“Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se
aproximando, mas ele vinha como se fosse novo ... Assim marchou o velho
travestido de novo, mas em cortejo triunfal levava consigo o Novo e o exibia como
Velho... (B.B)”
Como dizia o filósofo: “o que nossos olhos veem costuma ser o mais falso”, haja vista o céu que parece
ser azul, mas não é, e o sol que parece nascer no leste e se pôr no oeste todos
os dias quando na verdade quem se move ao redor dele somos nós, a terra.
Nós do NORTE te convidamos a olhar com os
"olhos da mente", este sim enxerga tudo, até o mais invisível e o
inatingível ao nosso globo ocular. Te convidamos a visitar os últimos
acontecimentos em nosso país, em especial as grandes manifestações deste ano,
bem como, o naufrágio do partido dos trabalhadores e de suas principais lideranças.
Emprestamos os olhos da mente de Maro Iasi, que
até o momento escreveu um dos mais lúcidos artigos que conhecemos sobre estes
acontecimentos envolvendo os brasileiros e o Partido dos trabalhadores publicado
no blog da Boitempo: A crise do PT: O ponto de chegada da metamorfose.
Este partido que foi construído pelos
trabalhadores à custa do sangue, saúde e lágrimas de muitos de nós, de perdas
de emprego e brigas na família, o mesmo partido outrora odiado pelos ricos
quando de seu nascimento, depois bajulado por estes mesmo homens e mulheres
ricos durante mais de 10 anos, volta a ser atacado com fúria novamente por
razões totalmente distintas daquela dos anos 1980.
O ataque nos anos 1980 era porque defendia
integralmente os interesses dos trabalhadores. Hoje é atacado por ter adotado
os mesmos métodos dos partidos burgueses: a compra de votos, a corrupção, o
favorecimento de empreiteiras e da indústria em geral e do agronegócio em
detrimento dos trabalhadores que deveria defender.
“Não se pode servir a dois senhores”, isto é
bíblico, você acabará abandonando um deles, e o PT resolveu abandonar justo
aqueles que o criaram, os trabalhadores. A ironia da História é que o tiro de
misericórdia vem daqueles senhores com os quais ele resolveu fazer o pacto, o
acordo.
Leia você mesm@ e tire suas conclusões, Como
diria Brecht: veja com seus olhos, não se
deixe convencer, o que não sabe por conta própria não sabe, ponha o dedo sobre
cada item e pergunte: o que é isto, é você que vai pagar a conta ... por que
você tem que assumir o comando. (O elogio do Aprendizado)
NORTE - Março de 2016
A crise do PT: o
ponto de chegada da metamorfose
“Na luta política, não se pode macaquear
os métodos de luta das classes dominantes
sem cair em emboscadas fáceis”.
os métodos de luta das classes dominantes
sem cair em emboscadas fáceis”.
ANTONIO GRAMSCI
No momento em que encerrava meus estudos de doutorado sobre o PT
em 2004 (As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o
amoldamento. São Paulo: Expressão Popular, 2006) utilizei uma citação de
José Genoíno que me parecia bastante representativa do ponto a que chegara este
importante partido em sua trajetória. O mais interessante é que no texto, que foi
publicado em 1989, o ex-presidente do PT que na época se localizava nas
fileiras da esquerda daquela agremiação, buscava descrever as características
dos partidos conservadores, próprios da estrutura política tradicional. Por uma
das ironias da história, pareceu-me que tal descrição poderia bem ser utilizada
para descrever o ponto a que chegou a metamorfose do PT.
Dizia Genoíno:
“Genericamente, na sociedade industrial moderna, os partidos
políticos da ordem nascem e atuam fundamentalmente no terreno das instituições
representativas do Estado. O seu modo de ser e sua atuação política têm como
referência e destino estar aí, operando em algum dos
aparatos do Estado. As formas como estes partidos se organizam e se estruturam
já vem marcada por este objetivo interesseiro, o de conservar a funcionalidade
do estado de coisas estabelecido. Ou, no máximo, moldando as exigências de
mudanças a um esquema de representações significativas que não abalem os
alicerces das relações sociais determinadas pelo conservadorismo. Estes
partidos mantêm uma relação com as massas populares essencialmente
manipulatória, fazendo-as crer que a sociedade (e o Estado) só terá garantias
de funcionamento se determinados limites não forem ultrapassados e se
determinados esquemas funcionais forem mantidos. E não poucas vezes, a manipulação e a mentira são revestidas com
discursos moralizantes para encobrir a sua descarada hipocrisia”. (GENOINO, José. “Um projeto socialista ainda
em construção”. In: GADOTI, Moacir. Pra que PT ?. São
Paulo: Cortez, 1989. p. 356)
O paradoxo é que o PT não nasceu no terreno das instituições
representativas do Estado, mas no terreno fértil da luta de classes.
Entretanto, a descrição acima indica com clareza o ponto de chegada de uma
organização que, nascida no solo da luta de classes, deslocou seu ser para o
terreno perigoso do “estar aí, operando em alguns dos aparatos de Estado”, com
todas as consequências que daí derivam. Não apenas o respeitar dos limites,
afirmados como intransponíveis pois ancorados nas restrições da “funcionalidade
do estado de coisas estabelecido”, mas sobretudo aquilo que hoje se torna
dramático: fazer crer às massas que a garantia de sua vitalidade só de dará na
medida em que sejam respeitados tais limites, levando à uma ação marcada pela
“manipulação e a mentira” revestidas por um discurso moralizante que tenta
encobrir sua descarada hipocrisia.
Seria este um destino inescapável para aqueles que buscam o poder?
Creio que não. Tal conclusão nada mais é que a expressão mais sofisticada da
máxima do senso comum segundo a qual o “poder corrompe”. Caso nos rendêssemos a
esta conclusão, teríamos que nos aprofundar nos escritos de John Holloway buscando os caminhos para mudar o mundo sem
tomar o poder, apenas para descobrir que ele também ainda não os encontrou.
Continuo convencido de que a explicação para a metamorfose do PT
tem de ser buscada na própria estratégia adotada pelo partido e seus limites.
Ainda que o desfecho atual não possa ser entendido como o único desenvolvimento
possível desta estratégia (governos como o da Venezuela e da Bolívia comprovam
que haviam outras trajetórias possíveis, ainda que não isentas de impasses
semelhantes), é seguro afirmar que o ponto de chegada guarda uma coerência com
o caminho escolhido.
A TRAJETÓRIA DA ESTRATÉGIA DEMOCRÁTICA POPULAR
O caminho que leva das intenções iniciais da Estratégia
Democrática Popular à sua implementação numa situação de governo é muito longo
e cheio de matizes que não é possível aqui reproduzir. Desta maneira, vou
centrar a atenção em alguns pontos que considero centrais para jogar um pouco
mais de luz no desfecho trágico que agora presenciamos e pensar sobre
perspectivas que se abrem.
Em sua substância mais essencial, a Estratégia Democrática Popular
esperava, através de uma combinação de dois movimentos em “pinça” (a construção
de um movimento socialista de massas de um lado, e assegurar as expressões
institucionais destas lutas na conquista de espaços institucionais de outro),
chegar ao Governo Federal para executar um programa anti-latifundiário,
anti-imperialista e anti-monopolista. Buscando diferenciar-se da antiga
formulação do PCB sobre a Revolução Democrática Nacional, um governo nestas
condições que busca realizar este programa não representaria uma nova teoria de
“etapas”, uma vez que sua implementação só poderia se dar por um governo
“hegemonizado pelos trabalhadores”, sem nenhuma aliança estratégica com a
burguesia.
Completa tal formulação a afirmação presente no V Encontro
Nacional do PT (1987) segundo a qual a superação do capitalismo e o início da
construção socialista marcava uma “ruptura radical” que pressupunha a
necessidade dos trabalhadores tornarem-se classe “hegemônica e dominante no
poder de Estado”, eliminando o “poder político exercido pela burguesia”.
A conjunção de vários fatores (a derrota eleitoral para Collor, a
reestruturação produtiva do capital, a crise nas experiências de transição
socialista, etc.) fará com que um processo de inflexão moderada se iniciasse a
partir do VII Encontro Nacional (1990). A diferença sutil, mas cheia de
significado, aparece nas resoluções deste encontro quando cita a formulação do
V Encontro que apresentamos antes, afirmando que os trabalhadores devem se
tornar hegemônicos na sociedade civil e no Estado, deixando outros aspectos do
projeto socialista como “desafios em aberto”.
Para os bons observadores, é fácil notar que o que desaparece da
frase é a necessidade dos trabalhadores tornarem classe dominante no Estado
destruindo o poder político da burguesia e a desconsideração explicita na
primeira formulação segundo a qual não haveria “qualquer exemplo histórico de
uma classe que tenha transformado a sociedade sem colocar o poder político – o
Estado – a seu serviço”.
O que parece ficar implícito é que os trabalhadores poderiam
ocupar a máquina do Estado burguês e colocá-la a seu serviço. Tal raciocínio se
explicita já no I Congresso em 1991, quando as resoluções afirmam, para apontar
o tipo de socialismo que se desejava e diferenciá-lo das experiências
históricas do século XX, que no caso petista o socialismo deveria se dar no
quadro de um “Estado de Direito”. Ainda que tal debate se dê no contexto de uma
avaliação necessária da relação entre democracia e socialismo e os problemas
nas experiências de transição realizadas, no caso do PT isso, parece-me, acaba
desembocando para muito além. Vejamos mais de perto a passagem das resoluções
do I Congresso que trata do tema:
“O socialismo pelo qual o PT luta prevê, portanto, a existência de
um Estado de Direito, no qual prevaleçam as mais amplas liberdades civis e
políticas, de opinião, de manifestação, de imprensa, partidária, sindical etc.;
onde os mecanismos de democracia representativa, libertos da coação do capital,
devem ser conjugados com formas de participação direta do cidadão nas decisões
econômicas, políticas e sociais. A democracia socialista que queremos construir
estabelece a legitimação majoritária do poder político, o respeito às minorias
e a possibilidade de alternância do poder”. (Resoluções do I Congresso (1991)
Quando analisamos mais detidamente a afirmação, percebemos que
trata-se do mesmo Estado Burguês na forma “democrática”, com todas seus
princípios tornados universais (ordenamento jurídico como fundamento das
relações, liberdades civis, democracia representativa combinada com formas de
democracia direta, legitimação da maioria, respeito às minorias e alternância
de poder), as famosas “regras do jogo”, tal como define ninguém menos que
Norberto Bobbio e que foram invocadas pelo ex-presidente Lula em seu discurso
recente. A diferença é que esta máquina política seria, agora, liberta da
“coação do capital”.
O problema é que se estas concepções navegam em um inevitável terreno
de abstrações, na situação concreta da possibilidade de chegar ao governo do
Estado burguês elas ganham materialidade. A principal alteração na operação da
estratégia surge exatamente da possibilidade de chegar ao Governo Federal antes
que o trabalho da “pinça” estivesse avançado o suficiente para criar uma
correlação de forças que permitisse implementar o programa anunciado.
Tal dilema se expressa em algumas perguntas: É possível, mesmo
nesta situação, chegar ao governo? É desejável? Caso se chegue é possível
manter-se, isto é, não ser derrubado por um golpe? As respostas a estas
questões são chave na compreensão de nosso tema. Porque depois de avaliar que
por conta crise econômica, das contradições dos governos burgueses de plantão,
etc. essa era sim uma alternativa possível, e depois de definir que
ela era de fato desejável, a discussão passa a se centrar nas
condições para manter-se no governo.
O sentido geral desta equação resolveu-se da seguinte forma. É
possível chegar ao governo mesmo sem a correlação de forças necessária, mas
isto implica que não seria possível implementar o programa anti-latifúndio,
anti-imperialista e anti-monopolista, o que significaria seguir o acúmulo de
forças em novo patamar – agora numa situação privilegiada de poder por se
encontrar no governo.
Neste ponto, no entanto, a operação da estratégia se torna
complexa, pois a chegada ao governo significava, no esquema anterior, a
oportunidade para desencadear o programa democrático popular e, num segundo
momento, confirmada a impossibilidade de levá-lo a cabo em sua integralidade no
interior da ordem burguesa (até pela resistência óbvia dos segmentos conservadores),
a possibilidade de seguir com uma ruptura mais radical em direção ao
socialismo. Agora, no novo contexto, trata-se de seguir a acumulação de forças
utilizando-se do espaço de governo, para depois buscar este desfecho. Mas, para
isso, é preciso e essencial permanecer no governo e a única
forma de fazê-lo era não implementar os eixos do programa e sua radicalidade
para não despertar a reação das classes dominantes.
A forma do Estado proposta e os termos deste dilema se resolvem,
no andar da carruagem, na equação que conduziria à inflexão moderada: rebaixar
o programa, ampliar alianças, ganhar as eleições e garantir a governabilidade.
Durante todo o tempo em que, nas novas condições apresentadas, o
PT levaria o processo de acúmulo de forças para uma situação de governo, o
Estado burguês não interviria no sentido da interrupção do processo, uma vez
que o PT estaria comprometido a respeitar as regras do jogo.
Acontece que as regras não dizem respeito apenas ao tabuleiro
político. O jogo principal se dá na luta de classes, e é em seu terreno (que
são as relações sociais de produção e as formas de propriedade) que se
encontram as principais regras que a burguesia quer ver respeitada. O
equilíbrio não estaria, portanto, apenas na aceitação das regras da disputa
política e do exercício de governo, mas na aceitação explícita que ninguém
estava disposto a chutar o tabuleiro da acumulação capitalista, ou nas palavras
do jovem Genoino, “moldando as exigências de mudanças a um esquema de
representações significativas que não abalem os alicerces das relações sociais
determinadas pelo conservadorismo”, diríamos nós, determinadas pela forma
capitalista de produção e a sociabilidade burguesa que dela deriva.
É neste ponto que a estratégia petista desemboca no pântano do
pacto social e da conciliação de classes como condição de sua governabilidade.
Os termos do XII Encontro Nacional em 2002, às vésperas da eleição que levaria
Lula ao seu primeiro mandato é reveladora desta intenção ao falar da
necessidade de um “novo contrato social”, uma ampla aliança entre forças
políticas para dar “suporte ao Estado-Nação”, leque de forças que deveria
incluir “empresários produtivos de qualquer porte”. O problema era como atrair
o empresariado de qualquer porte e a resposta é os benefícios de superar a
lógica rentista, a ampliação do mercado de massas e garantir a “previsibilidade
para o capital”.
Ora, previsibilidade para o capital significa garantir para a
burguesia que não se mexerá nas formas de propriedade, nas relações sociais de
produção e, conjunturalmente, não se alteraria o rumo da contra reforma em
curso e seus mecanismos macro-econômicos. Ou seja, exatamente o que foi depois
expresso na “Carta aos brasileiros”, de Lula em 2002.
Quatro mandatos presidenciais demonstram, é certo, a eficiência
tática do caminho do pacto social. Mas algo salta à vista de qualquer analista
atento: a tática de permanência no governo não acumulou forças no sentido
esperado no quadro da estratégia democrática popular. Pelo contrário: desarmou
a classe trabalhadora de sua autonomia necessária, a desorganizou,
despolitizou, e deslocou o campo de luta para o terreno do inimigo: seu Estado.
Aí está um nó principal no grande equívoco de implementação da estratégia na
situação de governo. O Estado não é neutro, nem altera sua natureza de classe
pela ocupação de seus espaços por forças sociais oriundas de outras classes,
segue funcionando como Estado-classe, nos termos gramscianos.
Para manter os termos necessários ao pacto e a conciliação de
classes, o governo é obrigado a golpear os trabalhadores em seus direitos mais
elementares. O preço da governabilidade não é o adiar da execução integral do
programa democrático popular, é sua mais retumbante renúncia.
MAS E A OPERAÇÃO LAVA JATO?
Neste ponto da exposição, o leitor inquieto do Blog da Boitempo se pergunta: “puxa,
a conjuntura explodindo em fatos dramáticos, a Presidente sob risco de
impedimento, Lula sendo levado sob condução coercitiva para depor na Lava-Jato,
e este cara nos falando de estratégia!?”
Pois é, o problema é que não creio ser possível entender os
acontecimentos envoltos nas brumas enganosas da conjuntura, e muito menos
posicionar-se politicamente, sem compreender estes fatos à luz do processo histórico
mais recente. Aquele que tomar as decisões pelo fígado ou movido pelas paixões
mais candentes, corre um enorme risco de errar.
Uma lembrança pessoal pode me ajudar a finalizar esta reflexão.
Inúmeras vezes, quando militava no PT, era provocado pela veemente afirmação
segundo a qual Lula tinha uma casa no Morumbi. Ocorre que naquela época eu
morava em São Bernardo e era vizinho de Lula. Ele morava ao final da Rua São
João e eu uma rua acima. Era uma casa absolutamente compatível com as condições
de um operário e dirigente sindical. Desta forma, sempre respondia a tais
provocações com humor, afirmando que meu pequeno apartamento na cidade do ABC
paulista tinha então valorizado muito, pois não sabia que ali era o Morumbi.
Conto isso para afirmar duas coisas. Primeiro, que o que tem
aparecido é apenas uma cortina de fumaça. Não se trata de bens pessoais ou
favorecimentos. Não tenho o menor interesse em saber onde fica ou qual o
tamanho da moradia do ex-Presidente, nem de onde ele descansa nos fins de semana.
Segundo, que diferente daquela época, não estou disposto a botar minha mão no
fogo para atestar a inocência de Lula, como parece ter se prontificado Fernando
Morais. Não pelos fatos que o imputam, como disse, mas por algo maior que se
refere à reflexão aqui apresentada.
Uma das consequências da conciliação de classes operada é uma
relação promiscua entre o poder público e os interesses monopolistas privados.
Vejam, não discuto a dimensão legal de tais atos, uma vez que exércitos de bons
advogados podem chegar a provar que nada do que foi feito é ilícito. Não opino
e não quero opinar neste campo. Interessa-me uma dimensão política e moral.
Pode ser perfeitamente legal, num exemplo hipotético, que um
ex-Presidente aproveite suas viagens para apresentar a um determinado candidato
em um certo país, seu amigo publicitário com um portfólio invejável de vitórias
eleitorais; ou ainda, um esforçado empresário de uma grande empreiteira
disposto a contribuir desinteressadamente com os custos de tal campanha e depois
discutir, já que está por ali, a eventualidade de um ou outro contrato caso o
candidato ganhe. Independente de discutir a legalidade de tais procedimentos,
do ponto de vista moral é reprovável e do ponto de vista político tal postura é
indefensável.
Em outro plano, com o perdão dos adoradores da álea singular dos
acontecimentos conjunturais, o desenvolvimento da estratégia petista na
situação de governo comprovou que o malabarismo do pacto social acabou por
favorecer muito os interesses das camadas dominantes, ao mesmo tempo em que se
operavam ataques severos contra nossa classe trabalhadora, como a reforma da
previdência, o rigor na aplicação do ajuste fiscal, a lei antiterrorismo que
criminaliza as lutas sociais, a entrega do pré-sal, o abandono da reforma
agrária, o código florestal e o código de mineração, a liberação dos
transgênicos, e uma lista que não caberia neste espaço.
Assim, nos parece que a burguesia está disposta a se livrar de seu
aliado, não por suas eventuais virtudes de um líder operário que um dia foi,
mas pelo simples fato de que, tendo sido muito útil para operar uma democracia
de cooptação fundada no apassivamento da classe trabalhadora, torna-se agora
fonte de instabilidade que pode colocar em risco os interesses dominantes. E a
burguesia vai usar todos os meios para tanto, fazendo uso inclusive daqueles
instrumentos de seu Estado-classe que o PT julgava que fossem “republicanos” e
que estariam a serviço desta abstração chamada “nação”.
O PT não se preparou para esta eventualidade pelo simples fato de
que em sua estratégia tal possibilidade inexistia – seria neutralizada pelo
caminho escolhido e o respeito às regras do jogo. Não há culpados na luta de
classes, não somos cristãos. Mas há responsabilidade. Se a direita, como parece
ser o caso, resolver se livrar do PT com os métodos mais escusos, certamente a
responsabilidade não pode ser atribuída àqueles que sempre apontaram esta
possibilidade e indicaram os limites do desenvolvimento desta estratégia.
O argumento que convoca à defesa pública de Lula (e, por via de
consequência, de seu partido), de que se é a direita que o ataca, a esquerda
“tem a obrigação de defendê-lo”, é absolutamente falacioso. A única maneira de
defender Lula é torná-lo um fetiche. Isto é, abstrair toda a particularidade
concreta que o constitui para produzir um Lula simbólico muito distinto da
pessoa real que ele é e que sua prática demonstrou ser. Para emergir um Lula
defensor injustiçado dos mais pobres e dos trabalhadores, perseguido pelos
poderosos, é necessário abstrair o Lula amigo destes poderosos, levando-os em
vôos fretados para fazer negócios e criando as condições para que ganhassem
dinheiro como nunca, como ele próprio gosta de dizer. Mas mesmo assim,
proclamam outros, este símbolo pode ser o que nos resta para resistir contra o
ataque da direita.
Os caminhos nefastos do culto à personalidade – de se acoplar o
destinos da classe ao carisma pessoal de um líder independente do sentido real
que sua ação política aponta – já demonstrou seus enormes riscos na história de
nossa classe. Se um Lula abstrato e fetichizado – em outras palavras, o lulismo –
for nossa última e única linha de resistência (o que não creio que seja
verdade) contra o próximo movimento da direita, seja qualquer que for o
resultado, nós já estaremos derrotados.
http://blogdaboitempo.com.br/2016/03/10/a-crise-do-pt-o-ponto-de-chegada-da-metamorfose/ Se quiser acessar o blog da boitempo.
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