domingo, 22 de maio de 2016

Me gritaram Negra: "Liberdade pra dentro da cabeça".


A ideologia e a sua absurda capacidade de inverter e ocultar

Há uma canção muito popular no Brasil cujo refrão é o seguinte: "Liberdade pra dentro da cabeça." Este epíteto permite mil interpretações. A banda de reggae Natiruts que a compôs e interpreta com certeza tem uma interpretação singular a respeito deste pensamento. Mas para nós esta ideia de libertar o pensamento nos remete a ideologia e sua absurda capacidade de inverter e esconder a verdade. Vamos aos fatos:
Por mais de 300 anos os africanos produziram açúcar, tabaco, plantaram e colheram algodão, arrancaram da terra o ouro e a prata e com suor sangue e lágrimas produziram riqueza para os fazendeiros no Brasil e para os comerciantes portugueses e holandeses, ingleses, entre tantos. Foram arrancados de sua terra onde a maioria absoluta era livre e independente, foram proibidos de falar seu idioma e praticar sua religião e usar as roupas e nomes que gostavam, foram batizados a força e obrigados a ser cristãos católicos e protestantes, foram torturados e mortos por tentarem ser livres e fugir do trabalho escravo, etc etc etc

Os fazendeiros senhores de escravos, os comerciantes traficantes de pessoas, portugueses, ingleses, holandeses et all e seus intelectuais de plantão, que viveram e enriqueceram as custas do trabalho dos africanos “entraram na mente do povo”, como dizem os adolescentes em nossos dias e plantaram várias ideias e valores que todos já sabemos: “segunda é dia de branco”, “saravá, umbanda e candomblé são do mal”, “ a coisa tá preta”, “ boi boi boi da cara preta,  pegue este menino que tem medo de careta” “ O próprio negro é racista”, “nuvens negras pairam sobre nossa economia” etc etc etc.

Fala sério, quem inventou a escravidão moderna, viveu por 300 anos as custas do trabalho dos negros, vendeu pessoas para se enriquecer e as obrigou a trabalhar todo este tempo a troco de péssima comida, quem aboliu a escravidão e proibiu os negros de se apossarem da terra para trabalhar como homens livres, que empurrou os negros do início do século XX para os morros do Rio de Janeiro e lugares distantes dos grandes centros em todo Brasil e os reservou os piores trabalhos, era fazendeiro e comerciante (burguês) cristão, branco e europeu.

Por que então, levaram a fama de desbravadores, conquistadores e homens de bem e não de preguiçosos e exploradores?  Por que sendo cristãos católicos e protestantes e tendo como principal lema o “amar ao próximo com a si mesmo”, além de outros preceitos tais como: “fazer o bem aos que nos odeiam”, “amar os inimigos”, “vende tudo que tem dá aos pobres e siga-me”, sua religião e sua cor não foi condenada, nem foi motivo de piadinha de mal gosto ou condenação?

Esta é a inversão. Os exploradores aparecem como empreendedores e homens de bem e os explorados como inferiores e preguiçosos. Os dominadores e seus “professores/intelectuais “entraram na mente do povo e na mente dos próprios negros” e por muitos séculos, a grande maioria achou que a solução era “branquear-se”. Por isto, a banda de reggae tem razão num ponto pelo menos: é “preciso liberdade pra dentro da cabeça também.” É claro que ela começou com as primeiras fugas e a fundação dos quilombos, como os milhares deles pelo Brasil afora, com as “operações tartarugas”, quando de propósito se trabalhava mais devagar ou com as lutas disfarçadas de dança: a capoeira, por exemplo, com a manutenção da religião de origem por meio de “adoção dos santos” e de cerimônias clandestinas e as constantes tentativas de rebelião. Somente estas ações completas permitem libertar a mente da dominação e das artimanhas da ideologia do dominador.
Para ajudar neste processo revolucionário de libertar corações e mentes, indicamos o belíssimo trabalho da Coreógrafa, dançarina, figurinista e poetisa Peruana Victoria de Santa Cruz:  Gritaram-me negra. Você encontra aqui no nosso blog o link para baixar o Vídeo e o poema na íntegra. O mundo parece estar de ponta cabeça então, vamos “desinverter” o invertido: Liberdade pra dentro e fora da cabeça.



Me gritaram negra!

Tinha sete anos apenas,
apenas sete anos,
Como sete anos?!
Não chegava nem a cinco!

De repente umas vozes na rua
me gritaram negra!

Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra!
"Sou por acaso negra?" - me disse
SIM!
"O que é isso, ser negra?"
Negra!
Eu não conhecia a verdade triste que isso ocultava.
Negra!
E me senti negra,
Negra!
Como eles diziam
Negra!
E retrocedi
Negra!
Como eles queriam
Negra!
E odiei meus cabelos e meus grossos lábios
e olhei apequenada minha carne tostada
E retrocedi
Negra!
E retrocedi...
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!

E passava o tempo,
e sempre amargurada
Continuava carregando às costas
minha carga pesarosa
E como pesava!

Alisei meu cabelo,
pus pó-de-arroz na cara,
e em minhas entranhas retumbava a mesma palavra
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!

Até que um dia em que retrocedia, retrocedia e estava
           [ prestes a cair

Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra!


E daí?
E daí?

Negra!
Sim
Negra!
Sou
Negra!
Negra
Negra!
Sou negra!

De hoje em diante não quero
alisar meu cabelo
Não quero
E vou rir daqueles
que para evitar - segundo eles -
que para evitarmos algum dissabor
Chamam os negros de gente de cor
E de que cor?!
NEGRO

E como soa lindo!
NEGRO
E olha esse ritmo!

NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO

Por fim
Por fim compreendi
POR FIM
Ja não retrocedo
POR FIM
Avanço segura
POR FIM
E bendigo os céus porque quis Deus
que negro retinto fosse minha cor
E agora compreendi
POR FIM
Tenho a chave!

NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO
Negra sou!

(tradução de Ricardo Domeneck)


Me gritaron negra!
Victoria Santa Cruz

Tenia siete años apenas,
apenas siete años,
¡Que siete años!
¡No llegaba a cinco siquiera!

De pronto unas voces en la calle
me gritaron ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
“¿Soy acaso negra?”- me dije
¡SI!
“¿Qué cosa es ser negra?”
¡Negra!
Y yo no sabía la triste verdad que aquello escondía.
¡Negra!
Y me sentí negra,
¡Negra!
Como ellos decían
¡Negra!
Y retrocedí
¡Negra!
Como ellos querían
¡Negra!
Y odie mis cabellos y mis labios gruesos
y mire apenada mi carne tostada
Y retrocedí
¡Negra!
Y retrocedí . . .
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Neeegra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!

Y pasaba el tiempo,
y siempre amargada
Seguía llevando a mi espalda
mi pesada carga
¡Y como pesaba!…

Me alacie el cabello,
me polve la cara,
y entre mis entrañas siempre resonaba la misma palabra
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Neeegra!

Hasta que un día que retrocedía , retrocedía y que iba a caer
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!

¿Y qué?
¿Y qué?

¡Negra!
Si
¡Negra!
Soy
¡Negra!
Negra
¡Negra!
Negra soy

¡Negra!
Si
¡Negra!
Soy
¡Negra!
Negra
¡Negra!
Negra soy

De hoy en adelante no quiero
laciar mi cabello
No quiero
Y voy a reírme de aquellos,
que por evitar -según ellos-
que por evitarnos algún sinsabor
Llaman a los negros gente de color
¡Y de que color!
NEGRO
¡Y que lindo suena!
NEGRO
¡Y que ritmo tiene!
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO

Al fin
Al fin comprendí
AL FIN
Ya no retrocedo
AL FIN
Y avanzo segura

AL FIN
Avanzo y espero
AL FIN
Y bendigo al cielo porque quiso Dios
que negro azabache fuese mi color
Y ya comprendí
AL FIN
¡Ya tengo la llave!
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO
¡Negra soy¡

  

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