenção do serviço religioso, o que incluía a reforma do Templo.

  Voltando nossos olhos para a tal Lei de Moisés, contida no texto bíblico de todo o Antigo Testamento, deparamo-nos com o dispositivo legal aplicado para pessoas que estavam na condição de “órfãos, viúvas e estrangeiros”, que é o caso da mulher que tratamos aqui. Há, ainda, leis específicas para pessoas em condição de pobreza, o que também coloca a personagem que tratamos aqui dentro do amparo legal da sociedade judaica dos tempos bíblicos. Porém, há uma situação não tratada com o devido cuidado pela “Lei de Moisés”, mas que irrompe com força no Novo Testamento, especialmente nas ações e palavras de Jesus. Refiro-me ao tratamento oferecido às mulheres. Por isso, ao iniciar este texto, mencionei o fato dessa mulher aqui tratada com alguém que era pobre, viúva e, claro, mulher.

É isso! Aquela mulher, não tinha recursos econômicos, pois era pobre. Aquela mulher não tinha provedor, pois era viúva. Aquela mulher não tinha a devida atenção e o consideração na sociedade, pois era... mulher. Era ela quem deveria ser socorrida e atendida pelo Templo. Ela estava, juridicamente, sob a proteção da Lei de Moisés e, por isso mesmo, os responsáveis pela guarda e pelo cumprimento da Lei, tinham o dever de garantir a aplicação das normas religiosas de caridade e beneficência, especialmente para com as pessoas sem provedores (órfãos e viúvas), sem recursos (pobres) sem casa (estrangeiros). Mesmo assim, aquela mulher, viúva e pobre, fez sua oferta no Templo!  

  Penso que aquela mulher, viúva e pobre, deu aquelas duas moedas de cobre que, segundo Jesus, eram “tudo o que possuía par viver”, por depositar sua confiança e sua esperança na fé que ela tinha n’Aquele que, para ela, é o autor da vida. Em um contexto vivencial de exploração e opressão (além do sustento do Templo havia a tributação do Império Romano), atos de resistência tinham um papel de fornecer e fortalecer a esperança no povo sofrido. Dentre esses atos, destaco, tal qual Jesus, a fé daquela mulher, viúva e pobre. Estavam ali os zelotes, os sicários, os fariseus, grupos que, ao seu modo, ofereciam resistência ao império, seja pelas armas ou por ações contraculturais. Para os mais fracos, ou desvalidos, restava a fé que vislumbra aquilo que vai além dos que os olhos podem ver, e que apontam para um caminho cotidiano de perseverança, resiliência e esperança, formando uma comunidade de pessoas que, espontânea e solidariamente, cultivam redes apoio. Isso é ofertar com fé e gratidão. Aquilo que é meu não precisa ser apenas meu. Aliás, o que, de fato, é meu? Moedas de cobre? Roupas? Casa? Templo? Emprego?

Ofertar, mutuamente, caridade, tempo, trabalho, eis a nossa missão. Parafraseando Jesus: “Afirmo-lhes que estes pobres, desvalidos e pequeninos colocaram na caixa de ofertas mais do que todos os outros. Todos deram do que lhes sobrava; mas estes, da sua pobreza, deram tudo o que possuíam para viver”.

O que eu tenho é você, e você tem a mim diz a canção entoada em algumas poucas comunidades de fé. Sem isso, nada nos resta. “Sozinho, isolado, ninguém é capaz, por isso, vem, entra na roda com a gente também.”

ALP

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário